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Analytica: Revista de Psicanálise
versão On-line ISSN 2316-5197
Analytica vol.4 no.6 São João del Rei jan./jun. 2015
Aproximações entre o conceito freudiano de Supereu e o conceito de Imperativo Categórico de Kant1
Similarities between the Freudian concept of Superego and the concept of Kant's Categorical Imperative
Les similitudes entre le concept freudien de Surmoi et le concept de l'impératif catégorique de Kant
Similitudes entre el concepto freudiano del superyó y el concepto de imperativo categórico de Kant
Claudete Justino CorreaI; Magali Milene SilvaII
IDiscente do 9 período do curso de Psicologia da Universidade de Lavras UNILAVRAS. claudetecorrea391@gmail.com
IIGraduação em Psicologia pela Universidade Federal de São João del-Rei (2003) e mestrado em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (2007), com ênfase em Psicanalise, doutorado em psicanálise pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Experiência em docência na área de Psicologia, em cursos de graduação (UFOP, UFLA, UNILAVRAS ) e pós-graduação (FINON, UNIFENAS). Professor Temporário UFLA (20111-2013). Vínculo atual: professor horista UNILAVRAS. magalimilene@gmail.com
RESUMO
Este artigo objetiva descrever a noção freudiana de Supereu, verificando aproximações possíveis com a noção kantiana de Imperativo Categórico. O Imperativo Categórico refere-se às leis morais determinadas como ação universal. A noção de Supereu é elaborada por Freud ao longo de sua obra, sendo concluída com a caracterização da segunda tópica. O Supereu, herdeiro do Complexo de Édipo, visa a instituir leis para o Eu, que se apresentam como mandato impossível, diante do que resta ao sujeito, na neurose, o sentimento de culpa. Assim, podemos aproximar ocom o Imperativo Categórico, pois este, por se apresentar como uma orientação universal para a ação, que só é válida porque universal, também se constitui com uma exigência moral impossível.
Palavras-chave: Supereu- Imperativo Categórico- Psicanálise
ABSTRACT
This article aims to describe the Freudian notion of super-ego, checking possible approaches to the Kantian notion of categorical imperative. The Categorical Imperative refers to certain moral laws determined as universal action. The notion of superego was coined by Freud throughout his work, being completed with the characterization of the second topic. The super-ego, heir to the Oedipus complex aims to introduce laws to the Self. These laws should stand as impossible mandate, towards which remains to the subject in neurosis the sense of guilt. So we can bring to the Categorical Imperative, as this, due to presenting itself as a universal guideline for action, which is only valid because universal, also happens to be with an impossible moral requirement.
Keywords: Super-ego, Categorical Imperative, Psychoanalysis
RÉSUMÉ
Cet article vise à décrire la notion freudienne du Surmoi, en vérifiant les approches possibles à la notion kantienne de l'impératif catégorique. L'impératif catégorique se réfère à la lois morales déterminées comme action universelle. La notion de Surmoi est élaborée par Freud tout au long de son travail, en cours d'achèvement avec la caractérisation de la deuxième topique. Le Surmoi, héritier du complexe d'Œdipe, vise à instituer des lois pour Moi, ceux qui se présentent comme mandat impossible, devant duquel reste au sujet dans la névrose le sentiment de faute. Ainsi, nous pouvons approcher avec l'Impératif Catégorique, parce que cela, en procédant comme une orientation universelle pour l'action, ce qui n'est valable que parce qu'il est universel, constitue également une exigence morale impossible.
Mots-clés: Surmoi - Impératif Catégorique - Psychanalyse
RESUMEN
Este artículo pretende describir el concepto freudiano del Superyó, estableciendo las posibles relaciones con la idea kantiana del Imperativo Categórico. El Imperativo Categórico trata las leyes morales establecidas como una acción universal. El concepto del Superyó es elaborado por Freud a lo largo de su obra, siendo concluido en la descripción de la segunda tópica. El Superyó, heredero del complejo de Edipo, pretende establecer leyes para el Yo, leyes estas que se presentan como un mandato imposible, por lo que solo le resta al sujeto en neurosis, el sentimiento de culpa. De esta manera podemos relacionarlo con el Imperativo Categórico, pues este, por presentarse como una orientación universal para la acción, que solo es válida porque es universal, también se constituye con una exigencia moral imposible.
Introdução
Propomos aqui uma investigação sobre a construção do conceito freudiano de Supereu, buscando o percurso de sua elaboração até suadefinição final.Perguntamos, ainda, se o Supereu, por se apresentar para o sujeito como um imperativo e se constituir para este uma construção moral, poderia se aproximar do Imperativo Categórico kantiano.
Neste caminho, é preciso que expliquemos o conceito de Imperativo Categórico. Não será um estudo aprofundado sobre as obras kantianas. O objetivo é investigar que relações são possíveis estabelecer entre esses dois conceitos mesmo que Freud não tenha feito essa referência. Assim, este estudo primeiramente percorre formulações básicas da noção de Imperativo Categórico para Kant, em seguida discute as elaborações freudianas sobre o Supereu e por fim propõe relaçõespossíveis entre os dois conceitos.
A Priori - A Posteriori a caminho da Crítica da Razão Prática
Para Kant(1781/1980), a metafísica tem a característica de uma ideia em que a ciência de conceitos puros envolva conhecimentos, que podem ser obtidos independentemente da experiência, somente com base nas estruturas racionais da mente humana (Monique, 2003).Höffe (2005) explica que, enquanto o conhecimento se mantiver na experiência, ele sempre vai encontrar condições cada vez mais remotas, poisnão é uma condição baseada somente no provável e também não é regido por algo incondicionado. Aqui,Höffe traz um argumento da obra de Kant: nossos conhecimentos serão sempre algo notável de um agente experimentável. Mas o que não vem de experiência pode ter origem em uma coincidência? Höffe (2005) continua dizendo que o último fundamento da experiência se encontra além de toda experiência, por isso sua investigação se chama metafísica, ou seja: um estudo além (meta) da física, da natureza.
Na perspectiva deKant(1781/1980),pode existir um conhecimento que independe da experiência e um juízo que transcende nossas experiências. Eledenomina queoconhecimento que tem sua origem na experiência é chamado de posteriori "(posterior, por se basear em impressões sensíveis) e o conhecimento de toda impressão dos sentidos chama-se a priori,anterior, porque sua fundamentação independe de qualquer experiência"(Höffe, 2005, p.46-47).
Monique (2003) propõe que, para Leibniz,o conhecimento a priori,que é o conhecimento porexperiência, é a filosofia experimental que procede a posteriori. Kant(1781/1980)sofistica a rigor toda essa noção diferenciando os conhecimentos a priori puros, pois, além de não dependerem de qualquer experiência, são desprovidos de qualquer elemento empírico. Assim,a priori é a forma do conhecimento e a posteriori é o conteúdo (Monique, 2003). Os conhecimentos matemáticos e físicos, dentre outros, são elementos que se fundam nos conhecimentos a posteriori.Porém, os conhecimentos a priori não são em si um conhecimento, mas sua função é condicionalmente universal aqualquer conhecimento tanto sensível como intelectual.Kant(1781/1980), então, trabalha com o conceito de transcendental, para firmar sua filosofia,propondo que existem, sim, conhecimentos sem haver experiência. Transcendentalé referente ao "objeto, que é aquilo que coloca nas coisas no próprio ato de conhecê-las" (Reale&Antiseri, 2004, p.359).
O termo "transcendental", na visão de Reale e Antiseri (2004), é apresentado por Kant como a maneira como conhecemos os objetos, e não como nos relacionamos com eles, isso enquanto possível a priori. São estruturas da sensibilidade e do intelecto, estruturas que são próprias do sujeito, e não dos objetos.Não é, porém, o que está além da experiência, mas, sim, o que antecede a experiência, mesmo que fosse para possibilitar o simples conhecimento empírico. São apenas todos os conhecimentos que têm por objetivos a priori (Monique, 2003).
A Crítica da Razão Prática busca examinar todas as causas da dialética prática da razão. Os estudos que tratam Deus, a alma e a imortalidade como coisas simples, ou seja, fenômenos que não são igualavelmente ilegítimos do ponto de vista teórico, são insuficientemente morais do ponto de vista prático. O interesse prático da razão é puramente substituir conceitos moralmente certos por representações teoricamente errôneas: o limite do conhecimento deve dar lugar a uma função moral de toda esperança possível (Monique, 2003). "A razão prática significa a capacidade de escolher sua ação independente de fundamentos sensíveis" (Höffe, 2005, p. 188).
