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Estudos Interdisciplinares em Psicologia
versão On-line ISSN 2236-6407
Est. Inter. Psicol. vol.7 no.2 Londrina dez. 2016
Artigos
Adoecimento mental em professores brasileiros: revisão sistemática da literatura
Mental disorders in brazilian teachers: systematic review of literature
Padecimiento mental en profesores brasileños: revisión sistemática de la literatura
Liciane DiehlIi; Angela Helena MarinIii
I Unisinos – Universidade do Vale do Rio dos Sinos
Resumo
A saúde do professor é um tema que adquire crescente relevância científica, pois tal profissão é considerada como uma das mais estressantes. A presente revisão sistemática da literatura analisou produções científicas nacionais publicadas entre 2010 e 2015, com vista a identificar principais sintomas e/ou adoecimentos psíquicos entre professores brasileiros. Recorreu-se às bases LILACS, SciELO, Index Psicologia, Educ@ e PePSIC. Os critérios de elegibilidade e análise seguiram as diretrizes do PRISMA. Dos 97 artigos encontrados, 15 foram analisados, os quais indicaram interesse multidisciplinar pela temática, predominância de estudos descritivos e correlacionais e recorrência de investigações em escolas públicas e de Ensino Fundamental. O principal adoecimento mental investigado é a síndrome de burnout e os sintomas prevalentes foram o estresse e a ansiedade. Espera-se que esses resultados direcionem novas pesquisas e estimulem o planejamento de intervenções eficazes voltadas para a saúde mental de professores.
Palavras-chave: trabalho docente; saúde ocupacional; saúde mental; distúrbios mentais.
Abstract
Teacher’s health is a subject of increasingly scientific relevance, because teaching it is one of the most stressful professions. This systematic literature review examined national scientific publications published between 2010 and 2015 to identify symptoms and/or mental illnesses among Brazilian teachers. We resorted to the LILACS, SciELO, Index psychology Educ@, and PePSIC data bases. The eligibility criteria and analysis followed the PRISMA guidelines. We analyzed 15 out of 97 papers found, which indicated multidisciplinary interest in the area, predominantly descriptive and correlational studies, and recurrence of investigations in public and elementary schools. The burnout syndrome is the main mental disorder investigated and the symptoms were stress and anxiety. We hope that these results guide new research and encourage the planning of effective interventions for the mental health of teachers.
Key words: teaching work; occupational health; mental health; mental disorders.
Resumen
La salud del profesor es un tema de relevancia científica, ya que esta profesión es considerada uno de los más estresantes. Esta revisión sistemática de la literatura examinada publicaciones científicas nacionales publicados entre 2010 y 2015 para identificar los principales síntomas y/o desórdenes mentales entre los profesores brasileños. Se hizo una recopilación de datos la la LILACS, SciELO, Índex Psicología y Educ@ PePSIC. Los criterios de elegibilidad y análisis siguieron las directrices PRISMA. De los 97 artículos encontrados, 15 fueron analizadas, lo que indica el interés multidisciplinar en el área, principalmente a los estudios descriptivos y de correlación y la recurrencia de las investigaciones en las escuelas públicas y las escuelas primarias. La principal enfermedad mental investigada es síndrome de burnout y los síntomas eran el estrés y la ansiedad. Se espera que estos resultados apuntan a nuevas investigaciones y fomenten el diseño de intervenciones efectivas para la salud mental de los maestros.
Key words: trabajo docente; salud ocupacional; salud mental; desórdenes mentales.
Introdução
As mudanças que têm ocorrido em relação à função do professor, como a fragmentação do seu trabalho e a complexidade das demandas que lhe são impostas, coincidem com um processo histórico de rápida transformação do contexto social (León, 2011). Em função disso, ampliam-se as responsabilidades e exigências sobre esse profissional, de modo que ele precisa apresentar, além das competências pedagógicas, habilidades sociais e emocionais (Jennings & Greenberg, 2009). Portanto, a saúde do professor é um tema de pesquisa que adquire crescente relevância e também tem sido alvo de preocupação por parte de profissionais, gestores institucionais e entidades sindicais e governamentais (Carlotto, 2012).
A profissão docente é considerada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) como uma das mais estressantes, pois ensinar se tornou uma atividade desgastante, com repercussões evidentes na saúde física, mental e no desempenho profissional (Reis et al., 2006). Desgastes osteomusculares e transtornos mentais, como apatia, estresse, desesperança e desânimo, são formas de adoecimento que têm sido identificadas em professores (Barros et al., 2007).
