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Psicologia Ensino & Formação

versão impressa ISSN 2177-2061versão On-line ISSN 2179-5800

Psicol. Ensino & Form. vol.6 no.1 Brasília  2015

 

ARTIGO

 

Relações agressivas entre alunos do Ensino Médio analisadas a partir do modelo de agressão social

 

Aggressive relationships between high school students analyzed using the social aggression model

 

 

Roberta Gurgel AzziI; Elias LimaII; Emanuelly AraújoIII; Warley Guilger CorrêaIV

IUniversidade Estadual de Campinas. Pós-doutora em Psicologia (UFSCar). azzi@unicamp.br
II
Universidade Estadual de Campinas. Mestrando em Psicologia da Educação.
rev.eliaslima@uol.com.br
III
Universidade Estadual de Campinas. Mestranda em Educação.
emanuellyaraujo@hotmail.com
I
VUniversidade Estadual de Campinas. Mestrando em Educação. warguilger@gmail.com

 

 


RESUMO

Este trabalho Esse artigo refere-se a um levantamento sobre a presença de relações agressivas entre alunos do Ensino Médio, a partir do modelo de agressão social de Underwood (2003), no contexto brasileiro. Para conhecer as investigações científicas sobre a agressão entre pares de alunos no contexto escolar, especificamente no ensino médio, foi realizado um levantamento de artigos publicados em revistas científicas brasileiras através das seguintes palavras-chave: violência entre pares, violência na escola e assédio moral. O levantamento reuniu 474 artigos, dos quais somente 15 aludiam ao ensino médio, e apenas 05 atendiam aos critérios de estudos empíricos, contexto brasileiro e violência entre pares restrita ao ambiente escolar. Nos artigos selecionados houve indicações de agressão social direta por meio da manipulação de relacionamentos, espalhar rumores, e exclusão social direta verbal, não havendo sinalização de agressão social indireta em suas diversas formas. Embora os artigos selecionados não tenham caracterizado a agressão a partir da leitura da agressão social de Underwood (2003), esse levantamento sinaliza a presença da mesma no contexto escolar, indicando a necessidade de pesquisas subsequentes que abordem esse modelo, para melhor compreensão da violência escolar.

Palavras-chave: Agressão Social; Violência escolar; violência entre pares; Ensino Médio.


ABSTRACT

This article refers to a survey on the presence of aggressive relationships between high school students, from the social aggression model of Underwood (2003), in the Brazilian context. To find out scientific research on aggression between pairs of students in the school context, specifically in high school, a survey of articles published in Brazilian journals was conducted, using the following keywords: peer violence, school violence and bullying. The survey gathered 474 articles, of which only 15 alluded to high school, and only 05 met the criteria of empirical studies, Brazilian context and violence between pairs restricted to the school environment. In the selected articles there were indications of direct social aggression through the manipulation of relationships, spreading rumors, and direct verbal social exclusion, with no signs of indirect social aggression in any of its various forms. Even though the selected articles have not characterized the aggression from the reading of Underwood's (2003) model of social aggression, this survey signals its presence in the school context, and indicates the need for research that addresses this model to better understand school violence.

Keywords: Social Aggression; school violence; peer violence; high school.


 

 

INTRODUÇÃO

A violência tem adquirido cada vez mais atenção de nossa sociedade. Na Pesquisa Nacional sobre Perfil e Opinião dos Jovens Brasileiros de 2013, na qual foram realizadas 3.300 entrevistas, com jovens brasileiros de 15 a 29 anos, em 187 municípios, nas 27 unidades da federação, entre abril e maio do ano referido e em declaração espontânea sobre o que mais preocupa os jovens na atualidade, a violência ocupou o primeiro lugar, sendo citada por 43% dos jovens. A todo momento, através dos mais diversos meios de comunicação social, sejam eles internet, televisão, rádio, livro, revista ou jornal impresso, somos alcançados por registros, estudos ou comentários relacionados a alguma forma de violência. A tentativa em compreender este fenômeno que se revela cotidianamente em diversos ambientes, sob várias formas e em diferentes intensidades.

