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Revista Polis e Psique

versão On-line ISSN 2238-152X

Rev. Polis Psique vol.13 no.2 Porto Alegre  2023  Epub 25-Out-2024

https://doi.org/10.22456/2238-152x.136764 

Editorial

Estratégias de reinvenção do presente: ética, estética e política

Strategies for reinventing the present: ethics, aesthetics and politics

Estrategias para reinventar el presente: ética, estética y política

Henrique Caetano Nardi1 

Neuza Maria de Fátima Guareschi2 

Giovana Barbieri Galeano3 

Dan Pinheiro Montenegro4 

1Editor Chefe

2Editora Gerente

3Editora Assistente

4Editor Assistente


A revista Polis e Psique chega ao seu segundo número de 2023 com uma edição marcada pela diversidade de estratégias mobilizadas na produção de saberes e fazeres que constituem uma psicologia brasileira também diversa. Partindo de diferentes campos temáticos e epistemológicos, os artigos reunidos nesta edição têm em comum a tarefa de apostar na desnaturalização do presente a partir de uma produção crítica do conhecimento na qual também são inventadas novas formas de ação da psicologia no mundo em que vivemos. Desse modo, apresentamos artigos que pautam tanto as condições ontológicas dos corpos no contemporâneo quanto as possibilidades outras de afetação e cuidado destes corpos, constituindo exercícios éticos, estéticos e políticos de reinvenção do nosso tempo.

Conforme não nos deixa esquecer Suely Rolnik (2018), a reinvenção do presente e, consequentemente, da própria psicologia enquanto prática social, será uma urgência ético-política enquanto respirarmos os gases tóxicos de uma produção de subjetividade colonial-capitalística, inscrita ao longo de mais de cinco séculos. Tal reinvenção passa pela continua reflexão sobre as diferentes cosmologias e tecnologias que colocamos em ação junto com as práticas que temos chamado de “cuidado”. Desse modo, esta edição é, sobretudo, um convite para interrogar outros possíveis em nosso campo de saberes e fazeres.

No artigo “Fazer-se Manada, coexistir na diferença: a experiência de cartografar um processo de criação em dança”, as autoras Andrea do Amparo Carotta Angeli realizam uma análise cartográfica de um dos grupos observados durante o desenvolvimento da pesquisa “Potências clínicas nos corpos em criação nas experimentações artísticas do programa TOCCA” realizada durante os anos de 2018 e 2021 em que foi possível compreender os processos de constituição de corpos dançarinos e de uma obra em dança. Para as autoras, o entrelaçamento dos conhecimentos da terapia ocupacional e das artes da cena pode vir a criar saberes transversais que ampliam ambos os campos em suas potências éticas, estéticas e políticas instaurando um dispositivo poético-clínico para a produção do comum.

O segundo artigo do presente número é de autoria de Franciele Rodrigues Etcheverry, Mayara Squeff Janovik e Fabiana Guilhermano da Silva, intitulado “Autoexpressão: efeitos da escuta no cuidado em saúde mental na Atenção Básica em Saúde”. O artigo objetivou dar visibilidade à relação do expressar-se com o cuidado em saúde mental dos usuários de uma Unidade Básica de Saúde (UBS) de um município no Rio Grande do Sul. Como pesquisa qualitativa, os dados foram coletados em entrevistas semiestruturadas. A amostra inicial foi de dez participantes que compareceram a cinco atendimentos psicológicos feitos semanalmente pela estagiária de psicologia, sendo que sete deles permaneceram até o fim. Os resultados indicaram o acompanhamento psicológico como um espaço de escuta associado à livre expressão, proporcionando percepção de mudanças em seus sentimentos, pensamentos e comportamentos. Para as autoras, tais dados trazem um novo significado atribuído pelos usuários sobre a realização dos atendimentos psicológicos, descentralizando a ideia de busca pelo cuidado apenas quando há adoecimento.

