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versão impressa ISSN 2359-0769versão On-line ISSN 2359-0777

Rev. Subj. vol.18 no.2 Fortaleza maio/ago. 2018

https://doi.org/10.5020/23590777.rs.v18i2.7111 

ESTUDOS TEÓRICOS

 

Ficção e memória na clínica psicanalítica contemporânea: uma leitura a partir de Black Mirror

 

Fiction and memory in the contemporary psychoanalytic clinic: a reading from Black Mirror

 

Ficción y memoria en la clínica psicoanalítica contemporánea: una lectura a partir de Black Mirror

 

Fiction et mémoire dans la clinique psychanalytique contemporaine: une lecture à partir de la série télévisée Black Mirror

 

 

Vitor Hugo Couto Triska (Lattes)I; Gustavo Caetano de Mattos Mano (Lattes)II

IPsicanalista, Doutor em Psicologia Social e Institucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
IIPsicólogo, Psicanalista, Mestre em Psicologia Social e Institucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo investiga uma forma específica de sofrimento na contemporaneidade a partir de uma narrativa comum extraível de duas obras: o conto Funes, o memorioso, de Jorge Luis Borges, e o episódio The entire story of you, do seriado televisivo Black Mirror. Em ambos se reconhece um ideal maquínico que, ao reduzir a história a um passado perfeitamente objetivável, promove um rebaixamento da dimensão ficcional que toda narrativa implica e impede a produção de uma verdade singular do sujeito. Analisa-se a relação entre memória e ficção em Freud e Lacan, reconhecendo-se a impossibilidade da realização do ideal maquínico da memória perfeita e permitindo uma diferenciação entre passado e história. Finalmente, propõe-se uma comparação com questões que interrogam a clínica psicanalítica contemporânea, como as patologias baseadas em déficits narrativos, assim como a necessidade da ampliação da diagnóstica psicanalítica para que esta reconheça novas modalidades de sofrimento.

Palavras-chave: psicanálise; literatura; ficção; contemporaneidade.


ABSTRACT

This article investigates a specific form of suffering in contemporaneity from a common narrative extracted from two works: the story Funes, the memorioso, by Jorge Luis Borges, and the episode The entire story of you, from the television series Black Mirror. In both cases, a mechanical ideal is recognized which, by reducing history to a perfectly objectifiable past, promotes a downgrading of the fictional dimension that every narrative implies and prevents the production of a singular truth of the subject. We analyze the relation between memory and fiction in Freud and Lacan, recognizing the impossibility of realizing the mechanical ideal of perfect memory and allowing a distinction between past and history. Finally, it is proposed a comparison with questions that interrogate the contemporary psychoanalytic clinic, such as pathologies based on narrative deficits, as well as the need to expand the psychoanalytic diagnosis so that it recognizes new modalities of suffering.

Keywords: psychoanalysis; literature; fiction; contemporaneity.


RESUMEN

Este trabajo investiga una forma específica de sufrimiento en la contemporaneidad a partir de una narrativa común extraíble de dos obras: el cuento Funes, el memorioso, de Jorge Luis Borges, y el episodio The entire story of you, de la serie televisiva Black Mirror. En ambos es reconocido un ideal maquínico que, al reducir la historia a un pasado perfectamente deseable, promueve una rebaja en la dimensión ficcional que toda narrativa trae consigo e impide la producción de una verdad singular del sujeto. Se analiza la relación entre memoria y ficción en Freud y Lacan, reconociéndose la imposibilidad de la realización del ideal maquínico de la memoria perfecta y permitiendo una distinción entre pasado e historia. Por fin, se propone una comparación con cuestiones que interrogan la clínica psicoanalítica contemporánea, como las patologías basadas en déficits narrativos, como también la necesidad de la ampliación del diagnóstico psicoanalítico para que esta reconozca nuevas modalidades de sufrimiento.

Palabras clave: psicoanálisis; literatura; ficción; contemporaneidad.