A violência acomete o mundo contemporâneo em todas as suas instâncias e se manifesta de variadas formas. Ela está presente em toda sociedade e não se restringe a determinados espaços, a determinadas classes sociais, a determinadas faixas etárias ou a determinadas épocas. (Camacho, 2001, p.125)

Para Trassi e Malvasi (2010), a violência é um fenômeno determinado por muitos fatores, possuindo aspectos históricos, sociais, econômicos, psicosociais e culturais, entre outros, se manifestando de inúmeras maneiras, algumas evidentes e outras sutis. Este fenômeno social se caracteriza, fundamentalmente, pelo uso intencional da agressividade com fins destrutivos para subjulgar o outro, que pode ser uma pessoa, um grupo, uma etnia, um país. "A violência é um sintoma do malestar nas relações entre os seres humanos" (TRASSI; MALVASI, 2010, p. 41). Segundo Marriel et al (2006), o comportamento violento carrega consigo a afirmação do poder sobre o outro, e a luta cotidiana pela conquista e manutenção deste poder, gera as diversas formas de violência.

O portal Qedu (http://www.qedu.org.br/), desenvolvido em parceria entre a Meritt e a Fundação Lemman, divulgou os resultados da Prova Basil de 2011, os quais incluem um questionário sobre violência. Tal questionário foi respondido por professores, de português e matemática, e diretores, ambos de escolas públicas e privadas, que trabalham com o ensino fundamental em todo o país. Apesar dos dados não se referirem ao ensino médio, nos são úteis como uma orientação sobre a percepção da violência escolar no Brasil. Naquela oportunidade, 38% dos professores que responderam ao questionário relataram ocorrência de agressão física entre alunos em sua escola, naquele ano letivo. O número representou 85.772 professores, entre as 223.932 respostas válidas para a questão. Entre os diretores, 41% das respostas válidas (22.378), sinalizaram o mesmo tipo de violência em suas escolas no período pesquisado. Os índices são ainda maiores quando relacionados à agressão verbal: 55% dos diretores e 51% dos docentes relataram conhecimento sobre agressões verbais, proferidas entre os alunos de suas escolas. Quando discriminadas as respostas dos profissionais de escolas estaduais e professores do 9° ano do ensino fundamental, os dados evidenciaram maior índice percentual em todos os itens relacionados à percepção de violência.

O alto número de ocorrências destas formas claras de violência entre pares, nos chama a atenção sobre outras formas de violência mais facilmente camufladas, ou que podem ser executadas através de comportamentos de difícil observação. Camacho (2000), destaca entre as formas de violência não física, além das ofensas verbais, a discriminação, a segregação, a humilhação e a desvalorização com palavras de desmerecimento. Coleta e Miranda (2003) lembram, ainda, das atitudes de desinteresse como meios de assédio moral, desde que sejam frequentes e produzidas com o intuito de desqualificar o próximo. Muitas destas formas de violência possuem poder nocivo tão, ou mais, intenso que a agressão física, principalmente quando ocorrem de maneira sistemática e repetitiva. O assédio moral, o bullying, o cyberbullying e a agressão social são exemplos de outros subtipos de agressão, que têem despertado cada vez mais interesse em pesquisadores de diversos países, que estudam estes fenômenos nos mais variados contextos, entre os quais o ambiente escolar adquire destacada atenção.

No campo da Psicologia Moral também se encontram vários olhares sobre a violência e adentrando o espaço escolar como lócus de estudos sobre agressão, pode-se encontrar várias contribuições de estudiosos brasileiros como VINHA E TOGNETTA (2014), TOGNETTA, FRICK E MENIN (2013) e BARBOSA, LOURENÇO E PEREIRA (2011).

Hock (2009), destaca que os estudiosos da aprendizagem social dão ênfase ao comportamento agressivo como produto da aprendizagem do indivíduo na interação com outras pessoas. Bandura, um dos mais expressivos teóricos da aprendizagem social, está entre os teóricos da aprendizagem que desde a década de 1950, vem dedicando esforços para explicar a aquisição e manutenção do comportamento agressivo (por exemplo, BANDURA e WALTERS, 1959/1963 e BANDURA, 1973).

Pelas referências acima, é possível perceber que a agressão é um fenômeno multideterminado e discutido por diferentes áreas e perspectivas. Sua presença, cada vez mais frequente nos espaços escolares, a torna significativamente relevante e merecedora de novas investigações. Entre os caminhos para delinear estudos que possam contribuir para a maior compreensão de sua constituição, o conhecimento de resultados de estudos já realizados é tarefa essencial e o rumo adotado por este artigo.

