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Revista Polis e Psique
versão On-line ISSN 2238-152X
Rev. Polis Psique vol.9 no.3 Porto Alegre set./dez. 2019
ARTIGOS
A empatia como atitude ética no cuidado em saúde mental
Empathy as an ethical attitude in mental health care
La empatia como actitud ética en el cuidado en salud mental
Dassayeve Távora Lima; Mariana Tavares Cavalcanti Liberato; Bianca Waylla Ribeiro Dionísio
Universidade Federal do Ceará (UFC - Campus Sobral), Sobral, CE, Brasil
RESUMO
Este trabalho objetiva discutir como a compreensão empática, atitude facilitadora do crescimento humano desenvolvida por Carl Rogers, se configura como uma agir ético no cuidado em saúde mental. Para isso, realizou-se um breve percurso histórico do campo da assistência à pessoa em sofrimento psíquico, partindo do modelo manicomial nascido nos hospitais psiquiátricos e, posteriormente, passando pelas diversas reformas em saúde mental pelo mundo até chegarmos ao atual modelo de atenção psicossocial, que se apresenta como um contexto propício para a emergência do agir ético. Apresenta-se a ideia de que no modelo manicomial não era possível sustentar uma dimensão ética no âmbito relacional, visto que o antigo paradigma psiquiátrico privilegiava o transtorno mental em detrimento da pessoa. Por fim, foram analisados aspectos referentes ao conceito de empatia e o diálogo possível com a ética levinasiana, cujas aproximações permitem inferir que a compreensão empática rogeriana se configura como uma atitude essencialmente ética.
Palavras-chave: empatia; ética; saúde mental.
ABSTRACT
This paper aims to discuss how empathic understanding, the facilitating attitude of human growth developed by Carl Rogers, is configured as an ethical action in mental health care. In order to achieve this, a brief history of the field of assistance to the person suffering from psychic suffering was made, starting from the asylum model born in psychiatric hospitals and then going through the various mental health reforms around the world, until we reach the current model of care psychosocial, which presents itself as a propitious context for the emergence of ethical action. We present the idea that in the manicomial model it was not possible to sustain an ethical dimension in the relational scope, since the old psychiatric paradigm privileged the mental disorder to the detriment of the person. Finally, aspects related to the concept of empathy and the possible dialogue with the Levinasian ethics were analyzed, whose approximations allow to infer that the emphatic understanding of Rogers is an essentially ethical attitude.
Keywords: empathy; ethic; mental health.
RESUMEN
Este trabajo objetiva discutir cómo la comprensión empática, actitud facilitadora del crecimiento humano desarrollada por Carl Rogers, se configura como una acción ética en el cuidado en salud mental. Para ello, se realizó un breve recorrido histórico del campo de la asistencia a la persona en sufrimiento psíquico, partiendo del modelo manicomial nacido en los hospitales psiquiátricos y, posteriormente, pasando por las diversas reformas en salud mental por el mundo hasta llegar al actual modelo de atención psicosocial, que se presenta como un contexto propicio para la emergencia del actuar ético. Se presenta la idea de que en el modelo manicomial no era posible sostener una dimensión ética en el ámbito relacional, ya que el antiguo paradigma psiquiátrico privilegiaba el trastorno mental en detrimento de la persona. Por último, se analizaron aspectos referentes al concepto de empatía y el diálogo posible con la ética levina, cuyas aproximaciones permiten inferir que la comprensión empática rogeriana se configura como una actitud esencialmente ética.
Palabras clave: empatía; ética salud mental.
Introdução
O modelo de atenção psicossocial brasileiro surgiu inspirado em diversas experiências de reformas no campo da saúde mental pelo mundo (Desviat, 2015).
Para além de uma simples mudança nas estruturas de atenção e no âmbito da assistência (Amarante, 2007/2015), o modelo de atenção psicossocial preconiza a ênfase na ética no cuidado às pessoas em sofrimento psíquico, na tentativa de superar o antigo modelo manicomial historicamente marcado pelo contexto de institucionalização e violação da dignidade humana (Amarante, 1996/2016).
Este trabalho dialoga com autores que abordam o contexto vivido em instituições totais e possíveis aproximações teóricas com a realidade dos sujeitos que foram submetidos à imersão nos hospitais psiquiátricos. Sustenta-se a ideia de que não é possível estabelecer uma dimensão ética nas relações humanas dentro destas instituições, pois estes locais foram fortemente marcados por uma lógica de aniquilação da alteridade e objetificação dos sujeitos. Trata-se, ainda, sobre as mudanças teóricas e conceituais necessárias para a transição de um modelo de atenção biomédico-hospitalocêntrico para o modelo de atenção psicossocial brasileiro, que surge, principalmente, dos princípios da luta antimanicomial e da reforma psiquiátrica.
Para isso, foi realizado um breve percurso histórico do campo da assistência à pessoa em sofrimento psíquico. Parte-se do modelo manicomial nascido nos hospitais psiquiátricos, passando por diferentes experiências de reforma em saúde mental pelo mundo até chegar ao atual modelo de atenção psicossocial brasileiro, que se apresenta como um contexto propício para a emergência do agir ético.
