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Analytica: Revista de Psicanálise

versão On-line ISSN 2316-5197

Analytica vol.8 no.14 São João del Rei jan./jun. 2019

 

ARTIGOS

 

"Era uma vez...": a importância da fantasia para o desenvolvimento psíquico

 

"Once upon a time...": the importance of fantasy for psychic developmente

 

'"Érase una vez...": la importancia de la fantasía para el desarrollo psíquico

 

 

Fernanda Marinho MatteI; Fernanda FacchinII

IPsicóloga e especialista em psicoterapia de orientação psicanalítica da infância e da adolescência pelo Ceapia
IIPsicóloga. Mestre em Psicologia Clínica. Especialista em Terapia Sistêmica. Psicoterapeuta

 

 


RESUMO

O presente artigo aborda a importância da fantasia como realidade psíquica, como um dispositivo para o maravilhoso, resolutiva de conflitos, constitutiva de identidade, criadora de espaços psíquicos tão reais e potentes quanto a dita realidade da vida. Além disso, trata da seriedade dos contos de fadas, já que estes oferecem às crianças um meio de alcançarem esse elemento maravilhoso e elaborarem seus conflitos. Há um consenso entre os psicanalistas de que a fantasia não é só um lugar na psique onde os desejos se realizam, mas que ela é também o combustível interno de cada ser humano, necessária para a elaboração de vivências e conflitos, tendo sua origem na sexualidade infantil. O trabalho teve como objetivo realizar uma revisão bibliográfica, entre elas teses e dissertações, a respeito da importância da fantasia e sobre o auxílio dos contos de fadas para o desenvolvimento psíquico, pontuando suas características e diversidades.

Palavras-chaves: Fantasia. Realidade psíquica. Contos de fadas.


ABSTRACT

This article discusses the importance of fantasy and psychic reality, as a device for the wonderful, resolving conflicts, constitutive of identity, creator of psychic spaces as real and powerful as the actual reality of life. Furthermore, the seriousness of this fairy tale, as they offer children a means of achieving this element wonderful and elaborate their conflicts. There is a consensus among analysts that fantasy is not only a place in the psyche where wishes come true, but she is also the internal fuel of every human being, necessary for the elaboration of experiences and conflicts, having its origin in sexuality child. The study aimed to review literature including theses and dissertations about the importance of imagination and the help of fairy tales for the psychic development, pointing out their features and diversities.

Keywords: Fantasy. Psychical reality. Fairy tales.


RESUMEN

En este artículo se analiza la importancia de la fantasía y la realidad psíquica, como un producto por las maravillosas conflictos, resolviendo, constitutivos de la identidad, creador de espacios psíquicos como real y potente como la verdadera realidad de la vida. Por otra parte, la gravedad de este cuento de hadas, ya que ofrecen a los niños un medio para lograr este elemento maravilloso y elaborar sus conflictos. Existe un consenso entre los analistas de que la fantasía no es sólo un lugar en la psique donde los deseos se hacen realidad, pero también es el combustible interno de cada ser humano, necesario para la elaboración de experiencias y conflictos, que tiene su origen en la sexualidad niño. El objetivo del estudio fue revisar la literatura incluyendo tesis y disertaciones acerca de la importancia de la imaginación y la ayuda de los cuentos de hadas para el desarrollo psíquico, señalando sus características y diversidades.

Palabras clave: Fantasía. La realidad psíquica. Cuentos de hadas.


 

 

Introdução

Ao abrir um dicionário de língua portuguesa (Bueno, 2000) para verificar o significado do termo "fantasia", encontra-se como sinônimos: imaginação, ideia ou até capricho. Popularmente esses significados também são aceitos, visto que para milhares de pessoas fantasia é um lugar na imaginação onde tudo é possível e ideal, um lugar onde há sonhos, mesmo que alguns deles sejam impossíveis. Contudo, para a Psicanálise, essa é apenas uma das faces da fantasia.

Radino (2003) explica que a fantasia é o combustível interno do sujeito, já que desde o nascimento elas são criadas para possibilitar a sobrevivência psíquica e são necessárias para que se possa dominar as angústias e realizar os desejos, além de tornar possível a nomeação, projeção e externalização dos medos. A fantasia e a realidade caminham juntas, porque nesse contexto a realidade mencionada é a realidade psíquica, a qual é tão importante quanto qualquer outra realidade, uma vez que a fantasia é a verdade do sujeito.