O conceito de a priori,trazido por Kant na obra Crítica da Razão Pura,(1781/1980),já aponta questões que serão discutidas na Razão Prática.Xavier (2009) nos diz que Kant já estava dando os primeiros passos para a Crítica da Razão Prática (1788/2003), ou seja, podia se pensar em um princípio objetivo a priori. Uma máxima, ou seja, "o que contém a regra prática que a razão determina de acordo com as condições do sujeito (frequentemente, sua ignorância ou inclinações) e, é, portanto, o princípio de acordo com o qual o sujeito age"(Caygill, 2000, p.226). Por conseguinte, na obra Fundamentação da Metafísica dos Costumes (1785), o conceito de Imperativo Categórico começou a ser elaborado, mas foi na Crítica da Razão Prática (1788/2003) que Kant o utilizou.
Na Crítica da Razão Prática (1788/2003), Kant apresenta uma nova abordagem emque a razão éregida pela vontade e por leis que são representadas pelo querer. Essas leis são princípios de uma ação universal que definem os deveres individuais. Sendo assim, não sãoparte de leis naturais humanas.
A filosofia moral
Para Höffe (2005), a razão prática não é senão a razão teórica, que ultrapassao âmbito dos sentidos, da natureza. A vontade não é nada irracional, pois o homem se distingue de simples entes naturais, como os animais, que agem somente pelas leis naturais, e não por leis representativas. A razão prática empiricamente condicionada recebe uma parte de sua determinação de fora, como, por exemplo: impulsos e necessidade, hábitos e paixões. Todos os conceitos morais possuem a sua sede e origem totalmente a priori da razão. Ou seja, para se agir com moralidade, não é preciso necessariamente ser condicionado; é algo que vai além de nossos sentidos sensoriais.Concluímos que Kant descarta condições que possuem sua pretensão no empirismo, que só possam agir sobre fundamentos empíricos. Höffe (2005, p. 190) propõe que Kant impõe sua fundamentação da ética em quatro problemas fundamentais. São eles:
(9.1); aplica-o à situação de entes racionais finitos, o que leva ao imperativo categórico (9.2);descobre a origem da moralidade na autonomia da vontade (9.3) e procura provar a efetividade da moralidade com o factum da razão (9.4), com o que ele, depois do empirismo ético, declara fundamentalmente superado também o ceticismo ético.
Com isso, determina o conceito de moralidade, aplicando-o à situação de entes racionais finitos, o que leva ao Imperativo Categórico. Cunha e Preu (2007) apontam que ter vontade, para Kant,implica ter que agir com base em regras da razão, em que somente os Imperativos Categóricos expressam sua lei. Podemos, assim, perguntar se cabe aqui afigura de um Supereu ligada a um Imperativo Categórico, a de um dever ser absolutamente internalizado, que se torna independente das condições externas da realidade, que haja conforme as leis morais e que independe de qualquer experiência sensorial.
Imperativo Categórico
Kant (1788/2003), na obra Crítica da Razão Prática, estuda que a razão na prática da faculdade de desejar se ocupa do sujeito pelo fato de que essa razão só trata de fundamentos de uma determinação de uma vontade e segue uma regra prática da razão, poisdeterminaria a ação. A razão não seria totalmente pessoal ou específica de princípios de definição da vontade, porque é um imperativo, ou seja, uma regra designada pelo dever em que é válida e distinta das máximas que indicam a situação da causalidade do ser racional, indicando somente a vontade e não dando importância para se terão efeito ou não.
Kant (1788/2003) propõe que os primeiros imperativos seriam os hipotéticos e finalizariam simples obrigação da habilidade. Já os segundos seriam os categóricos, integrando neles as leis práticas. Kant (1788/2003) diz:
[...] a necessidade só está condicionada subjetivamente e não se pode supô-la num mesmo grau em todos os sujeitos. Em contrapartida, para sua legislação se exige que só necessite pressupor-se a si mesma, porque é regra objetiva e universalmente verdadeira... nessa regra diz respeito unicamente à sua vontade... o simples querer é que deve ser determinado completamente a priori por essa regra. Se, no entanto, julgar que essa regra seja praticamente justa, então é uma lei, porque se trata de um Imperativo categórico (p.35).
Como Kant (1788/2003) aponta, somente os Imperativos Categóricos são de leis, e essa lei prática pode ser denominada como legislação universal, que só aponta para a vontade não só de um indivíduo, mas atinge a vontade de todos. Contudo, não se dá por conta o que for efetuado pela causalidade de tal vontade. Kant (1788/2003) traz como exemplo a felicidade como um desejo universal compartilhado. Essa premissa seria impossível, poiscada sujeito faz desse desejo delimitação de sua vontade. Com efeito, a vontade não tem um só objeto e cada um tem seu próprio bem-estar, podendo identificar com as situações de outros.
Para Kant (1788/2003), é pela lei moral que primeiro tomamos consciência, que leva à razão e independe de qualquer condição,conduzindo-nosà liberdade. Assim, pode trazer a fórmula para o Imperativo Categórico: "Age de tal modo que a máxima de tua vontade possa sempre valer ao mesmo tempo como princípio de uma lei universal" (p. 47).
Segundo Höffe (2005), com o Imperativo Categórico, Kant apresenta um critério supremo de ajuizamento da moralidade. Como Imperativo, ele é um "dever ser". Ele nos exorta a agirmos de determinada maneira. Ainda, alerta que a fórmula do Imperativo Categórico começa com um "sem-condições 'Age'!, só em segunda linha o imperativo categórico diz que consiste em uma ação moral, a saber, com máximas universais" (Höffe, 2005, p.198). Ou seja, ele nos diz para agir, de tal maneira, como princípio universal. Esse mandamento é impossível por ser universalizado. As leis morais são passadas de geração a geração de acordo com cada meio cultural em que o sujeito vive.
Kant define um imperativo como toda "proposição que expressa uma possível ação livre, por meio da qual se concretiza um determinado fim" (Caygill, 2000, p.225). Por fim,Caygill (2000) afirma que tais enunciados baseiam-se numa "espécie de necessidade", a qual é distinta da dos enunciados teóricos. Em vez de declararem o que é, declaram o que deve ser o caso. Assim, como existem várias maneiras de declarar o "é" numa proposição, também há diversas maneiras de declarar o "dever ser". São essas as várias formas de imperativo, das quais o categórico é um caso especial e privilegiado, pois a moralidade não pode ser conhecida por relações empíricas, mas sim a partir da razão.
Segundo Gerez-Ambertín (2003),para Freud, o Supereu é responsável por toda moralidade responsável na formação de ideias, ordena como o imperativo e apresenta como uma lei contraditória impossível. Produz, assim, outros tormentos que instalam um juízo que o sujeito traz como culpa.
Como trabalhou Inada (2011), com a dissolução do complexo de Édipo, aparece o Supereu. Essa instância psíquica depende das condições sociais, visto que assimila as normas e os valores vigentes, embora não seja determinado por essas condições. Contra as exigências do Isso, o Supereu tem um domínio sobre o Eu. Isso faz com que hajamos da maneira como as crenças e a cultura acham que deve ser nosso dever moral no meio social apesar de que nosso posicionamento frente a esses determinantes possa variar.
Observamos que pode haver uma possívelaproximação entre o conceito kantiano e o conceitofreudiano. Os trabalhos apresentados por Kant mostram avontade prática da razão e leis morais ordenadas universalmente. Vamos observar nas obas freudianas um estudo que mostra que as leis morais que são internalizadas no sujeito partem de um princípio de que temos um representante da lei. Ao sermos inscritosno meio social, herdamos as leis morais constituídas por esse representante. O Supereu tem uma energia psíquicafundamental no sujeito em todo esse processo, como veremos a seguir.
Antecedentes do Supereu - o Ideal do Eu
Uma vez que o conceito de Supereu não nasceu pronto,Freudvai deixando indícios em seus ensaios sobre uma suposta instância,quenos primeiros eque faz uma mediação junto ao Eu. Assim, iniciaremos este percurso com o texto Introdução ao Narcisismo(1914/2010), em que Freud mostra o Eu como uma organização psíquica, afirmando ainda que pode ser correlativa à constituição corporal e,mais ainda, que essa unidade pode ser construída pelo sujeito a partir de uma imagemque ele tem de si mesmo seguindo o modelo do outro. Essa atração por si mesmo, nósa definimosNarcisismo e chamaremos de Narcisismo primário (Pontalis&Laplanche, 2001). Todo o processo da formação do Eu por identificação com o outro é denominado por Freud de Narcisismo secundário, e é a partir dessa informação que ele elabora o antecedente do Supereu, o conceito de Ideal do Eu.
O Narcisismo é, para Freud (1914/2010),a narrativa do processo de construção do Eu.Uma instância como o Eu não está presente desde o início. Ela deve constituir-se para o sujeito. Nos Três Ensaios (1905/2010),Freud desenvolve uma série de concepções sobre a sexualidade infantil e elabora conceitos que são fundamentais para a construção da análise psicanalítica,tais como: pulsão, complexo de castração, inveja do pênis e noção de estádio, que são as fases: oral, anal e fálica.A intenção é mostrar, por meio de cada fase, o autoerotismo e que as crianças são seres capazes de gozo (Roudinesco&Plon, 1998).
