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Revista Polis e Psique

versão On-line ISSN 2238-152X

Rev. Polis Psique vol.13 no.3 Porto Alegre  2023  Epub 25-Out-2024

https://doi.org/10.22456/2238-152x.140819 

Editorial

Desafios para a produção crítica do conhecimento na crise do contemporâneo

Defiances for the critical production of knowledge in the crisis of our contemporary times

Desafíos para la producción crítica de conocimiento en la crisis de lo contemporáneo

Henrique Caetano Nardi1 

Neuza Maria de Fátima Guareschi2 

Giovana Barbieri Galeano3 

Dan Pinheiro Montenegro4 

1Editor Chefe

2Editora Gerente

3Editora Assistente

4Editor Assistente


O outono de 2024 tem trazido severos eventos para a vida no Rio Grande do Sul onde esta revista é editada desde a sua fundação, há mais de uma década. Desse modo, antes de apresentar o novo número do nosso periódico, queremos registrar a nossa solidariedade às/aos afetadas/os pelas enchentes em todo o estado e também em outras regiões do país.

Agravada por aspectos sociais e políticos, a calamidade em que nos encontramos mostrou mais uma vez a importância do compromisso ético e político na produção de um conhecimento crítico para fazer frente à permanente crise social-climática-política que o sistema de produção capitalista neoliberal e necropolítico tem imposto como forma de governar a vida no presente. A emergência de tantos desastres climáticos, agravados por aspectos como a desigualdade, o racismo ambiental, o avanço do conservadorismo e a redução do Estado no que tange à sustentação do bem público, do comum, da proteção social da vida e do planeta, constituem grandes desafios para produção de um conhecimento crítico que possa, não apenas construir estratégias para o enfrentamento aos problemas do antropoceno, mas também problematizar a produção das variadas crises que constituem a temporalidade do neoconservadorismo neoliberal que marca este capitalismo e a governamentalidade ecocida e necropolítica em que vivemos.

Desde a sua fundação, a revista Polis e Psique tem se preocupado em publicar produções que contribuam para qualificar a presença do saber psicológico em seus diversos campos de atuação e, sobretudo, nas políticas públicas. Desse modo, neste momento em que tanto precisa ser reconstruído, queremos reiterar nosso compromisso com a produção de um conhecimento crítico e ressaltar a importância das políticas públicas neste processo. Para seguir fomentando a pluralidade e o diálogo na psicologia brasileira, entendemos que é necessária uma atualização constante das nossas práticas editoriais e formas de divulgação do conhecimento. Pensando nisso e alinhados às melhores práticas editoriais, decidimos que, a partir de 2024, nossa revista adotará a publicação em fluxo contínuo. Dito isto, convidamos à leitura dos artigos que compõem o nosso mais recente número e desejamos uma boa leitura.

O primeiro artigo deste número, “Escrita E Troca De Cartas Como Estratégia De Pesquisa-Intervenção”, com autoria de Renata Fischer da Silveira Kroeff, Cleci Maraschin e Vanessa Maurente discute a escrita e troca de cartas como estratégia de pesquisa-intervenção. A pesquisa contou com a participação de 24 estudantes de pós-graduação em cursos de mestrado e doutorado de universidades do Sul do Brasil. Os estudantes foram convidados a escrever sobre suas experiências de formação para a docência ao longo do mestrado e/ou doutorado. Segundo as autoras, a escrita epistolar constitui-se como uma estratégia interessante de pesquisa ao engendrar processos de atenção a si e de produção compartilhada de sentidos entre as/os correspondentes.

Com autoria de Beatriz Sancovschi, Luciana Santos Guilhon Albuquerque, Cassia Patricia Barroso Perry, Laura Freire Nasciutti, Marina Teixeira Andrade e Thalita Cristina Ferreira Martins, o artigo “Articulações Entre Crianças E Telas Durante A Pandemia Da COVID-19: Pela Ótica Dos Responsáveis” apresenta os resultados da primeira etapa da pesquisa “Crianças e telas digitais no contexto de isolamento durante a pandemia de COVID-19: Articulações performadas”. O trabalho tem a cartografia como metodologia por meio da aplicação virtual de questionários e entrevistas. A análise das respostas dos responsáveis por crianças de até 11 anos, que cumpriram o isolamento físico, gerou 5 analisadores: pandemia como um ator que produziu um rearranjo no tecido social e nas famílias; telas como aliadas; telas como fonte de preocupação; telas e brincadeiras; interação presencial x interação online (aulas e videochamadas). As autoras concluem pela potência do conceito de articulação para pensar telas, crianças e pandemia em sua complexidade. Com a pandemia houve desarticulação da rede de apoio às/aos responsáveis e aumento do tempo de telas. Estas ganharam novas funções e acionaram posturas contraditórias nas/os responsáveis.