RÉSUMÉ

Cet article examine une forme spécifique de souffrance dans la contemporanéité, à partir d'un récit commun extrait de deux œuvres: la nouvelle "Funes ou la mémoire" de Jorge Luis Borges et l'épisode "Retour sur Image", de la série télévisée Black Mirror. Dans les deux cas, on reconnaît un idéal machinique qui, en réduisant l'histoire, à un passé parfaitement objectivable et favorise un abaissement de la dimension fictionnel impliquée par touts les récits, ce qui empêche la production d'une vérité singulière sur le sujet. Ainsi, on analyse la relation entre mémoire et fiction chez Freud et Lacan, en reconnaissant l'impossibilité de la réalisation de l'idéal machinique de la mémoire parfaite, ce qui permet une distinction entre le passé et l'histoire. Finalement, il est proposé une comparaison avec des questions sur la clinique psychanalytique contemporaine, telles que des pathologies basées sur des déficits narratifs, bien comme la nécessité d'élargissement du diagnostic psychanalytique pour qu'il reconnaisse des nouvelles modalités de souffrance.

Mots-clés: psychanalyse; littérature; fiction; contemporanéité.


 

 

Queria que as imagens se capturassem sem devolução, sem empréstimo, mas o exército dos olhos era vazio. Tinha nenhum recipiente, nenhuma reserva. Sem tangibilidade, ver humilhava a memória, que nunca recuperaria a completude de coisa alguma. A memória era o resto da realidade. Uma sobra que mutava para a ilusão com facilidade. (V. H. Mãe, 2016)

A literatura psicanalítica das últimas duas décadas atesta uma espécie de choque com uma cultura que não seria aquela na qual a psicanálise surgiu e com a qual aprendeu a operar. Como assinala Birman (1997), a noção de cultura com a qual Freud opera contém uma circunscrição implícita: a Europa ocidental da aurora do século XX. Em outras palavras, a cena do mundo interpretada por Freud não é outra senão a modernidade. Para abordarmos uma contemporaneidade supostamente diferente da Kultur freudiana, porém, ainda é preciso superar um obstáculo. Trata-se da concepção negativizada que se tem reservado à contemporaneidade e que se propaga de maneira notável na literatura psicanalítica1. Segundo esta, a cultura teria sofrido uma espécie de mutação, cujo entendimento é centrado na ideia de desordem. Se a Kultur está organizada pela lei advinda do pai morto, a contemporaneidade, por sua vez, seria marcada pelo enfraquecimento das instâncias representativas dessa lei paterna e, logo, da própria ordem. Assim como o mal-estar na cultura diagnosticado por Freud tinha o neurótico como seu correlato no plano individual, a desordem da cultura atual diria respeito a sintomas que colocariam em xeque a eficácia da interpretação psicanalítica. Se esta é concebida para operar com o sintoma neurótico da Kultur ordenada, ela encontraria seu limite na contemporaneidade em desordem. A psicanálise estaria atrelada de forma imutável ao contexto vitoriano a ponto de encontrar na contemporaneidade certos limites de seu alcance?

A manutenção da base totêmica e pai-centrada como racionalidade explicativa única limita a compreensão psicanalítica aos polos ordem-desordem ou lei-déficit paternos. A investigação de novas modalidades de sofrimento, portanto, implica a suspensão dessa base como meio teórico único, evitando uma apreensão da contemporaneidade tão somente em termos de déficit paterno. Afinal, como Dunker (2015, p. 404) bem afirma, "o déficit paterno é na verdade um déficit do totemismo como esquema explicativo". Em vez de tomá-la a partir de seus déficits, ou seja, tão somente como aquilo que não é mais como era antigamente, uma forma nostálgica, propomos a exploração de uma narrativa particular da contemporaneidade, fomentando a ampliação das possibilidades psicanalíticas de leitura da cultura e das singularidades de seus sujeitos.

 

Sofrimento e Déficit Paterno

Em Mal-estar, sofrimento e sintoma, Dunker (2015) coloca a necessidade de se pensar criticamente a racionalidade diagnóstica da psicanálise a partir de novos termos. O autor reúne sob o termo totemismo tanto a base antropológica utilizada por Freud em Totem e tabu quanto o diagnóstico tripartido, orientado pela função paterna - em que a operação neurótica seria a "normal" e as demais se apresentariam como algum déficit dela. O argumento do autor é de que, em psicanálise, reduzir os diagnósticos a inscrição ou déficits da função paterna contribui para o não reconhecimento de experiências produtivas de indeterminação e, logo, de sofrimentos organizados de maneira não totêmica. Dito de outra maneira, "o totemismo representa uma das articulações do sintoma que nos deixou cegos para a possibilidade de que existam sintomas de estrutura animista" (Dunker, 2015, p. 368) e, complementaríamos, outras mais. Seria preciso promover o reconhecimento de novas formas de sofrer em novas narrativas e soluções teóricas, não apenas através de uma exaustiva "hermenêutica do texto de Freud e Lacan" (Dunker, 2015, p. 405).

