Introdução
Nos tempos atuais, o termo estresse tem sido muito analisado, associado a sensações de desconforto. É cada vez maior o número de pessoas que se definem como estressadas ou relacionam a outros indivíduos na mesma situação. Estressor é uma conjunção ou experiência que gera sentimentos de tensão, ansiedade, medo ou ameaça que pode ter uma origem interna ou externa. Por conseguinte, o estresse corresponde a um processo no qual o indivíduo percebe e reage a situações consideradas por ele como desafiadoras, que ultrapassam seus limites e prejudicam o seu bem-estar (Christmann et al., 2017).
Conforme Pereira et al. (2017), responsabilizar-se de uma criança com algum transtorno crônico apresenta alterações sobre a qualidade de vida do cuidador/pais, principalmente das mães. Na literatura, já está comprovado que uma série de problemas de saúde mental, tais como sintomas depressivos e de ansiedade e ainda problemas na saúde física, além de divergências conjugais e privações das atividades sociais, são relatados frequentemente por pais de pessoas com transtorno do espectro autista (TEA).
Para Fávero e Santos (2005), os pais com maior probabilidade de apresentarem problemas de saúde mental, como depressão e ansiedade, resultam da demanda de um filho com TEA, em comparação com pais de indivíduos com outros problemas crônicos, como, por exemplo, retardo mental. E, ainda, as mães tendem a ter mais ansiedade do que os pais, e seus sintomas depressivos, a permanecerem por longos períodos.
Tendo isso em vista, há uma possível sobrecarga decorrente dos cuidados especiais exigidos pelo autista. Isso acontece visto que o diagnóstico do TEA sensibiliza toda a família, sobrecarregando-a fisicamente e emocionalmente. Aliás, a busca por corresponder às necessidades da criança e as constantes adaptações podem impulsionar o estresse familiar (Nogueira et al., 2020).
Essa condição afeta todos os membros da família, causando estresse diretamente, como na redução das interações, ou indiretamente, por exemplo, por causa do impacto financeiro e social (Faro et al., 2019). Nesse sentido, o objetivo desta pesquisa é identificar sintomas de estresse manifestados em mães de crianças com TEA, além de verificar prevalência das fases de estresse desenvolvidas nessas responsáveis de crianças autistas.
Material e Métodos
O estudo foi realizado em uma cidade no interior de Minas Gerais, utilizando a abordagem quantitativa. A pesquisa quantitativa tem ênfase na análise dos componentes separadamente, seu ponto central é a materialização estatística que se volta para o coletivo, interessado no que se predomina em um grupo (Mussi et al., 2019). Como primeiro passo para a coleta de dados, as pesquisadoras entraram em contato com a Secretaria Municipal de Educação e a de Saúde, para conseguir a relação de pessoas autistas na cidade, as que já eram cadastradas em escolas e nas unidades básicas de saúde.
Em seguida, entrou-se em contato com cada familiar, explicando os objetivos da pesquisa e marcando um encontro para a coleta de dados. O colhimento das informações foi realizado no período de dezembro de 2018 a fevereiro de 2019, e a maioria desses dados foi colhida nas residências das famílias, conforme a preferência das mães.
Cada participante assinou um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), as coletas duraram em média de uma hora a uma hora e meia. O critério de inclusão definido foi o de famílias com filhos autistas e que residiam no interior de Minas Gerais. O critério de exclusão foi o de famílias que não residiam no mesmo local e as que não aceitaram participar do estudo.
Como técnica de coleta de dados, foi utilizado o Inventário de Sintomas de Stress para Adultos de Lipp (ISSL), instrumento científico e validado na área de pesquisa do estresse. O objetivo do uso dessa ferramenta é a possibilidade de avaliar a presença do estresse em fases e a sintomatologia predominante, seja ela física, seja ela psicológica.
