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Revista Psicologia e Saúde

versão On-line ISSN 2177-093X

Rev. Psicol. Saúde vol.13 no.4 Campo Grande out./dez. 2021

https://doi.org/10.20435/pssa.v13i4.1567 

DOSSIÊ: COVID-19

 

Covid-19 e saúde mental de universitários: revisão integrativa internacional

 

Covid-19 and mental health of university students: an internatonal integrative review

 

Covid-19 y salud mental de los estudiantes universitarios: una revisión integradora internacional

 

 

Amanda Gonçalves Torres; Luís Eduardo Lazarin Nolasco; Maura Gabriela Machado Lopes de Oliveira; Alberto Mesaque Martins

Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS)

Endereço de contato

 

 


RESUMO

Este artgo apresenta uma revisão integrativa sobre a produção científica internacional a respeito dos impactos da pandemia por covid-19 na saúde mental de estudantes universitários. Foram analisados 44 artigos encontrados nos bancos de dados LILACS, PubMed, PsycInfo e SciElo, em que se evidencia que a covid-19 tem causado piora significativa na saúde mental da comunidade acadêmica, em todo o mundo, gerando, principalmente, sintomas moderados e graves de ansiedade e depressão. Faz-se necessário que as instituições de ensino superior tenham conhecimento a respeito deste fato e criem mecanismos de escuta e suporte psíquico para propiciar melhores condições de enfrentamento da condição atual.

Palavras-chave: saúde mental; saúde do estudante; infecções por coronavírus; revisão


ABSTRACT

This article presents an integrative review on internatonal scientific producton regarding the impacts of the covid-19 pandemic on the mental health of university students. We analyzed 44 articles found in LILACS, PubMed, PsycInfo and SciElo databases, where it is shown that covid-19 has caused significant worsening in the mental health of the academic community around the world, mainly generating moderate and severe symptoms of anxiety and depression. It is necessary that higher educaton institutions have knowledge about this fact and create mechanisms of listening and psychic support to provide beter conditons to face the current conditon.

Keywords: mental health; student health; coronavirus infectons; review


RESUMEN

Este artículo presenta una revisión integradora de la producción científica internacional sobre los impactos de la pandemia covid-19 en la salud mental de los estudiantes universitarios. Se analizaron 44 artículos encontrados en las bases de datos LILACS, PubMed, PsycInfo y SciElo, que muestran que el covid-19 ha provocado un deterioro significativo en la salud mental de la comunidad académica, a nivel mundial, generando principalmente síntomas moderados y severos de ansiedad y depresión. Es necesario que las instituciones de educación superior tengan conocimiento sobre este hecho y creen mecanismos de escucha y apoyo psíquico para que se brinde mejores condiciones en el enfrentamiento de la condición actual.

Palabras clave: salud mental; salud estudiantl; infecciones por coronavirus; revisión


 

 

Introdução

Nas últimas décadas, observa-se um crescimento na entrada de jovens no ensino superior, motivados pelas novas exigências impostas pelo mercado de trabalho e pelo avanço de políticas públicas que fomentam o acesso à educação universitária (Chang, Yuan, & Wang, 2020; Padovani et al., 2014). Para além da continuidade dos estudos formais, a entrada no ensino superior é vivenciada como um momento marcante na vida dos estudantes e de suas famílias e, recorrentemente, é percebido como uma transição entre a adolescência e a vida adulta, exigindo desses sujeitos importantes transformações nos seus modos de pensar, sentir e agir (Chang et al., 2020; Padovani et al., 2014).

Programa de Mestrado e Doutorado em Psicologia, UCDB - Campo Grande, MS

Diversos estudos apontam que a transição da escola para a universidade não é vivida de forma linear ou isenta de desafios, sobretudo ao considerar o modo como o ensino superior é organizado, inserindo os jovens universitários em um novo contexto de aprendizagem que, não raramente, compromete sua saúde e bem-estar (Padovani et al., 2014). De modo geral, os estudantes ingressam nas universidades após um longo e desgastante processo de estudos preparatórios, marcado pela sobrecarga de aulas e leituras, bem como pela pressão sociofamiliar e escolar para que consigam bons resultados nos exames de admissão, favorecendo sintomas de ansiedade, medo e tristeza (Padovani et al., 2014). Além disso, é recorrente que os jovens estudantes experienciem incertezas sobre os seus projetos de vida, sobretudo no que se refere à escolha da universidade e do curso de graduação, muitas vezes sem o suporte psicossocial adequado para acolhimento de suas demandas e apoio para a tomada de decisões (Padovani et al., 2014).