Freud (1908/2006) ilustra que as fantasias estão sempre ligadas à sexualidade infantil e que o ato de fantasiar do adulto pode ser comparado ao ato de brincar da criança, tendo como diferença o fato de que a criança, ao brincar, expressa seus desejos livremente, ao contrário do adulto, que tem vergonha de suas fantasias por elas serem de origem infantil e, por isso, proibidas. Além disso, ele afirma que é dessa fonte fantástica que o escritor criativo retirará o material para criar suas histórias: da lembrança de uma experiência anterior, possivelmente de sua infância, cuja origem se dá no desejo.

Logo, muito desse elemento maravilhoso pode ser encontrado nos contos de fadas. Schiller (apud Bettelheim, 2007) afirma que há um significado mais profundo nos contos de fadas contados na infância do que na verdade que a vida ensina. Por isso, os contos possibilitam a projeção de fantasias inconscientes e universais que são produzidas há milênios pela humanidade, exercendo uma importante função na construção simbólica do infante. Os contos de fada, por serem uma das primeiras experiências de encontro com a fantasia, têm o poder de simbolizar e de resolver os conflitos do inconsciente que dizem respeito às crianças, já que eles falam dos ganhos e perdas de crescer e entrar no mundo adulto (Dieckmann, 1986). Um dia Peter Pan disse que quando uma criança afirma que não acredita em fadas, uma fada morre, já quando um adulto fala que a fantasia de uma criança não existe e tenta trazê-la precocemente ao mundo racional, mata não só uma fada, mas parte da infância (Radino, 2003).

 

Fantasia: realidade psíquica e fonte de imaginação

Minha realidade é fantástica, assim como minha fantasia é real. (George Jeans apud Radino, 2003)

O mundo fantástico sempre foi uma fonte de interesse para milhares de seres humanos. Estudiosos buscam saber a sua procedência. Artistas o usufruem e criam a partir dele. Crianças brincam e adultos sonham por causa dele. A fantasia é o sinônimo de imaginação, de pensamento ou de ideia. Fantasia é um capricho. Fantasia é o oposto da realidade externa. Fantasia é a realização de um desejo.

As fantasias existem, segundo Nasio (2005), porque temos desejos profundos que agitam o nosso ser e que precisam ser satisfeitos imediatamente, independentemente da realidade externa. Logo, elas têm como função substituir uma satisfação real impossível por uma satisfação fantasiada possível, saciando o desejo parcialmente no inconsciente. Assim, o prazer que não pode ser encontrado no mundo real pode ser satisfeito no jogo da fantasia (Freud, 1908/2006).

Freud (1908/2006) explica que as fantasias têm como origem o desejo, ou seja, tem como fonte uma marca mnêmica ligada às primeiras vivências de satisfação que se encontram no inconsciente e por isso são regidas pelo princípio do prazer e pelo processo primário. E esse desejo que brota da vida psíquica tem uma relação estreita com a sexualidade infantil, pois a infância é permeada pelo imaginário. As crianças têm como ocupação favorita o brincar, e quando o fazem criam um mundo próprio, ou melhor, reajustam as informações da realidade externa da forma que mais lhes agrade. Além disso, os infantes levam a sério esse mundo que criam, provando que a antítese do brincar, e consequentemente da fantasia, não é o sério, mas o real. Logo, a diferença entre o comportamento da criança que brinca e do adulto que fantasia é explicada pelos motivos dessas duas atividades, que são vinculadas umas nas outras. O brincar é determinado por desejos (como o de ser adulto) e é expresso livremente pelo infante, já o fantasiar é escondido da sociedade, sendo o bem mais íntimo de um ser humano, entretanto, não são expressas em virtude da vergonha sentida. Dessa forma, quando a criança cresce, para de brincar e assim substitui essa atividade pelo ato de fantasiar, uma vez que nenhum ser humano consegue abdicar de um prazer que já lhe foi proporcionado (Freud, 1908/2006).

Ao mesmo tempo em que se sabe que a fantasia tem sua origem na infância, não se pode supor que os produtos dessa atividade imaginativa (as diversas fantasias, os famosos castelos no ar e os devaneios) sejam estereotipados ou inalteráveis. As fantasias têm uma relação importante com o tempo, pois em cada etapa do desenvolvimento há uma diferente que predomina o imaginário. Logo, o que se cria contém os fios do presente (o acontecimento desencadeante de desejo), do passado (a lembrança da satisfação) e do futuro (o devaneio propriamente dito) entrelaçados pelo desejo que os une.

Dessa forma, as fantasias podem se apresentar sob diversos tipos: como sonhos diurnos ou devaneios, como fantasias inconscientes, ou ainda como fantasias originárias. As últimas são comuns a todos os seres humanos e dizem respeito às primeiras estruturas fantasísticas que dão origem à vida psíquica, como a fantasia da vida intrauterina, a da cena originária, a da castração e a da sedução.

