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Revista Psicologia e Saúde

versão On-line ISSN 2177-093X

Rev. Psicol. Saúde vol.7 no.1 Campo Grande jun. 2015

 

RELATO DE PESQUISA

 

Vivências da prematuridade: a aceitação do filho real pressupõe a desconstrução do bebê imaginário?

 

Experiences of prematurity: has the acceptance of the real child assumed the deconstruction of the imaginary baby?

 

Vivencias de la pre-maturidad: la aceptación del hijo real presupone la destrucción del niño imaginario?

 

 

Débora MarchettiI; Mariana Calesso MoreiraII

IHospital São Vicente de Paulo - RS
IIHospital Moinhos de Vento - RS

Endereço 1

Endereço 2

 

 


RESUMO

A pesquisa visa compreender o vínculo afetivo mãe-bebê, considerando a situação de prematuridade. O estudo contou com a participação de quatro mães, que por alguma intercorrência na gravidez, tiveram seus filhos prematuros, sendo estes internados no CTI Neonatal do Hospital São Vicente de Paulo. Trata-se de um estudo compreensivo de caráter qualitativo. A coleta de dados se deu mediante uma entrevista semidirigida, e os relatos foram analisados através do método de Análise de Conteúdo. Através das verbalizações, pode-se concluir que a prematuridade tende a interferir na construção do vínculo mãe-bebê, pois a hospitalização de um filho prematuro desorganiza a dinâmica familiar. A aproximação e a construção do vínculo acontecem de forma gradual, condizente com o quadro clínico do bebê. Para que o vínculo se estabeleça satisfatoriamente, o apoio da equipe multiprofissional parece fundamental e, por isso, deve-se investir no aperfeiçoamento de profissionais para o cuidado humanizado.

Palavras-chaves: CTI neonatal; Prematuridade; Vínculo.


ABSTRACT

The research aims to understand the emotional mother-baby bond considering the situation of prematurity. The study included the assessment of four mothers, who for some complication in pregnancy had a premature delivery, being their babies hospitalized in a Neonatal Intensive Care Unit of the Hospital São Vicente de Paulo. It is a comprehensive and qualitative study. Data collection occurred through a semi directed interview and the reports were analyzed using the method of Content Analysis. Through the verbalizations we can conclude that prematurity tends to interfere with the construction of the mother-infant bond because the hospitalization of a premature child disrupts the family dynamics. The approach and the construction of the bond happens gradually, consistent with the clinical picture of the baby. To ensure that the bond is satisfactorily established a multi-professional team support seems fundamental and therefore we should invest in the training for the humanized care professionals.

Key-words: Neonatal ICU; Prematurity; Bond.


RESUMEN

Esta investigación pretende hacer comprender el vínculo afectivo madre-bebé considerando la situación de pre-maturidad. El estudio contó con la participación de cuatro madres, que coincidieron en su etapa de gravidez y tuvieron sus hijos prematuros, siendo, los mismos, internados en el CTI Neonatal Del Hospital São Vicente de Paulo. Trátase de un estúdio comprensivo de carácter cualitativo. La colecta de datos fue llevada a cabo mediante una entrevista semi dirigida y los relatos se analizaron a través del método de Análisis de Contenido. Teniendo em cuenta los diálogos se puede concluir que la pre- maturidad tiende a interferir en la construcción del vínculo madre-bebé, ya que la hospitalización de un hijo prematuro desorganiza la dinámica familiar. La aproximación y la construcción del vínculo acontecen de forma gradual,condicente con el cuadro clínico del bebé. Para que el vínculo se establezca satisfatoriamente parece fundamental el apoyo del equipo multiprofesional y es por eso que debe investirse en el perfeccionamiento de profesionales para el cuidado humanizado.

Palabras-clave: CTI neonatal; Pre-maturidad; Vínculo.


 

 

Introdução

A presente pesquisa tem o intuito de compreender a vivência da maternidade no contexto de prematuridade e internação do bebê, no Centro de Terapia Intensiva Neonatal (CTI Neonatal). O interesse por este tema surgiu a partir das percepções e intervenções realizadas pela equipe de Psicologia, no CTI Neonatal do Hospital São Vicente de Paulo, da cidade de Passo Fundo, interior norte do Rio Grande do Sul, ao observar a angústia e o medo das mães após o nascimento do bebê prematuro, em razão da possibilidade da perda da criança.

