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Estudos Interdisciplinares em Psicologia

versão On-line ISSN 2236-6407

Est. Inter. Psicol. vol.5 no.2 Londrina  2014

https://doi.org/10.5433/2236-6407.2014v5n2p77 

Artigos

DOI: 10.5433/2236-6407.2014v5n2p77

 

 

Instrumentos aplicados em estudos brasileiros em psicologia do esporte

 

Testing applied in Brazilian studies in sport psychology

 

Instrumentos aplicados en estudios brasileños en psicología del deporte

 

 

Andressa Melina Becker da Silva*; Gisele Fernandes de Lima Foch**; Claudiane Aparecida Guimarães***; Sônia Regina Fiorin Enumo****

Pontifícia Universidade Católica de Campinas

Endereço para correspondência

 

 


Resumo

A Psicologia do Esporte é uma das áreas de atuação dos psicólogos que faz uso instrumentos de avaliação. Depende, portanto, da construção e validação de instrumentos para essa população. Este estudo analisou os instrumentos validados para a população brasileira, citados em artigos nacionais sobre Psicologia do Esporte, no período de 2002 a 2012. Os descritores "validação", "teste", "esporte" e "psicofisiologia" foram cruzados com os descritores "ansiedade", "estresse", "depressão", "motivação", "liderança", "agressividade", "imaginação", "humor", "autoestima", "autoeficácia", nas bases de dados eletrônicas Periódicos/CAPES, SciELO-Brasil e PubMed em janeiro de 2013. Para 38 modalidades esportivas e outras não competitivas, encontraram-se seis instrumentos traduzidos e validados para o Brasil, mas ainda não avaliados/aprovados pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP). Discute-se a inclusão de medidas psicofisiológicas no processo avaliativo e a validação dos instrumentos aplicados à Psicologia do Esporte.

Palavras-chave: avaliação psicológica; psicologia do esporte; psicofisiologia.


Abstract

Sport Psychology is one of the areas of the expertise of psychologists that makes use assessment tools. Therefore depends on the construction and validation of instruments for this population. Examine the instruments cited in this literature can help in this process. This study examined the instruments validated for the Brazilian population, cited in national articles on Sport Psychology, from 2002 to 2012. The descriptors "validation", "test", "sport", and "Psychophysiology", were crossed with descriptors "anxiety", "stress", "depression", "motivation", "leadership", "aggression," "imagination," "humor," "self-esteem", and "self-efficacy" - on the electronic bases Periódicos/CAPES, SciELO-Brazil and PubMed, in January 2013. For 38 sports and other non-competitive, six instruments translated and validated in Brazil were found, but not yet assessed / approved by the Federal Council of Psychology. The inclusion of the psychophysiological measures in the evaluation process and the validation of the instruments applied to Sport Psychology are discusses.

Keywords: psychological assessment; sports psychology; psychophysiology.


Resumen

La Psicología del Deporte es una de las áreas de los psicólogos que hace uso de herramientas de de evaluación. Por lo tanto depende de la construcción y validación de instrumentos para esta población. Discutir los instrumentos mencionados en esta literatura puede ayudar en este proceso. Este estudio examinó los instrumentos validados para la población brasileña, citado en artículos nacionales en Psicología del Deporte, de 2002 a 2012. Los descriptores "validación", "prueba", "deporte" y "Psicofisiología" fueron cruzados con los descriptores "ansiedad", "estrés", "depresión", "motivación", "liderazgo", "agresión", "imaginación", "humor", "auto-estima" y "autoeficacia" – en las bases electrónicas Periódicos/CAPES, SciELO-Brasil y PubMed, en enero de 2013. Para 38 deportivos y otras no competitivas, fueron encontrados seis instrumentos traducido y validado en Brasil, pero aún no evaluadas / aprobados por el Consejo Federal de Psicología. Discute la inclusión de medidas psicofisiológicas en el proceso de evaluación y la validación de los instrumentos aplicados en Psicología del Deporte.

Palabras clave: evaluación psicológica; psicología del deporte; psicofisiología.