É preciso uma reformulação da racionalidade diagnóstica que cerca a leitura do mal-estar brasileiro para além do pai como articulador central dos dispositivos de autoridade, para além da família como lugar de asfixia do desejo, para além da oposição simples entre ideais subjetivos e condições objetivas. É preciso reconhecer que agora sofremos de outra maneira. (Dunker, 2015, p. 86)

Tracemos um paralelo. Na Física contemporânea há a hipótese de um universo, isto é, uma versão única, supersimétrica, que se opõe a outra, de um multiverso, em que a supersimetria é substituída pela suposição de que há uma variedade de regiões com suas próprias leis. Não haveria, portanto, "um modelo matemático ou uma teoria única que descreva todos os seus aspectos", mas apenas uma rede de teorias na qual cada uma delas "descreve muito bem fenômenos dentro de um determinado domínio", afirmam os físicos Hawking e Mlodinow (2011, pp. 43-44). Assim como ocorre com a Física em relação ao real multiverso da natureza, rejeitaremos, em psicanálise, a ideia de um Real uniforme e ordenado por um único princípio. Segundo Lacan (1975-76, 16/03/76), "o real é sempre um naco [bout]", ou seja, não pode ser apreendido como uma totalidade uniforme. Os matemas lacanianos, por exemplo, seriam estruturas locais, circunscritas, pois se destinam a recortar e tornar legíveis certas porções do Real, sem necessariamente estabelecer um encadeamento entre elas. Admitindo a noção de Real como resistente a uma ordem única, a introdução de modelos alternativos ao totêmico põe em questão os limites do sistema das estruturas clínicas e contribui para o enriquecimento da diagnóstica psicanalítica. A fim de sustentar esse argumento, lembremos que a concepção de que os conceitos são criadores de novas realidades é notável no pensamento de Lacan desde o princípio de seu ensino:

Temos que nos aperceber de que não é com a faca que dissecamos, mas com conceitos. Os conceitos têm sua ordem de realidade original. Não surgem da experiência humana - senão seriam bem feitos. As primeiras denominações surgem das próprias palavras, são instrumentos para delinear as coisas. Toda ciência permanece, pois, muito tempo nas trevas, entravada na linguagem. (Lacan, 1953-54/1986, p. 10)

Em forma de romance (familiar do neurótico), de teorias (sexuais infantis) ou de mito (individual do neurótico), para Dunker (2015, p. 25), "o sofrimento determina-se pela narrativa e pelo discurso nos quais se inclui ou dos quais se exclui". Torna-se pertinente, portanto, um trabalho sobre as narrativas possíveis em que o mal-estar seja exprimível e encontre reconhecimento social na forma de sofrimento. O autor (Dunker, 2015, p. 33) ainda afirma que, se "temos agora novas patologias baseadas no déficit narrativo, na incapacidade de contar a história de um sofrimento, na redução do mal-estar à dor sensorial", isso não deve ser pensado como independente da "condensação das formas de linguagem que a pós-modernidade reserva ao sofrimento". Não basta pensar como a psicanálise, a psicologia ou a psiquiatria podem "curar" as patologias contemporâneas. É preciso também pensar de que forma participam dessas patologias, assim como através de quais narrativas poderiam promover o reconhecimento de novos sofrimentos, afinal, conforme lembra Lacan (1953-54/1986, p. 127), "não temos nenhuma razão para pensar que os quadros nosológicos estão aí desde toda a eternidade e nos esperavam". Essa afirmação sustenta a articulação entre sofrimento e racionalidade diagnóstica, de forma que a segunda não seria simplesmente aquilo que nomeia o primeiro, como se este fosse uma entidade já dada e independente, mas de fato o modifica e determina.