Nesse sentido, independentemente do nível de ensino e instituição (pública ou privada) em que atue, aponta-se que repercussões negativas na saúde do professor podem ser causadas pelo intenso envolvimento emocional com os problemas dos alunos, a desvalorização social do trabalho, a falta de motivação para o trabalho, a exigência de qualificação do desempenho, as relações interpessoais insatisfatórias, as classes numerosas, a inexistência de tempo para descanso e lazer e a extensiva jornada de trabalho (Neves & Silva, 2006). Em conjunto, esses fatores se constituem como fontes de estresse (Carlotto, 2012) associadas à organização do trabalho, ao seu conteúdo, à realização da tarefa e ao seu entorno (Gil-Monte, 2005).
Uma revisão sistemática da literatura internacional, envolvendo estudos qualitativos sobre o estresse ocupacional, constatou que a categoria docente considera a sobrecarga de trabalho, a falta de controle sobre o tempo, os problemas comportamentais dos estudantes, a burocracia excessiva, a implementação de novas iniciativas educacionais e a dificuldade de relacionamento com os supervisores como os principais fatores de desgaste no trabalho (Mazzola, Schonfeld, & Spector, 2011). Outra revisão de estudos publicados entre os anos de 1985 e 2007 sobre o trabalho docente indicou a incidência de transtornos mentais, estresse, síndrome de burnout, problemas vocais, doenças osteomusculares, entre outros, sugerindo o aumento do adoecimento dessa categoria ou o rápido crescimento na observação desse fenômeno a partir do ano 2000 (Freitas & Cruz, 2008). Mais recentemente, do Vale e Aguillera (2016) identificaram, em uma revisão narrativa de literatura, que o estresse e a síndrome de burnout são os principais motivos de afastamento do trabalho da categoria docente. A síndrome de burnout pode ser entendida como um tipo de estresse de caráter persistente vinculado a situações de trabalho, resultante da constante e repetitiva pressão emocional associada com intenso envolvimento com pessoas por longos períodos de tempo (Harrison, 1999).
Oliveira et al. (2002) mencionam que as mudanças ocorridas na organização do trabalho do professor, decorrentes das reformas educacionais implantadas nas décadas de 1980 e 1990, afetaram significativamente a profissão, uma vez que “trouxeram novas exigências profissionais sem a necessária adequação das condições de trabalho” (p.56). Portanto, o trabalho docente é um campo de estudo que deve ser explorado devido às amplas e profundas mudanças da escola e da educação, que sofrem o impacto das transformações que ocorrem na sociedade e no mundo do trabalho (Hypolito & Grishcke, 2013).
Conforme Oliveira (1997), entre as reformas educacionais iniciadas nos anos 1990, no Brasil, está a descentralização administrativa, financeira e pedagógica e a flexibilidade na organização e funcionamento das escolas, o que trouxe maior autonomia à gestão das unidades escolares. Essa autonomia desempenha um benefício para os professores, que passam a adquirir maior liberdade para organizar o seu trabalho. Por outro lado, leva à ampliação de funções e maior responsabilização pelo sucesso educacional. Oliveira, Vieira e Augusto (2014) complementam que tais mudanças também transferem maior poder aos alunos e seus pais, de modo que o paradoxo desse modelo regulatório é que, ao mesmo tempo em que cresce a autonomia dos docentes, também aumenta o controle sobre eles.
Além disso, propagaram-se nas últimas décadas os sistemas de avaliação em âmbito nacional, bem como estadual e municipal, com o intuito de melhorar as políticas e resultados da educação. Essas mudanças têm influenciado consideravelmente a realidade escolar brasileira, afetando sua cultura, modificando seus valores e objetivos, reestruturando o trabalho docente e trazendo novos significados às relações entre os indivíduos que fazem parte da escola (Oliveira et al., 2014).
Frente ao exposto, teve-se como objetivo sistematizar as produções científicas nacionais publicadas nos últimos seis anos (2010 a 2015), com o intuito de identificar os principais sintomas e/ou adoecimentos psíquicos entre professores. É importante que se considerem os professores brasileiros, pois eles estão inseridos em um contexto marcado por condições sociais e econômicas sui generis, além de serem influenciados por políticas públicas educacionais que afetam diretamente o exercício da profissão, como destacado acima, o que torna o exercício da profissão distinto quando comparado a outros países. Acredita-se que esse estudo poderá estimular a reflexão sobre a saúde mental nesta categoria e direcionar novas pesquisas. Além disso, espera-se que os resultados fomentem a reflexão sobre o planejamento de intervenções eficazes voltadas para o professor brasileiro.