É importante destacarmos o autoerotismo, pois este remete a uma sexualidade centrada em partes do corpo que o sujeito ainda não reconhece como uma totalidade. Na fase oral, o prazer sexual é tido a partir da excitação da cavidade bucal e dos lábios que acompanham a alimentação, tendo como exemplo a vital atividade do recém-nascido: mamar no seio materno ou qualquer meio substitutivo.Nessa fase, Freud (1914/2010) estabelece o lábio da criança como área erógena, definida como uma parte da pele ou da mucosa, que provoca qualquer sensação de prazer. A sensação do fluxo cálido do leite junto com a fome podem proporcionar uma sensação prazerosa.
A fase anal é significativa e difícil de ser descrita. Há uma organização da libido voltada para a zona erógena anal, e toda relação de objeto volta-se para a função de defecação e ao valor simbólico das fezes. Freud (1905/2010)descreve que na infância há muitos distúrbios intestinais, que provocam nessa zona excitações intensas. Esse acúmulo provoca dores, cólicas e contrações musculares. Na passagem pelo ânus, pode produzir sensações de prazerao lado das sensações dolorosas. É feita uma pressão por parte do outro sobre a criança, pois é preciso que ela esvazie o intestino: então, é posta no troninho. A criança sente que é algo importante por tanto esforço que o outro faz para que ela defeque.
A fase fálica marca o reconhecimento da existência de uma organização da sexualidade desde a infância, parecida com a do adulto.A libido é a energia que se desloca para um objeto de prazer:, é tanto de natureza feminina como masculina, estabelecendo a priori que a zona erógena na menina é no clitóris e no menino na glande(Pontalis&Laplanche, 2001).Apenas um órgão, o pênis, é psiquicamente representado, sendo o clitóris concebido como um pequeno pênis. Posteriormente, as fantasias infantis vão diferenciar dois sexos: fálicos e castrados.
Essa fase anuncia o complexo de Édipoe é condicionada pela ameaça da castração, que estabelece um interesse narcísico do menino pelo seu próprio pênis e na menina pela ausência de pênis. Com isso, vai se desenvolvendo na menina a diferenciação dos sexos, suscitando uma inveja do pênis. Todo esse processo vai acarretando sentimentos com os pais, sendo, assim, um ressentimento com a mãe por não ter dado o pênis e tendo o pai como objeto de amor, pois este pode dar um pênis ou algo que equivale a ele:desse modo, um filho (Pontalis&Laplanche, 2001).
Assim, resta a fase genital, que é caracterizada pela tentativa de organização das pulsões parciais das zonas genitais. Essa fase é separada do período da latência, a fase fálica e a organização genital propriamente dita, que se constitui na puberdade (Pontalis& Laplanche, 2001).No entanto, Freud afirma que há fixações pulsionais nas fases oral e anal mesmo após a fase genital, restando sempre algo do pulsional resistente à organização.
Todo esse processo de autoerotismo da criança define que o corpo ainda não é psiquicamente reconhecido como uma unidade -somente como partes e sensações -, pois há delimitações ainda em construção que fazem que o aparelho psíquicofaça diferença entre o Eu e o Outro (Freud, 1905/2010).Vista aqui toda a importância do investimento libidinal desde criança,o Narcisismo marca uma fase fundamental nesse aspecto.O Narcisismo primário é, para Freud, o primeiro Narcisismo, o da criança, a qual toma a si mesma como objeto de amor,antes mesmo de definir objetos exteriores, firmando o seu eu ideal (Freud, 1914/2010).
Para K. Abraham,a demência precoce, e toda a sua característica psicossexual, é o retorno do paciente ao autoerotismo (Pontalis& Laplanche, 2001). Freud utiliza essa concepção para explicar o Narcisismo primário. Para ele, a energia libidinal da esquizofrenia eda demência precoce (Kraepelin)não está voltada a objetos externos, que manifestariam duas características: "a megalomania e o abandono do interesse pelo mundo externo (pessoas e coisas)" (Freud, 1914/2010. p.10). Surge, então, a pergunta:paraonde iria essa energia se não fosse dirigida para objetos do mundo externo? A resposta é que essaenergia afastada do mundo externo é dirigida para o Eu, podendo determinar um caminho para a Psicose.
Daí, a questão freudiana sobre a impossibilidade de análise desses sujeitos (psicóticos). Veremos adiante o processo do Narcisismo secundário, no qual surge, além do próprio Eu, o Ideal do Eu, que é um investimento libidinal em objetos externos determinados por identificação parental. Em trabalhos posteriores, quando Freudestudouanálises psicanalíticas, ele nos mostra que é necessário, para uma análise ser bem-sucedida, ter uma transferência, podendo estaser de amor ou de ódio. Sendode amor, o analista tornará a ser o objeto de amor do sujeito em análise.
O Narcisismo secundário revela o caminho para chegar ao Ideal do Eue para diferenciá-lo do Eu.Assim,é fundamental o Eu ser desenvolvido. As pulsões autoeróticas existem desde o princípio. Ao serem adicionados objetos para existirem investimentos libidinais, surgirão novas ações ao psiquismo, concretizando o narcisismo(Freud, 1914/2010).
Ao estudar a vida erótica, Freud (1914/2010) chega à conclusão de que, para a criança,as escolhas objetais partiriam de suas experiências de satisfação e suas funções vitais sexuais autoeróticas serviriam de autopreservação e cuidado.Nesse âmbito,ela começaria a desenvolvernão umideal, mas propriamente uma identificação primária com o outro, que neste caso é a mãe ou o cuidador. Nesse caminho, surge o complexo de castração: é quando o sujeito entra em conflitoe busca algumas saídas como o recalque2. Ao entrar no mundo exterior onde colocará em prática suas escolhas, experiências e desejos do sujeito, verá que nem sempre terá aprovação do outro; ao contrário, tais desejos serão rejeitados.
Frustrada com a castração,a criança não renuncia a toda experiência provinda de sua infância. Ela vê que não pode ter de volta toda experiência prazerosa e, então,começa a se deparar comaangústia. Por isso, busca alguma forma de recuperar todo o prazer vivido em sua infância, procurando-o como forma de um Ideal do Eu. Todo esse ideal do Eu agora é dirigido ao amor de si mesma, projetado diante de si como ideal, que é o substituto para o narcisismo perdido da infância, o qual era seu próprio ideal(Freud, 1914/2010).
O Ideal do Eu se refere a escolhas narcísicas experimentadas na infância de um amor primordial. Esse amor não poderá acompanhá-lo em seu amadurecimento por causa da castração. Sendo assim, cria para si mesma substitutos, a fim de que possa dar conta da angústia da castração (Freud, 1914/2010).
Freud(1914/2010)começa a estabelecer fundamentos para este conceito (Ideal do Eu)e afirma que estetem como objetivo observar o Eu, fazendo isso como um ideal e começando a identificá-lo como uma consciência moral.O texto mostra a construção do Eu, que consiste em um distanciamento do Narcisismo primário. Logo, o sujeito faz um enorme esforço para reconquistá-lo. Isso é recorrente do distanciamento que ocorre mediante o deslocamento da libido para um ideal vindo de fora (Pontalis& Laplanche, 2001). Suas escolhas narcísicas hão de se repetir ao longo da vida, tendo impasses nesse caminho.
Freud volta a refletir sobre o estudo deste ensaio (Introdução ao Narcisismo), de 1914, no texto Psicologia das massas e análise do Eu(1920-1923/2011),quando propõe discorrer sobre a identificação e diferenciar claramente o Eu e o ideal do Eu (Roudinesco&Plon,1998). Por esse estudo, sofisticará e conduzirá à nova instauração desse conceito, transformando-o em Supereu.
O Supereu como herdeiro do complexo de Édipo
O estudo freudiano sobre a constituição do sujeito tem como alicerce o complexo de Édipo. Trata-se do caminho de uma organização psíquica do sujeito,que,no término de suas funções, fica em seu lugar o Supereu. Freud baseia-se no mito da tragédia de Édipo,Rei de Sófocles, massua obra não corresponde necessariamente ao mito grego. Toda essência é que o complexo de Édipo refere-se à forma mítica da origem da lei. Essa lei é estabelecida mediante o que Freud nomeou como lei da interdição do incesto. Todo gozo que gira ao redor do sujeito figurado pelo incesto mãe e filho não é permitido pela entrada da instância paterna, representada pelo pai simbólico (Costa, 2010).
Segundo Costa (2010), nos primeiros estudos, Freud estipulou que havia um paralelo entre o convívio edípico no sexo masculino e o convívio edípico no sexo feminino. Estaria estabelecido que a afeição da menina é para com seu pai e a dos meninos para com a mãe.Nos textos de 1924 e 1925, Freudconsegue enfatizar que o complexo decastraçãose desenvolve diferentemente na menina e no menino. Cada criança deve fazer um percurso para sua identificação sexual (Costa, 2010).