Em vista destas considerações, buscou-se entender os sentimentos que existem no primeiro contato da mãe com o bebê internado em um CTI Neonatal, e assim, compreender o papel do psicólogo hospitalar, na vivência e construção da maternidade, especialmente nos primeiros dias de vida dos bebês internados.

Repensar estas questões permite aprofundar o entendimento psicodinâmico sobre o vínculo primário entre a mãe e o bebê, e desta forma abrir espaço para pensar qual o papel da ausência vincular materna nos primeiros dias ou meses de vida de um bebê prematuro, na formação da sua personalidade e nas relações que o sujeito estabelecerá ao longo de sua vida.

Stern (1997) coloca que gerar um filho é uma experiência única, permeada por diversos sentimentos, que se fazem presentes, em algumas situações, muito antes da gravidez ser confirmada. As fantasias e emoções que fazem parte da vida mental dos pais têm forte influência na relação que será estabelecida com seu filho. Tratam-se não apenas de representações atuais, mas de recordações e resquícios de sua própria infância.

Conforme descrito em Brasil (2002), a ligação afetiva entre os pais e um novo bebê não acontece da noite para o dia. É um processo contínuo. Mesmo os pais tendo dificuldade numa fase inicial, isso não significa que eles deixarão de formar laços afetivos com o bebê.

Klaus e Kennell (1992) abordam o laço original entre pais e bebê como sendo a principal fonte para todas as ligações subsequentes dele, a partir do qual a criança desenvolve um sentido em si mesma. Zimerman (2010) inclui o pai como tendo uma participação ativa no vínculo mãe-bebê, contudo, enfatiza que o vínculo primordial na existência do ser humano é do recém-nascido com a sua mãe. Se a relação for permeada de afeto, a mãe não apenas oferecerá cuidados autoconservativos, como também será capaz de decodificar as necessidades, angústias e desejos do seu bebê, dando um novo significado ao que ele está sentindo.

Entretanto, o afeto presente na relação está diretamente ligado às representações formadas em torno do bebê, que, muitas vezes, não correspondem ao bebê real pelo nascimento acontecer de forma antecipada. Assim, Brasil (2002) alude que o nascimento pode se tornar um momento que marca o luto do bebê imaginário e a necessidade de adaptação ao bebê real. Nestas situações, fica a dúvida sobre como será resgatado e estabelecido o vínculo da mãe com este bebê, sendo ela indispensável para ambos.

E é em torno destes sentimentos que a maternagem será construída e o vínculo mãe-bebê estabelecido. Klaus e Kennell (1992) referem que a mulher experimenta de forma direta as transformações de seu corpo, sente os movimentos, as sensações e, a partir destas primeiras marcas, o bebê passa a ser idealizado no seu imaginário. Porém, nem sempre o bebê idealizado condiz com o filho real após o nascimento.

Dependendo de algumas possíveis intercorrências na gestação o bebê pode nascer prematuro, isto é, nascer antes das trinta e sete semanas de gestação, conforme afirmam Gomella, Cunnigham, Eyal e Zenk (2006). Conforme os autores as causas que levam a antecipar o parto são eventos agudos ou doenças que colocam a vida da mãe e do bebê em risco, como: pré-eclampsia, infecções, doenças crônicas, descolamento da placenta, hipertensão crônica, entre outros motivos. A prematuridade exige cuidados redobrados. Por isso, para recebê-los, ele é encaminhado para o CTI Neonatal, o que provoca a separação entre a mãe e o bebê logo após o parto. Nestes casos, a mãe permanece internada na maternidade e o bebê no CTI Neonatal, estabelecendo contato apenas quando a mãe tiver condições de ir até o seu filho.