Sendo assim, investigaremos, a seguir, a dimensão psicopatológica extraível de Funes, o memorioso, conto de Borges (1944/2007), e de The entire story of you, episódio do seriado televisivo Black Mirror (2011). Neles destacamos uma narrativa em comum: a do homem-máquina que tudo pode lembrar e nada consegue esquecer. A hipótese que guia essa aproximação é a de que ambos contribuem para dar corpo a uma modalidade de sofrimento própria da contemporaneidade, que diz respeito a um ideal maquínico e à dificuldade de elaboração de narrativas ficcionais que articulem uma verdade do sujeito - ou seja, a hipótese de que concorrem para a sustentação da paixão pelo autômato, peculiar configuração do tecido subjetivante da contemporaneidade que adjudica aos humanos os ideais dos autômatos, conforme propõem Medeiros, Mano e Weinmann (2015). Dito de outra forma, a realização do ideal maquínico da memória perfeita obtura uma modalidade de fala atravessada pelo discurso do Outro, isto é, onde as determinações simbólicas do sujeito tenham lugar.

 

Funes e o Grão

Em 1944, o escritor argentino Jorge Luis Borges lança Ficções, coletânea de contos dividida em duas partes: O jardim das veredas que se bifurcam e Artifícios. É nesta segunda seção que se encontra o conto Funes, o memorioso. Contado em primeira pessoa, a história apresenta-se como um testemunho do narrador a respeito do personagem anunciado no título, um uruguaio cuja excêntrica condição mnêmica interessa ao presente trabalho.

Borges retrata Irineo Funes como um homem de "percepção e memória infalíveis" (1944/2007, p. 104), capaz de lembrar-se de tudo que é capturado pelos seus sentidos: o que é ouvido, visto e tocado, em seus mínimos detalhes. Além de registrar a totalidade do que acontece à sua volta, Funes o faz de modo contínuo, ininterrupto, como uma espécie de antena humana que recebe informações sem, no entanto, poder agir sobre elas. Suas tentativas de categorização de certos dados são frustradas, pois ele não é capaz de dispensar diferenças mínimas entre dois objetos de modo que eles possam ser agrupados sob o mesmo signo: "(...) não apenas se recordava de cada folha de cada árvore de cada morro, mas ainda de cada uma das vezes que a tinha percebido ou imaginado" (1944/2007, p. 106). Para cessar sua atividade e dormir, além da escuridão que inibe um dos seus sentidos, outros grandes esforços de distração são requeridos. A reconstituição de um dia qualquer registrado por Funes demoraria exatamente um dia inteiro, como se o passado não fosse qualitativamente diferente do presente, promovendo uma indiferenciação no transcorrer diacrônico.

O contrário se dá com o narrador do conto, que seguidamente destaca as imperfeições de sua memória, sua distração: "sei que sacrifico a eficácia da minha narração" (1944/2007, p. 103). É o narrador, contudo, que, por uma história cheia de hipóteses, suspensões e imprecisões, consegue captar o espírito de Funes e transmiti-lo ao leitor. O narrador situa-se em um polo diametralmente oposto ao de Funes: enquanto a fala deste revela-se isenta de fissuras, o narrador desconfia constantemente de suas lembranças. Se o uruguaio requer um dia inteiro para descrever esse dia, o narrador percorre acontecimentos de anos em um intervalo de dez páginas. Através de seu narrador, Borges (1944/2007, p. 109) afirma: "Suspeito, contudo, que [Funes] não fosse muito capaz de pensar. Pensar é esquecer diferenças, é generalizar, abstrair. No mundo entulhado de Funes não havia senão detalhes, quase imediatos". Se pensar implica poder esquecer e interromper a incessante atividade de registro, a Funes o pensamento está interdito. A sua habilidade também inibiria outra, a saber, a da narrativa ficcional. Nada pode inventar ou criar aquele que tão somente armazena e reproduz memórias. Se a experiência - no sentido benjaminiano - requer certa implicação com o que foi vivido, também para Funes a experiência é impossível.

De Funes, o memorioso, passamos agora ao exame de The entire story of you, terceiro episódio da primeira temporada do seriado britânico Black Mirror. Ao contrário de outros seriados caracterizados pela continuidade da trama, nele cada episódio apresenta uma história fechada, não necessariamente correlacionada com as que lhe precedem ou sucedem, em que a tecnologia assume um lugar proeminente, estabelecendo um flerte com o gênero de ficção científica. No episódio que destacamos, The entire story of you, é proposta uma realidade onde está generalizado o uso do grão - um dispositivo que, implantado sob a pele, permite que tudo o que é visto e ouvido seja armazenado e reproduzido. Lembremos que Freud (1930/2010b) já constatava que os extraordinários progressos científicos e implementações tecnológicas, isto é, o aumento do controle humano sobre a natureza, muito embora louvável, não traz necessariamente uma condição mais feliz aos humanos, não resolve o mal-estar na cultura.