Para Freud (1924/2011), a dissolução do complexo de Édipo é decorrente do período da latência. Como ainda não tinha clareza de como ele ocorre, Freud, então, lançou algumas opções.A primeira opção seria uma experiência desprazerosa, em que a menina considera ser aquilo que o pai mais ama, mas sofre por parte dele uma punição e é expulsa para fora desse mundo de ser a mais amada. Quanto ao menino, por outro lado, este tem sua mãe como sua maior posse, mas um dia percebe que essa mãe transfere seu amor para outro recém-chegado, e a mãe compartilhará o amor com esse irmão. Essa hipótese é de que o complexo de Édipo sofra sua destruição pela falta de sucesso dos sujeitos (Freud, 1924/2011).
Outra hipótese é que o complexo de Édipo venha a se desfazer porque chegou a hora de desintegrar algo que esteja ligado à hereditariedade, mas Freud (1924/2011) deixou de lado essa pesquisa dizendo que não seria de grande importância. Freud realmente levanta essa questão no texto, mas é necessário observar que todo o processo do complexo de Édipo é condenado à sua destruição desde o início, pois a proibição do incesto é um fato da cultura.
Logo, Freud (1924/2011) volta sua atenção para o desenvolvimento sexual das crianças. Ele explica que, antes de o órgão sexual ter um papel principal para a criança, sendo este apenas o órgão masculino, fase que antecede o complexo de Édipo, não se desenvolveria além, até a organização genital final, mas seria submersa, substituída pelo período da latência. Quando há na criança, especialmente no menino, um interesse pelo órgão genital, que o faz tocá-lo constantemente, e os adultos não aceitam esse comportamento, ele se vê ameaçado por essa parte tão valorizada que lhe é tirada (Freud, 1924/2011).
Nesse sentido, Freud (1924/2011) atribui a ameaça da castração como a causadora da organização genital fálica da criança e liga duas importantes experiências de porque as crianças passam e são preparadas a perceber as partes de valor do corpo: a retirada do seio materno e a exigência que é feita para soltarem as fezes. Um primeiro momento é quando há um desligamentodacriançacom sua mãe, sendo um momento angustiante, pois até então o seio protagonizava o objeto de satisfação. E um segundo momento é algo que é controlador, por parte do cuidador, pois é pedido algo que tanto se preza, e há momentos corretos para isso, ou seja, momentos certos para o sujeito defecar.
Ressalva dizer que as diferenças sexuais infantis e adultas não são propriamente do órgão genital (o pênis), mas de todo o processo avaliado dado ao falo. O estádio fálico é marcado pela ausência de uma representação psíquica da menina. Nessa organização,há diferenciação sexual em torno da posse ou não do falo. É em torno de toda essa representação psíquica do falo, e não do pênis real, que se organiza o complexo de castração (Costa, 2010).
Sendo assim, o menino chega à conclusãode que o pênis não é comum para todas as crianças. Essa observação é tida pelo menino nas brincadeiras com irmãs e meninas. A primeira reaçãoda criança é rejeitar o falo e acreditar que elas realmente têm um pênis. Após esse acontecimentopsíquico, chega à conclusão de que o pênis é pequeno e que vai crescer;mais tarde,de que o pênis estivera lá antes e foi tirado. Sendo assim, a falta de pênis é vista como resultado da castração (Costa, 2010).
Nesse ponto também, o menino encara o pai como um rival e quer tomar o seu lugar. Levando em conta que o menino no complexo de Édipo possui uma ação dupla, ativa e passiva, fálico ou castrado, sendo uma constituição bissexual, ele também deseja tomar o lugar da mãe como objeto de amor de seu pai (Freud, 1925/2011).
Para Freud (1925/2011), o complexo de Édipo na menina é mais complicado, pois, em ambos, a mãe é o objeto de amor original. Mas como ocorre nas meninas, é necessário um abandono desse amor pela mãe para tomar o pai como objeto de amor.
Assim, há a descoberta do pênis, visível e notável, identificado como superior ao seu próprio órgão pequenino, o órgão da menina, o clitóris. Nesse momento, a menina toma uma decisão de querer ter também um pênis. E a ideia de se tornar um homem pode persistir até um ponto mais tardio. O sentimento de inferioridade pode surgir na mulher por sentimentos que ela não deu conta de superar na constituição de seu narcisismo (Freud, 1924/2011).
A partir do momento em que na primeira tentativa de explicar a falta do pênis tem uma punição pra si, essa característica se torna universal e começa a ter um desprezo pelos homens; e quando sustenta essa ideia, insiste em ser um (Freud, 1924/2011).Odesenvolvimento da sexualidade se dá de forma paralela nas meninas e nos meninos. A partir desse momento, assume caminhos diferentes (Costa, 2010).
Para o menino, o objeto de amor é a mãe. Ao entrar no Édipo, começa a manipular seu pênis com suas fantasias ligadas à mãe. Mas logo, com aameaça da castração proferida pelo pai, ou por qualquer substituto, e também com relação à angústia causada pela percepção do corpo feminino, privado do falo, renuncia a possuir o seu objeto de amor, a mãe. Entretanto, é a angústia da castração que barrao caminho do menino em direção ao amor do pai, renunciando seu amor e se identificando com ele. Nesse aspecto, o menino efetuaa passagem de ter o pai como objeto de amor para ser como ele. Nesse momento, o complexo é dissolvidoe o menino entra no período da latência (Costa, 2010).
A dissolução na meninaé diferente, pois ela deveráabandonar a erotização clitoriana para dar lugar à erotização vaginal. Freud investigaa fase pré-edipiana da menina e passa a dar atenção ao fato de que também, para ela, a mãe é o primeiro objeto de amor. Assim, o pai se torna o sucessor do objeto de amor (Costa, 2010).
Essa passagem nem sempre se realiza. Se no menino o afeto predominante é a angústia, na menina é a inveja (inveja do pênis). O termo angústia da castração não se aplica à menina, pois ela nãopode temer o que já aconteceu. O que fica como ameaça é o medo de não ser amada, de perder o amor. Eela culpa a mãe por não ter tido (Costa, 2010).Nesse momento,ela sai do apego à mãe e volta-se para o pai, com o objetivo de adquirir um pênis que a mãe não pode dar. É quando ela entra no complexo de Édipo. Em seguida, busca algo que pode substituir tal desejo, o desejo de ter um filho, o que simbolizaria o pênis. Com a decepção enfrentada com o pai, que nega rusticamente esse desejo, finaliza e abandona o complexo de Édipo (Costa, 2010). Com o fim do complexo de Édipo o que fica registrado é o Supereu, conforme explica Freud (1925/2011): "[...] o complexo de Édipo não existe mais, nem mesmo no inconsciente; o supereu se tornou seu herdeiro" (p.290).
Freud (1924/2011) já anuncia o propósito de sua instância - o Supereu - afirmandoque a autoridade do pai é internalizada no Eu,formando o núcleo do supereu. Nesse caso, está apenas sendo formado, o qual assume a severidade do pai, que proíbe o incesto.
Além do mito do Édipo, Freud utiliza também o mito primitivo e o descreve no textoTotem e Tabu, para contar as origens das proibições sexuais, afirmando que,por mais que a sociedade seja primitiva, haverá sempre uma proibição sexual que se chama tabu e situa o totem como representante da lei. No contexto trabalhado por Freud,totemnão é o pai da horda primitiva, e sim a simbolização do pai. O pai é o sujeito que goza sem rédeas. É ele quem impõe as leis sem mesmo estar submetido a elas (Costa, 2010).
A essência do mito é a seguinte: em um tempo primitivo, os homens viviam em pequenas hordas e cada uma delas era submetida ao poder de um macho que se apropriava das fêmeas. Mas, um dia, os filhos, insatisfeitos, se rebelaram contra o pai e, assim, puseram fim ao reino da horda selvagem. Em um só ato de violência coletiva, mataram o pai e comeram seu cadáver. Entretanto, logo após o assassinato, os filhos ficaram com culpa e remorso e renegaram sua má ação. Em seguida, inventaram uma nova ordem social, instaurando, então, a exogamia (renuncia à posse das mulheres do clã) e o totemismo, baseado na proibição do assassinato do pai (o totem), em que o representante é um animal que o clã passou a ter. Assim, o totemismo implica exogamia, proibição do incesto (Roudinesco&Plon, 1998).
Segundo Costa (2010), na leitura lacaniana, o pai morto institui a lei simbólica, que não pode ser destruída. Mesmo com a morte do pai, sua função existe, e é isso que sustenta o mito do Édipo. A morte do pai funda um lugar de sujeito para o filho. Desse modo, o complexo de Édipo é referido como a forma de uma origem da lei. Essa lei simbólicase refere à psicanálise como a noção primordial de lei simbólica, fundadora das leis sociais.