Na situação de prematuridade, o tempo de gestação e o peso do bebê, além das patologias que possam estar associadas, vão determinar os cuidados a serem tomados no CTI Neonatal. Alguns apenas precisam dos cuidados básicos, por poucas semanas, para atingir ganho de peso, para o controle de sua pressão arterial, monitoramento cardíaco e respiratório. Enquanto outros exigem tratamentos mais complexos, ficando por meses aos cuidados da equipe intensivista. Como não consegue respirar sozinho, o bebê tem de estar ligado a uma máquina, tubos são colocados dentro de seus vasos sanguíneos, nas veias periféricas ou mesmo no umbigo, para que sejam administradas as medicações. Sondas podem entrar pelo nariz ou pela boca, para que possa receber a alimentação direta em seu estômago. Muitos exames, diversos profissionais, e o bebê, frágil, pequenino, passando por todas estas interferências antes do tempo, do seu tempo.

O CTI Neonatal é uma área hospitalar que funciona vinte e quatro horas por dia, e conta com uma equipe multiprofissional que atua junto ao paciente e a sua família. A realidade com que a mãe se depara nesse setor é de um mundo desconhecido e ameaçador. As visitas são restritas aos pais e avós, por períodos determinados. Nesses momentos, a atenção se volta para além do bebê, ficam atentos aos monitores, à agitação da equipe dos profissionais da saúde, os procedimentos, às avaliações.

A hospitalização em si é um fator que desorganiza a dinâmica familiar. Lidar com estes acontecimentos inesperados, como a separação do bebê, a possibilidade de agravamento ou perda, faz com que sentimentos de preocupação, angústia, medo e insegurança predominem, causando um descompasso entre o que era imaginado até então e o bebê que acaba de chegar.

Os planos, nesta circunstância, não aconteceram como era esperado. A gestação não se completou aos nove meses, o filho não nasceu saudável como imaginado e a expectativa de levar o filho nos braços, para casa, foi postergada.

Passa a fazer parte da rotina às idas e vindas de casa para o CTI. A mãe sente que muitas vezes é uma visitante para seu filho o que gera frustração, adicionada às restrições da função da maternagem pela imaturidade e instabilidade do bebê. Grenvik, Goés e Ayres (1998) descrevem que os pais, além de experenciar diversos sentimentos, também sofrem alterações em seus papéis de pais, sendo este o aspecto mais estressante do ambiente.

A maioria das mães tem o desejo de amamentar seu filho, o que inicialmente é impossibilitado quando se trata de um prematuro. Quiniou (in Gomes, 2004) coloca que todas as referências que a mãe tinha sobre as relações iniciais com o filho ficam alteradas, pois no CTI ele é alimentado sem a participação da mãe. Isso faz com que a mãe tenha que (re) descobrir um novo caminho na aproximação do contato com seu filho.

No caso de um parto antecipado, não se trata apenas de um bebê prematuro, mas de pais que também não estavam preparados para tal situação. Segundo Stern (1997) é com o avanço do tempo gestacional que as representações sobre o bebê idealizado tendem a diminuir com o intuito de a mãe ir protegendo esse bebê que está por chegar, e a si mesma de uma potencial discordância entre o bebê real e a do seu imaginário.

Compreende-se, assim, que o parto prematuro não oferece tempo para a mãe ajustar seu mundo representacional e criar um espaço mental para o bebê real. Stern (1997) menciona que a partir do nascimento, a mãe começa a reconstruir as representações, reelaborando-as para se ajustarem à realidade: quem é seu bebê e de quem vai se tornar.

Stern (1997) chama este momento de "constelação da maternidade", onde a mãe entra em uma nova e única organização psíquica, em que o processo de representar é intenso. Quando o parto é antecipado, a mãe é privada de vivenciar as etapas finais da gestação e, sendo assim, precisa lidar, também de forma prematura, com o bebê frágil que acaba de vir ao mundo.

Zimerman (2010) acrescenta que não é somente o bebê quem depende maciçamente do contato da mãe, mas que esta também necessita ser reconhecida pelo bebê. A construção da maternidade inserida no ambiente do CTI suscita os mais diversos sentimentos. Para a maioria das mães é um lugar novo e assustador, que representa angústia. Elas entram em contato com este setor e se deparam com um bebê frágil, que não possui maturação biológica completa e necessita de aparelhos para sobreviver. Diversos sentimentos aparecem mesclados: impotência, por não ter completado o período de gestação; incapacidade, por não poder oferecer os cuidados que o filho necessita; e a incerteza de ser possível sua sobrevivência.