 

 

Introdução

A Psicologia do Esporte, entendida como "[...] o estudo científico de pessoas e seus comportamentos em contextos esportivos e de exercício e as aplicações práticas de tal conhecimento" (Weinberg & Gould, 2001, p. 29), é uma das áreas de atuação profissional do psicólogo relativamente recente no país (Vieira, Vissoci, Oliveira, & Vieira, 2010). Segundo Rubio (2007), após sua regulamentação em termos de exercício profissional e formação pelo Conselho Federal de Psicologia[CFP] (Resolução 014/2010), esta área se desenvolveu, apresentando especificidades, com uma convivência de diversas abordagens teóricas –psicanalíticas, behavioristas, cognitivistas, com base na Gestalt, na Psicologia Social – e a aplicação de diferentes métodos e instrumentos de avaliação e intervenção.

Por ser uma área de conhecimento com um amplo espectro de atuação, a Psicologia do Esporte também se relaciona e usa conceitos derivados de outros campos da Psicologia, como a Psicologia Clínica, a Psicologia Social, a Psicologia do Desenvolvimento, a Psicometria, entre outros. Esta última, curiosamente, teve influência marcante na origem da Psicologia do Esporte no Brasil, no meio do século passado, com os trabalhos de João Carvalhaes, que tinha também grande experiência em Psicometria (Rubio, 2007). Assim, a Psicologia do Esporte acompanhou o processo histórico de desenvolvimento da Psicologia em geral, com suas preocupações com medidas das características e das diferenças individuais. Medidas de inteligência e desempenho, de personalidade e dos processos psicológicos motivacionais subjacentes, como os sistemas autorreferenciados (self system process) – autoconfiança, autopercepção de eficácia, autoconceito, autoestima, autocontrole ou autorregulação – e de enfrentamento do estresse vieram subsidiar a prática dos psicólogos no campo esportivo (Duda, 2005; Ryan & Deci, 2007). Na medida em que os atletas passam por treinamentos intensos, diários e multidisciplinares, fazendo com que os aspectos psicológicos, por vezes, não recebam a devida atenção (Gomes, 2002), preconiza-se que uma das formas de treinamento dos atletas é a psicológica, baseada nos princípios da Psicologia do Esporte.

A atuação nessa área é multiprofissional, podendo ser exercida por educadores físicos ou psicólogos com especialização em Psicologia do Esporte. Assim, para atuar, é necessário ter um conhecimento sobre constructos psicológicos, teorias da personalidade, Avaliação Psicológica e Psicometria, bem como sobre periodização, treinamento físico, tático e técnico, desenvolvimento físico, especificidades biológicas e da modalidade esportiva ou de atividade física em questão (McCullagh & Noble, 2011). Toda essa formação é básica, pois, antes de intervir, é preciso avaliar. Contudo, há dificuldades na área em termos de oferta de cursos de especialização, além da disputa por mercado de trabalho entre educadores físicos e psicólogos, bem como a falta de disciplinas específicas nos cursos de graduação em Psicologia, diferentemente do que ocorre na Educação Física (Vieira et al., 2010).

A ênfase na capacitação específica em Psicologia para atuar nessa área deriva do fato de a Avaliação Psicológica ser um processo técnico científico de coleta de dados, estudos e interpretação de informações a respeito dos fenômenos psicológicos, o qual pode fazer uso de estratégias psicológicas, assim como métodos, técnicas e instrumentos, segundo a Resolução 007/2003 do Conselho Federal de Psicologia[CFP] (2003). E há uma especificidade na avaliação em Psicologia do Esporte, a qual não deve ser confundida com avaliação psicológica da área Clínica. Nesse contexto, exigem-se habilidades para mensurar especificidades esportivas, com instrumentos aplicados individual ou coletivamente, em esportes de campo, ao ar livre, de pista, de piscina. Convém lembrar que esta questão da capacitação para trabalhar em Psicologia do Esporte não é uma preocupação nacional, mas também internacional (McCann, Juwdy, & Van Raalte, 2011). Esses autores constataram que diferentes métodos de avaliação são utilizados na área, como entrevistas, observação do comportamento, avaliação de relatórios de treinadores, de gravações em vídeos, testes, entre outros; os quais exigem uma capacitação em avaliação psicológica.

Outros processos psicológicos relacionados ao contexto esportivo também devem ser avaliados, como a relação dos atletas entre si e com a equipe de treinamento, aspectos motivacionais relativos a cada fase de treinamento e de nível no ranking em campeonatos, a percepção do nível técnico da própria equipe e dos adversários, por exemplo. Mas, independente do método de avaliação utilizado, é importante ressaltar que é competência exclusiva de psicólogos realizarem uma avaliação psicológica, como estabelecido por lei (Noronha & Alchieri, 2002).