Considerando o cenário de comportamentos agressivos que se expande nas escolas, no caso de interesse, nas brasileiras, formulou-se como objetivo para este trabalho, conhecer as formas de agressão entre pares de alunos do ensino médio, relatadas em pesquisas veiculadas em periódicos brasileiros. A opção pelo nível médio deve-se ao fato de que este nível de ensino vem sendo foco de estudos do grupo de pesquisa de diversos autores, o que pode ser visto nos trabalhos de AZZI, GUERREIRO-CASANOVA e DANTAS (2010); ALVARENGA e AZZI (2010); GUERREIRO-CASANOVA, DANTAS e AZZI (2011). Para organizar a discussão dos comportamentos agressivos, relatados em artigos brasileiros, adotar-se-á como referência as formas de comportamento agressivo descritas e organizadas por Underwood (2003), a partir do constructo de Agressão Social. A escolha pela descrição desta autora pauta-se na suposição de que a organização e descrição propostas podem servir como norte para discutir as diversas expressões de comportamento agressivo que ocorrem em ambientes escolares, ou em função dele.

 

AGRESSÃO SOCIAL

Underwood (2003), em seu livro Social Aggression Among Girls, explora o tema da agressão social entre garotas. Sua decisão pauta-se na crença de que há diferença de generos na expressão das emoções. A agressão social, segundo Underwood (2003), é um comportamento com a intenção de prejudicar outra pessoa em seus relacionamentos, status social, ou auto-estima. Com esta compreensão, defende o ponto de vista de que a agressão social pode ser a forma das garotas resolverem o dilema de sentirem raiva e quererem ser honestas e boazinhas em sua expressão desta emoção. Como estratégia de regulação emocional as garotas podem, segundo a autora, limitar sua expressão de raiva contentando-se em falar mal da pessoa por trás, prejudicando, assim, suas relações sociais.

A Figura 1 mostra, na visão descrita pela autora, as diferentes formas pelas quais o comportamento agressivo pode estar relacionado. Na representação mostrada na figura é possível verificar quatro caminhos agressivos, o dano material, a agressão física, a agressão verbal e a agressão social.

 


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Como mostrado na figura acima, Underwood distingue a Agressão Social de outras formas de agressão, não incluindo no constructo as agressões que apenas infligem danos físicos ou materiais em outras pessoas. Não considerando também como agressão social, as formas de agressão verbal como provocação ou insulto que não demonstrem explicitamente a intenção de prejudicar amizades ou posição social.

Em sua explicitação sobre as diferentes formas de Agressão Social, a autora indica 3 níveis de agressão. No primeiro, há dois caminhos, a Agressão Direta e Indireta. Na Agressão Direta, a ação agressiva é realizada face a face, a vítima sabe quem é o agressor; já na Agressão Indireta, o agressor se utiliza de caminhos tortuosos para efetuar a agressão, ou utiliza-se de um terceiro, ou seja, a vítima não sabe quem é o agressor. Um exemplo de Agressão Indireta ocorre quando um rumor é espalhado e a vítima não sabe quem o iniciou.

Tanto na Agressão Social Direta quanto na Indireta, no segundo nível, podem ocorrer agressões do tipo manipulação do relacionamento, espalhar rumores caluniosos e exclusão social. A agressão social direta, na manipulação de relacionamento, pode ser exemplificada quando se diz a um colega que vai deixar de ser seu amigo, se não realizar o que lhe pediu; e em espalhar rumores, contando mentiras e/ou espalhando rumores sobre uma pessoa, sem a preocupação de se esconder. A agressão social indireta, na manipulação de relacionamento, pode ser exemplificada quando se convence um colega ou grupo de amigos a deixarem de ser amigos de determinada pessoa, e espalhando rumores, divulgando informações prejudiciais secretamente sobre uma pessoa, sob o pretexto de ajudá-la.

No terceiro nível, as agressões sociais diretas e indiretas se dividem em exclusão social, verbal e não verbal. A exclusão social verbal direta pode ser exemplificada quando um grupo de jovens está programando uma festa no sábado, e um determinado colega pergunta se pode participar e recebe como resposta um sonoro "claro que não"; a exclusão social não-verbal direta é exemplificada, quando uma pessoa é ignorada por um colega ou grupo de colegas por estarem com raiva dela; a exclusão social verbal indireta, quando se diz a um grupo de amigos para não falar com uma pessoa pouco antes dela se juntar ao grupo para almoçar; e a exclusão social não-verbal indireta, trocando olhares por trás de uma pessoa, enquanto um amigo conversa com ela, demonstrando desprezo por suas opiniões.