Por fim, foram analisados aspectos referentes ao conceito de empatia e o diálogo possível com a ética da alteridade radical de Lévinas, cujas aproximações permitem inferir que a compreensão empática, tal como formulada por Carl Rogers, se configura como uma atitude essencialmente ética, fundamental para a atuação dos profissionais de saúde inseridos no contexto da Reforma Psiquiátrica Brasileira.
As instituições totais e a impossibilidade de uma dimensão ética nas relações humanas
Os campos de concentração nazistas, dentre eles Auschwitz, símbolo do holocausto alemão, são considerados ainda hoje como um dos maiores experimentos de aprisionamento e violação da dignidade humana na modernidade. Segundo Agamben (2008), para aquele que estava dentro do campo de concentração, mais importante que encontrar estratégias para viver em meio àquela experiência de sofrimento e enclausuramento, era encontrar motivos que justificassem a sua sobrevivência na situação limite que era o holocausto. Se tornar uma testemunha era, para alguns, uma razão necessária para dar sentido à sobrevida.
No entanto, é consensual, inclusive para os sobreviventes do holocausto, que existe uma lacuna no conceito de testemunha ou uma impossibilidade inerente ao próprio ato de testemunhar. Segundo os sobreviventes do holocausto, a personagem que representa a "testemunha integral" é aquela que é impossibilitada de falar por si, pois foi justamente a que não sobreviveu ao campo. Agamben (2008, p.43) afirma que "as 'verdadeiras' testemunhas, as 'testemunhas integrais' são as que não testemunharam, nem teriam podido fazê-lo", pois são estas as que viveram a letalidade dos horrores do campo de concentração e, por isso, nunca poderão falar sobre a experiência limite a que foram submetidas.
Desta forma, existe uma lacuna sempre impreenchível no testemunho de Auschwitz, pois os que viveram a experiência integral do holocausto jamais puderam narrar seu testemunho e aqueles que sobreviveram não vivenciaram até as últimas consequências a letalidade dos campos de concentração. Os relatos aos quais temos acesso serão sempre limitados, marcados pela impossibilidade do próprio "testemunho integral" (Agamben, 2008).
Valendo-se do conceito de testemunha integral, como aquele que vivencia uma experiência limite que o impossibilita de falar por si, Lemos (2015) faz alusão ao louco como testemunha dos manicômios; seguindo a mesma lógica de que o testemunho integral da experiência nos hospitais psiquiátricos se constitui como uma impossibilidade de testemunhar, tendo em vista que as verdadeiras testemunhas são as "vítimas fatais do modelo de atenção à saúde mental anterior" (Lemos, 2015, p.115). Para a autora, tanto o louco quanto o "muçulmano" de Agamben representam "o lugar de um experimento no qual a moral e a humanidade foram postas em questão" (Lemos, 2015, p.115).
Essa relação entre os hospitais psiquiátricos e os campos de concentração já é conhecida entre os historiadores do antigo modelo manicomial. Amarante (2007/2015) afirma que, a partir da experiência da Segunda Grande Guerra, percebeu-se as similaridades entre as condições dos campos de concentração e a dos hospícios no que dizia respeito às condições de vida das pessoas que lá habitavam. Nos dois casos, pressupõe-se a perda de algo que caracterizaria esses sujeitos como humanos, nos quais categorias como dignidade e alteridade já não fazem sentido quando se referem a esses corpos.
Historicamente, as instituições totais, tais como os hospícios, prisões e os campos de concentração nazistas, serviram como depósito de "várias categorias de pessoas socialmente perturbadoras" (Goffman, 1974, p.287). Sujeitos estes que, por não fazerem parte da hegemonia social ou da linha da "normalidade", eram segregados e institucionalizados, no intuito de manter um determinado ideal de "pureza" da sociedade.
Segundo Goffman (1974), as diversas instituições totais, enquanto dispositivos de segregação e higienização social, atuam nos corpos humanos em um processo institucionalizante de dessubjetivação e perda da qualidade humana do individuo. Por meio de uma série de violências aos quais estes corpos são submetidos, os sujeitos totalmente institucionalizados são objetificados, não sendo mais possivel compreendê-los em sua dignidade. Segundo o autor, todo o contexto institucional em uma instituição total atua num constante processo de aniquilação da subjetividade, que descaracteriza e reifica o sujeito, tornando-o um ser inumano (Goffman, 1974).
Tanto para os campos de concentração como para os manicômios já não existe uma dimensão que possa ser compreendida como um limite ou postura ética nas relações. Isto se justifica pela ideia de que já não se trata de corpos humanos: são seres cujas mortes não merecem ser sofridas e suas vidas não merecem ser vividas.
Numa realidade em que se privilegia em demasia a razão em detrimento das demais esferas do ser humano (Foucault, 2014), o louco perde seu caráter humano e, mais facilmente, aceita-se toda a sorte de abusos e violações. Segundo Foucault (2014, p.184), diante da razão, a loucura é vista como "negatividade pura", sendo o louco aquele que deve ser visto como "não-ser".