Nesse contexto interdisciplinar, Rubio (2011) alerta para o risco do uso generalizado de instrumentos da área clínica nos esportes, tendo em vista que estes não contemplam especificidades esportivas ou mesmo de características psicológicas importantes ao contexto. Chama atenção a falta de discussão acerca dessa temática e o despreparo de profissionais para construção de novos instrumentos específicos ou mesmo validação de outros. Como destaca Rubio (2011) "[...] a grande quantidade de instrumentos de avaliação desenvolvidos sem consistência teórico-metodológica leva a uma fragilização de resultados já divulgados e que estão sendo generalizados para outros estudos e situações" (p. 21).

Peixoto e Nakano (2014) também alertam para a inexistência de testes psicológicos aprovados para uso profissional, validados para atletas, fazendo com que os profissionais optem por utilização de testes sem requisitos de evidências de validade e confiabilidade. Cabe esclarecer que os testes aprovados pelo Sistema de Avaliação dos Testes Psicológicos[SATEPSI] – órgão do CFP que avalia os instrumentos psicológicos no país – não são apenas para uso em Psicologia Clínica. Nesse sentido, é importante considerar que, se um psicólogo do esporte emite laudos e pareceres a respeito de um determinado atleta, seja para equipe de dirigentes esportivos, ou mesmo para o próprio atleta, com base em instrumentos psicológicos, estes precisam ser creditados ou atestados pelo CFP, com base na Resolução n. 002/2003. Faltam, porém, discussões suficientes sobre os métodos de avaliação utilizados sejam ao longo da temporada esportiva, sejam em anos pontuais de grandes competições

Um passo nessa direção foi tomado em 2011, quando o CFP instituiu o "Ano da Avaliação Psicológica", promovendo discussões sobre o assunto em diversos núcleos regionais. Muitos instrumentos, entre eles questionários, inventários, entrevistas, são utilizados de forma indiscriminada, sem ser adaptados ao contexto esportivo, tampouco submetidos a propriedades psicométricas para utilização em território nacional (CFP, 2013).

Pasquali (2005) já recomendava que os testes psicológicos devessem ser baseados na Psicometria, ou seja, apresentassem métodos adequados para serem utilizados. Urbina (2007) afirma que os testes psicológicos precisam ser padronizados, ou seja, possuírem determinações quanto a sua aplicação e avaliação de resultados. Neste contexto, é preciso considerar as mudanças de nomenclaturas e conceitos nessa área, uma vez que não se utiliza mais o termo "validação", e sim, "evidências de validade" de um determinado instrumento. Isso se deve ao fato de os instrumentos apresentarem um processo cumulativo de validação, ancorados em evidências de relevância científica, construídos ao longo dos anos. Assim, segundo Primi, Muniz e Nunes (2009), há cinco formas de evidências de validade, que deveriam ser comprovadas para que um instrumento fosse considerado adequado para sua utilização, sendo eles: a) evidências baseadas no conteúdo (representatividade dos itens do teste); b) evidências baseadas no processo de resposta (processos mentais envolvidos na realização do teste); c) evidências baseadas na estrutura interna (correlações entre itens e subescalas); d) evidências baseadas na relação com variáveis externas (convergência com outras variáveis externas); e) evidências baseadas nas consequências de testagem (consequências sociais, comportamentais e outras, de aplicação do teste).

Considerando as competências da Psicometria, o CFP (2010) procura, por meio de resoluções, estabelecer uma lista de instrumentos aprovados para uso e comercialização no Brasil. Pela Resolução 002/2003 do CFP (2003), há requisitos obrigatórios para o instrumento de avaliação psicológica ser aprovado. Entre eles, estão: especificação do constructo que o instrumento em questão pretende avaliar; caracterização fundamentada na literatura da área; evidências empíricas de validade, de fidedignidade e das propriedades psicométricas dos itens; e apresentação de sistema de correção e interpretação.

Logo, todo instrumento de avaliação psicológica, antes de ser editado, comercializado e utilizado para fins profissionais, deve passar por um exame de suas qualidades psicométricas, realizada em nosso país pelo SATEPSI (CFP, 2007). Contudo, este órgão avalia somente os instrumentos encaminhados para avaliação, ficando à parte desse processo outros instrumentos não submetidos e os utilizados para fins de pesquisas, e principalmente no contexto da Psicologia do Esporte, como vimos anteriormente (Peixoto & Nakano, 2014).