Toda essa constituição psíquica fica registrada para o que é preciso passar pelo complexo de Édipo, a fim de ter sua estruturação psíquica. Após ser dissolvido, o que fica internalizado é o Supereu, pois é este que irá representaras leis sociais, mais propriamente na psicanálise como a lei primordial. Qualquer interferência que possa surgir no processo do Édipo pode também interferir na escolha das estruturas clínicas.
A culpa e o Supereu
O texto Batem numa criança (1919/2010) possui um valor epistemológico importante no percurso freudiano de construção do Supereu. Freud faz uma investigação detalhada da fantasia de uma criança sendo batida, que traz uma carga no Supereu, pois muitas vezesé manifestado como culpa. Nesse ensaio, a fantasia é entendida como um processo regido pelo princípio do prazer, vinculando gozo e dor, elaborando também o sentimento de culpa e vergonha, envolvido em todo o processo, que pode descrever a vigência do Supereu (Jorge, 2010).
Para Jorge (2010), Freud designaquea vergonhae a culpa de muitos pacientes em análise são maiores em relação a essa fantasia do que as próprias lembranças da vida sexual. Essa observação é interessante, pois marca que essas fantasias não têm ligamento com o registro sexual. Há algo além do sexual, o que nos leva a questionamentos sobre o surgimento, organização e função dessa fantasia, e ainda algumas questões fundamentais sobre a cena enredada:quem era a criança que estava sendo espancada?Quem batia?Um adulto?Quem era ele?Freud (1919/2010) analisou três tempos da elaboração da fantasia para responder a essas perguntas.
A primeira fase das fantasias pode ser em um período primitivo da infância, quando a criança que cria a fantasia não é a criança em que estão batendo, e sim outra, como irmão e irmã (Freud, 1919/2010). Nesse caso, não é, portanto, masoquista. Essa fase de espancamento não é igualmente sádica. Descobre-se que a pessoa que bate não é a criança que faz a fantasia.Podemos ver que, se não é uma criança, é um adulto. Pode sero pai da menina (Jorge, 2010).A análise dessas fantasias pode mostrar que a criança está envolvida com seu complexo parental. Quanto à menina, um afeto ligado ao pai, quando fez o possível para conquistá-lo, mostrando, assim, rancor e rivalidade à mãe. Mas a fantasia não é ligada diretamente à mãe, e sim a prováveis irmãos mais velhos e mais novos,com quem os pais têm que compartilhar seu amor. Ao ver o pai batendo, essa criança cria a fantasia na qual a criança que está apanhando não é tão importante para o pai.
A fantasia é um reconhecimento do ciúme da criança (Freud, 1919/2010).A frase que pode representar essa fase da fantasia é "Meu pai bate na criança", entendida como: "Meu pai bate na criança que eu odeio", ideia que fica intrusa nos momentos em que o irmão caçula atrai a afeição dos pais; por conseguinte, o ódio da criança. Essa fase da fantasia é construída a partir de uma demanda dirigida ao pai. Ser espancada pelo pai significa uma privação e uma humilhação; significa que, no fundo, "o pai não ama essa outra criança, ama apenas a mim". Essa fase não está ligada a uma excitação que envolva os genitais e o ato masturbatório; não claramente sexual nem sádica em si (Jorge, 2010). Vale lembrar que esses processos mentais de impulsos de amor incestuosos que estão no inconsciente não são assumidos pelo consciente, e o que já alcançou a consciência não é expulso dela. Seguindo esse processo de recalque, surge um sentimento de culpa (Freud, 1919/2010).
A segunda fase indica algumas transformações. A pessoa que bate continua a mesma, mas a criança em que estão batendo transforma-se em outra: a criança que cria a fantasia. Essa fantasia é acompanhada de prazer. Essa fase é a mais importante, pois pode não existir realidade (Freud, 1919/2010).De acordo com Jorge (2010), a frase que pode representar essa fantasia é a seguinte:"Sou espancada pelo pai". Nesse sentido, possui uma intervenção inequivocamente masoquista. Essa é a fase para a qual Freud dá uma atenção a mais, porque ela é inconsciente e não se torna consciente devido ao alto grau de recalque. Para Freud, a atividade masturbarória deve estar ligada especialmente àsegunda fase, pois está em domínio das fantasias inconscientes. É primordial salientar que nessa fase ocorre uma inversão do triunfo anterior,conduzidopor toda culpa sentida pela menina, por consequênciado amor ao pai quanto à frase anterior: "O pai só ama a mim", e não ama outra criança, porque está batendo nela, pode se inverter, tornando-sena seguinte frase: "Não, ele não ama você, porque está batendo em você". O sentido dessa frase a torna masoquista, conforme aponta Jorge (2010). Para Freud, todo sentimento de culpa é o responsável pela transformação do sadismo em masoquismo (Jorge, 2010).
A terceira fase é parecida com a primeira. Ela é totalmente consciente. É como uma substituta da fantasia inconsciente. A pessoa que bate pode não ser o pai. Este pode ser transformado no professor ou em outro substituto. Pode ser um local onde há muitas crianças vendo uma criança apanhando, podendo ser apenas castigos e humilhações. Essa fantasia pode estar ligada há uma satisfação sexual, proporcionando uma masturbação, pois estão apenas olhando um castigo de outro (Freud, 1919/2010). Ou seja, Freud conta o que a princípio é uma posição do sujeito frente ao Outro sofistica-se ao articular-se simbolicamente, compondo o conteúdo das fantasias infantis.Nessa fase, Jorge (2010) afirma que Freud descreve que essa fantasia volta ao sadismo da primeira. Entretanto, a terceira fase corresponde a uma fantasia sádica somente na forma, pois toda satisfação contida nela é masoquista.
A criança que apanha agora não é apenas uma como nas outras fases, e sim muitas, e nenhuma delas é conhecida da fantasia da criança que cria a fantasia. Essas que agora são espancadas por adulto, sendo o professor, por exemplo, todas elas são substitutas da criança que fantasia. Nesse caso, torna-se uma fantasia masoquista.
Freud constatou que, tanto na fantasia elaborada por meninos quanto na elaborada por meninas, a cena é composta por meninos que apanham.Esse fato pode estar ligado à teoria sexual infantil, que considera o pênis um órgão universal.Nessa comparação entre os dois sexos, o que é mais relevante é que o "ser espancado" é equivalente a "ser amado", ao passo que, para ela, "ser espancada" significa "não ser amada" (Jorge, 2010).
A perversão não é um fato à deriva da vida sexual da criança. É considerada uma relação com o objeto de amor incestuoso da criança com seu complexo de Édipo. Desde que o complexosucumbiu, fica como um herdeiro de carga libidinal do complexo, oprimido pelo sentimento de culpa ligado a ele. As fantasias podem ser apenas resíduos do complexo de Édipo, cicatrizes por um processo que terminou. A transformação do sadismo em masoquismo pode ter influência no sentimento de culpa que participa do processo de recalque (Freud, 1919/2010).
Sendo assim, há algumas maneiras de o recalque manifestar:
[...] ela torna inconscientes as consequências da organização genital, obriga esta mesma à regressão ao anterior estágio sádico-anal e converte o sadismo deste no masoquismo passivo, em certo sentido novamente narcísico. A segunda dessas três consequências é tornada possível pelafraqueza da organização genital, que supomos nesses casos; a terceira torna-se necessária porque à consciência de culpa ofende tanto o sadismo como a escolha de objeto incestuosa entendida genitalmente (Freud, 1919/2010, p.235-236).
Para Jorge (2010), toda sensação trazida nesse período de culpa que Freud denomina de "período incestuoso" é responsável por converter o sadismo em masoquismo, da passagem da primeira paraa segunda fase, um momento quando triunfaa escolha edípica, ou seja, "os outros apanham, eu não". A segunda desloca a criança que apanha; não é mais da rivalidade edípica, da outra criança, irmã ou irmão, que apanha. Mas é realmente a criança que fantasia. Essa fantasia,no segundo tempo, pode vir acompanhada de alto grau de prazer. Nesse momento, pode incluir-se o gozo, mais propriamente o gozo masoquista. Na frase: "Estou sendo espancada pelo meu pai" é quando o gozo masoquista está realmente expresso.
Esse processo de fantasia, gozo e culpa pode ser identificado em análise, como Freud nos mostra no início do texto. O motivo de o sujeito sentir culpa pelo fato de gozar ao ter uma fantasia sádica, envolvendo agressão, nos leva a pensar que possa ter uma instância que a pune por gozar por um motivo um pouco incomum.É necessário observar que, até o momento, Freud apenas tinha indícios de que haveria uma instância censora. Mas o que faltava para Freud elaborar e para apresentar essa instância detectada? Foi fundamental um estudo sobre as pulsões, um texto de 1920 chamadoAlém do princípio do prazer.