Neste contexto, o papel da assistência humanizada é de suma importância para o desenvolvimento do vínculo mãe-bebê. A acolhida e auxilio a mãe, esclarecendo suas dúvidas e compreendendo suas questões favorece o sentimento tênue de pertença sobre seu filho, permitindo que ambos se reconheçam e se identifiquem, dando seguimento a uma relação que iniciou ainda intra-útero.

 

Metodologia

Trata-se de um estudo compreensivo de caráter qualitativo. Foram realizadas entrevistas semidirigidas, com roteiro elaborado pelas autoras. Os temas abordados giram em torno das fantasias das mães sobre seus bebês antes do nascimento, as reações ao receber o diagnóstico de prematuridade, as percepções ao entrar pela primeira vez em um CTI Neonatal e as influências da internação neste espaço para a relação mãe-bebê. Tais questionamentos proporcionam um comparativo entre o que era esperado, imaginado com a realidade que se deparam frente ao nascimento prematuro.

Foram entrevistadas quatro mulheres que contemplavam os seguintes critérios de inclusão: maiores de idade, internadas na maternidade do Hospital São Vicente de Paulo, que por alguma intercorrência na gravidez, tiveram seus filhos prematuros, sendo estes internados no CTI Neonatal do mesmo hospital. Todas eram mães de bebês prematuros que apresentaram, ao nascer, peso inferior a 1.500g, e sem comorbidades, características que pós alta os inserem no Ambulatório de Acompanhamento de Prematuros Egressos de CTI Neonatal.

Mediante estas considerações e a apresentação do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, as mães foram convidadas a participar da pesquisa. Foi realizado um encontro com cada participante, com duração de uma hora, em uma sala apropriada no setor do CTI Pediátrico e Neonatal. As entrevistas foram gravadas e depois transcritas, o que permitiu, posteriormente, a compreensão plena do conteúdo.

Os dados obtidos a partir das entrevistas foram analisados quanto ao seu conteúdo através do modelo de Análise de Conteúdo proposto por Bardin (1991), cujo objetivo é o de sistematizar, codificar e condensar dos significados presentes em relatos verbais.

Para a organização das informações foram utilizados três pólos cronológicos: pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados e interpretação. Com essa organização, Bardin (1977) refere que é possível ver um rumo em meio ao material discursivo que se forma, haja vista a grande quantidade de informações de que dispõe o pesquisador.

Quanto o primeiro pólo, pode-se afirmar que os principais pontos da pré-análise são a leitura flutuante, a escolha dos documentos (relatos transcritos), a formulação das hipóteses e objetivos (interesse do estudo) e a elaboração dos indicadores (freqüência de aparecimento)

Na exploração do material, fez-se a codificação e, posteriormente, os recortes em unidades de contexto e de registro, bem como sua categorização. Assim, todas as informações obtidas, foram organizadas e sintetizadas em cinco categorias temáticas que agregam as leituras textuais e atribuições de significados da pesquisadora a partir dos seus conhecimentos e teoria de base.

Para finalizar o processo, foi realizado o tratamento dos resultados e interpretação através dos conteúdos coletados e do referencial teórico, permitindo analisá-los de forma reflexiva.

 

Resultados e Discussão

A partir das entrevistas realizadas foi possível identificar cinco categorias de conteúdo que serão explicitadas a seguir.

A prematuridade como rompimento das fantasias relacionadas à maternidade

Embora o vínculo mãe-bebê tenha sido muito estudado e aprofundado no decorrer da história da Psicologia e da Psicanálise devido a sua importância na constituição do sujeito, pouco se investigou sobre a formação desse laço original, quando, por alguma intercorrência, a gravidez é interrompida. Nestes casos, a identidade materna que estava sendo construída necessita voltar-se para uma nova realidade: a prematuridade do bebê.