Ao ingressarem nas universidades, os estudantes se deparam com um novo contexto bastante distinto do escolar, marcado por diversas mudanças que exigem desses sujeitos novos recursos cognitivos, sociais e emocionais, para lidarem tanto com as exigências acadêmicas como também com as novas formas de interação social estabelecidas na universidade (Padovani et al., 2014). Desse modo, os estudantes se deparam com novas demandas e desafios, como a necessidade de organização do tempo e elaboração de estratégias de estudos; maior volume de disciplinas, trabalhos e provas; maior dificuldade e complexidade dos conteúdos das aulas; a convivência com novos docentes, estudantes e técnicos diferentes da escola anterior; forte competitividade entre os estudantes que disputam vagas em projetos e estágios, dentre outros (Ariño & Bardagi, 2018).

Tratando-se de um contexto atravessado por desigualdades sociais, como na América Latina, um número expressivo de estudantes precisam conciliar suas atividades acadêmicas com as de trabalhos, garantindo não apenas a continuidade dos seus estudos, como também a sobrevivência de suas famílias, ampliando a sobrecarga objetiva e subjetiva (Ariño & Bardagi, 2018). Além disso, muitos acadêmicos precisam se afastar das suas famílias e/ou grupos de origem para estudarem em outras cidades, exigindo que passem a morar sozinhos ou em casas compartlhadas com outros estudantes, por vezes em contextos insalubres e desprovidos de um suporte que os auxilie na construção dessa independência (Padovani et al., 2014). Estes fatores vêm sendo apontados na literatura como elementos que produzem impactos significativos na saúde mental dos estudantes universitários, sendo estes colocados como um grupo com altos índices de estresse, depressão e ansiedade, além do uso inseguro de álcool e outras substâncias psicoativas (Ariño & Bardagi, 2018).

Nos últimos meses, em todo o mundo, estudantes universitários vêm se deparando com novos desafios relacionados à pandemia do novo coronavírus SARS-CoV-2, causador da coronavirus disease, a covid-19. Desde o surgimento dos primeiros casos e diante da inexistência de vacinas e medicamentos para tratamento da nova doença, a Organização Mundial da Saúde (OMS) vem recomendando a adoção de medidas de distanciamento social (WHO, 2020). Nesse sentido, em todo o mundo foram adotadas medidas preventivas, como a suspensão de aulas presenciais nas escolas e nas universidades; o cancelamento de eventos esportivos, culturais e de lazer; a implantação de restrições no comércio e na circulação de pessoas nos grandes centros urbanos; o fechamento de fronteiras e restrições na mobilidade nacional e internacional, entre outras medidas de distanciamento social (Oliveira, Lucas, & Iquipaza, 2020).

Essas mudanças alteraram de forma abrupta e radical o cotidiano de diferentes sujeitos, exigindo a confrontação e a produção de sentidos para a nova doença, bem como a necessidade de adoção de novos hábitos preventivos, sobretudo o uso de máscaras e álcool em gel, assim como novas formas de interação social, agora mediadas pelo distanciamento físico ou substituídas por tecnologias digitais (Marelli et al., 2020). Apesar da importância dessas medidas para o controle da propagação do novo coronavírus, diversos estudos vêm chamando a atenção para os efeitos negativos dessas mudanças repentnas sobre a saúde mental de diferentes grupos populacionais, sobretudo aqueles socialmente mais vulneráveis, podendo favorecer a presença ou o agravamento de sintomas de ansiedade, depressão e estresse (Chang et al., 2020; Feng et al., 2020; Marelli et al., 2020).