A agressividade do Supereu
É relevante acrescentar a importância de outro texto de 1919, O estranho, pois nele Freudtrazconceitos importantes que serão trabalhados no texto de 1920. Um dos principais conceitos éo de compulsão à repetição: lança-se uma suspeita de que a própria compulsão à repetição pode se apresentar como elemento que constitui a natureza mais íntima da pulsão (Rudge, 1999).O que é favorável também no texto é que Freud pode ter dado indícios de uma divisão do Eu. Para Freud (1919/2010), quando pensamos em uma divisão do Eu nos sujeitos, constitui essa divisão uma instância crítica e o restante do Eu. Assim,tem-se a ideia de que,com a repetição de experiências desprazerosas, seria possível pensar, mais adiante, em uma organização que se serviria dessa força.
Freud, em 1920, vê que o princípio do prazer não tem domínio inteiramente sobre os processos mentais. Os dois princípios que regem o funcionamento psíquico visama proporcionar prazer e evitar o desprazer. O princípio do prazer o faz sem entraves nem limites (como o lactente no seio da mãe, por exemplo) (Roudinesco&Plon, 1998). Oprincípio da realidade pode fazer com que o sujeito adie suas satisfações, provocando o desprazer. A primeira investigação de Freud foi a respeito das brincadeiras infantis. Foi possível notar que certas brincadeiras repetitivas traziam desprazer.Como a filha de Freud precisaria ausentar-se de casa por um curto período, pediu ao pai para cuidar do neto pequeno. Freud observou que o menino não chorou e que passou a brincar jogando um carretel, preso a um fio, de dentro do berço para fora, de modo que o carretel desaparecia sob a cama. Repetia esse jogo inúmeras vezes. Quando jogava fora, conseguia articular um som: ó...ó...ó. E quando puxava o fio e recuperava o carretel, dizia: dá...dá...dá, com expressão de alegria. Freud intitulou-o como fort- palavra alemã que significa "fora", "ir embora", e da- que significa aqui -, e percebeu que o menino tratava de simbolizar a mãe por meio do brinquedo, expressando sua saída (fort) e a felicidade de seu retorno (da) (Freud, 1920/2011).
Na sequência, passa a questionar essa repetição não somente nas brincadeiras, mas também nos sonhos da neurose e nas neuroses de guerras, que são situações que não contêm nada de prazeroso para o Eu, e ainda assim se repetem insistentemente, chegandoà conclusão de que em todo sujeito, sendo neurótico ou não, atua com uma compulsão à repetição de experiências desprazerosas,que ele procura explicar com recurso a um novo dualismo pulsional: pulsão de vida x pulsão de morte(Freud, 1920/2011).
A partir do momento em que houve a constatação da compulsão à repetição de experiências desprazerosas e do narcisismo com o retorno da libido ao Eu, foi possível verificar que há no sujeito uma força no sentido do desprazer. Por isso, houve uma passagem, a oposição das pulsões do Eu e das pulsões sexuais deu lugar às pulsões de vida e pulsões de morte. A primeira buscando uma renovação e a segunda tentando levar o que é vivo para algo anterior à morte (Rudge, 1999).
Freud (1920/2011) tenta fundamentar esses novos conceitos em um estudo de August Waksman (1834-1914) sobre a soma e as células germinais. Localiza o tema da morte e da vida nos organismos, mostrando que uma parte é mortal e a outra imortal na substância viva. A primeira seria o corpo ou o soma; e a segunda, o gérmen, a parte imortal, tendo a possibilidade de se desenvolver em um novo individuo.Parte do organismo, o gérmen, pode coincidir com as pulsões de vida ao passo que o soma coincide com a pulsão de morte, observando não é a substância viva, e sim as forças que opera. A pulsão de morte é algo desestruturado e descontrolado. Por isso, Freud diz que é "Além" do princípio do prazer. Freud fez essa elaboração depois da Primeira Guerra Mundial, quando percebeu toda violência tomando conta da ciência e viu uma pulsão agressiva e destrutiva (Rudge, 1999).
Como apresentado, a compulsão à repetição pode se manifestar em análise e ser vista como resistência, pois o que é trazido repetidamente está escondendo algo de desaprazer que o sujeito não está suportando, algo que está recalcado (Rudge, 1999). O que ocorre é que o Supereu resulta do sentimento de culpa e da necessidade de autopunição, e se opõe a qualquer movimento para o sucesso em análise (Rudge, 1999). O Supereu estará ligado inseparavelmente à pulsão de morte, pois o sentimento de culpa e de punição, que surgem das manifestações de tensão entre o Eu e o Supereu, são representantes da força da pulsão de morte, que é psiquicamente ligada pelo Supereu, e assim se torna reconhecível(Rudge, 1999).
Os impulsos que caracterizam a pulsão de mortenão podem ser dirigidos para fora devido às exigências sociais. Podemos chegar à conclusão de que, pelo aumento da pressão do Isso sobre o Eu, ele se torne o objeto de descarga dessas exigências acumuladas. Sendo assim, tais intenções acabam acionando o Supereu, que, pelo comando do Isso e diante da necessidade de descarga acumulada, pode se apropriar de impulsos agressivos que não foram investidos no mundo externo e voltá-los contra o eu (Costa, 2008).Ao anunciar a pulsão de morte, mostrando que essa energia tem uma ordem de destrutividade ao objeto e se manifesta junto ao Eu e ao Supereu, nota-se, então, que o Supereu herda sua severidade de toda essa força.
Com a prescrição da nova dualidade descrita na obra Além do princípio do prazer (1920), ao apresentar o conceito de pulsão de morte e de repetição, construindo subsídios para o impasse posto pela instância egoica no artigo sobre o narcisismo, Freud foi levado a reformular a hipótese do aparelho psíquico. Três anos mais tarde, em O Eu e o id, Freud (1923-1925/2011) apresenta o Supereu como umadas três instâncias psíquicas. Ocorrem, então, algumas mudanças. Na primeira tópica, o Eu era reconhecido por Freud como a função de uma consciência ligada a uma censura, ou seja, o recalque de todos os representantes das pulsões para o inconsciente.Freud sempre desenvolvia seus conceitos a partir de análises, vendo a forte resistência de seus pacientes. Essemotivo leva Freud a rever sua teoria anterior. Agora, ele pressupõe que o Eu possui uma parte inconsciente (Ponatlis&Leplanche,2001).
Mas, antes de apresentar tal hipótese, é preciso retomar a questão do Eu e Ideal do Eu, postuladas na obra Psicologia de grupo e análise do Eu, que será descrita a seguir.
A diferença entre o Eu e o Ideal do Eu
Por meio da função dos líderes das massas, Freud é capaz de elaborar a distinção do Eu e do Ideal do Eu. Ele observa a questão de que as relações amorosas constituem a essência da alma das massas. Desse modo, enfatiza a função de um líder na massa. Com isso, Freud começa a distinguir entre as massas desprovidas de um líder, que são espontâneas, próximas do estado natural, e as massas dotadas de um líder, chamadas massas artificiais,produtos da cultura (Roudinesco&Plon,1998),sendo elas: igrejas e exército. Nesse caso, não há escolhas para se ingressar ou não na massa. Caso a pessoa deseje abandonar a massa, pode ser perseguida e sofrer punições (Freud,1920/2011).
Ao ligar as massas ao líder, Freud (1920/2011) identifica que a igreja, propriamente católica, tem como líder Jesus; no caso do exército, um comandante. Essas massas são, portanto, construídas a partir de correções, nas quais criam obstáculos à sua dissolução espontânea.Os dois exemplos mostram a natureza amorosa dos laços. O líder (Jesus ou o comandante) ama todos os membros da massa com o mesmo amor. Se há uma desagregação da massa, surge um momento de pânico, quando se misturam sentimentos de solidão e pânico. Pontua, então, que pode haver um sentimento de hostilidade, ou até mesmo ódio, por aqueles que não são membros da massa, o que pode representar perigo para sua coesão (Roudinesco&Plon,1998).
Se o líder é indispensável a todas as manutenções da massa, esse líder posse ser substituído seja por uma ideia ou por um sentimento negativo. Essa observação simplesmostra o caráter libidinal dos vínculos que constituem a massa (Roudinesco& Plon,1998).Ao chegar a esse ponto da discussão, Freud é levado a voltar a um estudo anterior, Introdução ao Narcisismo (1914),para elaborar agora a real distinção entre o Eu e o Ideal do Eu.