A segunda participante traz seu entendimento ao saber que possivelmente teria que antecipar a data do parto. "Foi complicado. Isso foi terrível! Quando eu baixei me falaram que o melhor aparelho era a minha barriga e me falaram que se nascessem elas poderiam morrer, então isso já foi um susto."

Percebe-se que encarar a prematuridade é deparar-se, inicialmente, com o medo e o receio de que seu filho não sobreviverá no mundo exterior, separado da mãe. Observar seu filho sob cuidados intensivos e o ambiente do CTI exige mudanças e novas adaptações para vivenciar e acompanhar esse período de instabilidade que o bebê apresenta. A prematuridade aqui não é só dos bebês, mas também das mães que, de alguma forma, se vêem forçadas a acelerar um processo de reconhecimento da maternidade que ainda estava em formação.

À medida que os dias passam e o pequeno prematuro apresenta evoluções no seu desenvolvimento, Klaus e Kennell (1992) referem que a mãe começa a acreditar que ele provavelmente sobreviverá e assim, reorganiza seu imaginário. A readaptação da figura anterior do bebê imaginado à aparência real do seu filho está longe de ser fácil, em vista da dificuldade da mãe para reconhecer que seu bebê muito pequeno poderá se tornar uma criança saudável.

A terceira participante relata os mesmos sentimentos e mudanças de percepção descritas pelos autores acima, verbalizando: "Nos primeiros dias eu colocava a mão na barriga pra ver se ela se mexia, mas ela não estava mais ali. Às vezes eu esquecia sabe? E daí o fato dela ter nascido antes do tempo foi bem difícil [...] E com o tempo ela foi mostrando que cada um evolui de um jeito. Se a nenê do lado faleceu, isso não significa que a minha também vai, que cada um tem sua força, seu jeito de se desenvolver.".

Para Soulé (1987), é comum descrever-se o parto como uma castração sofrida pela mulher, que perde uma sensação de preenchimento e confronta-se com o filho real. O parto prematuro não oferece o tempo necessário para a mãe ajustar seu mundo representacional e criar um espaço mental para o bebê real. Uma ferida narcísica se inscreve e obriga a mulher a fazer rápidos arranjos reparadores. Conforme Soulé (1987), durante algum tempo, é preciso que funcionem fatores de ilusão, uma espécie de amarração do filho imaginário sobre o recém-nascido. Freud (1914/2006), ao falar sobre a ferida narcísica, coloca que, inicialmente, há uma compulsão em atribuir perfeições ao filho e de ocultar todas as suas deficiências. Sendo assim, a mãe tem a difícil tarefa de readaptar a figura anterior do bebê imaginado à aparência e às condições de seu filho real.

 

Idealizações maternas: o bebê imaginário

A interrupção abrupta da gestação origina questionamentos a respeito do que a mãe vinha esperando e desejando da sua gravidez, como pode ser exemplificado em um trecho da fala da quarta entrevistada. "Porque quando tu projeta no começo, tu imagina só coisas boas. Eu imaginava assim: meu bebê vai ter dois quilos e meio a três, até porque isso é mais ou menos o normal. Nunca imaginei que ela iria nascer de trinta semanas e tão pequeninha assim."

Muitas vezes, ao relatar seus sentimentos a respeito do parto antecipado percebe-se um sentimento de culpa. As mães buscam uma explicação em suas condutas e comportamentos posteriores que justifique a separação repentina e o risco de vida do bebê.

A terceira participante traduz este sentimento de forma bastante clara quando menciona: "Eu imaginava um bebê de três quilos, que já mamava, chupava chupeta... Eu imaginava ter ela e levar pra casa como acontece com a maioria das mães. Daí vem àquela frustração. Frustração dela ter nascido antes, frustração de ter ouvido que eu não estava mais suprindo as necessidades dela dentro do útero, então eu me senti meio que... incapaz de ser mãe, como se eu não prestasse nem pra isso. Foi bem difícil mesmo, foi uma fase que eu não desejo pra nenhuma mulher".