A trama do episódio gira em torno do casal de protagonistas, Liam e Ffion, ambos adeptos do grão. Liam, um jovem advogado, revê as memórias de uma entrevista de emprego malsucedida para tentar localizar seus deslizes enquanto Ffion diverte-se com amigos - um deles, projetando suas memórias na televisão da sala de estar, mostra aos amigos um tapete defeituoso num hotel cinco estrelas, lamentando que terá que conviver com essa má lembrança para sempre. Antes de relacionar-se com Liam, Ffion teve um caso com Jonas - uma aventura que ela garante ter ficado no passado. Liam, todavia, é atormentado pela hipótese de que o mulherengo Jonas excite-se revendo os encontros com Ffion e desconfia da fidelidade desta. Transtornado após uma crise de ciúmes, Liam vai até a residência de Jonas e obriga-o a apagar do grão todas as lembranças envolvendo Ffion. Nesse processo, que Liam exige testemunhar, Jonas exibe um encontro com Ffion ocorrido após o início da relação entre ela e Liam. O casamento é desfeito; o episódio se encerra com Liam sozinho revendo incessantemente as lembranças de seus bons momentos com Ffion e, por fim, extirpando o grão de seu corpo.

Em The entire story of you, a sociedade absorveu o uso do grão na vida cotidiana. Em uma das cenas, Liam está no controle de segurança do aeroporto e, em vez de ser entrevistado pela polícia antes do embarque, tem seu grão vasculhado em busca de alguma atividade suspeita. Em outra cena, durante uma briga violenta entre Jonas e Liam, uma personagem - que não tem o grão - liga desesperadamente para a polícia descrevendo a situação e pedindo ajuda. A polícia, desprezando completamente o relato, condiciona o atendimento do chamado ao envio de imagens através de um grão. Até os encontros sexuais são mediados pelo grão: na cena de sexo entre Liam e Ffion, há uma alternância da câmera entre o coito propriamente dito - mecânico, insosso - e a transa excitante que cada um dos parceiros reproduz em seus olhos.

Tanto no conto literário quanto no episódio televisivo, encontramos sujeitos capazes de registrar infalivelmente suas vivências, atravessados por um ideal maquínico de precisão no registro dos estímulos sensoriais. Ideal maquínico nomeia os desdobramentos últimos de uma configuração discursiva que produz modelos inatingíveis no horizonte da subjetivação, ao mesmo tempo em que ancora o erro, a falta, a insuficiência e a limitação no campo do patológico. O que se espera dos indivíduos inscritos nesse tecido subjetivante é que se portem não como sujeitos, atravessados pela castração, mas como máquinas irretocáveis funcionando sempre a todo vapor.

Como Funes, que precisa de certos esforços para - literalmente - desligar, Liam, não suportando a loucura a que é levado por sua investigação implacável da verdade objetiva, acaba por extirpar o grão. Não por acaso, tanto Funes quanto Liam revelam que há um sofrimento indissociável à condição maquinal - a dificuldade de interromper seu funcionamento e a necessidade de deixar de ser máquina. Se Funes não pode pensar, diante do acesso total ao registro da memória, Liam não consegue lidar com seus impasses de outra forma que não seja uma perscrutação exaustiva.