Freud (1920/2011) discute sobre a forma primitiva da sociedade humana, que eragovernada por um macho poderoso. Essa citação é do textoTotem e Tabu (1920). Assim, chega à conclusão de que a psicologia individual é mais antiga que a das massas e que desde o princípio houve essas duas psicologias: a dos membros individuais das massas e as de pai, chefe ou líder. Os membros do grupo eram sujeitos a todos os vínculos, como o pai da horda era livre de todos os seus atos e independentes,pois nenhuma de suas vontades necessitava de reforço de outros.Desse modo, Freud conclui que seo Eu possuía vínculos libidinais, amava somente a si mesmo ou as pessoas que atendiam às suas necessidades.Mas o pai da horda não era imortal. Logo, poderia ser substituído por um filho mais jovem, que até então estava separado da massa. O pai da horda impedia que seus filhos pudessem satisfazer todo impulso sexual e ter laços emocionais com ele e com outros, levando-os à psicologia das massas (Roudinesco&Plon,1998).
Seguindo esse raciocíniode que olíder da massa é o pai temido primevo, os membrosaindadesejam ser governados e possuem uma grande paixão por essa autoridade. Para Freud(1920/2011):"[...] o pai primevo é o ideal do grupo, que dirige o Eu no lugar de Ideal do Eu" (p. 131).Cada pessoa é devidamente parte de um grupo. Suas identificações ao líder constrói oseuideal do eu.
Assim, pode haver identificaçõesem inúmeras mentes grupais referentes ao líder, como exemplo: de sua raça,classe,nacionalidade etc. Dessa maneira, é possível que o sujeito abandone seu ideal do eu e o substitua pelo ideal das massas.
A escolha do líder pode ser essencial, pois,para muitos sujeitos, a separação entre o Eu e o Ideal do Eu não é muito desenvolvida. Na escolha do líder, é possível ver as qualidadestípicas que o sujeitovê, se interessado de forma clara e pura, necessitando somentede maior liberdade da libido (Freud, 1920/2011).Sendo assim,para a explicação da estrutura libidinal dos grupos, distingue o Eu do Ideal do Eu, uma espécie de vínculo que possibilita esse processo da identificação e da colocação do objeto no lugar do Ideal do Eu (Freud, 1920/2011).Nesse momento, Freud começa a estabelecer que o Eu aja propriamente com suas escolhas libidinais para com o Ideal do Eu.
Assim, Freud (1920/2011) vê que a separação do Eu do Ideal do Eu está próxima, visto que, para todas as renúncias e limitações impostas ao Eu, é registrada uma infração periódica da proibição vista como regra. Freud (1920/2011) descreve que todo processo do Ideal do Eu abrange todas as limitações que o Eu deve seguir. Há sempre uma sensação de esplendorquando coincide algo no Eu e no Ideal do Eu. E o sentimento de culpa pode ser entendido como um momento crítico entre o Eu e oIdeal do Eu.
Freud (1920/2011) cita a melancolia para exemplificar a separação das duas organizações psíquicas, dizendo que o estado melancólico poderia ser um conflito entre duas instâncias do Eu, em que o Ideal do Eu poderia ter uma parcela de culpa no sentido da depreciação. A suposição é que um objeto perdido é novamente estabelecido no Eu como um investimento objetal que é substituído por uma identificação.Sendo assim, Freud abandona o Ideal do Eu para dar lugar há uma nova instância psíquica junto ao Eu. Começa a estabelecer um conjunto de novasações psíquicas, pois as instâncias da primeira tópica ficaram insuficientes na prática analítica. A primeira tópica era constituída pelo Consciente, Pré-Consciente e Inconsciente.Apesar de Freud em 1923 ter postulado a segunda tópica, as instânciasda primeira tópica continuam a existir, especificamente, fazendo parte de todas as instâncias da segunda. A segunda tópica é composta pelas instâncias Eu, Isso e Supereu. Freud a apresentou em seu trabalho de1923 e em sua conferência de 1932.
A primeira instância da segunda tópica formulada por Freud foi o Eu, visto que já vinha sido trabalhada em vários ensaios, principalmente ao perceber que essa instância também tinha uma organização inconsciente. É ligada à consciência e denomina a descarga das excitações no mundo externo. É essa instância que tem por objetivo exercer o controle em todos os seus processos parciais (Freud, 1923/2011).
Em 1932,Freud,em sua conferência, disse que oEu pode se tornar seu próprio objetoe tem a autoridade de se observar e de se criticar. Temuma parte que se divide, ficando contra a parte restante. Pode ser dividido em várias funções pode se juntar novamente. Sua função é de auto-observação e é dividido entre o Isso e o Supereu.
O Isso é totalmente inconsciente e pode ser descrito como um contraste ao Eu. Suas necessidades são totalmente pulsionais. Não há uma organização, nem expressão de uma vontade coletiva, somente a busca pela satisfação das necessidades pulsionais, ligada ao princípio do prazer. É uma instância acima de tudo, uma lei da contradição. O Isso não reconhece julgamento de valores. Arelação do Eu com o mundo exterior tornou-se decisiva para o Eu, pois temo objetivo de apresentar o mundo exterior para o Isso, este que não poderia fugir da destruição, pois sempre visa àsatisfação de suas pulsões. Nesse caminho, o Eu deve observar o mundo externo e estabelecer uma maneira de manter sua organização, excluindo do mundo externo toda fonte interna de excitação. Desde então, o Eu destrói o princípio de prazer, denominado curso de eventos do Isso, e o substitui pelo princípio da realidade (Freud, 1932/2011).
O Supereu como terceira instância da segunda tópica
Na obra freudiana, o Supereu é tido como "a carta de ingresso do sujeito" (Gerez-Ambertín, 2003, p.59) em nossa cultura e, assim, também o herdeiro do complexo de Édipo. Quando há dissolução do complexo de Édipo, o que ficará na organização psíquica é uma identificação com o pai e umaidentificação coma mãe. No caso da identificação com o pai, será mantido o objeto materno do complexo positivo, que ocorre ao mesmo tempo substituindo o objeto paterno do complexo contrário. Sendo assim, as coisas se assemelharão com a identificação com mãe. Ao fazermos esta análise, é possível supor que o resultado da fase sexual dominada pelo complexo de Édipo é um precipitado do Eu. Essa alteração do Eu, que faz com que essas identificações se ajustem uma a outra, conserva sua posição especial, surgindo um conteúdo restante do Ideal do Eu ou do Supereu (Freud, 1923/2011).
O papel que desempenha o Supereu é o poder externo da autoridade dos pais. Pode haver influências dos pais com ameaças de castigos etambém concedendo provas de amor. Quando a coerção é externa, ela é internalizada e o Supereu adquire o lugar da instância parental, que observa, dirige e ameaça o Eu exatamente da mesma forma como faziam os pais. Fica, então, em seu lugar, sendo seu herdeiro. Ao olhar a maneira como age o Supereu, parece ter herdado apenas a severidade e a rigidez dos pais, com toda sua função punitiva e severa. Quanto aos cuidados, não parecem ter sido assimilados, tratando-se de uma internalização do Supereu dos pais (Freud, 1932/2011).Por isso, ao abandonar o complexo de Édipo,a criança renuncia a intensas catexias objetais que depositou nos seus pais. Para compensar essa perda é que existe uma intensificação tão grande das identificações com os pais (Freud, 1923/2011).
O Supereupode ter alto grau de autonomia. Freud ainda afirma que pode agir, sendo severo ecruel em relação ao Eu e exemplificando com o estado melancólico, em quese torna supersevero, insulta, humilha e maltrata o Eu. Age de forma impulsiva, como se tivesse acumulando acusações, afim de proceder com um julgamento condenatório. Assim,aplica ao Eu o mais rígido padrão moral e apresenta a ele todas as exigências morais enquanto o Eu fica à mercê de toda sua crueldade. Para Freud, o sentimento de moral de culpa é a expressão de tensão entre o Eu e o Supereu (Costa, 2008).
Podemos imaginar uma sessão de julgamento em que o Eu é o jurisdicionadoe o Supereu, a lei. O Supereu funcionará como juiz, examinando a conduta do Eu em relação ao comando imposto pela norma do Supereu (Costa, 2008).Seguindo essa linha deraciocínio, podemos também concluir que a severidade do Supereu, chegando a alcançar a tirania,pode estar ligada ao fato da introjeção dos imperativos morais impostos ao sujeito. Quanto mais o sujeito fica a preso a essas normas, mais implacável é o seu Supereu ao julgar seu réu: o Eu (Costa, 2008).
O Supereu não é simplesmente resíduo das primeiras escolhas objetais do Isso.Ele conserva o caráter do pai. Quanto mais forte foi o complexo de Édipo, mais severo será o Supereu. Com influência de autoridade, ensino religioso, escola etc., ocorre seu recalque. Este terá domínio sobre o Eu como consciência moral ou talvez como inconsciente sentimento de culpa (Freud, 1923/2011).
Nesse ponto de discussão do Supereu, Freud cita em seu texto uma hipótese de que o Supereu possa agir,às vezes, como um Imperativo Categórico. Ele não cita Kant, somente seu conceito: "[...]apresentareiuma conjectura acerca de onde ele tira forças para esse domínio,o caráter coercivo que se manifesta como imperativo categórico" (Freud, 1923/2011, p. 32).