O inventário é composto por três quadros que correspondem aos sintomas de cada fase do estresse. O primeiro quadro apresenta sintomas identificados nas últimas 24 horas, caracterizando a fase alerta. Já o segundo quadro é referente à fase de resistência que assinala a sintomatologia da última semana. E o último quadro denomina-se a fase de exaustão, pontuando sintomas do último mês. O ISSL contém trinta e quatro itens de sintomas físicos e dezenove de sintomas psicológicos. Assim, o instrumento permite verificar se a pessoa tem estresse e em que fase do processo ela se encontra (Lipp, 2000).
É importante ressaltar que esta pesquisa está de acordo com a Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, a qual estabelece as diretrizes para a pesquisa envolvendo seres humanos. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Universitário do Cerrado Patrocínio (COEP/UNICERP) e teve sua aprovação sob o protocolo número 20191450 PROIC 002.
Resultados e Discussão
No estudo, participaram 77 famílias de indivíduos com autismo, sendo representadas pelo familiar mais envolvido com os cuidados da criança: as mães. Nesse sentido, todos os participantes são do gênero feminino. Posteriormente, serão apresentadas tabelas com o intuito de expor os resultados e dados da pesquisa. A Tabela 1 (T1) demonstra a faixa etária das participantes, que possui a variável de 21 a 55 anos completos. Na Tabela 2 (T2), há a exposição das fases de estresse em que essas mães se encontravam. Já na Tabela 3 (T3) se apresenta a predominância dos sintomas, sejam eles físicos, sejam eles psicológicos ou concomitantes.
Faixas etárias | Quantidade de participantes |
---|---|
Entre 21 e 29 anos | 22 participantes (29%) |
Entre 30 e 39 anos | 31 participantes (40%) |
Entre 40 e 46 anos | 16 participantes (21%) |
Entre 50 e 55 anos | 7 participantes (9%) |
Idade não declarada | 1 participante (1%) |
Fases | Quantidade de participantes |
---|---|
Fase 1 (Alerta) | 18 participantes (13%) |
Fase 2 (Resistência e Quase-Exaustão) | 57 participantes (42%) |
Fase 3 (Exaustão) | 41 participantes (31%) |
Nenhuma fase | 15 participantes (11%) |
Sem sintomas de estresse | 4 participantes (3%) |
Fase 1 | Fase 2 | Fase 3 | Total | |
---|---|---|---|---|
Físicos | 179 respostas para 9 sintomas | 104 respostas para 5 sintomas | 110 respostas para 7 sintomas | 393 respostas (27%) |
Psicológicos | 84 respostas para 4 sintomas | 208 respostas para 5 sintomas | 355 respostas para 9 sintomas | 647 respostas (43%) |
Concomitantes | 47 respostas para 2 sintomas | 230 respostas para 5 sintomas | 173 respostas para 5 sintomas | 450 respostas (30%) |
Na primeira tabela, pode-se observar que as idades entre 30 e 39 anos (40%) têm maior predominância nos dados. Por outro lado, o percentual mais baixo de idade foi entre 50 e 55 anos (9%), além de haver uma participante que não declarou a idade (1%). Vale evidenciar que a maternidade geralmente leva a mulher a assumir o principal papel de cuidado e responsabilidade pelo filho, assim, a relação do autista com a mãe perpassa por muitas questões sociais também (Dias, 2017).
Os níveis de estresse avaliados pelo ISSL, expostos na T2, revelaram que 86% dessas mães apresentaram indicadores de estresse, sendo que, destas, 42% encontram-se na fase de Resistência, 31% na fase de Exaustão e 13% na fase de Alerta, enquanto 11% das mães não se encontram em nenhuma fase, e 3% delas não apresentaram sintomas.
Essa tabela foi contabilizada a partir de todo o resultado obtido pelas participantes, somando o total de 135 respostas. Vale destacar que, apesar de o estudo ter sido feito com 77 mulheres, muitas correspondiam a mais de uma fase do estresse. Isso significa que, dentre as 58 participantes que apresentaram sintomas, 55% se enquadravam em mais de uma fase, e 21% se caracterizavam somente em uma fase. O restante das colaboradoras, isto é, 19 participantes, demonstravam ter poucos sintomas, o que não correspondia à classificação de fases do instrumento (19%), ou não tinham sintomas (5%).