Cabe esclarecer que os instrumentos não avaliados pelo SATEPSI podem apresentar boas propriedades psicométricas. Porém, como são passíveis de utilização para fins profissionais, cabem as considerações sobre sua adequação já que não estamos tratando aqui de pesquisas acadêmicas, mas sim, de prática profissional. Também com esta ressalva, tem-se a questão de divulgação desses instrumentos – em veículos acadêmicos, em congressos científicos e em lojas que comercializam instrumentos psicológicos – para os profissionais da área, da Psicologia e da Educação Física. Estes são utilizados em laudos e pareceres, ou seja, em contexto profissional e não de pesquisa exclusivamente. Nesses dois contextos, observa-se uma prática alternativa utilizada pelos profissionais da área - as medidas psicofisiológicas, como o cortisol, lactato, testosterona, imunoglobulinas, entre outros indicadores passíveis de mensuração (Silva & Enumo, 2014; Silva, Cavalheiro, Foch, & Enumo, 2014).

Diante desse quadro, é relevante analisar os métodos de avaliação utilizados em Psicologia do Esporte, especialmente em nosso país. Assim, este estudo analisa a produção científica brasileira em relação aos instrumentos de avaliação utilizados na Psicologia do Esporte, no período de 2002 a 2012, verificando assim quais os instrumentos existentes, bem como analisa a qualidade psicométrica dos mesmos.

 

MÉTODO

Foram consultadas as bases de dados eletrônicas da CAPES (Periódicos), SciELO-Brasil e PubMed, cruzando-se as seguintes palavras-chaves: "validação", "teste", "esporte", "psicofisiologia" e os constructos psicológicos avaliados nos estudos da área - "ansiedade", "estresse", "depressão", "motivação", "liderança", "agressividade", "imaginação", "humor", "autoestima" e "autoeficácia" – geralmente os mais citados na área, conforme confirmaram Silva, Cavalheiro, Foch e Enumo (2014), em estudo com psicólogos do esporte brasileiros sobre o que costumam investigar na prática profissional. No presente estudo, esses descritores foram aplicados em associação, como, por exemplo, "teste" e "ansiedade" e "esporte", deixando, portanto, a busca mais restrita.

A busca dos artigos foi realizada em janeiro de 2013, limitando-se, portanto, ao material bibliográfico encontrado nesse período. O estudo foi guiado pelo Manual de Avaliação Psicológica do CFP (2007), no sentido de dar orientação nas práticas profissionais relacionadas à avaliação psicológica. Não foi utilizado nenhum método estatístico, por não se tratar de meta-análise, mas, sim, uma revisão narrativa da literatura.

A busca nessas bases de dados citadas recuperou 47 publicações (artigos, dissertações e teses), que citaram o uso dos instrumentos psicológicos aqui em foco. Assim, foram analisadas, neste trabalho, somente as publicações que relataram o uso de instrumentos psicológicos adaptados ou com alguma evidência de validade para a população brasileira (Brandão, 2000; Costa et al., 2011; De Rose Jr., 1998; Gonçalves & Alchieri, 2010; Raposo & Fernandes, 2004; Rolfs et al., 2008).

 

RESULTADOS

Analisando a amostra da produção nacional obtida no período de 2002 a 2012, foram localizados seis instrumentos com evidências de validade nas áreas de humor, ansiedade, estresse (pré-competitivo e no futebol) e motivação para a prática de atividades físicas e para o futebol, listados na Tabela 1.

 

 

Cabe ressaltar que esses instrumentos foram localizados embasando-se nos critérios de inclusão e exclusão, bases de dados pesquisadas, restrição temporal e período em que a busca ocorreu.

Comparando com os dados encontrados por Silva et al. (2014), em levantamento on line com pesquisadores da área, que identificaram instrumentos psicológicos com evidências mínimas de validade e somente para os constructos de Depressão, Cinesiofobia, Humor e Estresse, observa-se somente estes dois últimos foram localizados no presente estudo. Além destes, foram encontrados instrumentos de avaliação da motivação e ansiedade. As escalas citadas na Tabela 1 estão descritas a seguir.