Método
Esta revisão sistemática da literatura nacional foi desenvolvida de acordo com as diretrizes do Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta- Analyses (Moher et al., 2009). Os protocolos do PRISMA podem ser acessados pelo http://www.prisma-statement.org/.
O processo de busca bibliográfica foi realizado em junho de 2015 e atualizado em maio de 2016 nas seguintes bases de dados: LILACS (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde), SciELO (Scientific Electronic Library Online), Index Psi, Educ@ e PePSIC (Periódicos Eletrônicos de Psicologia). Foram analisados artigos completos e de acesso gratuito publicados entre 2010 e 2015. As bases de dados foram escolhidas por contemplarem os principais periódicos que publicam sobre a temática deste estudo. A busca foi realizada por meio dos seguintes descritores e operadores booleanos: “saúde mental AND professores”; “saúde mental AND docentes”; “doença mental AND professores”; “doença mental AND docentes”; “distúrbios mentais AND professores”; “distúrbios mentais AND docentes”.
Foram incluídos na revisão todos os artigos empíricos publicados em periódicos científicos que tivessem como objetivo investigar o adoecimento psíquico de professores brasileiros, publicados no intervalo dos últimos seis anos (2010 a 2015) em língua portuguesa e que estivessem e disponíveis online na íntegra gratuitamente. Foram excluídos os artigos de revisão teórica ou sistemática, teses, dissertações, livros ou outros documentos, e estudos que não contemplassem, em suas amostras, exclusivamente professores. Visando maior fidedignidade dos dados, a busca foi realizada por dois avaliadores independentes, sendo atingido um percentual de concordância igual a 92%.
Após a eliminação de duplicadas na primeira busca, os artigos foram avaliados considerando o seu título e resumo quanto aos critérios de elegibilidade. Em seguida, a avaliação foi realizada através da análise do texto completo. Além de identificar os principais sintomas e/ou adoecimentos psíquicos entre professores, o objetivo desta revisão foi verificar o periódico de publicação, a área de atuação do(s) autor(es) e os aspectos metodológicos dos estudos, como delineamento, abordagem de pesquisa e instrumentos utilizados. Também se analisou os fatores que provocam o adoecimento, se a instituição foco dos estudos era pública ou privada e os níveis de ensino investigados.
Resultados
A partir da pesquisa nas bases de dados, 97 artigos foram identificados, conforme segue: LILACS (n = 53), SciELO (n = 32), Index Psi (n = 5), Educ@ (n = 0) e PePSIC (n = 7). Após eliminação das duplicadas, a relevância de 50 artigos foi avaliada. Durante a triagem inicial, através dos títulos e dos resumos, 27 artigos foram excluídos por não contemplarem a temática que constitui o objetivo desta revisão, além de um artigo ter sido excluído por não ter abordado professores brasileiros, ficando 21 artigos para avaliação do texto completo. Por fim, 15 artigos foram selecionados. A exclusão após acesso ao texto completo deveu-se ao fato de três dos artigos não serem empíricos e três não terem trabalhado com amostra exclusiva de professores. O processo de seleção dos estudos é ilustrado na Figura 1.
Os artigos que compuseram a amostra final foram organizados na Tabela 1 , a qual apresenta as características que foram avaliadas neste estudo.
O perfil das publicações indica que diferentes periódicos se interessam em divulgar a temática adoecimento mental de professores, com discreto destaque a revistas de Psicologia (27%) e da Saúde Pública e Saúde Coletiva (27%), seguidas de periódicos multidisciplinares (20%). As áreas da Psiquiatria, Epidemiologia e Enfermagem publicam sobre o tema, mas com menos expressão. Da mesma forma, os autores que têm investigado o tema são de diversas áreas de atuação, sendo a psicologia a mais sobressalente (30%), acompanhada da Saúde Pública e da Medicina (15% cada) e das áreas da Odontologia e da Educação (10% cada). Por fim, Fonoaudiologia, Enfermagem, Educação Física e Administração aparecem como áreas de atuação de 5% dos autores.