Larissa Souza Gasparin, Janniny Gautério Kierniew e Simone Moschen assinam o artigo intitulado “Distender o tempo e alinhavar o cuidado: o bordado inventado e a tecnologia da palavra”. Nessa produção, as autoras propõem recuperar a história do bordado para além da perspectiva colonial e, a partir disso, a-bordar essa experiência da pesquisa-intervenção no hospital e suas possibilidades. No contexto latinoamericano, o bordar remete à transmissão transgeracional e a práticas políticas e processos de luta e luto no laço social. Este artigo propõe. Entende-se que o bordado inventado ressalta a dimensão de improviso e de criatividade dessa prática enquanto um suporte afetivo para a tessitura de narrativas, a partir da disposição de estar com o outro em torno de um fazer sem prescrições. Essa problematização advém do desenvolvimento do projeto de pesquisa-intervenção “As narrativas ficcionais e o cuidado à dor crônica” que atuou no Setor de Dor e Cuidados Paliativos de um hospital público, oferecendo-se como coadjuvante do cuidado em saúde. O Ateliê Jardim de Histórias foi um de seus dispositivos e propôs o bordado inventado como linhas de sustentação para um fazer compartilhado.

O artigo “Suicídio como sintoma social: um estudo sobre os impactos do capitalismo nas subjetividades” de autoria de Isadora Loyola Pinheiro e Camila Claudiano Quina Pereira aborda o suicídio como um fenômeno multifatorial, considerado um grave problema de saúde pública que atinge, em média, cerca de 700 mil pessoas todos os anos. Diante disso, o artigo objetivou analisar este fenômeno e sua relação com o capitalismo, tendo como base a determinação social da saúde e o cenário individualista deste modelo de sociedade. As autoras destacam a importância de considerar os atravessamentos sociais, políticos, econômicos, históricos e culturais no debate sobre a morte voluntária e na promoção e valorização da vida, contrapondo uma visão individualista e reducionista do fenômeno.

Wamberto da Silva Medeiros, Mario Francis Petry Londero e Ana Karenina de Melo Arraes Amorim são os autores e autora do artigo “Trilhas Nômades Nordestinas de Cuidado Entre GAM e Redução de Danos”. Nesse trabalho, o objetivo foi cartografar as potencialidades do encontro entre a estratégia da Gestão Autônoma da Medicação (GAM) com a perspectiva ético-política da Redução de Danos, a partir da experiência de um grupo GAM no Centro de Atenção Psicossocial para Álcool e Outras Drogas (Caps-Ad) da cidade de Garanhuns-PE. Os autores e a autora se valeram de diários de campo produzidos durante o grupo e, depois, em retorno ao campo para atualização da experiência. Os diários auxiliaram na composição de narrativas de análise com foco nas práticas de cuidado de si e nos efeitos do grupo nas trajetórias dos atores envolvidos e do serviço. Conclui-se que a estratégia GAM enriquece e amplia o paradigma da Redução de Danos, potencializando o cuidado integral aos que usam drogas e gerando efeitos de autonomia e emancipação nas trajetórias de cuidado e vida.

Em “Público e privado: masculinidades e práticas de cuidados na pandemia”, Mateus Felipe Otaviano Pedro e Jáder Ferreira Leite analisam como frente ao cenário pandêmico de COVID-19 vivenciado por todo o mundo, fomos forçados a produzir rearranjos relacionais para lidar com as dificuldades impostas por esse momento e uma das grandes mudanças que tivemos foi a necessidade de distanciamento social para não propagação do vírus. Neste sentido, os autores trazem para análise as mudanças da dimensão do público para o privado de homens brasileiros, tendo como objetivo compreender como tal mudança reverberou em suas práticas de cuidado para si e para o outro. Como referencial metodológico, visibilizam-se as práticas discursivas para a análise de entrevistas realizadas com homens que participam de um grupo terapêutico virtual. Conclui-se que no contexto pandêmico, estes homens tiveram que lidar com dimensões do cuidado doméstico, de filhos, do outro e de si de forma inédita, que por vezes acarretaram situações angustiantes e desafiadoras que exigiram ressignificação e novas relações com as práticas de cuidado.