A Escala de Humor de Brunel[BRUMS] foi desenvolvida para permitir uma rápida mensuração do estado de humor de populações compostas por adultos e adolescentes. Adaptado do "Profile of Mood Tates", a BRUMS contém 24 indicadores simples de humor, tais como as sensações de raiva, disposição, nervosismo e insatisfação, que são perceptíveis pelo indivíduo avaliado. Este responde como se situam em relação às tais sensações, de acordo com a escala de 5 pontos (de 0 = nada a 4 = extremamente). A forma colocada na pergunta é "Como você se sente agora?", embora outras formas: "Como você tem se sentido nesta última semana, inclusive hoje?", ou "Como você normalmente se sente?" possam ser usadas. A BRUMS leva entre um a dois minutos para ser respondida. Os 24 itens da escala compõem as seis subescalas, com quatro itens cada: raiva, confusão, depressão, fadiga, tensão e vigor. Com a soma das respostas de cada subescala, obtém-se um escore que pode variar de 0 a 16, segundo os autores. É importante ressaltar que a escala foi reprovada pelo Conselho Federal de Psicologia, sendo que seu uso para fins profissionais é considerado uma falta ética (CFP, 2003).

Os demais instrumentos encontrados não constam na lista de avaliação pelo Conselho. A "Lista de Sintomas de Stress Pré-Competitivo Infanto-Juvenil"[LSSPCI] - apresenta 31 sintomas, por exemplo: "Meu coração bate mais rápido que o normal", "Fico preocupado com críticas das pessoas", "Fico ansioso". Foi idealizada para ser administrada a atletas na faixa etária de 10 a 14 anos e em idade superior, inclusive adultos, já que a linguagem está devidamente adequada às mesmas. Não foram localizadas normas para a faixa etária de adultos, porém, o próprio autor sugere a possibilidade de uso para esta população. No entanto, devido aos mesmos critérios de validade linguística, o autor indica que não se pode afirmar que sua aplicação seja adequada às faixas etárias inferiores (De Rose Jr., 1998), além de seu processo de validação não ter atendido às outras evidências de validade descritas por Primi et al. (2009).

O "Inventário de Stress no Futebol"[ISF], desenvolvido por Brandão (2000), avalia 77 situações de estresse que podem interferir no rendimento esportivo, por exemplo: "Não estar bem fisicamente", "Nervosismo excessivo", "Derrotas anteriores", "Discordância ou conflitos com o treinador". O ISF descreve situações gerais e específicas de estresse no futebol, tendo sido elaborado e validado com atletas profissionais do futebol brasileiro. Os sujeitos do estudo foram jogadores de futebol pertencentes a quatro clubes das regiões Sudeste e Sul do Brasil: a Sociedade Esportiva Palmeiras, o Grêmio Foot-ball Portoalegrense, o Sport Clube Internacional e o time da Etti-Jundiaí. A construção dos itens foi baseada em uma revisão histórica do estresse no esporte, especificamente em testes para avaliar estresse no futebol (Frester, 1976; Samulski & Chagas, 1992; Teipel, 1993). Os itens foram testados em um grupo exploratório (Brandão, Medina, & Matinho, 1998; Brandão & Winterstein, 1999), com 24 jogadores do Internacional de Porto Alegre, para verificar a clareza das instruções e dos enunciados dos itens. Adotou-se uma escala de sete pontos, que representam a direcionalidade dos fatores de estresse, que pode ser negativa, neutra ou positiva. As formas negativa e positiva apresentam as alternativas "muito", "mais ou menos" e "pouco". A forma neutra tem apenas uma alternativa. Os resultados revelaram sete fatores de estresse, relativos às situações de: fracasso iminente ou real; aspecto de competição; demanda física e psicológica; conflito; perturbação; risco; crítica e apreensão. A análise de precisão do instrumento, através do coeficiente alpha de Cronbach, demonstrou evidências de consistência interna. Contudo, não apresenta outros critérios psicométricos requisitados. O ISF tem grandes implicações práticas em termos de estratégias de intervenção no futebol, que podem ajudar os jogadores a enfrentar as situações estressoras que fazem parte do dia a dia, pois além de identificar as situações estressoras específicas do futebol, indica a extensão e a direcionalidade da reação do atleta a uma determinada situação estressora. Mas, para isso, ainda necessita apresentar outras evidências de validade.