O fato de a saúde dos trabalhadores da educação ser objeto de estudo de uma variedade de áreas do conhecimento sugere que este é um tema de interesse multidisciplinar (Santos & Marques, 2013). Cruz e Lemos (2005) referem que as condições de saúde e trabalho dos docentes têm despertado o interesse de psicólogos, sociólogos, epidemiologistas, ergonomistas e demais profissionais da saúde. Eles revelam a preocupação com as condições do exercício profissional dos professores tendo em vista o aumento de problemas de saúde manifestados nos últimos vinte anos.
Especialmente o campo da educação tem evidenciado um crescimento quanto ao número de agravos relacionados à saúde dos professores (Cruz & Lemos, 2005), com prejuízos que afetam tanto a saúde física como a psicológica, comprometendo a capacidade de trabalho (Reis et al., 2006). Destaca-se que, a partir da definição daConstituição Federal de 1988, que afirmou a educação como um direito de todos, ampliaram-se os desafios de oferta e expansão da educação (CONAE, 2014), colocando o professor como um alvo importante no cumprimento das diretrizes, objetivos, metas e estratégias para assegurar a manutenção e desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis. Portanto, embora de relevância para o desenvolvimento social (Leite & Souza, 2007), tais demandas acabam por acarretar desgaste e sobrecarga ao professor.
Quanto à abordagem dos estudos, houve predominância dos quantitativos (87%). Apenas um dos artigos analisados apresentou abordagem mista e outro, abordagem qualitativa. Observa-se que a maioria dos pesquisadores atua em áreas relacionadas às ciências da saúde e saúde pública, que se aproximam dos métodos quantitativos ou explicativos (Turato, 2005). Como a psicologia tem interfaces com à saúde pública (Matos, 2012), isso também pode explicar o predomínio de investigações de fenômenos epidemiológicos, de prevalência, fatores de risco, com método sustentado por mensurações e inferências estatísticas, o que é característico da abordagem quantitativa.
Dos artigos de abordagem quantitativa, 54% apresentavam delineamento descritivo correlacional, alguns deles também descritivos e exploratórios, indicando interesse, por parte dos pesquisadores, em explorar relações que possam existir entre as variáveis investigadas. Esses são seguidos por estudos descritivos de levantamento (31%), estudos caracterizados como explicativo e descritivo correlacional (16%) e explicativo experimental (8%).
A opção pelo delineamento descritivo correlacional pode estar relacionada à facilidade de o pesquisador trabalhar com apenas um grupo, não precisar manipular variáveis e, ainda, realizar a investigação em situações próximas da realidade em estudo (Coutinho, 2008). As pesquisas com delineamento explicativo, que representam somente 16% das publicações, são as que melhor aprofundam o conhecimento da realidade, pois visam explicar o poder de predição das variáveis investigadas. No entanto, são mais complexas, visto que requerem o controle das variáveis, verificam a relação causa e efeito e há importantes cuidados éticos que devem ser tomados (Breakwell, Fife-Schaw, Hammond, & Smith, 2010), como evitar a manipulação de práticas que podem acarretar sofrimento ou dano mental ou físico aos sujeitos envolvidos no estudo (Cozby, 2009).
Verificou-se que os autores priorizaram o uso de instrumentos padronizados. Os estudos descritivos correlacionais e os explicativos foram desenvolvidos, em sua totalidade, a partir de pelo menos um instrumento padronizado. Já os estudos descritivos de levantamento indicaram o uso de outras formas de coleta de dados, como elaboração de questionários fundamentados na literatura. Esses dados são coerentes com o delineamento das pesquisas, uma vez que estudos explicativos e descritivos correlacionais exigem maior rigor científico. Instrumentos padronizados denotam maior confiabilidade e, segundo Cozby (2009), a confiabilidade de um instrumento de medição se refere ao grau em que sua repetida aplicação, ao mesmo sujeito ou objeto, produz resultados semelhantes. Ainda, instrumentos padronizados atendem aos princípios de validade, que verificam se o instrumento avalia com precisão o fenômeno que será estudado (Gray, 2012).