As fantasias inconscientes são as que regem o aparelho psíquico, sendo denominadas como realidade psíquica, pois são uma forma de existência especial que não pode ser confundida com a realidade material, visto que trata fundamentalmente de conteúdos inconscientes (Laplanche & Pontalis, 2004). Quanto aos sonhos diurnos, esses são caracterizados pelo estado de "sonhar acordado", ou seja, estado de vigília, no qual se realiza conscientemente os desejos. Os devaneios podem ser comparados aos sonhos noturnos, já que os sonhos nada mais são do que fantasias de realização de desejos. Além disso, os dois utilizam os mesmos mecanismos de formação, ainda que nos devaneios a lógica dessa realização de desejos seja mais coerente do que nos sonhos noturnos (Freud, 1900/2006).

Além disso, é o ego, segundo Freud (1908/2006), que vive todas as fantasias e histórias, uma vez que essa instância intervém justamente entre a realidade externa, superego e o id, tornando a fantasia nada menos do que o reino intermediário que se inseriu entre a vida segundo o princípio do prazer e a vida segundo o princípio da realidade (Freud, 1900/2006).

Logo, a fantasia nada mais é do que uma encenação no palco do psiquismo, na qual o enredo da trama é a satisfação de um desejo que não pôde ser saciado na realidade.

 

Contos de fadas: os contos que nos contam

Uma vida se faz de histórias: a que vivemos, a que contamos e as que nos contam. (Corso & Corso, 2006)

A origem dos contos de fadas é incrivelmente remota, pois se sabe que no antigo Egito um pequeno faraó adorava o conto de um casal de irmãos gêmeos, Anpu e Bata, ou que na Grécia mitológica Esopo deu vida humana a animais em suas fábulas, como na famosa história da "A tartaruga e a lebre". Mais tarde Sherezade veio para narrar aventuras de diversos heróis, como Ali Babá e os quarenta ladrões ou Aladim e a lâmpada maravilhosa, preservando sua vida por mil e uma noites do terrível Xhariar (Coelho, 2008). Os contos de fadas não eram destinados a crianças, pois elas não tinham na sociedade um lugar demarcado como nos dias atuais, já que a infância, como fase do desenvolvimento, não existia. Os contos eram narrados em rodas, por homens que queriam passar a noite acordados, superando a fome capaz de aniquilar vidas diariamente e nomeando seus medos enquanto lobos uivavam na floresta. Homens que não se preocupavam com a moral no fim da história nem com o simbolismo desta (Kehl apud Corso & Corso, 2006). Foi somente no século XVIII, na França, que essas transmissões orais começaram a tomar a forma dos contos de fadas clássicos.

Os celtas, povo que vivia em clãs ou tribos, também contribuíram para a criação desses contos maravilhosos, pois acreditavam que as fadas eram seres que cuidavam do destino de cada ser humano, como as Parcas da antiga Grécia, ou que seus heróis tinham poderes divinos, como O Poderoso Finn. O Mal era encarnado por antifadas, ou bruxas, seres que sempre simbolizaram a dualidade feminina (Coelho, 2008). Graças aos celtas, milhares de elementos mágicos foram acrescentados aos contos de fadas, como os duendes e gnomos, ou os espíritos travessos que assustam crianças durante a noite e pregam peças em adultos durante o dia. Além disso, são de origem celta as histórias em que o tema central se dá na união do cavalheiro com sua amada, depois de passaram por obstáculos causados por alguém maléfico, como no conto da Branca de Neve ou da Bela Adormecida.

Contudo, o primeiro a escrever para crianças foi Charles Perrault (1628-1703), que, na França, criou histórias que, de forma lúdica e simbólica, passavam valores morais para o infante, como obediência aos pais na narrativa da Pequena Sereia ou o poder da curiosidade com a esposa do Barba Azul. Mais tarde, em 1756, também na França, Jeanne-Marie Leprince de Beaumont (1711-1780), a partir de diversas narrações de moças obrigadas a se entregarem a noivos animais, publicou o famoso conto "A Bela e a Fera". Todavia foram os alemães Jacob (1785-1863) e Wilhelm (1786-1859), os consagrados Irmãos Grimm, que transformaram os contos de fadas em uma leitura popular. Foram eles que descobriram um fantástico acervo de narrativas populares e criaram o que conhecemos hoje como a Literatura Clássica Infantil (Coelho, 2008). A menina conhecida por seu capuz vermelho, ou os irmãos João e Maria, que se perdem na floresta onde habita uma bruxa em sua casa de doce, ou ainda a história da princesa que precisa beijar um sapo para encontrar um príncipe são exemplo de contos desses dois irmãos.