Para avaliar a motivação à prática de atividades físicas, Gonçalves e Alchieri (2010) adaptaram e validaram para o contexto brasileiro a "Escala de Motivação à Prática de Atividades Físicas[MPAM-R]" provenientes do instrumento "Physical Silva et al 86 Estudos Interdisciplinares em Psicologia, Londrina, v. 5, n. 2, p. 77-95, dez. 2014 Activity Measure Revised (MPAM-R)". Este instrumento foi aplicado em 309 praticantes de atividades físicas da cidade do Natal/RN, com idade entre 16 e 74 anos, distribuídos equitativamente quanto ao sexo. Depois de concluídas as traduções, análise semântica e análise dos juízes, os participantes responderam à versão em português da MPAM-R e questões sociodemográficas. Foram realizadas análises fatoriais - exploratória e confirmatória -, a partir das quais os resultados demonstraram que a escala final ficou composta por 26 itens, por exemplo: Eu pratico atividade física... "Porque me sinto bem", "Porque gosto de praticar", "Prá ter mais energia", "Para definir meus músculos" – respondidos em uma escala de sete pontos. A MPAM-R tem cinco dimensões e consistência interna satisfatória para todas: Diversão (α = 0,88), Saúde (α = 0,84), Aparência (α = 0,79), Competência (α = 0,85) e Social (α = 0,75), verificandose que esta escala melhor se adéqua a uma estrutura multifatorial. Confia-se ser uma medida adequada em termos psicométricos para uso em pesquisas e também para a criação de estratégias de intervenção junto à população sedentária.

Um estudo de validação da "Escala de Motivação no Esporte (SMS) no futebol para a língua portuguesa brasileira" foi feito por Costa et al. (2011). Esta escala consta de 28 itens, por exemplo: Eu jogo futebol... "Pelo prazer que me dá saber mais acerca da modalidade que pratico", "Pelo prestígio de ser atleta", "Pelas emoções que sinto ao praticar um esporte de que gosto" – que são respondidos em uma escala de sete pontos. Estes estão divididos em sete dimensões, com base no questionário "Sport Motivation Scale (SMS)". Para a tradução e adaptação do instrumento, foram adotados os procedimentos sugeridos na literatura, como já discutidos anteriormente. Os resultados da análise fatorial confirmatória demonstraram que com exceção do teste S-Bx2 que foi significante (p < 0,001), todas as outras medidas de ajuste absoluto (GFI e RMSEA) e de ajuste incremental (NFI, NNFI e AGFI) apresentaram valores dentro dos aceitáveis pela literatura: > 0,70 (George & Mallery, 2003). No que diz respeito ao termo de confiabilidade interna, pode-se observar que somente duas dimensões atingiram o valor mínimo (> 0,70), entretanto, as demais dimensões, aproximam-se do índice desejável. Desse modo, os resultados obtidos no presente estudo dão suporte para a validade da EME-BR com jogadores brasileiros jovens de futebol de alto nível (Costa et al., 2011)

Em relação à ansiedade, os instrumentos mais utilizados em pesquisas são os desenvolvidos por Martens e colaboradores, que analisam a ansiedade-traço, pelo Sport Competition Anxiety Test[SCAT] (Martens, 1977) e a ansiedadeestado, pelo Sport Competition Anxiety Inventory[CSAI] (Martens, Vealley, & Burton, 1990). Este último instrumento foi traduzido e validado para o português por Raposo e Fernandes (2004) e denomina-se "Inventário do Estado de Ansiedade Competitiva"[CSAI-2]. É composto por 27 questões, por exemplo: "Eu me sinto nervoso", "Meu corpo está tenso", "Eu me preocupo com a derrota", "Minhas mãos estão frias e úmidas", em escala de quatro pontos, dividida em três subscalas (ansiedade cognitiva, ansiedade somática e autoconfiança), nas quais o indivíduo assinala seu estado momentâneo. A pontuação é obtida pela somatória das respostas, com pontuação variando de 9 a 36. Para a interpretação, os dados da ansiedade cognitiva, somática e autoconfiança são categorizados em baixa (9 a 18 pontos), média de (19 a 27 pontos) e alta (28 a 36 pontos). Neste caso, foram apresentadas somente as evidências de validade baseadas no conteúdo e na estrutura interna, faltando as demais evidências de validade.

 

DISCUSSÃO

Nesta revisão, foram localizados apenas seis instrumentos traduzidos e/ou com estudos de validade para o Brasil, os quais apresentam limitações no processo de evidências de validade, demonstrando lacunas e indicando o quanto ainda é possível fazer na área, especialmente se considerarmos que existem 38 modalidades esportivas incluídas nas Olimpíadas. Considera-se, entretanto, que o processo de verificação de evidências de validade é contínuo, e que, portanto, os instrumentos localizados podem ainda encontrar-se em processo de construção. Além disso, novos estudos podem ser conduzidos de modo a demonstrar evidencias que apontem para a validade das interpretações dos escores desses instrumentos.