Quanto à instituição investigada, observou-se que a maioria dos estudos envolveu escolas públicas (93%), sendo que destes, 21% tiveram como público-alvo professores que também tinham inserções em escolas privadas. Infere-se que escolas públicas sejam mais acessíveis a pesquisas, pois os resultados podem amparar exigências às autoridades e órgãos competentes de melhores salários e condições de trabalho, além de apoio na formação continuada para corresponder às demandas educacionais. Como indica Carlotto (2010), no Brasil, os problemas no campo da educação são mais críticos em instituições públicas em comparação às particulares. As instituições particulares, mesmo que integrem um sistema de ensino com diretrizes comuns, mantêm certa autonomia e usufruem de maior liberdade e independência quanto ao planejamento e gestão de seus recursos financeiros. De qualquer forma, estudos têm revelado que, embora esses contextos se diferenciem, ambos possuem fatores psicossociais que levam os professores ao adoecimento mental. Em escolas públicas, são ressaltados problemas relacionados a baixos salários, formação continuada deficitária para corresponder às atuais demandas educacionais, violência dos alunos (Levy, Nunes Sobrinho, & Souza, 2009), falta de apoio dos pais e da direção da escola, sobrecarga de trabalho e cobrança social (Diehl & Carlotto, 2014). No ensino privado, por sua vez, evidenciam-se sentimentos de insegurança diante de uma possível demissão (Dalagasperina & Monteiro, 2014) e o excesso de cobranças (Esteves-Ferreira Santos, & Rigolon, 2014).
No que diz respeito ao nível de ensino investigado, observou-se que parte da amostra contemplou mais de um nível de ensino, especialmente Fundamental e Médio, que correspondem a 40% dos estudos. Desta forma, somando esses às amostras que contemplaram exclusivamente o Ensino Fundamental, constata-se que o foco de maior interesse de investigação dos pesquisadores é o Ensino Fundamental, pois está presente em 60% dos estudos. Em seguida, o Ensino Médio aparece com 40%, bem como o Ensino Superior, com 40%. A Tabela 2 apresenta os dados sobre o nível de ensino investigado.
A categoria docente vinculada ao Ensino Fundamental e Médio é uma das mais expostas a ambientes conflituosos e de alta exigência de trabalho, tendo que assumir tarefas extraclasse, reuniões, atividades adicionais e pressão do tempo, além de lidar com frequentes comportamentos inadequados dos alunos (Carlotto & Palazzo, 2006; Ministério da Saúde, 2001). Consoante, pesquisas têm revelado índices de maior adoecimento em professores do Ensino Fundamental e Médio (Carlotto, 2010; Correia, Gomes & Moreira, 2010; Santos & Marques, 2013). No caso da síndrome de burnout, especificamente, estudos indicam que, conforme se eleva o nível de ensino, com exceção do universitário, os índices de burnout tendem a aumentar, sendo os professores de Ensino Médio os mais acometidos (Carlotto, 2012; León, 2011). Uma revisão sistemática da literatura realizada por Santos e Nascimento Sobrinho (2011) identificou crescimento do número de pesquisas epidemiológicas sobre a síndrome de burnout em professores de Ensino Fundamental e Médio, considerando o período entre 1989 e 2009. A investigação sobre burnout pode expressar o aumento da preocupação da comunidade científica em relação à saúde mental do professor destes níveis de ensino.
Em relação aos fatores que levam ao adoecimento dos professores, os estudos que investigaram os diversos níveis de ensino (Infantil, Fundamental, Médio e Superior) identificaram a organização do trabalho, a falta de reconhecimento, problemas motivacionais e comportamentais dos alunos (falta de limite e de educação, dificuldades de relacionamento), pouco acompanhamento familiar e problemas no ambiente físico (ergonomia, mobiliário, equipamentos e condições de ruído e temperatura). Portanto, presume-se que, independentemente do nível de ensino em que o professor atue, ele está exposto a estressores ocupacionais semelhantes que denotam ser reflexo de transformações sociais, reformas educacionais e implantação de novos modelos pedagógicos ocorridos nos últimos tempos, conforme já destacado.
Os docentes do Ensino Superior, particularmente, são afetados, principalmente, por pressão em relação à produção intelectual e sobrecarga de trabalho. Com menos frequência, aparecem fatores como forma de gestão dos órgãos do governo, perda do sentido do trabalho, quebra de expectativas vinculadas ao trabalho, limitadas condições de infraestrutura, excesso de responsabilidades, relações interpessoais conflituosas e falta de planejamento. Ao trabalho docente no Ensino Superior estão sendo impostos parâmetros de produtividade e diversidade de atividades com altas exigências de investimento intelectual e de cunho burocrático (Lopes, 2006). Além da sobrecarga de atividades, a precariedade das condições laborais e a competição, que, muitas vezes, gera tensões entre colegas, têm sido identificadas como fatores críticos (Borsoi, 2012).