Pode-se pensar que a frustração e a culpa mencionada pelas mães participantes trata-se também de um conflito ambivalente, onde Bowlby (1982) relaciona como sendo uma condição normal das nossas ligações. Logo, ter estado grávida é seguido pela culpa e a frustração de não ter conseguido completar a gestação e ter um filho prematuro. O autor ainda acrescenta que, em cada dia de nossas vidas, cabe-nos a tarefa de regular estes conflitos e habilidade para distinguir as frustrações evitáveis das inevitáveis.

Estas frustrações são modificadas quando as mães conseguem oferecer um novo olhar para determinados momentos, como é o caso da segunda participante: "Eu tenho contato com elas, claro que não é aquela coisa de abraçar, pegar no colo, mas eu converso bastante com elas, coloco a mão, digo "aperta o dedo da mãe". Elas dão um apertãozinho, mas é pouca coisa. Mas é aquele contato! Qualquer movimento que elas fazem pra mim é grande coisa, como se fosse uma palavra.".

A mãe busca conhecer e interagir com seu bebê. Passa a investir libidinalmente em seu filho real. Nesse momento, segundo Soulé (1987), "o objeto é tratado como o próprio ego, então, uma quantidade significativa de libido transborda sobre o sujeito" (p. 135). Para a mãe, o bebê que está diante de si - frágil, esquelético, com pele fina e avermelhada, e aparelhos por todo o pequeno corpo - é seu; o seu filho desejado. Mesmo com a complexidade e a gravidade do quadro, a mãe investe todo o amor em seu filho.

 

Desconstrução do bebê imaginário

O bebê imaginário passa a fazer parte da vida mental dos pais através das primeiras manifestações de vida, onde o casal atribui características ao futuro filho. Brasil (2002) descreve que é o bebê criado, imaginado em sonhos, pensamentos e percepções maternas e paternas, por meio da vivência do bebê intra-útero. O bebê real, aquele que nasce, começa a surgir no pensamento materno e paterno no final da gestação.

Nas situações de prematuridade, a mãe apresenta maior dificuldade de vivenciar o que Bleichmar (2005) chama "Narcisismo Transvasante", que é aquele narcisismo capaz de desprender-se da pessoa mesma (mãe) e transpor-se até o outro, no caso, o bebê.

A mãe assimila aos poucos o bebê que acaba de chegar, porém, isso sempre ocorre à luz do retrato mental de seu imaginário. Em seu psiquismo, inicia-se uma desconstrução gradual, que pode ser equiparada ao processo de luto.

A dificuldade dos pais em compreender e adaptar-se a situação que se apresenta é descrita por Green (in Klaus e Kennell, 1992), o qual refere que, para os pais, o tempo parece voar e, contudo, permanece imobilizado. Encontram-se deslocados, há mudanças no seu trabalho e na sua vida, seus ritmos biológicos desordenados, atônitos, ansiosos e terrivelmente cansados e incapazes de compreender o que está acontecendo.

Nota-se que, no decorrer dos dias, as mães se inserem no ambiente do CTI Neonatal, acompanham seu funcionamento e o quadro clínico do filho. Assim, gradualmente, passa a existir uma maior aceitação do bebê.

A quarta participante traz este sentimento no seguinte trecho da sua entrevista: "Quando eu vi ele pela primeira vez, eu vou ser bem sincera: eu me espantei. Assim, eu entrei quase em pânico, porque é um bebê pequeno de novecentas gramas (chora). Bem dizer, tu enxergava só os ossinhos. Então eu entrei quase em pânico. Os primeiros dias parece que tudo é mais difícil, parece que tu não vai superar, não vai agüentar mas, no decorrer dos dias vai passando, tu vê que ele tem possibilidade de crescer, de evoluir no tratamento e que é uma coisa que vai passar.".

Aos poucos, o bebê real não é mais tão assustador quanto nas primeiras impressões. A mãe, gradativamente, se apropria do filho, e a aproximação, que antes era discreta, se torna cada vez mais intensa, principalmente por ter a perspectiva de que seu filho poderá superar a gravidade da prematuridade e não correr mais risco de vida.