Além deles, um dinamarquês completaria a coleção de contos clássicos infantis. Hans Christian Andersen (1805-1875) escreveu sobre os ideais românticos, os valores populares, os ideais fraternos, a exaltação da sensibilidade, além da injustiça social e do egoísmo em seus contos (Coelho, 2008). "O Patinho Feio", "A Princesa e a Ervilha", "A Pequena Vendedora de Fósforos" e "O Soldadinho de Chumbo" são algumas de suas narrativas, que sempre tocam as crianças por não só falarem do mágico e ideal como também da realidade externa.

A criação desses tão diversos, mas igualmente maravilhosos autores que até hoje permanecem, e não por acaso, na vida e no imaginário de cada infante contém uma mensagem, um desafio e um desfecho que cada criança busca ouvir para elaborar determinado momento de sua vida (Bettelheim, 2007). Dessa forma, as narrativas permanecem por desempenharem uma função edificante no crescimento, na elaboração de conflitos e na psique de cada criança.

Freud (1908/2006) se aventurou a explorar a origem dos contos de fadas, formulando a hipótese de que eles têm como fonte a realidade psíquica, ou, como ele mesmo descreveu, os "motivos humanos", já que estes oferecem representações significativas das vivências do homem. Além disso, Freud percebeu que os contos não são distintos dos sonhos, visto que os dois falam fundamentalmente em uma linguagem simbólica, tendo como uma diferença o fato de que nos contos há elementos universais de toda uma humanidade e que nos sonhos, além desses elementos, há a presença dos desejos pessoais de cada ser humano (Dieckmann, 1986).

Os contos de fadas representam o mundo, unem os sonhos com a vida prática, o imaginário com o real, os ideais com as futuras realizações (Coelho, 2000). Freud (1913/2006) afirma que, para algumas pessoas, eles são tão importantes que não só ocupam um lugar favorito nas lembranças da infância como também os transformam em lembranças encobridoras que podem ser encontradas nos sonhos noturnos dos adultos e na análise. Os contos têm o poder de tocar em pontos da infância que deixaram marcas na vida adulta de todos os seres humanos, como se com um toque da varinha de condão estivéssemos em uma dessas histórias maravilhosas, despejando os desejos mais profundos em cenários de florestas encantadas ou castelos mágicos.

Além disso, os contos abordam conflitos que as crianças não puderam enfrentar diretamente, sendo um mediador para a elaboração psíquica. Eles transmitem, segundo Bettelheim (2007), mensagens simbólicas e significados manifestos e latentes, atingindo todos os níveis da personalidade humana. Além do mais eles não iludem, já que o mal é tão onipresente quanto a virtude, expondo as crianças a todas as dificuldades fundamentais dos seres humanos e possibilitando uma assimilação dos conflitos psíquicos de acordo com os estágios de desenvolvimento intelectual e psicológico em que cada um se encontra (Radino, 2003).

Cada conto evoca uma fantasia principal que está intimamente relacionada com a fase pré-genital que o infante se encontra. A primeira história pela qual uma criança se interessa é de trama simples, sem dramas amorosos ou personagens vingativos, histórias que falam de um lugar acolhedor onde possa se sentir bem-vista e amada. São marcadas pela busca de um lar, como a historieta do pequeno patinho que para todos era considerado feio, até crescer e virar um lindo cisne. Já um pouco maiores a busca por um lugar é substituída pela fantasia de ser devorado ou expulso de casa, empilhando a cômoda ao lado cama com contos como "João e Maria" ou "O Lobo e os Sete Cabritinhos". Aqui o mundo infantil "entra pela boca" e por isso é permeado por contos com personagens famintas ou gulosas, visto que os pequeninos se encontram na fase oral do desenvolvimento (Corso & Corso, 2006).

Já com a entrada na fase fálica, as tramas, que antes eram mais simples, se tornam complexas e repletas de curiosidades sexuais infantis, fantasias de sedução, amor e ódio pelos objetos primários. Agora as narrativas são representantes das fantasias geradas pelas vivências edípicas e por isso tramitam por madrastas invejosas e cruéis, como em "Branca de Neve", ou por pais que ora salvam ora querem desposar a filha ("Pele de Asno"), ora devorar o filho ("João e o Pé de Feijão"). Há contos sobre relações amorosas que ora sofrem pela maldade alheia, como em "Rapunzel", ora que começam com a repulsa de um dos amantes ("A Princesa e o Sapo"). São contos que descrevem de uma forma fantástica os sentimentos, as inquietações, os medos e as dúvidas dessas crianças que passam por tão importante momento do desenvolvimento humano: a diferenciação dos sexos, das gerações e a construção da identidade feminina ou masculina (Corso & Corso, 2006).