Nesse contexto, situamos os estudantes universitários que também tiveram o seu cotidiano impactado, abruptamente, pelas mudanças relacionadas à pandemia. Em grande parte do mundo, estudantes e docentes se viram às voltas com a necessidade de reorganização das atividades acadêmicas, que, de forma inesperada, passaram a ser ofertadas de forma remota, com auxílio das tecnologias digitais e informacionais. Além dos desafios da vida universitária, os quais já comprometam a saúde e o bem-estar desses sujeitos, os estudantes se defrontaram com a necessidade de conciliar os estudos com as preocupações com a sua saúde e de sua família, com as dificuldades de acesso a computadores e internet de qualidade, com os desafios de conviver no espaço doméstco com outros estudantes e/ou trabalhadores, entre muitos outros fatores que vêm contribuindo para o aumento de sintomas psicológicos nesse grupo (Chang et al., 2020; Feng et al., 2020; Marelli et al., 2020).

Assim, este estudo tem como objetivo realizar uma revisão integrativa da produção científica internacional sobre os impactos da pandemia de covid-19 na saúde mental de estudantes universitários.

 

Método

Trata-se de uma revisão integrativa que, segundo Crosset (2012), possibilita análises críticas a respeito de determinadas temáticas, a partir de estudos já produzidos. Através da revisão integrativa, resultados de pesquisas anteriores são sintetzados e comparados, permitindo ampliar o conhecimento a respeito do problema de pesquisa. Com isso, é possível identificar o que está sendo produzido a respeito da temática; quais as lacunas do conhecimento em relação ao fenômeno estudado; a necessidade e importância de estudos futuros a partir do que está ou não sendo pesquisado; quais os focos que as pesquisas já existentes deram; além de evidenciar "o estado da arte da produção científica resultante de pesquisas sobre um determinado tema" (Crosset, 2012, p. 8).

A questão central que orientou a presente pesquisa foi: quais os impactos da pandemia de covid-19 na saúde mental dos estudantes universitários? Para buscar respondê-la, foram realizadas pesquisas nas bases de dados Literatura Latino-Americana e do Caribe em

Ciências da Saúde (LILACS), PubMed, PsycInfo e Scientific Electronic Library Online (SciELO), utilizando a conjugação dos descritores e operadores booleanos: "covid" AND "mental health" AND "students". As buscas foram realizadas entre os dias 25 e 26 de agosto de 2020 e foram utilizados os seguintes critérios de inclusão: ser artgo cientifico, ter versão completa gratuita e on-line, investgar a população de estudantes universitários e discutir temáticas que respondam à pergunta de pesquisa. Nesse sentido, foram excluídos os textos apresentados em outros formatos (notcias, cartlhas, resumos de teses e dissertações etc.), artigos que abordassem outras categorias de estudantes (ensino fundamental, médio, técnico etc.), assim como aqueles manuscritos que não tinham acesso gratuito e on-line ao texto completo e que não abordassem questões relacionadas à problemática norteadora.

Por se tratar de uma doença cujos primeiros casos surgiram no final de 2019, não foram aplicados critérios temporais, de modo que foram incluídos todos os estudos disponíveis nos bancos citados acima, independentemente do ano de publicação. Também não foram aplicados critérios relativos ao idioma dos manuscritos, buscando incluir o maior número possível de investgações sobre o tema e abarcar diferentes contextos. Para tanto, priorizou-se a leitura da versão dos textos em inglês, espanhol e, quando possível, em português.

Conforme pode ser observado na Figura I, a primeira busca nas bases de dados, a partir dos descritores explicitados acima, apontou para a existência de 111 publicações, estando a maior parte delas (102) disponível na PubMed. Na segunda etapa, seis artigos foram excluídos por serem repetidos e constarem em mais de um banco de dados, restando 105 manuscritos. Em seguida, foram aplicados os critérios de inclusão, sendo considerada, para tanto, a leitura dos resumos das publicações. Nessa etapa, foram excluídos outros 61 manuscritos, restando 44 artigos, os quais compuseram o conjunto de artigos desta investgação (Tabela 1).