O ISSL se constitui em três fases, como citado anteriormente, e para caracterizá-las é necessário verificar a incidência dos sintomas. Por exemplo, na fase 1 (Alerta), é necessário ter vivenciado sete ou mais sintomas nas últimas 24 horas. Já na fase 2 (Resistência e Quase-Exaustão), quatro ou mais sintomas precisam ter aparecido no último mês. E, na fase 3 (Exaustão), a ocorrência de nove ou mais sintomas nos últimos três meses. A partir dessa classificação, percebe-se qual etapa o indivíduo está experenciando, seja ela de forma alarmante, seja ela de luta ou de esgotamento (Lipp, 2000).
Para Sadir et al. (2010), a Alerta é considerada a fase positiva do estresse, o que gera energia e vigor na pessoa e é a produção de adrenalina no organismo. Se o estresse permanecer constante, pode alcançar à fase de Resistência, em que a pessoa tenta suportar os seus estressores mantendo sua homeostase interna. A segunda fase tem como característica a debilitação do organismo, o qual não consegue adaptar-se ou resistir ao fator estressor. Nesta fase, ocorre o processo de adoecimento, que se inicia nos órgãos com maior vulnerabilidade genética ou adquirida, passando a apresentar sinais de deterioração. A fase de Exaustão é a fase final do estresse, em que se podem desenvolver doenças graves.
Diante da análise da T2, verificou-se a fase de Resistência como a predominante. Para Lipp (2000), fase da Resistência ou de Quase-Exaustão acontece quando há a persistência do estressor, sobressaindo a reação passiva na busca pela adaptação. Entre sintomas desta fase, estão a hipertensão arterial, o isolamento social e os problemas de memória e atenção.
Há um alto nível de estresse nas mães de autistas, assim, identificam-se como estímulos estressores os cuidados diários com a criança, os deslocamentos e manter os atendimentos. Na realidade dessas cuidadoras, também há a administração da residência, resultando na sobrecarga de funções, o que corrobora a falta de autocuidado. A complexidade de entender e lidar com os filhos leva essas mães a um isolamento social, o que alerta para a cronicidade desse transtorno. Essa realidade se caracteriza como motivo de queixa e de dor (Pinto et al., 2016).
É significativo destacar que, segundo Dias (2017), a mãe é a pessoa que passa mais tempo com o filho autista. Desse modo, além de encarregar-se dos cuidados com a criança, realiza diversas outras funções, o que simboliza uma demanda atual e do futuro. Assim, essas mulheres criam perspectivas futuras respaldadas em inseguranças e angústias.
As participantes assinalaram o total de 1.490 sintomas nas fases do inventário, e a partir dessas respostas foi possível compreender a prevalência dos sintomas. Nesse sentido, os resultados indicaram que houve maior incidência dos sintomas psicológicos (43%), seguidos de sintomas concomitantes (30%), que apresentam características emocionais e somáticas, e, por fim, os físicos (27%). Vale destacar que o estresse é uma resposta do organismo diante de episódios bastante difíceis e estimulantes. Dessa forma, há um estímulo no corpo que gera manifestações psicológicas, físicas e até químicas, que são consequências de fontes internas e externas (Lipp, 2000).
A família de crianças com TEA vivenciam uma intensa rotina com o filho, e esse cotidiano pode gerar efeitos na saúde psicológica e física, podendo interferir na qualidade de vida familiar. Além disso, quando os pais/cuidadores se deparam com o diagnóstico do autismo, é comum que emoções negativas apareçam, como a insegurança e a culpa. Assim, esses sinais podem associar-se a quadros depressivos e de estresse (Kiquio & Gomes, 2018).