Em relação à questão da adequação de instrumentos para a utilização no Brasil, há um panorama complexo, pois existem instrumentos validados originalmente em Portugal, mas sem evidências de validade no Brasil. Sobre o processo de validação, um dos caminhos foi descrito por Klein, Putnam e Linhares (2009) na validação de escalas de temperamento. Essas autoras descrevem o processo de tradução e adaptação cultural de instrumentos, embasando-se em quatro passos, que vão desde a escolha de tradutores bilíngues, fazendo a tradução, passando pela análise semântica por juízes, a aplicação de um modelo-piloto para adequações culturais, nova análise e, por fim, a retrotradução (back translation), com aprovação do autor original do instrumento. Todos esses cuidados, segundo essas autoras, preservam as qualidades psicométricas, necessárias para a aplicação de instrumentos de avaliação psicológica, seja ele aplicado em qual contexto for. Assim, no contexto esportivo, não teria porque ser diferente, especialmente quando se considera que a avaliação norteará intervenções futuras. Ética e profissionalmente, a avaliação psicológica serve de embasamento para intervenções futuras, lembrando que aqui não estamos nos referindo à pesquisa, e, sim, às práticas profissionais, não necessariamente clínicas, até porque nos referimos a atletas e praticantes de atividade física.

Além dessa questão da validação linguística do instrumento, existem diversos tipos de modalidades esportivas - coletivas e individuais -, que exigem diferentes habilidades físicas e psicológicas, como ter mais força ou mais concentração, em diferentes contextos, como no campo, quadra, rua – e todos esses aspectos têm que ser levados em consideração antes da aplicação de qualquer instrumento e na análise de seus resultados (McCann et al., 2011). Isso se deve pelo fato de que os processos psicológicos são estruturados com base no contexto proximal do atleta, no caso, sendo influenciado por ele momentaneamente ou no longo prazo, em uma perspectiva bioecológica do desenvolvimento humano (Pratti, Couto, Poletto, & Koller, 2008). Em Psicologia do Esporte, os contextos proximais podem se relacionar a desfechos psicológicos, observados em fenômenos avaliados como um estado da pessoa, como, por exemplo, a "ansiedade-estado", ou seja, é a ansiedade presente naquele momento e que pode ter influências ambientais (Gonçalves & Belo, 2007). Assim, deve-se considerar que os diferentes contextos esportivos proporcionam ambientes únicos, que podem predispor o atleta ou o participante de alguma atividade física a alguma alteração psicológica e psicofisiológica. Por essas condições, coloca-se a importância existirem instrumentos específicos ou adaptados para as diferentes situações no esporte.

Em alguns desses estudos analisados, foram identificados instrumentos que passaram pelos requisitos básicos de evidências de validade, como a "Escala de Motivação à Prática de Atividades Físicas"[MPAM-R] (Gonçalves & Alchieri, 2010), o "Inventário do Estado de Ansiedade Competitiva"[CSAI-2] (Raposo & Fernandes, 2004) e a "Escala de Motivação no Esporte (SMS) no futebol" (Costa et al., 2011). É interessante observar que a escala BRUMS não está aprovada para uso, enquanto que as demais sequer foram submetidas à avaliação pelo Conselho Federal de Psicologia, ou seja, os psicólogos não podem emitir laudos e pareceres técnicos com base nas avaliações feitas utilizando esses instrumentos, segundo as diretrizes do próprio Conselho e fundamentos éticos da área (CFP, 2003, 2007, 2010, 2013). Existe a possibilidade de estes testes não serem enviados ao SATEPSI por serem utilizados em pesquisa ou por estarem ainda em fase de construção; porém, sabe-se que profissionais utilizam-nos como instrumentos de avaliação que permeiam uma prática profissional (Silva et al., 2014), como base para futuras intervenções, e é nesse ponto que cabe a crítica deste artigo.