Além disso, os dois protagonistas são incapazes de integrar eventos de forma a compor uma narrativa ou história. Promove-se, assim, na decisão de uma verdade, a prevalência da memória sobre a palavra e um consequente esvaziamento do poder ficcional desta, isto é, uma modalidade de verdade separada da palavra e radicalmente atrelada às memórias audiovisuais objetivas. Essa condição impõe um rebaixamento do valor da palavra, que compromete decisivamente as possibilidades de fazer laços. Não se trata apenas da troca do narrar pelo mostrar, mas de uma dimensão de verdade que é completamente desvinculada da ficção e dependente do registro objetivo dos fatos. O tipo de memória encontrado no grão e na mente de Funes divergem radicalmente da compreensão de memória estabelecida na prática analítica e inferida por Freud já no Projeto para uma psicologia científica Freud (1950/2006a). A partir dos conhecimentos histológicos que tinha à disposição, Freud especula a existência de neurônios permeáveis, destinados à percepção, e neurônios impermeáveis, destinados à memória, aos quais acresce um terceiro tipo, "que é excitado junto com a percepção, mas não com a reprodução" (1950/2006a, p. 361). A mesma base conceitual é retomada em A interpretação dos sonhos (1900/2006b) através do chamado "esquema do pente". Em síntese, trata-se, primeiramente, de uma distinção basilar entre percepção e memória, que Freud tenta resolver teoricamente com esse terceiro tipo de neurônio; e, em segundo lugar, um modelo de memória calcado não em representações puras, mas em traços mnêmicos. Em lugar do impecável dispositivo de gravação e reprodução sugerido em Funes e Black Mirror, Freud lega à psicanálise um esquema de memória fundado em operações complexas de decomposição, associação e reconstrução.

Finalmente, articulando-se ao ideal maquínico e ao desencontro entre verdade e palavra, temos o achatamento da dimensão temporal. No momento em que o passado é tão imediato quanto o presente e pode ser evocado nos seus mínimos detalhes, contudo sem ser elaborado, isto é, sem que suas diferenças possam ser esquecidas e abstraídas, fica impossibilitado o registro da experiência que se articula em uma narrativa. Diríamos que Funes pode apenas reproduzir as impressões de seus sentidos, não narrar histórias; enquanto que, para Liam, devido à possibilidade de sua reprodução imediata, o passado é tão atual quanto o presente, podendo ser demonstrado, mas não narrado. Nesse sentido, não poderíamos considerar que as memórias apresentadas em Funes, o memorioso e Black Mirror guardam extraordinária semelhança às lembranças traumáticas visto que conduzem o sujeito a um inexorável retorno da mesma cena?

 

História e Ficção

A mesma tensão que se dá em Borges entre o narrador e o protagonista do conto, a saber, entre memória e narrativa ficcional, é também colocada em The entire story of you através de um rápido debate entre os personagens. Em uma conversa, uma das personagens laterais, Hallam, revela que teve seu grão extraído, sendo alertada por outra personagem que boa parte das memórias orgânicas são, comprovadamente, falsas e podem ser induzidas em terapia. A resposta de Hallam é simples: "Sou mais feliz agora" (I'm just happier now). Por quê? Que satisfação seria essa que se encontra justamente na impossibilidade do lembrar ou ainda na liberdade de não estar preso a uma lembrança?

Já no início de seu ensino, Lacan, ao retomar a técnica em Freud, enfatiza o lugar da reconstrução no trabalho psicanalítico (1953-54/1986). A técnica estaria orientada por uma restauração do passado que não se identifica a uma revivescência, ou seja, é preciso ir mais além da repetição e da recordação catártica. Segundo Lacan (1953-54/1986, p. 23):

O revivido exato - que o sujeito se lembre como sendo verdadeiramente dele, como tendo sido verdadeiramente vivido, que se comunique com ele, que o adote - temos nos textos de Freud a mais formal indicação de que não é o essencial. O essencial é a reconstrução (...).

O comentário de Lacan se remete a uma visão mais intelectualista que seria abandonada por Freud já nos primórdios da psicanálise. Nas técnicas pré-psicanalíticas, isto é, hna ipnose e na coerção associativa, enfatizava-se a lembrança, o que se justificava pela ideia de que a integração à consciência de algum conteúdo recalcado seria suficiente para curar o sintoma. A lembrança prescindiria de qualquer trabalho ulterior, pois ela mesma seria o objetivo da técnica. A atribuição de um caráter curador à lembrança era tamanha que, conforme Freud descreve, certas informações eram até mesmo buscadas em terceiros:

É certo que nos primeiros tempos da técnica psicanalítica, numa postura intelectualista, demos bastante valor ao fato de o doente saber o que tinha esquecido, mal distinguindo entre o nosso saber e o dele. Considerávamos muita sorte obter de uma outra pessoa informações sobre o trauma infantil esquecido, dos pais, de quem cuidava da criança ou do próprio sedutor, por exemplo, como se mostrou possível em alguns casos, e nos apressávamos em levar ao conhecimento do doente a notícia e as provas de sua exatidão, na segura expectativa de dar um rápido fim à neurose e ao tratamento. (Freud, 1913/2010a, pp. ١٤٠-141)

Freud complementa sua reflexão destacando o grande desapontamento gerado pelo insucesso desse procedimento e sua surpresa com o fato de que, mesmo depois da comunicação do evento traumático ao paciente, este ainda agia como se nada soubesse a respeito (1913/2010a, p. 141). Isto promoveria uma reformulação da técnica a partir de uma série de descobertas e novos conceitos, dentre os quais se destacam: resistência, interpretação e construção. Não mais bastava que o elemento recalcado chegasse à consciência, pois seria preciso agora certo reposicionamento do paciente em relação ao saber inconsciente articulado ao seu sintoma.