Assim, a terceira participante fala das evoluções da filha, no período de internação: "Cada dia foi uma vitória. Depois de uma ou duas semanas, ela saiu do tubo e foi pro cpap. Daí eu já me alegrava, eu ficava feliz, conversava, ficava olhando ela. [...] Mais uns dias ela saiu do oxigênio, daí me disseram: Tu já pode pegar ela no colo. Nossa!Daí foi outra festa. Cada dia era uma vitória, uma comemoração conforme ela ia evoluindo. Isso parece que foi tirando aquela negatividade."

Remetendo-nos a Freud (1914/2006), tanto a libido quanto o interesse do ego da mãe partilham do mesmo destino: seu pequeno recém-nascido. Estes são indistinguíveis entre si. Não é o bebê gordo e rosado que esperava, mas permite que experencie um sentimento de completude, de ser mãe.

 

Construção do vínculo mãe-bebê

Desde os primeiros dias de vida o bebê depende de outro ser humano para ter suas necessidades atendidas. Logo esse cuidado ultrapassa a barreira do autoconservativo e adentra o mundo pulsional, afetivo.

Winnicott (1994) coloca que a mãe, de uma forma sensível, compreende os sentimentos de seu bebê, por se encontrar temporariamente em sintonia com ele. Ela ajuda o bebê a livrar-se das suas angústias, e vai ao seu encontro nos momentos em que estão disponíveis, e na fase exata do desenvolvimento que ele se encontra.

No que diz respeito à interação mãe-bebê em um CTI Neonatal, percebe-se inicialmente nas mães certa dificuldade em estabelecer uma vinculação com o filho, tal como descreve o autor mencionado anteriormente. Tal resistência diminui quando percebem a evolução do bebê no ganho de peso, na diminuição de medicamentos, retirada de aparelhos, quando escutam do médico que seu filho está fora de risco ou sem sequelas, ou seja, quando vivem a maternidade sem tantos riscos.

A seguinte fala descreve os sentimentos da terceira entrevistada em relação à dificuldade de vincular-se a um bebê que inspira sérios cuidados: "A gente pensa: vai dar tudo certo! Mas no fundo a gente tem aquele medo. Mas, conforme ela foi evoluindo, eu tinha mais confiança de entrar lá. E eu sabia que ela ia estar bem. Eu hoje já tenho essa certeza: que ela está bem e logo vai pra casa. Só que no começo eu não tinha essa certeza. Era mais incerteza.".

Para Klaus e Kennell (1992), o vínculo dos pais com seus filhos deve ser o mais forte de todos os laços humanos. Eles consideram o apego como crucial para a sobrevivência e desenvolvimento do bebê, pois, se relação for permeada de afeto, permitirá que a mãe tenha condições de decodificar as necessidades, os desejos, as angústias do seu filho, e com sua capacidade de continência, poderá ressignificar o que o bebê está sentindo. Também, à medida que a mãe começa a cuidar do filho e executar a tarefa de ser mãe, ela adéqua às fantasias anteriores acerca do bebê com uma que esteja mais próxima do filho diante dela.

É o que podemos perceber com a quarta entrevistada que, no primeiro momento, apresenta sua filha como: "Um bebê pequeno de novecentas gramas (chora). Bem dizer tu enxergava só os ossinhos." Com o passar do tempo de hospitalização e com as mudanças no quadro clínico, a mãe mostra-se envolvida nos cuidados, procedimentos e oferece um novo olhar: "Ela chegou a vir pra oitocentas gramas pra hoje que é um quilo e oitocentos. Depois de quase um mês, da pra dizer que ela está super bem, até porque ela passou por uma infecção, teve que ficar entubada, usar cpap e, mesmo assim, ela evoluiu, superou e está superando ainda."

 

As influências do CTI na construção da maternagem

Mesmo sabendo que o CTI Neonatal é o melhor lugar para bebês permanecerem em função da gravidade que apresentam, as mães não sabem o que as espera e sentem-se ameaçadas pelo desconhecido que terão que enfrentar.

A primeira das dificuldades parece ser o contato restrito com o filho. A expectativa após o parto é de poder ver, tocar o bebê tão desejado durante a gestação. Contudo, o ambiente do CTI restringe esta aproximação nos primeiros momentos devido aos cuidados intensivos que o prematuro necessita receber, ficando a mãe na função de espectadora.