 

 

A partir de então, os artigos selecionados foram organizados em uma planilha no software Excel, e a análise se deu em duas etapas. Na primeira, realizou-se uma caracterização geral dos estudos selecionados. Assim, foi realizada a leitura dos resumos dos artigos, a fim de identificar elementos como o ano e país de publicação, periódico, formação dos primeiros autores, tipo de estudo, entre outros. Em seguida, ainda considerando os pressupostos da pesquisa de revisão integrativa, realizou-se uma leitura exaustiva de todos os 44 textos selecionados, buscando identificar neles elementos de dissenso e consenso que auxiliassem na compreensão dos efeitos da pandemia no grupo de estudantes universitários.

 

Resultados

Caracterização dos estudos

De modo geral, observa-se que a maior parte das publicações selecionadas está concentrada nos seguintes contnentes: Ásia, Europa, América e África. Dentre elas, constatou-se um maior número de contribuições vindas de autores da China, dos Estados Unidos e dos países do Oriente Médio. Essa divisão pode ser explicada pela quantidade de casos crescentes no país norte-americano e a presença inicial do vírus nos países asiáticos, o que pressionou a comunidade acadêmica desses contextos a produzir saberes que auxiliassem a lidar com os desafios da pandemia e avaliar os efeitos das medidas de distanciamento social na população.

De modo geral, os estudos foram realizados nos primeiros meses da pandemia e, dentre eles, 26 foram desenvolvidos por profissionais da área de medicina, enquanto 11 estudos foram feitos por profissionais de psicologia e 7 de demais áreas, como odontologia, enfermagem, agricultura, ciências sociais e educação física. Assim, pode-se perceber que os autores realizam estudos direcionados para a própria área, o que se evidencia com o grande enfoque dos estudos desenvolvidos com a população de acadêmicos de medicina. Portanto, esses dados indicam a necessidade de investimentos em novos estudos direcionados para as diversas áreas do conhecimento e contextos acadêmicos, uma vez que estudantes de diferentes cursos podem vivenciar adversidades distintas dos acadêmicos de medicina e não foram discutidos nos artigos encontrados.

Quanto aos métodos, nota-se que as publicações se centraram na utilização de instrumentos para a realização das análises, como escalas, testes psicológicos, formulários e questinários, sendo todas as aplicações e coleta de respostas feitas de forma remota, com o intuito de avaliar, na grande maioria, sofrimentos psicológicos em geral, como: medo, solidão, ansiedade, depressão, estresse e qualidade do sono. Nesse sentido, ainda são incipientes os estudos qualitativos e os que se apropriam de outras propostas metodológicas que ampliem a compreensão para outros elementos, como as percepções, experiências e sentimentos, os quais nem sempre são apreendidos por meio dos questionários e formulários virtuais.

Também chama atenção a fragilidade de análises que considerem questões sociais que perpassam a vida dos estudantes durante a pandemia. Observou-se que há um grande foco em aspectos biomédicos e pouco nas relações sociais e impactos gerados pela privação de contato e encontros físicos, sendo maior o enfoque em sintomatologia, com citações e descrições de sintomas que sugiram e/ou apresentaram piora em decorrência da pandemia de covid-19, e não sobre maneiras de como lidar e se manter saudável durante o momento atual. Ainda nesta direção, poucas possibilidades de intervenções são apresentadas para auxiliar os estudantes com seus sofrimentos, não trazendo muitas propostas concretas sobre ações possíveis para os universitários.

 

Discussão

A Saúde Mental dos Estudantes em Meio à Pandemia

Apesar dos variados enfoques das publicações, identificou-se um aspecto constante em todo o conjunto de estudos analisados: estudantes universitários são colocados como uma população vulnerável e propensa a apresentar uma saúde mental mais comprometida durante a pandemia de covid-19 (Kaparounaki et al., 2020; Maia & Dias, 2020; Mechili et al., 2020). Ademais, fica evidente que as medidas de distanciamento social, adotadas em diferentes partes do mundo, tiveram grande impacto na saúde mental dos estudantes, comprometendo a qualidade de vida e o bem-estar desses sujeitos (Kaparounaki et al., 2020; Marelli et al., 2020; Patsalia et al., 2020).