A análise da dimensão relacionada aos principais sintomas e/ou adoecimentos psíquicos permitiu constatar que os pesquisadores que desenvolveram os estudos descritivos e/ou exploratórios, assim como correlacionais, tiveram interesse em investigar a síndrome de burnout (33%), a qualidade de vida dos professores (20%), os Transtornos Mentais e Comportamentais ou Comuns (13%), o estresse (13%) e a ansiedade (7%). De modo semelhante, os estudos descritivos de levantamento contemplaram os Transtornos Mentais e Comportamentais (13%), o estresse e a ansiedade (7%) e desgastes físico e emocional (7%).
O fato de a síndrome de burnout ter aparecido como uma das doenças mais estudadas é coerente com o crescente interesse pelo tema. Nos últimos anos, aumenta-se o reconhecimento de que burnout é um problema de saúde pública na categoria docente (Batista, Carlotto, Coutinho, & Augusto, 2010) diante da gravidade dos seus danos à saúde dos trabalhadores (Pocinho & Perestelo, 2011). Ademais, desde 1999, a legislação brasileira contempla a síndrome como transtorno mental e do comportamento relacionado ao trabalho, pertencendo ao Grupo V da CID-10 (Ministério da Saúde, 2001).
O estresse estar apontado como um sinal de adoecimento é atinente às características do trabalho do professor, uma vez que ele está exposto a inúmeros fatores estressores como sobrecarga de trabalho, falta de controle sobre o tempo, problemas comportamentais dos estudantes, burocracia excessiva, implementação de novas iniciativas educacionais e dificuldade de relacionamento com os supervisores. A persistência e a intensidade com que os estressores são vivenciados pelo indivíduo, associadas a sucessivas tentativas de lidar adequadamente com fatores de estresse, também podem tornar esse indivíduo vulnerável ao surgimento da síndrome de burnout (Maslach, Schaufeli, & Leiter, 2001).
Os estudos que investigaram a qualidade de vida dos docentes revelaram prejuízos nesse aspecto, sendo mencionados problemas relacionados ao sono, abuso de medicamentos, episódios depressivos, esgotamento, entre outros. Segundo Campos e Rodrigues Neto (2008), há um progressivo interesse pela avaliação da qualidade de vida em diferentes populações, pois seus resultados podem oferecer subsídios à promoção de saúde e na definição de prioridades, no racionamento de recursos, na avaliação de políticas públicas e implantação de novas práticas de intervenção.
Considerando o estresse, a ansiedade, o esgotamento e problemas relacionados ao sono como alguns dos principais sintomas de adoecimento mental investigados, observa-se que eles são relacionados aos denominados Transtornos Mentais Comuns (TMC), quadro de sofrimento psíquico de natureza não psicótica, que inclui queixas de ansiedade, depressão, alterações de sono, fadiga e somatizações (Ludermir & Melo Filho, 2002). Esse resultado é congruente com os achados de Santos e Siqueira (2010), que constataram alta prevalência de TMC em professores, correspondendo a um índice de cerca de 60%.
Considerações finais
A presente revisão sistemática permitiu traçar um panorama dos estudos brasileiros que, nos últimos anos (2010 a 2015), investigaram as condições de saúde mental dos professores. Levando-se em conta o descarte de artigos que se repetiram ou não preencheram os critérios de elegibilidade, pode-se afirmar que o número de artigos que constituíram a amostra final deste estudo serve como ilustração da produção científica brasileira sobre a temática proposta. Portanto, esse recorte permitiu entender o tema pesquisado e mapear oportunidades para futuras investigações.
A saúde dos professores tem sido foco de investigação de diversas áreas do conhecimento, sugerindo interesse multidisciplinar e coerência com a relevância do papel social deste profissional. Foi possível identificar lacunas metodológicas a serem preenchidas na produção de conhecimento sobre o assunto, sinalizando a necessidade de desenvolvimento de estudos de delineamento experimental, o qual permite a coleta de evidências para avaliação das relações de causa e efeito dos fenômenos (Breakwell & Rose, 2010; Davis & Bremner, 2010), bem como de estudos qualitativos, com o propósito de compreender e interpretar a forma como os professores vivenciam suas experiências laborais e lidam com o adoecimento oriundo delas.