Considerando este quadro de poucos instrumentos, muitos pesquisadores e profissionais estão utilizando medidas psicofisiológicas, pois são mensurações de fácil execução, não perpassa a subjetividade dos sujeitos avaliadores e avaliados, nem existem restrições aos educadores físicos e apresentam correlações positivas e significativas quando comparados com outros instrumentos, como questionários e inventários (Cruz, Casa Júnior, & Vieira, 2013). Incluem-se nessas medidas: o biofeedback, a mensuração do cortisol salivar, da testosterona, do lactato, da pressão arterial e da frequência cardíaca, entre outros, que se relacionam principalmente com constructos psicológicos de estresse, ansiedade e dor (Coelho, Keller, & Silva, 2010; Coelho et al., 2014; Frighetto, Brunetto, Bordignon, & Gaio, 2012; Santos, 2011; Silva & Enumo, 2014). Por ser de fácil aplicação e ausente de subjetividades, esta prática é muito bem aceita no meio científico e sua dimensão de publicação internacional é ampla (Coelho et al., 2010; Coelho, Kuczynski, Keller, & Silva, 2010; Hudson, Davison, & Robinson, 2013; Mansoubi, Hojjat, & Shojali, 2013; Papadopoulos, 2013). Este pode ser um caminho futuro para as novas pesquisas, envolvendo Psicologia e Esporte, Psicologia e Fisiologia, sem dicotomias, tendo-se a consciência da influência mútua que um exerce sobre o outro.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os instrumentos de Avaliação Psicológica têm sido aplicados por profissionais de outras áreas de conhecimento, como a Educação Física, a Medicina, a Enfermagem, a Fisioterapia, em contextos esportivos, isoladamente ou em equipes multidisciplinares. Considerando as competências de cada área, em que aspectos físicos e de treinamento, por exemplo, estão a cargo de educadores físicos, a correção e interpretação dos resultados de instrumentos psicológicos, por sua vez, devem ser conduzidas por psicólogos, por envolverem constructos e conhecimentos específicos da área da Psicologia. Cabe, também, diferenciar a prática profissional e a situação de pesquisa na área, inclusive para desenvolvimento de novos instrumentos e para a busca de novas evidências de validade, uma vez que, em pesquisas, não serão emitidos laudos ou pareceres baseados nessas aplicações. Assim, o processo de busca de evidências de validade dos instrumentos é contínuo e deve ser seguido para fornecer à prática profissional instrumentos melhor construídos e fidedignos, preservando-se, dessa forma, os aspectos éticos na avaliação psicológica.

Ainda com a questão ética em foco, foi discutida aqui a existência de métodos e técnicas alternativas e fidedignas de avaliação de constructos psicológicos, como as medidas psicofisiológicas. Da mesma forma, estas fornecem indicadores que devem compor, com outras medidas provenientes de técnicas e instrumentos psicológicos, o quadro a ser analisado, seja para fins acadêmicos ou de intervenção.

Nesse contexto, constatou-se nesta revisão limitada às bases de dados procuradas e ao período analisado, a escassez de instrumentos validados e a existência de um grande campo na pesquisa científica, por conseguinte, tendo em vista que poucos pesquisadores se direcionam para a validação de instrumentos nesta área. Contudo, ressaltam-se as restrições típicas deste tipo de estudo (tipo de descritores, de bases de dados, período analisado), sendo necessárias novas pesquisas, tendo em vista que outros constructos psicológicos devem ser estudados e atualizados, na busca de evidências de validade.

Fica, com o presente estudo, um alerta aos psicólogos do esporte sobre a qualidade dos instrumentos utilizados na avaliação psicológica e as questões éticas envolvidas no uso de instrumentos que não apresentam evidências de validade suficientes para sua utilização, seja para a emissão de laudos e pareceres psicológicos ou para o planejamento de intervenções psicológicas, desenvolvidas com base em critérios de avaliação. Assim, novas pesquisas devem ser desenvolvidas visando ao desenvolvimento de novos instrumentos e testes, frisando-se a importância de atentar-se para as características exclusivas de cada modalidade esportiva, bem como de cada faixa etária e nível de desempenho, entre outras.

 

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Recebido em: 04/07/2014
Revisado em: 02/10/2014
Aceito em: 20/02/2015

 

Endereço para correspondência
e-mail: andressa_becker@hotmail.com,
gi_flima@yahoo.com.br,
claudianeguimaraes@yahoo.com.br,
sonia.enumo@gmail.com

 

 

* Doutoranda em Psicologia pela PUC-Campinas, Mestre em Educação Física (ênfase em Psicologia do Esporte) pela UFPR,
** Especialista em Personal trainner (UFPR) e Psicologia Corporal (Centro Reichiano).
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Mestranda em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas.
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Doutoranda em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Professora Doutora do Programa de Pós Graduação em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de Campinas.

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