No artigo “Operacionalização Da Articulação Dos Centros De Atenção Psicossocial Na Rede: Perspectiva De Profissionais”, com autoria de Gabriela Lemos de Pinho Zanardo, Guilherme Severo Ferreira, Larissa Moraes Moro, Isabella Zuardi Marques, Tomás Treger Piltcher, Kátia Bones Rocha, somos apresentadas/os a um estudo qualitativo, exploratório e analítico sobre a articulação do CAPS com diferentes componentes da rede e sua operacionalização a partir da experiência de profissionais de Porto Alegre. Foram realizadas 11 entrevistas e a análise temática conduzida resultou nas seguintes categorias: articulação do CAPS com a Rede de Atenção Psicossocial e articulação do CAPS com a rede intersetorial. Os resultados apontam que embora ocorram práticas pontuais de articulação do CAPS junto a outros setores que parecem promissoras, a efetivação da intersetorialidade continua sendo limitada. Visando superar esse desalinhamento que dificulta a inserção das/os usuárias/os desse serviço em outros espaços, é necessário investimento na ampliação da rede de cuidados e na formulação de novas políticas que contemplem esses sujeitos de forma integral.

Por sua vez, o artigo “Comportamento Suicida: Repercussões Pessoais E Profissionais Para Trabalhadores Da Estratégia De Saúde Da Família”, assinado por Ana Paula Sacomano Nascimento, Danielle Abdel Massih Pio, Roseli Vernasque Bettini, Silvia Franco da Rocha Tonhom, Thiago da Silva Domingos e Ana Carolina Nonato, objetiva identificar a compreensão e a importância dada pelos profissionais da Atenção Primária à Saúde ao manejo do cuidado de usuários com comportamento suicida, considerando a pandemia de Covid-19. Trata-se de estudo qualitativo, realizado com doze profissionais da APS de um município do interior paulista, com dados coletados por meio de roteiro semi estruturado e entrevistas remotas. Após Análise de Conteúdo, Modalidade Temática, emergiram três temas, que versam sobre a importância de reconhecer e trabalhar com transtornos mentais e cuidados em saúde mental, especialmente durante a pandemia, que tem aumentado a demanda nessa área. A Estratégia Saúde da Família verdadeiramente inserida na Rede de Atenção Psicossocial é fundamental para garantir o cuidado integral às/aos usuárias/os. No entanto, há escassez de recursos e as/os profissionais precisam de suporte emocional e profissional de modo que, segundo as/os autoras/es, mais espaços de formação são necessários, considerando as demandas de qualificação.

No artigo “Estereótipos Associados Ao Peso Corporal: A Perspectiva De Adolescentes Mexicanos”, Luis Ortiz-Hernandez, Delia Castro-Ramírez, Diana Pérez-Salgado e Pierre Levasseur investigaram a perspectiva de 26 adolescentes da Cidade do México sobre as qualidades atribuídas às pessoas com base no peso corporal no ambiente escolar. Silhuetas antropométricas foram mostradas para que elas/es compartilhassem sua apreciação em termos do que consideravam saudável, fisicamente atraente e socialmente desejável. As/Os autoras/es observaram que o ideal de beleza feminina é um corpo esguio, com quadris e busto proeminentes. O ideal de beleza masculina enfatiza o volume e a definição muscular. Os atributos associados a corpos maiores foram: pessoas preguiçosas, comem muito e mal, estão em péssimas condições físicas, não são saudáveis e são pouco atraentes. Tanto os pesos altos como a extrema magreza implica um afastamento do estereótipo do ideal de beleza, mas o grau de estigmatização é maior em relação às pessoas mais pesadas.

Maria Luiza Marques Cardoso e Roberta Carvalho Romagnoli assinam o artigo “Uma Máquina De Guerra Por Moradia: Assujeitamentos E Resistências”, no qual tratam das estratégias de luta e resistência de movimentos populares por moradia a partir do conceito de “máquina de guerra”, proposto por Deleuze e Guattari. Discutem o conceito para, a partir dele, abordar as seguintes questões: Como produzir uma máquina guerreira, caracterizada por sua “essência” nômade, como um dispositivo potente para aquelas/es que lutam por um lugar para morar? E, após a conquista da moradia, como enfrentar no cotidiano do habitar os dilemas da regularização sedentária da habitação e da erupção de microfascismos que assujeitam e impedem a expansão da vida? As análises apresentadas partem de componentes, processos e configurações sociais e subjetivas mapeados, através do método da cartografia, em ocupações urbanas de Belo Horizonte, Minas Gerais, organizadas pelo Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB). As autoras concluem pela importância das estratégias da ocupação para convocar potência em meio à precarização da vida.