Os manicômios constituíram, assim, uma realidade institucional, na qual a ética das relações humanas era impossível, visto que esta não pode existir num contexto em que as relações de poder atuam em um constante processo de aniquilamento da subjetividade e da diferença. Segundo Lemos (2015, p.103), a dimensão ética das relações diz de uma "não imposição de um saber-poder sobre o outro", que, por sua vez, "não é passível de tematização ou conceituação". Neste sentido, a dimensão ética somente se faz presente em uma relação na qual a alteridade não se pode ser negada, excluída ou suprimida; ou seja, numa relação de abertura e acolhida do Outro em sua radicalidade (Lemos, 2015).
Se o testemunho do louco era impossível devido à letalidade da experiência manicomial, este ainda encontra mais um empecilho ao testemunhar sobre os horrores do antigo modelo de saúde mental, pois na relação de poder que se estabelecia, o louco tinha o seu discurso anulado e deslegitimado. Sua fala era algo que não se podia levar a sério: era o dito de alguém desprovido da sua razão (Foucault, 2014).
Dessa forma, apenas outro modelo de atenção à pessoa em sofrimento psíquico, radicalmente diferente do modelo manicomial, pode possibilitar relações verdadeiramente humanas que, por sua vez, legitimam a alteridade como digna de ser atendida em sua diferença. Se compreendermos a dimensão ética das relações como um "acolhimento à diferença produzida na processualidade" (Andrade & Morato, 2004, p.346), bem como a adoção de uma postura de respeito frente à diversidade, somente um modelo que negue integralmente a lógica dos manicômios pode dar abertura a uma relação genuinamente ética.
Saúde mental e as novas formas de cuidado à pessoa em sofrimento psíquico
Falar sobre saúde mental, atualmente, só é possível se a compreendermos como uma extensa e complexa área do conhecimento que se baliza na negação integral do antigo modelo manicomial (Amarante, 2015). Se, anteriormente, o modelo de cuidado à pessoa em sofrimento psíquico era adepto ao reducionismo biológico, segregação social por via da institucionalização e, ainda, considerado como uma área de propriedade exclusiva do saber médico, contrapor-se a este modelo significa dizer que a saúde mental se trata de um campo de atuação territorial, transdisciplinar e intersetorial.
Se hoje compreendemos a esfera do cuidado à pessoa com sofrimento psíquico como um campo de atuação "polissêmico e plural na medida em que diz respeito ao estado mental dos sujeitos e das coletividades", como afirma Amarante (2007/2015, p.19), isso se deve à convicção de que o modelo manicomial mais produziu malefícios que benefícios e que, em última instância, jamais alcançou nada daquilo que se propunha, tendo em vista que, se pautando no paradigma biomédico, estas instituições apostavam na cura biológica de seus internos (Basaglia, 2015).
No entanto, essa é uma realidade bastante recente e em constante construção, fruto de muitos embates políticos e desconstruções epistêmicas. Historicamente, as concepções epistemológicas que embasaram o cuidado em saúde mental partem do modelo biomédico-hospitalocêntrico, sendo assim, durante muito tempo, o estudo dos transtornos mentais, no qual basicamente se resumia toda a área da saúde relacionada ao sofrimento psíquico, era de exclusividade da medicina e se dava em ambiente estritamente hospitalar. Contexto este que deu origem a disciplina pioneira nesse estudo, o alienismo, precursora da psiquiatria (Amarante, 2007/2015).
Podemos entender como hospitalocentrismo um paradigma assistencial que compreende que o hospital é a instituição primeira e essencial no âmbito da saúde, onde a racionalidade terapêutica atua na prática do controle e do isolamento e objetiva com isso atingir fins curativos (Maciel, 2012). Ao passo que, por medicalização, compreende-se o processo de apropriação do hospital e de questões relacionadas à vida e a saúde em geral por parte do saber biomédico (Amarante, 2007/2015).
Essa concepção da medicina, que compreende a saúde mental como o campo de estudo em que se privilegia as doenças e transtornos psíquicos, aponta para uma contradição terminológica, pois a saúde é entendida por meio do estudo das patologias, o que não abarca a complexidade do que seria a saúde em si (Gadamer, 2006). No entanto, essa contradição não se dá apenas no âmbito da psiquiatria, mas engloba uma lógica cientificista que estrutura toda uma organização do paradigma médico ocidental (Ministério Público Federal, 2011).
Dentro dessa lógica, os transtornos mentais eram descolados de um contexto social e desistoricizados, atribuindo ao sofrimento e à experiência humana do louco um agente patogênico ou desequilibrio biológico, no qual caberia ao médico livrar o "enfermo" da doença (Basaglia, 2015). Segundo Franca Basaglia, o relacionamento entre médico e paciente era essencialmente um "relacionamento fundado sobre um corpo morto, isto é, um corpo sem história, desprovido de necessidades, de exigências e de reações subjetivas", pois, para o antigo modelo de assistência médico-psiquiátrico, o seu interesse principal era a doença "que resulta tanto mais identificável e compreensivel quanto mais estiver separada e isolada do sujeito que a manifesta" (Basaglia, 2015, p.18).