Nessa perspectiva, há uma diferenciação entre sintomas (leves, moderados e graves) ocasionados pela pandemia da covid-19 e pelas medidas de distanciamento social, entre eles: estresse, tensão, medo, insônia, mau humor, angústa, ansiedade e depressão, além dos distúrbios do sono (González, Gómez, Irurtia, & García, 2020; Husky, Masfety, & Swendsen, 2020; Kaparounaki et al., 2020; Li, Cao, Leung, & Mak, 2020; Patsalia et al., 2020; Maia & Dias, 2020; Marelli et al., 2020; Mechili et al., 2020; Yang, Tu, & Dai, 2020).

Segundo os estudos analisados, grande parte dos estudantes demonstra preocupação com a aprendizagem no período da pandemia, já que a transição para o método de ensino remoto apresenta novos desafios, sendo o principal a preocupação sobre o real aprendizado durante esta modalidade de ensino (Li, Cao et al., 2020; O'Byrne, Gavin, & McNicholas, 2020). Vários estudantes relataram dificuldades de se concentrar, problemas com os aplicativos e problemas de aprendizagem (Son, Hedge, Smith, Wang, & Sasangohar, 2020). Diante dos desafios de reorganização da vida, em meio à pandemia e ao distanciamento social, os estudantes universitários acumulam a preocupação de que haja atraso ou deficit em seus estudos, comprometendo a qualidade do aprendizado devido ao período de ensino remoto ou, em alguns casos mais extremos, a suspensão geral das aulas e interrupção da formação acadêmica (Li e cols,., 2020; Son et al., 2020).

Um fator presente em alguns estudos analisados está relacionado com as teorias da conspiração (fake news), sendo observada uma parcela significativa de estudantes que acreditam nessas possibilidades (Kaparounaki, Diakogiannis, & Fountoulaki, 2020; Patsalia et al., 2020). Nesse sentido, Kaparounaki et al. (2020) realizaram um estudo na Grécia, contando com uma amostra de 1.000 estudantes, em que observaram que cerca de 35% dos estudantes acreditam em teorias de conspiração sobre a covid-19. Outros estudos apontam que acreditar em teorias da conspiração pode influenciar nos níveis de estresse e sintomas depressivos, considerando-as, então, como preocupantes (Patsalia et al. 2020).

Com relação aos momentos no curso, não houve consenso na literatura quanto à influência do distanciamento social entre calouros e veteranos. Deste modo, um grupo de estudos identificou maior presença de sintomas psicológicos entre estudantes calouros, ou seja, recém-ingressantes na universidade. Nessa vertente, destacam-se os estudos de Chang et al. (2020), González et al. (2020), Naser et al. (2020) e Nguyen et al. (2020), os quais mostram que calouros apresentam escores significativamente mais altos de depressão e estresse do que estudantes que estão se aproximando do término da graduação; e identificam, ainda, que alunos mais jovens sofrem maiores impactos psicológicos do que alunos mais velhos, devido às percepções de futuro e às formas como utilizam os meios de informação. Em decorrência da falta de apoio e inserção neste meio social, muitos estudantes nesta faixa estão sujeitos aos efeitos negativos do distanciamento social (González et al., 2020; Naser et al., 2020; Nguyen et al., 2020).

Por outro lado, vários estudos constataram maior presença de sintomas psicológicos entre os estudantes veteranos, sobretudo os concluintes (Akers, Blough, & Iyer, 2020; Li, Cao et al., 2020; O'Byrne, Gavin, & McNicholas, 2020). Estes autores traçam paralelos entre ansiedade e depressão, enfatzando que a intensidade desses sintomas se dá de forma crescente, conforme o discente avança nos períodos da graduação (Li, Wang et al., 2020; O'Byrne et al., 2020). Ademais, os estudos revelam também que os estudantes do final do curso (concluintes) estão expostos a mais variáveis estressantes, sendo, portanto, o grupo com maior risco de efeitos psicológicos (Li, Cao et al., 2020; O'Byrne et al., 2020), apresentando, ainda, maior índice de sintomas depressivos e correlativos ao transtorno de estresse pós-traumátio (TEPT) (Li, Wang et al., 2020; Tang et al., 2020).