No artigo “Controle Em Deleuze À Luz De Seus Cursos Sobre Foucault” Bárbara Fam e João Leite Ferreira Neto investigam o conceito de controle no pensamento de Deleuze, a fim de compreender como essa noção pode ser útil para interpretar seu curto e instigante texto “Post-scriptum sobre a sociedade de controle” e assim problematizar os novos processos de subjetivação. Os autores analisaram dois cursos que o filósofo ministrou sobre Foucault em 1986: “O poder” e “A subjetivação”. Dialogam também com estudos contemporâneos sobre o tema. Concluem que não é possível fazer análises consistentes do texto sem levar em consideração as bases filosóficas de Deleuze. E que, tendo-as em vista, é preciso considerar também as possibilidades de liberação envolvidas na produção de processos de subjetivação. Para Deleuze, além da luta, a criação configura-se como uma possibilidade de liberação frente ao novo diagrama de poder.

Em “Experiência E Produção De Conhecimento Na Gam: A Implementação No Rio Grande Do Sul”, Thales Lindenmeyer e Analice de Lima Palombini tematizam a Gestão Autônoma da Medicação (GAM) como estratégia de saúde mental implementada no Rio Grande do Sul através de interligadas e subsequentes pesquisas entre 2014 e 2023, as quais promoveram rodas de conversa resultando em um vasto conjunto de narrativas. A primeira etapa, ocorrida entre 2014 e 2018, deu origem a oito eixos temáticos de análise desse material. Dois desses eixos são analisados neste artigo: “relação com a experiência: medicamentos e diagnósticos" e "participação dos usuários na produção de conhecimento". A segunda fase, realizada em 2023, por sua vez, deu origem a narrativas ficcionais que objetivaram discutir o tema da medicamentalização na saúde mental da região metropolitana de Porto Alegre. O autor e a autora consideram que a GAM, embora com diversas limitações analíticas, contribui para questionar e perturbar a dicotomia entre experiência e conhecimento, reconhecendo as/os usuárias/os como produtoras/es de conhecimento e as/os profissionais como acolhedores da experiência.

No trabalho “Jornalar clínico-político: contágios coletivos da experiência em um CAPS”, Moisés José de Melo Alves e Luis Artur relatam a experiência de construção de um Jornal em um CAPS como dispositivo clínico-político para o compartilhamento de experiências, análise de implicação, promoção de protagonismo e autonomia. A invenção do Jornal se deu a partir de uma oficina terapêutica conduzida por Residentes que se inseriram no serviço. Em conjunto com es usuáries foram produzidas coberturas, reportagens e matérias como tarefa grupal comum ao cuidado em liberdade, primando pela autonomia (em sua multiplicação de alianças) e protagonismo como estratégia de cuidado. Diferentes políticas narrativas se agenciaram na construção do jornal como dispositivo clínico-político no/do CAPS, de modo que esse relato foca na metodologia de composição ficcional, de maneira coletiva, de uma personagem/Editora que se tornou dobra do grupo. Esse relato revisita as experimentações da Oficina de Jornal a fim de partilhar uma ferramenta de trabalho com grupalidades nas linhas da Filosofia da Diferença.

Fechando este número, no artigo “Aposta Na Intensificação De Cuidados: Um Relato De Experiência”, Paloma Raianna Antonio da Silva e Rafael Coelho Rodrigues, discutem a importância da intensificação de cuidado a casos graves em saúde mental. O relato nos oportuniza olhar para a complexidade da prática no campo da saúde mental, identificando potencialidades e desafios do cuidado em liberdade. Como resultado os autores observam a potência do trabalho de intensificação de cuidados, prática em consonância aos princípios da Reforma Psiquiátrica. Diante dos entraves, sugerem formações continuadas para as equipes dos serviços substitutivos, pautadas pelas diretrizes do SUS e da Reforma Psiquiátrica brasileira, além de apontar a necessidade do fortalecimento da política de saúde mental através da prática crítica, em contraposição, à lógica manicomial, ainda presente nos serviços territoriais de saúde.

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