Klaus e Kennell (1992) ressaltam que muitas vezes a mãe tem receio de tocar no seu bebê por medo de machucá-lo ou infectá-lo. Isto pode derivar de sua crença de ser uma mãe inadequada ou "má", porque não foi capaz de produzir um bebê normal. O que corrobora com a verbalização da quarta entrevistada: "Às vezes tu evita de passar muito a mão, depende a ocasião, pra não pegar infecção. Uma que a gente é muito medrosa e gera a ansiedade. Então, às vezes eu passo horas olhando. A vivência é tu estar perto e ao mesmo tempo com uma certa distância."

É esperado que nas primeiras visitas ao CTI Neonatal haja uma ambivalência de sentimentos, sendo pertinente a intervenção do psicólogo. No setor mencionado o psicólogo realiza atendimentos individuais e grupos de pais, com o objetivo de oferecer um suporte diferenciado, um espaço de escuta para que as mães possam elaborar seus sentimentos, ao expor o que pensam e sentem. O trabalho volta-se para seus desejos, sonhos, sobre o que imaginavam e como estão lidando com a nova realidade do universo que engloba a prematuridade. O foco desta intervenção é o apoderamento da mãe no seu papel de maternagem, para que, aos poucos, se aproprie de seu filho.

 

Conclusão

Com base na análise dos dados obtidos nas entrevistas e no material teórico pesquisado, pode-se afirmar que a prematuridade e a situação de internação influenciam o vínculo mãe-bebê.

A partir dos relatos, observou-se que diante do impacto do nascimento prematuro há um sentimento de incompletude experenciado pela mãe. A ambivalência e incerteza em relação ao risco de vida e a gravidade fazem com que a mãe se vincule ao bebê de forma gradual. O vínculo inicial necessita de tempo para ser construído, e, pouco a pouco, o sentimento de vazio passa a ser preenchido pelo sentimento de pertença. Isto ocorre, principalmente, quando a mãe começa a interagir com o bebê e percebe suas respostas: ao acariciar, percebe que ele se acalma; ao falar, o bebê volta-se para a voz da mãe. São estes, entre outros indícios, que a fazem a mãe reconhecê-lo como filho.

Esse movimento de estar mais presente junto ao filho, oferecer seus cuidados, seu amor, estar inserida no setor exige muito da mãe, principalmente por ainda estar elaborando sua nova situação: "ser mãe de um bebê prematuro". Para que a relação de afeto se estabeleça de forma afetiva e efetiva, ainda durante a internação do bebê, é necessário que a mãe receba apoio da equipe multiprofissional de saúde, devido aos sentimentos suscitados pelo CTI: insegurança, medo e ansiedade. Uma boa relação com a equipe e a adaptação da mãe com as rotinas do hospital facilitam a desmistificação da percepção de um bebê muito frágil.

Dessa forma se percebe a importância indispensável da presença do profissional psicólogo inserido na equipe de saúde para ajudar a refletir sobre o que perpassa desde o momento da internação até a alta para casa na relação mãe e filho. Por isso, sugere-se que as equipes busquem qualificação profissional, visando estratégias de intervenção no relacionamento mãe-bebê, sensibilizando para o cuidado humanizado e individualizado.

 

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Recebido: 24/03/2013
Última revisão: 20/05/2015
Aceite final: 28/05/2015

 

 

Sobre os autores:

Débora Marchetti - Psicóloga Hospitalar, Especialista em Psicologia Hospitalar, Especialista em Tanatologia, em formação em Psicoterapia Psicanalítica, Psicóloga responsável pela área materno-infantil do Hospital São Vicente de Paulo- Passo Fundo. Membro fundadora do Grupo Consultor de Cuidados Paliativos do Hospital São Vicente de Paulo- Passo Fundo.

Mariana Calesso Moreira - Mestre em Psicologia Clínica (PUCRS),Doutora em Psicopatologia (UAB - Universitat Autónoma de Barcelona) e Professora adjunta da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA).

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