Vale lembrar que a formatura é um período marcado por incertezas e preocupações quanto ao futuro profissional, as quais foram ainda mais agravadas considerando os efeitos da pandemia na economia e na oferta de postos de trabalho (Tang et al., 2020). Nesta vertente, Li, Cao et al. (2020) mostram que o nível de estresse é escalonável com base no ano de estudo, ou seja, estudantes do final do curso seriam os mais expostos a variáveis estressantes.

Outro fator destacado por artigos de matrizes chinesas foi a diferenciação das regiões como possíveis estressores. Conforme apontado nos artigos de Wang et al. (2020), Xiao et al. (2020) e Zhang, Zhang, Ma e Di (2020), apesar de muitas vezes a variável local não ser o foco principal do trabalho, ela se apresentava como um fator fundamental. Segundo Xiao et al. (2020), estudantes que se encontravam na área de Wuhan (cidade onde foram notificados os primeiros casos da doença e um dos primeiros epicentros da pandemia) apresentavam sintomas mais severos, comprovando que áreas de grande contaminação estão relacionadas com aumento nos casos de depressão e ansiedade.

Segundo os estudos, percebe-se que morar com os pais está associado a baixas taxas de ansiedade grave em estudantes, enquanto aqueles que moram longe de suas famílias para fazer faculdade apresentam maiores riscos de desenvolver ansiedade severa (Husky et al., 2020). No estudo realizado por Husky et al. (2020), cerca de 60% dos universitários apresentaram aumento nos níveis de ansiedade durante o período de confinamento, sendo que, quando analisada a amostra de estudantes que se mudaram para iniciar a graduação e não puderam voltar para a casa de suas famílias durante o distanciamento social, a porcentagem cresceu para aproximadamente 70%.

O suporte emocional proporcionado pela família pode reduzir a angústa, contribuir para que os estudantes tenham resiliência e possibilitar a redução de estresse; ou seja, passar pela fase da pandemia da covid-19 tendo o suporte familiar, financeiro e/ou emocional contribui para a promoção da saúde mental dos estudantes (Cao et al., 2020; Husky et al., 2020; Li, Cao et al., 2020).

De acordo com Yang (2020), a resiliência e os pensamentos positivos são colocados como fatores de proteção para que os sujeitos possam lidar com traumas psicológicos e evitar o desenvolvimento de transtorno do estresse pós-traumátco. Uma pesquisa feita com estudantes universitários de Wuhan explorou a resiliência e o pensamento positivo como instrumentos de mediação da vitimização do novo coronavírus e da saúde mental (Yang et al., 2020). Os resultados revelaram que manter pensamentos positivos ajuda os estudantes a encontrar melhores formas de encarar o fato de como é viver em tempos de pandemia e a lidar de forma mais saudável com as mudanças decorrentes das medidas de distanciamento social (Yang et al., 2020).

Diferenças significativas foram encontradas com relação ao sexo/gênero dos estudantes universitários que participaram de algumas pesquisas, sendo observado que as mulheres demonstram maiores escores de medo do que os homens (Chang et al., 2020; Naser et al., 2020; Nguyen et al., 2020; Patsalia et al., 2020). Tais resultados se justificam, de acordo com Nguyen et al. (2020), em virtude de as mulheres possuírem cargas maiores do que os homens durante o momento pandêmico, por assumirem responsabilidades domésticas e as funções de cuidadoras, por passarem por mais eventos estressantes do que os homens e, além disso, sofrerem violências domésticas. Naser et al. (2020) apontam a influência de questões hormonais como uma das hipóteses para as mulheres demonstrarem maiores riscos do desenvolvimento da depressão, enquanto Chang et al. (2020) destacam que deve haver uma atenção especial a este grupo, atentando não só para as mulheres da classe estudantil, mas também para a população como um todo.