Fitzpatrick e Bussey (2011), usam uma definição de agressão social ligeiramente diferente de Underwood (2003), apesar de referenciarem a segunda autora como a proponente do constructo. Segundo elas, Agressão Social é agredir alguém com intenção de danificar a autoestima e o status social da vítima. A leitura das duas definições indica que Underwwod (2003) usou o termo autoconceito e Fitzpatrick e Bussey (2011) utilizaram autoestima. Para os propósitos deste artigo, não interessa avançar na discussão sobre os constructos usados pelas autoras, o que importa é a ideia de que a agressão social é dirigida para afetar a vítima em um aspecto do seu self.

Conhecida a descrição de comportamento agressivo, que será tomada como referência para dialogar com os achados dos estudos que abordaram a agressão entre pares de alunos nos contextos escolares do ensino médio, vamos descrever, a seguir, o processo de levantamento dos artigos que compõem o conjunto que será analisado neste trabalho.

 

METODOLOGIA

Com a finalidade de conhecer as investigações sobre agressão entre pares de alunos do ensino médio, no contexto escolar brasileiro, realizou-se um levantamento de artigos publicados em revistas científicas brasileiras nas bases de dados eletrônicas nacionais. Para isso, utilizou-se o site de busca da Biblioteca Virtual em Saúde-Psicologia Brasil (BVS-Psi Brasil), uma base de dados de acesso gratuito, contendo publicações da área de Psicologia. Foram realizadas consultas a partir das seguintes palavras-chave: violência entre pares, violência na escola e assédio moral. Em seguida, todos os resumos foram lidos, com o objetivo de identificar e selecionar aqueles que se referiam diretamente ao tema da violência escolar entre pares. Para fins de organização, os artigos encontrados foram inseridos em uma planilha de Excel, com células que discriminaram: título do artigo, autores, ano de publicação, base de dados onde foi encontrado, palavra-chave da busca, referência completa, link do resumo do artigo, link do artigo completo, sinalização de interesse, critério de interesse. Houve supressão dos artigos duplicados mantendo-se apenas um.

Na sequência, foram selecionados 70 artigos referentes ao assunto. Destes, somente 15 aludiam ao ensino médio. A partir da leitura dos mesmos, foram separados como de interesse para análise aqueles estudos que preenchiam os seguintes critérios:

a) Se tratar de estudos empíricos;

b) Ter sido realizado no contexto brasileiro;

c) Abordar a violência entre pares de alunos restrita ao ambiente escolar;

d) Ter como público participante alunos do ensino médio.

Verificou-se, após a leitura completa dos artigos, que dos 15, somente 11, abordavam relações agressivas entre alunos, 3 relatavam relações agressivas entre educadores e alunos e 1 artigo indicava interações agressivas entre os educadores. Dos onze artigos que abordavam as relações agressivas entre alunos, apenas cinco entraram nos critérios inclusão. Os artigos considerados para análise neste estudo estão relacionados no Quadro 1.

 

 

RESULTADOS

Entre cinco artigos selecionados, conforme expostos no Quadro 1, em três seus autores pesquisaram os significados e percepções dos alunos sobre a violência e praticas de intimidação em contexto escolar (Marriel et al., 2006; Gomes et al., 2006; e Nascimento e Menezes, 2013), em um seus autores estudaram a correlação entre auto-estima e violência no ambiente escolar (Marriel et al., 2006) e outro analisou a correlação entre eficácia coletiva e clima escolar, a partir do testemunho e envolvimento dos alunos em contexto de violência (Cunha , 2014). Nesses artigos, estudou-se a agressão entre pares de alunos do Ensino Médio, em municípios dos estados do Rio de Janeiro (Marriel et al., 2006; Cunha, 2014), São Paulo, Minas Gerais, Ceará (Njaine e Minayo, 2003), Pernambuco (Nascimento e Menezes, 2013) e Distrito Federal (Gomes et al., 2006).

O Quadro 2 apresenta sinteticamente informações sobre os cinco artigos selecionados para este estudo, oferecendo ao leitor a condição de uma rápida compreensão sobre as pesquisas realizadas, que serão analisadas com o intuito de identificar o tipo de agressão discutido.