Quanto à instituição investigada, observou-se que as escolas públicas são o maior alvo de estudos, supondo que estão mais abertas a colocar em evidência e compreender os fatores que dificultam o exercício da profissão docente. É importante que gestores de escolas particulares compreendam que a produção do conhecimento científico é um valoroso aliado na construção de medidas para prevenção e promoção da saúde mental, repercutindo em melhores resultados no trabalho.
Mesmo que tenha sido evidenciado que professores de níveis de Ensino Fundamental, seguidos pelo Médio e Superior, são os mais estudados, supostamente por estarem mais expostos a ambientes conflituosos e de alta exigência de trabalho, é indispensável que o nível Infantil, foco de apenas 13% dos estudos desta revisão, e o Ensino Especial, que não constituiu a amostra do presente estudo, sejam também investigados. Esses níveis podem revelar dados específicos relacionados ao trabalho docente, como o aprendizado heterogêneo dos alunos e necessidade de atender demandas diferenciadas em sala de aula, tema atual que tem se constituído como um desafio na educação.
Alguns fatores que levam ao adoecimento dos professores são comuns a todos os níveis de ensino investigados e estão relacionados à organização do trabalho, falta de reconhecimento, problemas comportamentais dos alunos, pouco acompanhamento familiar e deficiências no ambiente físico. Considerando que a ampliação dos recursos financeiros para a educação nacional e a valorização dos profissionais da educação estão contempladas na definição das metas do Plano Nacional de Educação (PNE) 2014/2024 (Ministério da Educação e Cultura, 2014), que visam à formação inicial e continuada, salários, carreira e garantia de condições de trabalho, não se preconiza criar novas políticas e programas de promoção da saúde do professor, mas indica-se a necessidade de maior organicidade por parte dos sistemas de ensino para garantir o cumprimento de tais políticas de valorização. É imprescindível, portanto, o conhecimento e o debate acerca das condições previstas e das proposições direcionadas à valorização desses profissionais para que se minimizem fatores de risco a sua saúde mental.
O principal adoecimento mental investigado foi a síndrome de burnout, já o estresse, a ansiedade, o esgotamento e problemas relacionados ao sono são os sintomas que mais apareceram nos estudos com professores. Esses estão relacionados aos TMCs, logo referem-se a expressões de sofrimento psíquico, por vezes, incapacitantes, mas que não se configuram em categoria diagnóstica (Fiorotti, Tomazelli & Malagris, 2009), o que pode acarretar afastamento ocasional do trabalho e/ou de longo prazo, causando impacto socioeconômico em razão dos dias perdidos e declínio da qualidade do ensino.
Considerando que a saúde e a educação são condições preponderantes para o desenvolvimento humano e social, é importante atentar aos professores. Frente aos problemas e demandas atuais, esses profissionais precisam de competência pedagógica, social e emocional e estimular a construção crítica dos indivíduos para que aprendam a ser e a conviver na sociedade como sujeitos conscientes, reflexivos e participativos, mas para isso é fundamental que também estejam física e mentalmente saudáveis.
Como limitações do estudo, considera-se que a escolha e combinação dos descritores podem ter restringido a busca de publicações, uma vez que a saúde da categoria docente vem sendo alvo de uma série de estudos na medida em que tem se verificado, no Brasil, um quadro crescente de desmotivação e nível de evasão registrado entre professores (Andrade, 2004). Portanto, estudos que utilizaram descritores diversos de saúde e doença mental não foram considerados nesta revisão, restringindo o conhecimento sobre os seus resultados. Outra limitação é que este estudo pode apresentar uma propensão a vieses relativos à publicação, aos idiomas e ao período de publicação escolhidos e a todos os critérios de seleção dos estudos que foram aplicados. De qualquer forma, foi possível descrever o panorama dos sintomas e/ou adoecimentos psíquicos de professores brasileiros, possibilitando estimular a reflexão sobre a saúde mental nesta categoria e direcionar novas pesquisas.
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Endereço para correspondência
Liciane Diehl
e-mail: licidiehl@gmail.com
Endereço para correspondência
Angela Helena Marin
e-mail: marin.angelah@gmail.com
Recebido em: 07/04/2016
Revisado em: 29/05/2016
Aceito em: 13/06/2016
i Mestre em Psicologia Social pela PUCRS e doutoranda em Psicologia pela UNISINOS.
ii Doutora em Psicologia e Professora e Pesquisadora no PPG em Psicologia da UNISINOS.