Por outro lado, Cao et al. (2020) apresentam resultados de uma pesquisa em que foi evidenciado um nível de ansiedade severa maior em homens, apresentando dados diferentes do que foi comumente encontrado. Porém, o número destes foi consideravelmente pequeno, o que pode significar uma especificidade local da pesquisa. Além desse, outros artigos citam que não foram observadas diferenças significativas entre as populações em geral (Marelli et al., 2020; Mechili et al., 2020). Tais diferenças podem se dar por fatores culturais, nacionais, regionais etc., levando em consideração que não houve diferenças nos estudos realizados na Alemanha e Albânia, ambos na Europa; mas sim na Jordânia, Vietnã e Grécia, sendo os dois primeiros países situados na Ásia e o último na Europa.

Os estudos demonstraram também que os estudantes da área da saúde, especialmente os de medicina, apresentam taxa de depressão e ansiedade maior em comparação com os alunos de outros cursos (Meo, Abukhalaf, Alomar, Satar, & Klonof, 2020; O'Byrne, et al., 2020; Chandrate, 2020). Segundo as publicações, o fato de esses não mais conseguirem participar das práticas clínicas favorece sentimento de frustração e insegurança quanto ao futuro profissional, bem como dúvidas sobre o aprendizado de técnicas e procedimentos indispensáveis para o trabalho em saúde (Meo et al., 2020; O'Byrne, et al., 2020; Chandratre, 2020).

Além disso, alguns autores pontuam que esses jovens, na impossibilidade de cursarem as atividades práticas, acabam se disponibilizando para participação em ações solidárias e voluntárias de trabalho em saúde, apesar de não se sentirem preparados para trabalhar em um momento de emergência sanitária (O'Byrne et al., 2020). Esse altruísmo pode ser preocupante, pela possibilidade de gerar problemas na saúde física e mental desses jovens, como serem contaminados pelo vírus ou não saberem lidar com o sofrimento das famílias que perdem entes queridos, por exemplo (O'Byrne et al., 2020).

Outro ponto destacado está relacionado aos estudantes de medicina apresentarem maior dificuldade de adaptação aos estudos remotos, uma vez que, além das dificuldades de aprendizagem, precisam lidar com a solidão e a necessidade de ficarem isolados de suas famílias e dos seus grupos de origem (Meo et al., 2020). Também se constatou maior consumo de alimentos, fumo e bebidas alcoólicas por parte dos acadêmicos de medicina durante a pandemia (Nguyen et al. 2020). Evidenciou-se, ainda, que estes estudantes são mais vulneráveis à depressão e ansiedade que os acadêmicos de outros cursos, devido ao estresse e à rotna de estudos do próprio curso e das dificuldades de continuidade das atividades curriculares durante a pandemia (Chandratre, 2020).

Possibilidades de Intervenção

Todas as pesquisas demonstraram preocupações com a saúde mental dos estudantes universitários e apontam para a necessidade de construção de intervenções voltadas para os fenômenos no âmbito da saúde mental, possibilitando auxiliar esses sujeitos na produção de estratégias de enfrentamento das adversidades que emergem durante a pandemia (Nguyen et al., 2020). Nessa vertente, houve o destaque da importância do suporte psicológico e das ações de educação em saúde mental, tanto durante o momento pandêmico como também no período de pós-pandemia e retomada das atividades presenciais (Kaparounaki et al., 2020; Yang et al., 2020).

Foram identificadas também sugestões de estratégias voltadas para a redução do sofrimento psíquico gerado pelo momento pandêmico; por exemplo: oferta de atendimentos psicológicos gratuitos; encontros virtuais para conhecer a rotna diária dos estudantes e dar apoio à nova rotna de estudos; suporte para planejamento da formatura e orientações acerca da continuidade da formação diante do contexto atual, entre outros (Chandratre, 2020).