Dentre algumas experiências de reformas na psiquiatria, é necessário ressaltar a importância de alguns modelos que deram origem a novas produções conceituais, práticas e metodológicas no cuidado em saúde mental (Amarante, 2007/2015). Como exemplos, temos a Psicoterapia Institucional francesa e a experiência da Comunidade Terapêutica na Inglaterra, que atribuiam o fracasso do modelo manicomial, principalmente, ao seu modelo de gestão, mas não necessariamente à instituição manicômio. Há, também, a Psiquiatria de Setor francesa e a Psiquiatria Preventiva estadunidense, que creditavam ao modelo hospitalar o esgotamento da atuação médica psiquiátrica, defendendo o desmantelamento paulatino do aparato hospitalar em paralelo com a substituição por serviços assistenciais e terapêuticos não-hospitalocêntricos. Podemos citar, ainda, a antipsiquiatria, a qual, por sua vez, negava integralmente o modelo epistêmico da psiquiatria tradicional que acreditava haver um agente biológico e patogênico e defendia a não existência da doença mental tal como se pensava, "enquanto objeto natural como considera a psiquiatria, e sim uma determinada experiência do sujeito em relação ao ambiente social" (Amarante, 2007/2015, p.53).
Todas essas experiências de reforma, ou ainda, no caso da antipsiquiatria, de negação completa do modelo psiquiátrico, na qual se compreende a loucura como uma experiência humana legítima e diversa (Roudinesco & Plon, 1998), trouxeram grandes avanços para o entendimento e cuidado das pessoas com transtornos mentais. Com o advento da Psicoterapia Institucional, por exemplo, obteve-se a noção de transversalidade, conceito importante no que diz respeito à problematização de hierarquias e hegemonias dentro do campo da saúde como um todo, pois se compreende que não existe uma categoria profissional hegemônica ou privilegiada no cuidado à pessoa em sofrimento psíquico (Amarante, 2007/2015).
Os conceitos de regionalização, territorialização e interdisciplinaridade, tão caras às políticas públicas de atenção psicossocial ainda hoje (Ministério Público Federal, 2011), por sua vez, só foram possíveis com os avanços oriundos das práticas realizadas no seio da Psiquiatria de Setor que, segundo Amarante (2007/2015), se configura como uma das maiores inovações do campo da saúde mental. Tal experiência reforça a importância da assistência para além das instituições hospitalares e enfatiza a necessidade da atuação multiprofissional, desconstruindo a ideia de que saúde mental é um campo exclusivo da medicina.
Todos estes modelos de reforma e crítica do paradigma psiquiátrico trouxeram grandes avanços no que diz respeito a uma assistência mais ética e humana à pessoa com sofrimento psíquico, possibilitando que a pessoa fosse novamente vista como um ser digno de cuidado e atenção e não mais como um depósito de diagnósticos psiquiátricos, no qual a única intervenção terapêutica em vista era a medicalização e docilização do sujeito. Foram grandes os embates e caminhos percorridos até se chegar à ideia de que é impossível reabilitar e incluir socialmente alguém que está segregado e institucionalizado (Rotelli, 2015).
Toda a trajetória que as reformas em assistência psiquiátrica e a compreensão sobre a loucura e os transtornos mentais percorreram, culminam, segundo Amarante (2007/2015), no modelo da Psiquiatria Democrática Italiana, considerado até hoje o maior marco recente da saúde mental e divisor de águas no que diz respeito à luta antimanicomial e à criação de novos modelos substitutivos de assistência, políticas públicas de atenção psicossocial e cuidado territorial (Butti, 2015).
Foi principalmente com as ideias de Franco Basaglia, oriundas do processo da Reforma Psiquiátrica da Itália, que se passou a pensar e a se efetivar uma política de saúde mental que visasse à superação de maneira integral do modelo manicomial vigente (Amarante, 2015). Segundo Rotelli (2015), todo o processo surgiu da convicção de não se saber nada sobre a loucura. Para ele, foi esse não-saber que fez com que a reforma italiana tivesse tanta força. Não era ético submeter alguém a um tratamento manicomial, principalmente, quando nada se sabia sobre a loucura e, ainda, quando se tinha a certeza de que aquela terapêutica não gerava nenhum benefício ao paciente.
Assim, um dos pilares éticos que nortearam a reforma italiana foi a convicção da importância de se manter um estranhamento sobre o que é a loucura. Como apontado por Rotelli (2015), "se aquele saber produziu aqueles resultados, nada desse saber pode ser utilizado novamente" (p.38); ou seja, se foi o suposto conhecimento que implicou na violação da dignidade de tantas pessoas, somente o desconhecimento sobre a loucura pode ser útil. No entanto, existe algo de basilar, uma certeza que orientou este processo, que é a certeza de que a liberdade é terapêutica. O grande erro do modelo manicomial e da psiquiatria era o de conceber o corpo individual como algo descolado do corpo social. Não há tratamento efetivo sem liberdade, bem como não há liberdade possível se vivida individualmente.
A partir dessa ideologia libertária, Franco Basaglia passou a formular uma perspectiva de grande originalidade, voltada para a superação não apenas do manicômio como estrutura física, mas como "o conjunto de saberes e práticas, científicas, sociais e jurídicas, que fundamentam a existência de um lugar de isolamento e segregação e patologização da experiência humana" (Amarante, 2015, p.56).