Com toda discussão feita até o momento, podemos começar a estabelecer a relação dos dois conceitos. Já podemos imaginar, por todos os dados epistemológicos do Supereu postulados aqui, os quais nos sugerem que a herança que o Supereu traz, revela talvez o motivo para Freud estabelecer a relação com o conceito de Imperativo Categórico. Se olharmos que o Imperativo nos traz uma ação de lei, ou seja, "age", podemos ver que o Supereu é herdeiro de uma lei vinda externamente, que também impele uma ação, mas uma ação que o Eu nunca está à altura de executar.
Vejamos. OSupereu é o herdeiro do complexo de Édipo e possui também fortes expressões dos mais poderosos impulsos e vicissitudes do Isso. Ao instituir esse Supereu, o Eu dominou o complexo de Édipo. Posteriormente, colocou-se em sujeição ao Isso. Sendo assim, o Eu fica como representante do mundo externo, da realidade, ao passo que o Supereu coloca-se em contraste com ele, como representantedo mundo interno com o Isso. Entra em cena a oposição entre real e psíquico, mundo exterior e mundo interior. Todo juízoque foi feito ao comparar o Eu com seu ideal produz um sentimento religioso. No desenvolvimento do sujeito, tanto professores como autoridades levamadiante o selo do pai. Suas funções e proibições continuam poderosas no Supereu. Agora, exercem censura moral como consciência. Todos os sentimentos sociais se associam com identificações emoutras pessoas com base no mesmo Ideal do Eu (Costa, 2008).
O estudo de Totem e Tabu foi adquirido filogeneticamente no complexo paterno, em que destacam a "religião e limitação ética, pelo domínio sobre o complexo de Édipo mesmo; os sentimentos sociais, pela obrigação de superar a rivalidade restante entre os membros da nova geração" (Freud, 1923/2011, p.35). Em todo esse percurso de conquistas éticas, o homem parece ter tomado a frente. Ao longo do tempo, estendeu-se também para a mulher.
Não é difícil pensarmos no ingresso do indivíduo no mundo da cultura por meio de introjeção das leis que a instituem.Podemos pensar que o lado mais obscuro e devastador do Supereu é visivelmentevisto com mais frequência em prejuízo daqueles indivíduos de conduta moral mais pura, que se comportam conformeos preceitos da civilização a que pertencem. O Supereu é o responsável por toda conformação do sujeito aos ideais culturais. É,portanto, o mais rígido. É o ordenamento moral da cultura sob o qual se forja o Supereu. Sendo assim, mais severas serão as normas a que o Eu estará subordinado a partir do ideal que o norteia e, por conseguinte, a todos os julgamentos graves que o Supereu impõe (Costa, 2008).
O Supereu e o Imperativo Categórico
O estudo mostra que a premissa do Imperativo Categórico "age de tal maneira que a máxima de tua vontade passa sempre a valer ao mesmo tempo como princípio de uma lei universal" (Kant, 1788/2003, p. 47), o que é impossível para nós, seres humanos, com nossa individualidade. O Imperativo Categórico, quando constitui leis morais, determina a vontade a priori, para um modo objetivo e universal, sem esperanças de algo material e subjetivo. Entretanto, por mais que seja uma premissa impossível em si, vale salientar uma parte de seu fundamento que a lei, a postulação da lei que diz "Age".
A lei que manda cumprir um dever moral determina o sentimento de respeito como sendo subjetivo. Surge a partir de uma lei de seu fundamento e por respeito à lei moral, fazendo dos princípios a priori o determinante de sua vontade. Assim, fica determinado o fundamento que caiba à sua vontade. Desse jeito, procede a uma seleção de máximas materiais que nos leva a escolher aquela que melhor corresponda à lei que ordena. Cumprir um dever mediante comportamentos que possamse valer de uma condição universal equivale não a um interesse próprio, mas sim porque a lei moral manda (Xavier, 2009).
Quanto ao conceito freudiano do Supereu, podemos ver que foi uma instância que não nasceu pronta e fizemos alguns passos fundamentais do percurso freudiano até sua formulação final. Neste caminho, foi possível observar que Freud não usou propriamente o conceito de Imperativo Categórico para a formulação do Supereu, uma das questões formuladas incialmente.No entanto, Freud cita o Imperativo Categórico sem mencionar Kant.
. Vejamos. OSupereu é tido por Freud, logo após o declínio do complexo de Édipo, como seu herdeiro. No início, Freud postula o Ideal do Eu dizendo que são escolhas narcísicas de um amor primordial perdido e que o sujeito tenta de alguma forma repor esse objeto perdido em forma de ideal. Mas o Eu não dá conta de conceber todos os desejos que o Ideal do Eu exige. Vemos que há uma separação entre o Eu do Ideal do Eu e o surgimento de uma instância que começa a fazer exigências ao Eu. Formula-se, assim, a terceira instância da segunda tópica como uma instância crítica.
Quando Freud diz que o Supereu é herdeiro do complexo de Édipo, este herda uma herança cultural, deixando-o responsável por monitorar o Eu e fazendo exigências como uma lei, como a instância paterna, que pode, muitas vezes, punir o Eu. Por exemplo, a culpa segue como uma instância rigorosa que impõe por toda regra passada pelo peso social moral. Por ser tão incisivo, até mesmo cruel, um representante da lei, o Eu permanece submisso ao Supereu. Para Freud (1923/2011), assim como a criança esteve um dia à mercê de obedecer a seus pais, o Eu se submete ao Imperativo Categórico do Supereu.O Eu obedece ao Supereu como obedecia aos seus pais, como forma de um imperativo e compulsivo. Pode punir o Eu com toda sua ira, sem que o eu compreenda a real razão, porém sente-se culpado por algo desconhecido. Quando aparecem algumas divergências entre a censura moral do Supereu e o desempenho do Eu, surge o sentimento de culpa.
Podemos concluir que Freud, ao mencionar o Imperativo Categórico, fornece uma diretriz para mostrar o funcionamento psíquico do Supereu na ordem da lei justamente pelo fato de a ação do Imperativo Categórico ser de ordem moral universal, que faz com o sujeito se submeta às leis morais sociais, tal como internalizadas, impossíveis à singularidade irredutível de seu desejo. Podemos fazer um ligamento ao fato de o Supereu agir também como uma herança cultural regida pela lei moral. Desse modo, os dois conceitos têm uma fórmula que faz o sujeito agir conforme ordena suas leis sociais.
Por todo progresso tido no trabalho, a investigação mostra que o Imperativo Categórico é impossível. A entrada do sujeito na cultura faz com que ele aja mediante as leis que o regem. É destinado a cumprir subjetivamente cada ordem imposta pelo meio social em que vive, passado de geração a geração. Nessa visão, não há como seguir moralmente uma lei universal como ordena o Imperativo Categórico.Sendo assim, ao que remete as ordens e mandamentos do Supereu, torna-setambém impossível. É insuportável para o Eu seguir todas as regras vindas do Supereu. Não há como esse Eu obedecer à voz do Supereu, pois nunca será suficiente para este. O Supereu ordena incansavelmente, mas,uma vez não realizados esses desejos do Supereu, o que resta para o Eu é a culpa, nesse caso, que se manifesta nas neuroses que emergem na clínica.Culpa por fazer, repetir e não dar conta de se submeter a essas ordens tão cruéis que o Supereu remete ao sujeito.
Refazer o percurso freudiano de elaboração do conceito de Supereu conduz à formulação de algumas questões mais específicas e marginais ao estudo freudiano, mas extremamente caras à clínica, como o estatuto singular do Supereu na mulher, visto que sua passagem e especialmente sua saída do complexo de Édipo, do qual o Supereu é herdeiro, constitui-se para Freud como um problema. Coloca-se, ainda, a questão do Supereu na psicose, uma vez que o complexo de Édipo não se constitui da mesma forma que na neurose.
Resta destacarmos o estatuto fundamental do Supereu na economia psíquica e seu papel na clínica. Essa instância emerge sua voz em meio à culpa dolorosa ao sujeito e muitas vezes aparece para deslocar um conteúdo causador da angústia, cobrindo com conteúdos vazios ou saídas rápidas, pois é mais agradável ao sujeito, mas não inalcançável.
Referências
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Recebido/Received: 17.06.2015/06.17.2015
Aceito/Accepted: 17.09.2015/09.17.2015
1 Projeto desenvolvido pela FAPEMIG intitulado:O Imperativo Categórico e o Superego:Uma reflexão sobre o sentido da apropriação do conceito Kantiano Imperativo Categórico na Formação do Superego.
2 O recalque designa o processo que visa a manter no inconsciente todas as ideias e representações ligadas às pulsões e cuja realização, produtora de prazer, afetaria o equilíbrio do funcionamento psicológico do indivíduo, transformando-se em fonte de desprazer (Roudinesco&Plon, 1998, p. 661).