Rafael De Tilio e Jaqueline Martins Pereira Alves assinam o artigo “Sexualidade Feminina e os Usos de Sex Toys”. Sex toys nem sempre foram utilizados visando prazeres sexuais, mas também como instrumentos terapêuticos e/ou de dominação. O objetivo dessa pesquisa foi compreender significados dos usos dos sex toys por mulheres. Quinze mulheres cisgêneras responderam a uma entrevista cujos conteúdos foram organizados em duas categorias analisadas a partir dos argumentos sobre contrassexualidade e sociedade farmacopornográfica. Os principais resultados destacaram aspectos positivos (produção do prazer, da saúde e do empoderamento; novas experiências sexuais; autoconhecimento) e negativos (custo; culpabilização; julgamentos) no uso dos sex toys. Destacam-se as potencialidades destes objetos enquanto produtores de transformações nos esquemas normalizadores do dispositivo da sexualidade.

Em “A Mediação Remota das Afecções do Corpo: Reflexões Sobre Virtualidade e Corporeidade”, Luiza Marson Morais e André Luiz Strappazzon se propõem a pensar o corpo sob a ótica da pluralidade e das afecções, para compreender como o trabalho da psicologia na modalidade remota atinge a corporeidade e a sua potência de existir. Tais questões foram evocadas num Grupo de Escuta e Acolhimento na modalidade remota. O olhar teórico parte da concepção espinosana das afecções, articulada com a noção de cuidado de si. A solidão relatada nos grupos foi tomada como analisador para refletir sobre o enfraquecimento da produção do encontro. Isso tensionou o pensamento sobre os impactos da perda do corpo na presença on-line, a (im)possibilidade do encontro com a diferença e sobre o papel da virtualidade na atualidade do modelo econômico liberal aplicado à psicologia. É necessário considerar as possibilidades de atuação e mediação que não se abstenham perante as demandas da atualidade, mas que reconheçam também os perigos dos aparelhos de captura.

Anyelle Karine de Andrade e Rafael Bianchi Silva apresentam o artigo “Psicologia e política de Assistência Social: Discursos sobre a violência infantojuvenil”. O trabalho busca discutir as práticas da Psicologia na política de Assistência Social em situações de violência infantojuvenil, tendo como fonte de informações as publicações científicas da área. O tema mostra-se relevante pois, ainda nos dias de hoje, crianças e adolescentes aparecem como as maiores vítimas de violência no Brasil e a política de Assistência Social se apresenta como um importante espaço de intervenção visando o enfrentamento de tais situações. Conclui-se que as práticas descritas nas produções ora se articulam com matrizes de pensamento individualizantes e hegemônicas da Psicologia, ora produzem discursos que buscam a construção de saberes pautados na perspectiva social, territorial e no pensamento crítico.

O texto intitulado “Inventando cuidados em tempo de pandemia: relato de experiência”, assinado por Maria Carolina Medeiros Souto Mendes de Almeida, Flavia Liberman e Conrado Augusto Gandara Federici apresenta a experiência formativa realizada em 2020 por alunos da Universidade Federal de São Paulo, campus Baixada Santista, juntamente com um grupo de mulheres em situação de vulnerabilidade, participantes do “Projeto Delicadas Coreografias”, um projeto de extensão de cuidado em saúde por meio de práticas corporais. Considerando o sofrimento causado pelo momento pandêmico e as barreiras comunicacionais de acesso vivido pelos estudantes e pelas mulheres, foram realizados encontros remotos na busca de promover cuidado a partir da produção de um espaço de confiança, que fosse também lúdico, vincular e inventivo. Os encontros no ambiente virtual permitiram dar visibilidade e dizibilidade a processos singulares, configurando, então, em outros modos de produzir cuidado e tecer uma formação em saúde em tempos de pandemia.

Referências

Rolnik, Suely. Esferas da Insurreição: Notas para uma vida não cafetinada. São Paulo: n-1 edições, 2019. [ Links ]

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