 

 

Foi realizada analise das formas de agressão descritas nos artigos selecionados. Estas descrições foram encontradas nos relatos de testemunhas, vítimas ou agressores, e em tabelas de resultados, que agruparam respostas dos sujeitos pesquisados sobre as percepções de agressão entre pares. Em dois artigos (NJAINE e MINAYO, 2003; MARRIEL et al., 2006), a humilhação foi a agressão entre pares mais percebida e sofrida pelos alunos, seguida por ameaças, furtos e destruição de objetos. Marriel et al. (2006), em um levantamento quantitativo, onde os autores analisaram dados de uma pesquisa realizada com 1.686 estudantes, de 11 a 19 anos, de 7ª e 8ª séries do Ensino Fundamental e 1ª e 2ª séries do Ensino Médio, em 19 escolas públicas (municipais e estaduais) e 19 particulares de São Gonçalo, Estado do Rio de Janeiro, no ano de 2002. Verificou-se, que das quatro agressões mais percebidas no contexto escolar, a humilhação foi indicada em primeiro lugar (20% pelos alunos de elevada autoestima e 34,2% pelos alunos com baixa autoestima), seguida pelos furtos (28% pelos alunos de elevada autoestima e 29,9% pelos alunos com baixa auto-estima), ameaças (15,6% pelos alunos de elevada auto-estima e 21,6% pelos alunos com baixa auto-estima) e dano ao patrimônio pessoal (14,4% pelos alunos de elevada auto-estima e 18,2% pelos alunos com baixa auto-estima). A agressão física, limitada a agressão que tivesse necessidade de cuidados médico ou curativos, foi a sétima forma de agressão mais indicada (2,3% pelos alunos de elevada auto-estima e 5,6% pelos alunos com baixa auto-estima) em uma escala de oito itens.

Segundo Marriel et al. (2006), parte da humilhação que ocupa o primeiro lugar, "decorre de brincadeiras entre amigos, opiniões negativas dos educadores e discriminações (p.44)". Essa afirmação é exemplificada pelo fato de que o tema mais utilizado pelos adolescentes na relação com os seus pares foi "zoação":

Ele [colega] ficava implicando comigo (...) Ficava me zoando, aí dava soquinho nas costas. Aí eu dava porradão mesmo (...) Ele pegou uma folha da bananeira; começou a tentar me bater assim, eu saí para cima, saí... aí eu pulei em cima dele, reboquei ele e dei um soco. Aí fica todo mundo idolatrando... (Alberto) (Marriel et al., 2006, p.44)

A necessidade de reagir a agressão é colocada como essencial para evitar a "zoação", para evitar ser olhado pelos colegas como fraco e sem moral: "E ele [colega] fica sendo zoado, porque apanhou" (Alessandro) (Marriel et al., 2006, p.44) .

A agressão física e verbal foi apontada em outros dois artigos (GOMES et al., 2006; NASCIMENTO e MENEZES, 2013), como consequência da discriminação, preconceito e humilhação:

Basta o uso do uniforme para provocar atitudes que vão dos insultos verbais à violência física, com os adolescentes, especialmente do sexo masculino, sentindo-se impelidos a agir pela luta, em face da sua identidade sexual. Em certos casos não é preciso o uniforme; basta o simples fato de se saber que os adolescentes são do estabelecimento "inimigo". Estar sozinho é, portanto, um perigo, o que obriga a andar em grupo, a depender dele e a conformar-se às suas normas e ética. (GOMES et al., 2006, p.17)

Minha irmã tinha uma galera, mas não arrumavam briga. Tinha uma amiga dela que tava caçando briga com ela e não agüentou mais e juntou todo mundo (...) e todo mundo começou a brigar. (aluna, escola pública, cidade satélite) (GOMES et al., 2006, p.23)

João Augusto (16 anos) reflete: [a pessoa procura] "um negativo daquela pessoa, diferença daquela pessoa, você usa para deixar ela em seu lugar [diz, abrindo e fechando aspas com os dedos]. Você usa para deixar aquela pessoa para baixo". (NASCIMENTO e MENEZES, 2013, p.148)

Sendo que essa agressão física pode ser provocada por um simples olhar ou esbarrão sem querer:

Se eu tô andando com meu grupo e vou passando obviamente se tiver uma pessoa na minha frente eu vou olhar e a pessoa pode achar que eu estou com rixa, entendeu, aí já vai achando que tá todo mundo contra ele, entendeu, aí ele grava e vamos supor que, quando eu estiver sozinha na rua, um monte de gente vem e me bate. (grupo focal, escola pública, cidade satélite) (GOMES et al., 2006, p.22)