Reforma psiquiátrica brasileira e atenção psicossocial
Conforme exposto alhures, diferentes movimentos de reforma psiquiátrica pautaram-se na convicção de que o antigo modelo manicomial não gerava efeitos positivos em relação ao cuidado das pessoas em sofrimento psíquico; longe disso, estabelecia relações e normas que mais se aproximavam de um ambiente prisional e carcerário, baseados no controle, vigilância e disciplina dos corpos. Nesse sentido, segundo Amarante (2007/2015), os movimentos e processos de reforma em saúde mental não se deram apenas por motivos puramente ideológicos, liderados por psiquiatras insurgentes desvinculados da realidade, mas sim, como efeito do avanço de estudos desta ordem sobre saúde mental, tensionado por movimentos e profissionais da área. Segundo o autor, todos os grandes avanços no cuidado em saúde mental se deram pela certeza de que a lógica do confinamento era, e continua sendo, um paradigma político, jurídico, técnico e cultural extremamente violador da dignidade humana, no qual serve apenas como uma ferramenta de higienização e controle social.
Nesse sentido, a lei n° 10.216/2001 foi um marco importante no processo de reforma brasileira que já se encontrava em curso. Com a instituição desta lei, preconizou-se gradativa redução de leitos nos hospitais psiquiátricos, prevendo o cuidado e atenção para pessoas em sofrimento psíquico a partir da substituição destes por uma rede de atenção e cuidado em saúde mental no próprio território (com leitos em hospitais gerais, criação de residências terapêuticas, Centros de Atenção Psicossocial, centros de convivência e formação e apoio de cooperativas), potencializando setores e agentes das diversas esferas da vida do indivíduo e facilitando o processo de reabilitação psicossocial (Devera & Costa-Rosa, 2007; Amarante, 2007).
Compreendendo esse novo modelo de cuidado como multifacetado e plural, inserido no âmbito das políticas públicas de saúde, faz-se necessário abordar o caráter intersetorial e transdisciplinar da saúde mental, distanciando-se do modelo clássico sustentado pelo paradigma biomédico. Por trabalho intersetorial, compreende-se a atuação corresponsabilizada e articulada de diversos setores sociais, convergindo em objetivos comuns (Nascimento, 2010); já a transdisciplinaridade pode ser definida, em termos gerais, como o atravessamento de saberes, disciplinas e práticas, bem como a ampliação mútua entre elas (Iribarry, 2003). É importante frisar, então, que no campo da saúde mental, não deve haver uma hierarquia de saberes, pois todos apreendem facetas diferenciadas do sujeito, sendo importante que a transdisciplinaridade atue para trabalhá-lo em sua integralidade e não para cindi-lo em partes diversas.
Pensar essas novas perspectivas no âmbito da atenção em saúde mental significa, primeiramente, uma tentativa de superação do modelo manicomial, pois, a partir do trabalho intersetorial, passa-se a pensar a atuação dos serviços como uma rede no qual o atendimento não deve se focar em apenas um dispositivo. Desta forma, se no modelo hospitalocêntrico, o hospital era o dispositivo privilegiado de assistência; na atuação em rede, pensa-se um modelo pautado na descentralização do cuidado, não estando o usuário dependente de apenas um único equipamento. Plasmar um cuidado transdisciplinar significa pensar um novo paradigma, no qual várias categorias profissionais possam colaborar com o seu saber e onde a saúde mental não seja considerada uma propriedade exclusiva da psiquiatria e do saber médico.
Se antes a doença mental era privilegiada em detrimento da pessoa, suas questões subjetivas e sua história, a atual perspectiva objetiva dar ênfase ao sujeito e compreendê-lo como uma pessoa digna em sua diferença. A diferença é vista, então, como diversidade e riqueza, não mais como um problema a ser corrigido, nem como um perigo a ser combatido. Somente quando se torna possivel o estabelecimento de uma relação genuinamente humana entre o profissional de saúde e a pessoa em sofrimento psiquico, pode surgir uma dimensão ética do cuidado que, em última instância, nada mais é do que a possibilidade de acolhimento de uma alteridade que é radicalmente diferente.
O acolhimento à diferença: a empatia como atitude ética na atenção psicossocial.
Se no inicio deste texto, utilizamos a realidade imposta pelo nazismo, vivida em Auschwitz, para inserirmos a discussão sobre as instituições totais e a impossibilidade de um agir ético (Goffman, 1974; Lemos, 2015), é importante pensar que este mesmo contexto sócio-histórico influenciou Lévinas a formular a sua proposta filosófica . Este autor defende que a ética deveria se constituir como a filosofia primeira, pois sua principal questão nesse campo do conhecimento girava em torno de estabelecer principios de uma responsabilidade em fazer-se reconhecer e consolidar a humanidade do outro ao concebê-lo como diferença legitima (Miranda, 2014).