Como representantes de todas as experiências universais dos seres humanos é que os contos de fadas exercem uma importante função na construção simbólica do infante, pois eles se constituem da projeção de fantasias inconscientes e universais, e mostram às crianças questões humanas que elas vivenciam, mas que não têm condições de verbalizar. Eles são agentes de transformações e nomeações (Coelho, 2000). Os contos dão forma aos medos e emprestam-se como um cenário de sonhos, aguçando a imaginação e favorecendo o processo de simbolização, tão necessário para inserção à cultura, visto que grande parte dos mecanismos de simbolização podem ser encontrados nos contos de fadas, auxiliando, assim, a criança na aquisição de seu pensamento conceitual e na compreensão e assimilação da realidade externa (Radino, 2003). E por falarem por meio de metáforas, as histórias que são assustadoras podem não ser tão ameaçadoras assim, pois representam situações e símbolos das vivências dessas crianças que as escutam em suas camas antes de dormirem (Alves & Emmel, 2008; Rosa, 2008).

O "era uma vez" é como uma senha para a porta de entrada ao mundo mágico e, por isso, ao escutar a tão famosa frase que abre todos os contos de fadas, o infante sabe que partirá em uma viagem fantástica na qual coisas extraordinárias acontecem e da qual retornará em um "viveram feliz para sempre" (Radino, 2003; Corso & Corso, 2011). As crianças gostam das histórias que iniciam com "era uma vez" porque assim elas conseguem falar delas mesmas sem que essa fala seja direta, tocando em suas questões mais profundas de uma forma lúdica. Já quanto ao "viveram felizes para sempre" mostra que não importa as dificuldades que o herói, ou seja, elas mesmas tenham durante a sua história de vida, no fim tudo dará certo de uma maneira ou de outra. É entre o "era uma vez" e "o viveram feliz para sempre" que a criança se constitui como sujeito.

E é por tudo isso que a Psicanálise sente-se à vontade no terreno das narrativas, afinal, uma vida é uma história e o que contamos dela é sempre algum tipo de ficção, e é certo que se escolhe aqueles enredos que nos falam de perto, mas não necessariamente de forma direta (Corso & Corso, 2006).

 

Considerações finais

O presente estudo teve como finalidade primordial revisar a importância da fantasia e dos contos de fadas para o desenvolvimento psíquico de cada sujeito, mostrando que não existe realidade que não seja intermediada pela fantasia, porque esta é sempre uma versão da verdade. Dessa forma, este trabalho não teve o intuito de esgotar o tema, mas sim contribuir retomando conceitos a fim de aprimorar algumas ideias. Diante disso, notaram-se alguns aspectos que cabem ser salientados nos apontamentos conclusivos.

O primeiro ponto a ser considerado é o entendimento de que as forças motivadoras das fantasias são os desejos não satisfeitos, e que toda fantasia é a realização de um desejo, uma correção da realidade externa, pois é justamente quando a realidade material torna-se frustrante que o sujeito busca em suas fantasias e devaneios a realização de seus desejos. Dessa forma, vemos que a fantasia é muito mais do que um lugar de criação extraordinária, e sim uma representação visual e condensada de todas as tendências do inconsciente.

Além disso, as fantasias se apresentam de diversas formas, como nos sonhos e nas fantasias originárias, ou ainda em mitos e contos de fadas, que são, para Freud (1908/2006), nada mais nada menos do que sonhos seculares da humanidade jovem regados de vestígios distorcidos de fantasias plenas de desejos.

Dessa forma, os contos de fadas são como mediadores entre o mundo interno e a realidade externa da criança, visto que eles falam de todas as vivências humanas e abordam os conflitos que os infantes vivem, contribuindo para a elaboração psíquica. Eles mostram para as crianças que o final feliz de toda história é a superação dos conflitos e a conquista da liberdade, ou seja, que as crianças têm condições de superar e atingir a maturidade e que poderá governar sua própria vida.

Logo, percebe-se o valor que esses dois elementos maravilhosos (fantasia e contos de fadas) têm na constituição psíquica de cada sujeito, e se espera que assim mais contos de fadas sejam lidos e que a fantasia seja vista como a realidade interna do sujeito, e não somente como criatividade.

 

Referências

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