O fato de esbarrar em uma pessoa já é motivo de morte (...). Você se sente inseguro, tem que ficar no seu canto. Não pode olhar par ninguém, para namorada de um. Vai adivinhar se a menina que tu tá olhando tem namorado?! (grupo focal, escola pública, Plano Piloto) (GOMES et al., 2006, p.22)

Apenas em um dos artigos (CUNHA, 2014), o testemunho dos alunos indicou a agressão física como a mais percebida, mas em um quadro em que a mesma foi comparada com o testemunho do porte de armas e a presença de drogas e bebidas em contexto escolar. Não constava no quadro a relação das mesmas com situações de humilhação e discriminação.

Em três, dos cinco artigos estudados, as diversas formas de agressão estão relacionadas a inclusão ou exclusão social:

"E ele [colega] fica sendo zoado, porque apanhou" (Alessandro) (Marriel et al., 2006, p.44).

Aí a gangue junta um e outro, daí junta uns 15, juntam o dinheiro, compram drogas, depois armas, depois distribuem entre o pessoal lá e coloca o nome e vira uma gangue para matar os outros. Se um tá com raiva e vai, vão todos juntos para pegar os outros. Se eu não 'tiver com a minha galera e eu 'tiver sozinha, eu posso apanhar para servir de lição para os outros". (grupo focal, escola pública, Plano Piloto) (GOMES et al., 2006, p.21)

Elias (18 anos) diz: "É normal, aqui não tem bullying... só piadinhas inocentes". E Gael (17 anos): Fazem a brincadeira só para ver[em] a pessoa ficar irritada. Meus amigos fazem isso comigo, sempre... Ah! [es]tava só brincando, você se estressa muito fácil. [Es]Tava só brincando. Aí fica aquela pressão, a pessoa acaba tendo que... ceder... Como ele é muito meu amigo eu acabo relevando. (NASCIMENTO e MENEZES, 2013, p.149)

Apesar de nem todos os comportamentos agressivos encontrados nos artigos, se encaixarem claramente na definição de Underwood (2003) sobre agressão social, eles podem ser percebidos nos relatos dos estudantes, seja na posição de vítima, agressor ou testemunha desse subtipo de agressão. É importante salientar, que neste artigo procurou-se aproximar as formas de comportamento agressivo entre pares, descritos nos artigos selecionados, do constructo em questão.

 

 

A intencionalidade da agressão social é claramente indicada no primeiro exemplo do Quadro 3, quando apresentado o relato de um agressor, sem especificar se a mesma é direta ou indireta, por meio de manipulação de relacionamento, espalhar rumores ou exclusão social. No segundo exemplo percebe-se a exclusão social na forma de manipulação de relacionamentos, no depoimento de uma vítima, que se sente impelida a agredir pelos pares. No relato seguinte, na posição de testemunha e vítima, percebe-se agressão social direta por meio de espalhar rumores. E no último exemplo, verifica-se na fala de uma vítima a exclusão social verbal de forma direta.

 

DISCUSSÃO

Nos artigos analisados a agressão social pode ser sinalizada por seus efeitos em termos de humilhação e ameaça. Esses tipos de agressão são os mais percebidos pelos alunos nos artigos de Njaine e Minayo (2003) e Marriel et al. (2006). Percebemos também o efeito da agressão social, em termos como discriminação, preconceito e intimidação, relacionando-os com a agressão física, nos artigos de Gomes et al. (2006) e Nascimento e Menezes (2013). No artigo de Cunha (2014), não há citação desses termos, pois seu objeto foi relacionar o testemunho de brigas e agressões físicas dos alunos, porte de armas de fogo ou outras armas (facas, canivetes etc.), com o conceito de eficácia coletiva e clima escolar.