O preço a ser pago, segundo Lévinas, pelo não reconhecimento da humanidade e particularidade do universo do outro, resultaria num processo de totalização e objetificação, deslegitimando toda a sua diferença e indignificando o sujeito como outro em sua radicalidade (Miranda, 2014). Deste modo, a realidade do holocausto nazista se configurou como uma experiência em que a diferença, o Outro, assim determinado politicamente, se constituiu como um pretexto para a objetificação e desumanização da alteridade. Quando se considera que o diferente não é digno, é atribuido a ele toda sorte de violações, o que caracteriza a inexistência absoluta de uma dimensão ética (Lemos, 2015).
Segundo Miranda (2014, p.28), Lévinas aponta que, hegemonicamente, "a relação do homem (do ser) com o mundo e com outros homens, é compreendida a partir da busca por assimilação", tornando tudo o que é inicialmente outro (diferente do meu referencial de ser) como familiarizável, ao qual o autor atribui esta qualidade à ideia de "império do mesmo". Dessa forma, a partir de um processo implícito de dominação, agimos no sentido de tornar tudo o que é diverso e plural como ensimesmado, passível de redução a si mesmo, num processo de captura de tudo o que foge à nossa compreensão, concebendo-o como algo do nosso domínio.
A concepção ética levinasiana surge, ainda, como uma crítica a diversos movimentos e correntes filosóficas da modernidade, pois, segundo o autor, durante a história da filosofia, estas atuam no sentido de criar sistemas de compreensão e de sínteses universais, onde nada escapa dos domínios do conhecimento humano (Miranda, 2014). Ainda que a filosofia atue num processo constante de reflexão e desconstrução de paradigmas e realidades impostas, Lévinas afirma que pouco foi feito pela filosofia pra reverter o processo de totalização do conhecimento sobre o homem ou, ainda, que esse próprio movimento é, em si, totalizador.
Se as críticas de Lévinas à filosofia em geral se dão numa contraposição aos métodos e sistemas totalizantes do pensamento, nos quais visam cercear o homem tomando como referência as fronteiras do próprio conhecimento humano, que é por definição, limitado, é possível estabelecer uma relação com a própria ciência psicológica dentro dessa problemática.
De acordo com Miranda (2014), embora Lévinas não se debruçasse sobre o campo psicológico, suas reflexões acerca do campo da dimensão ética das relações humanas se apresentam enquanto questionamentos pertinentes à profissão e ao saber psicológico. Neste sentido, toma-se, como conceito de ética, a dimensão que diz respeito à responsabilidade inalienável que se tem para o outro que me intima e a acolhida da alteridade em sua diferença radical (Freire, 2003).
Se, no âmbito filosófico, Lévinas questiona o paradigma totalizante e reducionista da filosofia; no campo psicológico, o movimento humanista, mais especificamente a Abordagem Centrada na Pessoa (ACP), surge como um contraponto às ideias hegemônicas da psicanálise e da psicologia comportamental. Segundo essa perspectiva, o ser humano pode ser compreendido como um organismo em constante processo de crescimento e atualização, que é digno de confiança e essencialmente construtivo em suas relações, caso lhe seja permitido ser quem ele é (Borja-Santos, 2004).
Carl Rogers, fundador da ACP, desenvolveu essa concepção de homem e sua respectiva teoria da personalidade, a partir de sua extensa experiência clinica (Rogers, 1992). Rogers era pouco simpático às ideias tradicionais de sua época que atribuiam ao homem uma natureza essencialmente destrutiva e indigna de confiança. Segundo o autor, as terapias desenvolvidas contemporaneamente à sua consideravam que "a necessidade de controle do animal que há dentro do homem era questão de maior urgência" (Rogers, 1986, p.24), atribuindo assim um caráter disciplinador a tais práticas e uma postura paternalista ao terapeuta.
Convicto da natureza construtiva e positiva do ser humano, Rogers afirma que a ênfase do processo psicoterapêutico não deve ser o de disciplinar, nem de modelar a experiência humana, tampouco a de fortalecer o cliente psicologicamente; concebe-se como principio geral a ideia de que não é a ACP que concede poder à pessoa, mas sim, que "ela nunca o tira" (Rogers, 1986, p.10). Compreende-se, portanto, que o homem possui em si uma força que o direciona a uma vivência mais integrada e que ele mesmo possui amplos recursos para autocompreensão e desenvolvimento. Nesse sentido, caberia ao profissional orientado pela ACP agir como um facilitador de um processo natural de crescimento, criando um determinado "clima psicológico" que facilitasse a "liberação da capacidade do indivíduo de compreender e conduzir sua vida" (Rogers, 1986, p.18).
Para isso, Rogers (1986, p.18) afirma que "existem três condições para este clima de promoção de crescimento", consideradas pelo autor como atitudes facilitadoras, sendo elas: 1) a congruência do terapeuta, entendida como a capacidade da pessoa em ser autêntica no relacionamento, vivenciando abertamente seus sentimentos e atitudes que surgem no momento do encontro; 2) a consideração positiva incondicional, que se configura como uma aceitação plena de toda a experiência e sentimentos do sujeito e como uma atenção não possessiva; e, por fim, 3) a compreensão empática, a mais importante das atitudes facilitadoras para esta discussão.