Além disso, estudos como de Mechili et al. (2020) apontam que, para que seja possível diminuir o sofrimento psíquico resultante da pandemia, deve-se melhorar as medidas de prevenção, além de desenvolver programas de treinamento e atividades de comunicação, sendo estes considerados mais úteis do que apenas fornecer informações sobre o impacto da covid-19. Assim, a realização da higienização das mãos, o uso de máscaras faciais adequadamente e a convivência em lugares com mais ventlações são ações que, apesar de básicas e essenciais nesse momento, apontam para baixas prevalências de sintomas psiquiátricos (Mechili et al., 2020).

 

Considerações Finais

A partir do conjunto de estudos analisados, é possível concluir que a saúde mental dos estudantes universitários, antes já comprometida pela rotna de estudos, tem sido ainda mais afetada durante a pandemia da covid-19, gerando diferentes sintomas psíquicos, como estresse, tensão, medo, insônia, mau humor, angústa, ansiedade e depressão, além dos distúrbios do sono, aumento do uso inseguro de álcool e outras drogas. Eles revelam também a preocupação dos estudantes com os possíveis prejuízos do ensino remoto na formação em saúde, gerando incertezas quanto à continuidade das práticas de ensino e ao futuro profissional, aumentando ainda mais a sobrecarga subjetiva a qual esses sujeitos encontram-se expostos.

Ao mesmo tempo que é apontado como uma das principais medidas de controle do contágio, o distanciamento social alterou abruptamente a rotna dos estudantes e impossibilitou as interações com amigos, familiares e colegas de curso, favorecendo o agravamento de sintomas psicológicos durante a pandemia. Além disso, a mudança repentna do ensino presencial para o remoto, o medo de contrair e/ou ter pessoas próximas infectadas pelo vírus, o excesso de informações e de notcias falsas, somados às preocupações com a garanta da sobrevivência durante a emergência sanitária, vêm criando um cenário alarmante, o qual exige das instituições de ensino a oferta de intervenções em saúde mental que busquem minimizar esses efeitos. Tais ações poderão ser eficazes tanto no que se refere ao enfrentamento dos efeitos da pandemia e do distanciamento social como também para auxiliar os estudantes na retomada de suas rotnas de vida e de estudos, no período pós-pandemia.

Faz-se igualmente pertnente ressaltar a escassez de estudos latino-americanos sobre a temática, os quais poderiam ampliar a compreensão acerca dos efeitos da pandemia na saúde mental de estudantes que compartlham um contexto educacional muito distinto e com maiores fragilidades, em relação aos países europeus e asiáticos. Ademais, é importante também ampliar o escopo das investgações a partir da inclusão de estudantes das diversas áreas do conhecimento, e não apenas os acadêmicos de medicina e da área da saúde, possibilitando compreender possíveis singularidades entre esses grupos. De forma semelhante, faz-se necessária a construção de estudos psicossociais que possibilitem romper com os discursos biomédicos e incluir análises acerca dos determinantes sociais e de como as desigualdades sociais favorecem situações de maior risco entre diferentes grupos de estudantes, como os mais pobres, negros, imigrantes, indígenas, pessoas com deficiências, entre outros.

 

Referências

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Recebido em 31.10.2020
Última revisão: 13/02/2021
Aceito em 23.04.2021

 

 

Sobre os autores:

Amanda Gonçalves Torres: Mestranda em Saúde da Família pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Psicóloga pela UFMS
E-mail: amandagt2010@hotmail.com
Orcid: https://orcid.org/0000-0002-0245-5194

Luís Eduardo Lazarin Nolasco: Acadêmico do curso de Psicologia na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS)
E-mail: luieln3@gmail.com
Orcid: https://orcid.org/0000-0002-0078-5667

Maura Gabriela Machado Lopes de Oliveira: Psicóloga pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS).
E-mail: gabinaoliveira@gmail.com
Orcid: https://orcid.org/0000-0001-7642-3112

Alberto Mesaque Martns: Doutor e mestre em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Especialista em Psicologia da Saúde pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP). Psicólogo pelo Centro Universitário UNA. Professor adjunto da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS).
E-mail: albertomesaque@yahoo.com.br
Orcid: https://orcid.org/0000-0002-6032-3122

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