No estudo de Schimdt e Bosa (2007), o estresse de âmbito psicológico é composto por um processo em que a pessoa compreende e se comporta diante de ocasiões que são consideradas como ameaçadoras do seu bem-estar e de seus limites. Desse modo, ao analisar os principais sintomas psicológicos que as participantes destacaram, encontram-se: a angústia ou ansiedade diária (69%), pensamentos sobre um só assunto (70%) e a vontade de fugir de tudo (64%). Isso gera reflexões de como estariam a capacidade de enfrentamento dessas mães sob situações inesperadas.
Quanto aos sintomas concomitantes, é importante ressaltar que tanto o aspecto psicológico como o físico possuem valores semelhantes. Isso acontece visto que o estado emocional influencia no funcionamento do organismo; por exemplo, um indivíduo que sofre de ansiedade e estresse é mais suscetível ao adoecimento físico. No entanto, também se nota que danos físicos acarretam reações psicológicas (Costa, 2012).
Defronte aos dados coletados, os sintomas concomitantes mais pontuados pelas participantes foram: problemas com a memória (71%), sensação de desgaste físico constante (68%), cansaço excessivo (65%) e insônia (52%). A menor porcentagem de incidência foi a dos sintomas físicos, dos quais, quando analisados, sobressaem-se a tensão muscular (58%), boca seca (39%) e tontura frequente (35%). Esse levantamento reflete na possibilidade de como essas mães vivenciam o cotidiano.
Contudo, deve-se ter em mente que a manifestação desses sintomas é reflexo das referências individuais de cada mãe. Para compreender de maneira integral o quadro do adoecimento físico e mental dessas cuidadoras, é necessário entender aspectos internos e a dinâmica do ambiente em que se encontra (Amaral, 2013).
Conclusão
Conclui-se que a mãe é a pessoa que está em tempo integral cuidando do filho, e é quem mais sofre impactos psicossociais. Essas repercussões podem ser vistas como a falta de apoio social e conjugal, a sobrecarga materna diante das características infantis, os desafios relacionados ao diagnóstico e o pouco acesso aos serviços de saúde. Além disso, observa-se a dificuldade dessas cuidadoras de visualizarem aspectos positivos nas habilidades da criança, o que traz consequências na qualidade de vida delas, como o estresse.
Para reduzir esses impactos, faz-se necessário o desenvolvimento de prática interventiva, para resgatar a identificação dessas cuidadoras, contribuindo para a liberdade e reconstrução da identidade, na ressignificação de mãe-mulher. As mães não são preparadas para viver uma maternidade atípica, não recebem nenhum manual de instruções, são simplesmente mulheres-mães, que buscam respeito e empatia, tanto para elas quanto para seus filhos.
Ademais, as mães de crianças com autismo dedicam a vida aos cuidados com o filho, e a vivência da maternidade é uma experiência difícil, já que envolve inúmeras responsabilidades. Diante disso, seria adequado criar estratégias de intervenção e proporcionar a essas cuidadoras um ambiente no qual elas possam ser ouvidas e que consigam compartilhar suas experiências, minimizando suas angústias, frustações e incertezas. A partir dessa possibilidade, previne-se o agravamento do quadro de estresse materno, isto é, viabiliza-se a queda dos níveis de estresse, beneficiando todo o ambiente familiar.
Contudo, ressalta-se que o estudo apresentou uma limitação relevante, como a falta de produções científicas recentes que abordassem essa temática, principalmente, voltadas para as diferentes fases do estresse na figura materna e que fosse de encontro com o instrumento utilizado. Isso dificultou o processo de fundamentação teórica, porém reforçou a relevância do tema.
Este estudo leva conhecimento ao público e gera informações, o que é uma forma de conscientização sobre a realidade do TEA. Como sugestão para futuros estudos, é viável pensar em pesquisas que ampliem o olhar acerca do estresse vivenciado por essas mães, bem como explorar a respeito da visão da paternidade e, até mesmo, sobre o quanto a relação conjugal é afetada quando se tem um filho com diagnóstico de autismo.