Embora o estudo de Nascimento e Menezes (2013) não tenha investigado a agressão social, os autores apresentam uma aproximação com este constructo ao afirmarem a importância de se estudar agressões indiretas para compreender a violência entre pares no contexto escolar, expressas em situações de intimidação:

Basicamente, há dois tipos de intimidação: a direta e a indireta. A intimidação direta diz respeito aos ataques diretos contra a vítima e tanto pode ser física – expressa através de atos direcionados ao corpo da vítima (espancamento, roubo, agressão) – quanto verbal e expressa por xingamentos, ofensas verbais, ameaças e gritos. Por outro lado, a intimidação indireta consiste em intimidar indiretamente o outro, através de exclusão do grupo, isolamento, ironias, piadas, gozação, imitação (escondida) do colega, difamação das famosas brincadeiras inocentes. (NASCIMENTO e MENEZES, 2013, p.149)

Nos artigos selecionados, foram mais evidentes as formas de agressões sociais diretas, seja sob a forma da manipulação de relacionamentos, difusão de rumores, e exclusão social direta verbal. A agressão social indireta, devido a sua função natural de não visibilidade do agressor exige investigação que leve em conta este caráter camuflador e se tome cuidados específicos para detectar este fenômeno, o que os artigos incluídos neste estudo não apresentaram, por não possuírem este objetivo. A importância de analisar a agressividade entre pares, no contexto escolar, na perspectiva da agressão social, é um passo importante na redução da mesma. Como destaca Camacho (2001), uma violência mascarada pode tornar-se perigosa porque não é controlada, passando a se tornar corriqueira e banalizada, promovendo insensibilidade ao sofrimento, desrespeito e invasão da privacidade do outro.

Underwood (2003), ao descrever a agressão social o fez a partir da consideração de quatro categorias de agressão: Física; Prejuízo para a propriedade pessoal; Verbal na forma de palavrões, gozações e ameaças de agressão física e Agressão social. Essa autora afirma que tais formas de agressão aparecem muitas vezes sobrepostas, porque a mesma agressão eventualmente cumpre vários objetivos, por exemplo, hipoteticamente, agredir fisicamente alguém para conseguir um objeto, ação que machuca a vítima e ao mesmo tempo evidencia o domínio do agressor aos olhos do grupo de amigos. As diversas formas de agressão, nas quais os tipos de agressão se sobrepõem, exigem um cuidado maior ao serem classificadas como agressão social. Para classificar uma agressão física ou verbal, ou até mesmo um dano à propriedade como agressão social, é necessário indicação da intenção do agressor em causar prejuízos sociais à vítima.

Também é importante destacar que investigar o tema da agressão social conforme propõe Underwood (2003) é relevante mas não é uma tarefa simples, já que é difícil identificar um elemento central do conceito de agressão social, a intencionalidade. Entretanto, por meio de comportamentos de manipulação de relacionamento, espalhar rumores e de exclusão social (verbal ou não-verbal) diretos ou indiretos, mesmo sem a indicação clara intencionalidade, podemos subentender a presença de agressão social, pois na definição de Underwood (2003), esses comportamentos sinalizam a presença de agressão social. Os artigos analisados não tiveram como objetivo investigar a intencionalidade dos comportamentos agressivos entre alunos, e com isso classificar um comportamento como agressão ou não na perspectiva aqui debatida. Por outro lado, embora os artigos selecionados não tenham caracterizado a agressão a partir da leitura da agressão social de Underwood (2003), o exercício exploratório de análise do ponto de vista da agressão social apresentado aqui encontrou elementos sinalizadores da presença da mesma em contexto escolar.

Conforme mencionado anteriormente, este artigo fez um levantamento de artigos de pesquisas sobre agressão entre pares de alunos do nível médio, publicadas em periódicos brasileiros. Além de descrevê-los brevemente, foram discutidas as agressões encontradas pelos mesmos à luz da conceituação de comportamentos agressivos descritos por Underwood (2003). Os artigos selecionados para análise não tinham como objetivo identificar a agressão social a partir da proposta de Underwood (2003), mas o exercício exploratório de identificação da agressão mencionada nos artigos com a categorização de agressão social adotada para a análise permitiu encontrar sinais de aproximação 'agressãorelatada/agressão-social'. Dessa maneira, foi possível observar que as situações de agressão social se apresentaram de diversas formas, sendo perceptíveis tanto através dos danos sociais relatados pelas vítimas e espectadores, bem como por meio da intencionalidade de comportamentos agressivos entre pares. Dado os resultados encontrados pela análise exploratória aqui realizada, parece ser interessante a realização de novos estudos que explorem a conceituação de agressão social adotada como possibilidade para melhor compreensão da violência escolar, tendo como perspectiva que conhecer é condição para pensar formas de enfrentamento com vistas à sua superação.

 

REFERÊNCIAS

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