Ao falarmos de compreensão empática, dizemos que isto significa o processo em que "o terapeuta sente precisamente os sentimentos e os significados pessoais que estão sendo vivenciados pelo cliente e lhe comunica esta compreensão" (Rogers, 1986, p.19).
Compreender empaticamente significa que o terapeuta tem acesso ao quadro interno de referências da pessoa, mas sem perder de vista o seu próprio referencial (Rogers, 1986). Assim, a empatia como atitude facilitadora do crescimento humano pode ser entendida como a capacidade de explorar o universo da alteridade, da diferença, compreendendo os sentimentos e significados da pessoa, a partir de sua própria referência simbólica.
Segundo Borja-Santos (2004), seria essa atitude empática que caracterizaria esta abordagem como centrada na pessoa, pois não existe a intenção de categorizar ou cercear a experiência do indivíduo. Todo o processo de ajuda seria norteado pelo movimento da própria pessoa, não pelas referências ou técnicas do profissional "especialista". Tal concepção de compreensão empática é muito rica para o campo da saúde mental e atenção psicossocial, tendo em vista que nesta área da saúde em específico, o vínculo é um fator fundamental para a efetivação do cuidado (Silva; Gomes; Castro; Silva, 2017), bem como permite a compreensão das necessidades do usuário de forma integral, evitando os especialismos ainda tão hegemônicos no âmbito da saúde.
Cabe, ainda, ressaltar que o conceito de empatia possibilita um cuidado em saúde mental que se oriente pelo paradigma do cuidado, em detrimento da patologização dos sujeitos. Desta forma, o profissional empático busca, sobretudo, compreender o universo experiencial daquele que demanda assistência, não tendo como objetivo enquadrar o seu sofrimento psíquico em uma categoria psicopatológica. Neste sentido, corrobora com a concepção de não-saber diante da loucura, que Rotelli (2015) nos aponta. A atitude empaticamente compreensiva desloca-nos para uma postura de estranhamento e acolhida da alteridade, na qual não cabem classificações acerca de suas experiências.
Esta atitude centrada na pessoa norteada pela compreensão empática pode ser entendida, dentro do campo da saúde mental, como uma atitude ética, pois visa não controlar, não disciplinar, nem dirigir o processo da pessoa. É uma perspectiva em que se busca uma aproximação dos sentimentos do outro, sem a pretensão de totalizá-los. É uma atitude ética por excelência com a alteridade, que se aproxima da concepção de afetamento por parte do "homem ético", como afirmam Andrade e Morato (2004, p.347):
O homem ético, que se deixa afetar pelo estranho, por aquilo que não é da ordem do representacional ou de seus códigos familiares, e ao acolher a alteridade e a produção de diferença emergente, vive em um processo transformador e instituinte de novos modos de estar no mundo.
Pode-se compreender, então, que a empatia, como atitude de escuta e acolhimento da alteridade se configura como um agir ético de cuidado, em consonância com a filosofia da alteridade radical de Lévinas. Nesse sentido, Miranda (2014, p.77) afirma que a empatia seria uma atitude ética com a alteridade, pois seria entendida como "um deixar-se impactar pela diferença, a partir da busca pela compreensão do sentido [...] e não uma tentativa de apreender a totalidade racional da experiência do cliente".
A empatia, sob a ótica da filosofia levinasiana, é entendida como uma atitude ética de compreensão e acolhida da diferença, em que se busca uma aproximação pela via das afetações e não como uma compreensão racional e categorizadora do outro. Aproximar-se deste outro, que é radicalmente diferente de nossas referências, sempre tendo em vista que a alteridade nos escapa à totalização, em sua qualidade de outro enquanto infinito.
No cuidado em saúde mental, ter em mente a importância de uma atitude empática e não totalizadora é necessária para a superação completa de um modelo que justifica e legitima o encarceramento e segregação das diferenças. Se no antigo modelo manicomial, a diferença era patologizada e concebia-se o papel do médico como aquele que iria trazer a alteridade para o império do mesmo, como um "regulador das diferenças", no atual modelo de atenção psicossocial, podemos compreender o dispositivo de saúde como uma morada segura, uma hospitalidade oferecida ao outro habitante de uma realidade inóspita (Freire, 2003).
Na atenção psicossocial, o principal papel do profissional da saúde mental coaduna com a proposição de uma atitude ética defendida por Freire (2003, p.14), que significa "oferecer um lugar para o outro - lugar este que desde sempre já seria dele [...] garantindo-lhe um espaço de habitabilidade, ou seja, um ethos, uma morada confiada e serena onde ele possa renovar-se para retomar suas dores no mundo".
Tal compreensão da dimensão ética das relações humanas se aproxima do conceito de Relação de Ajuda, formulada por Rogers (1991), que diz de um tipo de relação, na qual pelo menos uma das partes visa criar condições facilitadoras para o desenvolvimento das potencialidades do outro. Nesse sentido, a compreensão empática, formulada por Rogers no contexto de uma Relação de Ajuda, se alinha ao paradigma de atenção psicossocial adotado no Brasil, pois aposta no vínculo, no cuidado e na liberdade experiencial dos usuários, bem como na convicção de que o foco do cuidado em saúde mental deve ser sempre a pessoa que sofre, não o seu diagnóstico, corroborando com o pressuposto basagliano de que a doença deve ficar em parênteses, para que o sujeito possa, então, emergir (Amarante, 1996/2016).
Considerações Finais
Situar o conceito de compreensão empática como atitude ética no cuidado em saúde mental significa vislumbrar modos de produção de subjetividade orientados pela abertura para o diverso, o plural e, ao mesmo tempo, ao singular de cada um. Constitui-se como uma postura que possibilita impactar-se constantemente com aquilo que foge às referências de mundo de cada um; sem, com isso, pretender capturá-las, respeitando a legitimidade de sua diferença. Significa também pensar um modelo de atenção e de cuidado para o outro, que não visa restaurar uma suposta normalidade perdida ou trazê-lo para o domínio do mesmo, do controlável e do familiar, mas sim, compreendê-lo em sua diferença radical, deslocando-nos ao seu encontro.
A empatia é uma atitude potente no âmbito da saúde mental, que permite a aproximação do outro sem o intuito de objetificá-lo, nem a pretensão de reduzi-lo a categorias nosológicas e termos técnicos, priorizando a dimensão da dignidade da pessoa. É uma atitude ética que afirma constantemente um não-saber sobre a diferença, colocando os pressupostos teóricos e clínicos em suspensão, priorizando a relação humana enquanto dispositivo primeiro no cuidado.
A atenção psicossocial é um campo de atuação ainda recente e, embora sejam inegáveis as conquistas atingidas até então, não deixa de ser uma área ainda repleta de grandes desafios, o que nos leva a considerá-la como um cenário em constante construção. Levando em consideração que o próprio paradigma de atenção psicossocial surgiu como um contraponto ao antigo modelo manicomial, é necessário que os profissionais da área sempre tenham em mente o percurso histórico que se deu até chegarmos à conjuntura que temos atualmente. Trata-se de um compromisso ético-político de revisão constante dos nossos métodos, técnicas e concepções epistemológicas, refletindo sobre quais as ideologias e paradigmas de cuidado que estamos reforçando com nossas práticas.
Nesse sentido, longe de fazer uma leitura puramente utilitarista do conceito rogeriano de compreensão empática, buscou-se neste trabalho compreender de que forma a empatia, como atitude facilitadora do crescimento humano pode ser considerada uma atitude ética na dimensão do cuidado em saúde mental. Consideramos pertinente esta discussão, pois acreditamos que se configure como uma via de várias mãos possíveis, tanto pela possibilidade de reflexão do agir ético no contexto de saúde mental e da prática psicológica, como para pensar formas de atuação da abordagem centrada na pessoa no âmbito da Rede de Atenção Psicossocial, embora não se pretenda que esta discussão se traduza em verdades prontas e absolutas, mas que propicie e instigue questionamentos futuros.
Intentamos, nesta discussão, contribuir com subsídios teóricos e conceituais com vistas a aprofundar a discussão sobre ética, alteridade e empatia no cuidado em saúde mental, haja vista essa ser uma discussão fundamental para a superação radical do modelo manicomial, cujo princípio basilar é a desumanização do outro como pretexto para justificar opções práticas, teóricas e epistemológicas de aniquilação da subjetividade. Desta forma, tentamos demarcar nossa posição de que a ética nas relações de cuidado, consiste no compromisso com a acolhida à diferença e a compreensão da alteridade como um infinito não categorizável, ou seja, na negação radical da totalização do outro ao domínio do mesmo.
Desta forma, encontramos na teoria rogeriana, em especial no conceito de compreensão empática, um alicerce epistêmico que nos possibilitasse a formulação de novas práxis no cuidado em saúde mental. Acreditamos que a ACP parte de principios de respeito à dignidade humana que dialogam de forma consistente com o modelo de atenção psicossocial, principalmente no que se refere à ênfase na dimensão relacional como tecnologia de cuidado e promoção da saúde. Esperamos ainda que este trabalho propicie novas discussões acerca da relação entre ACP e o cuidado em saúde mental, no intuito de construção de novas práticas que fortaleçam o projeto de sociedade defendido pelo paradigma da Reforma Psiquiátrica.
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Enviado em: 19/11/18
Aceito em: 12/10/19
Dassayeve Távora é psicólogo e mestrando pelo Programa de Pós-Graduação Profissional em Psicologia e Politicas Públicas da Universidade Federal do Ceará (UFC) Campus de Sobral. Especialista em Psicologia em Saúde (CRP 11). Especialista em Caráter de Residência em Saúde da Familia (ESPVS).
E-mail: dassayevelima@hotmail.com
Mariana Tavares Cavalcanti Liberato é psicóloga (UFC), mestre e doutora em Psicologia (UFRN); Professora adjunta do curso de Psicologia da Universidade Federal do Ceará (UFC).
E-mail: mariana_liberato@yahoo.com.br
Bianca Waylla Ribeiro Dionísio é enfermeira e mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Saúde da Família (UFC Campus de Sobral). Especialista em Caráter de Residência em Saúde da Família (ESPVS).
E-mail: biancawdionisio@gmail.com