Esse movimento não implicaria somente a superação das resistências e o acesso à lembrança em um estado supostamente puro. Pelo contrário, a cura passaria por um processo de reconstrução da história do paciente que não coincide, necessariamente, com seu passado. Aliás, o acesso objetivo ao passado, sem interferência de construções ficcionais, pode ser considerado impossível, e não será por acaso que só o encontraremos em obras ficcionais como as analisadas neste artigo. Nada mais fictício e inumano do que uma reprodução inequívoca do passado.

Lacan, ainda num primeiro momento de seu ensino, identifica o que chama de "verdade do sujeito" à sua singularidade, opondo-a a qualquer "pesquisa objetiva" do passado (1953-54/1986, p. 31). No contexto da retomada da técnica freudiana, o psicanalista francês reconhece o acento dado ao passado numa psicanálise, mas fazendo a fundamental ressalva de que "a história é o passado na medida em que é historiado no presente - historiado no presente porque foi vivido no passado" (1953-54/1986, p. 21). No decorrer de seu seminário, o psicanalista chega a uma distinção importante entre passado e história e a relação desta com o sujeito: "o centro de gravidade do sujeito é essa síntese presente do passado a que chamamos história" (Lacan, 1953-54/1986, p. 48). Há uma realização da verdade do sujeito que requer que o passado seja retomado e historiado no presente "com o auxílio de vazios" (Lacan, 1953-54/1986, p. 82), mas não como fato objetivado. Afinal, como Lacan aponta, "Freud nos lembra com toda razão que não podemos nunca ter confiança integral na memória" (Lacan, 1953-54/1986, p. 82). Qualquer posição intelectualista acerca do passado tomado como saber que soluciona o sintoma é, então, abandonada pela psicanálise. Se o passado é o vivido que pode ser revivido, a história, lembra Lacan, é um reescrever (1953-54/1986, p. 23), mas através da fala:

A fala, portanto, afigura-se tão mais verdadeiramente uma fala quanto menos sua verdade se fundamenta na chamada adequação à coisa: assim, a fala verdadeira opõe-se, paradoxalmente, ao discurso verdadeiro, distinguindo-se a verdade dos dois pelo fato de a primeira constituir o reconhecimento de seus seres pelos sujeitos, no que eles estão interessados nela, ao passo que o segundo constitui-se pelo conhecimento do real, tal como visado pelo sujeito nos objetos. Mas, cada uma das verdades aqui distinguidas altera-se ao cruzar com a outra em seu caminho. (Lacan, 1955/1998, p. 353)

O narrador de Funes, o misterioso, bem demonstra essa relação entre fala e verdade tal qual concebida por Lacan. A reconstrução de suas vivências com Funes, apesar de marcadas por relatos de terceiros e diversas memórias imprecisas, atinge uma dimensão de verdade que em muito supera uma simples reprodução do passado. O estudo dos mitos, inspirado por Lévi-Strauss, relançará a questão da verdade em Lacan em um momento posterior de seu ensino. Essa aproximação já havia sido realizada em O mito individual do neurótico, em que Lacan afirma: "A fala não pode apreender a si própria, nem apreender o movimento de acesso à verdade como uma verdade objetiva. Pode apenas exprimi-la - e isso de forma mítica" (Lacan, 1953/2008, p. 13). Será nas décadas seguintes de seu ensino, contudo, que a verdade será caracterizada como uma falta de saber e a sua articulação com o mito será retomada:

Mesmo que as recordações da repressão familiar não fossem verdadeiras, seria preciso inventá-las, e não se deixa de fazê-lo. O mito é isso, a tentativa de dar forma épica ao que se opera no nível da estrutura. O impasse sexual secreta as ficções que racionalizam o impossível de onde ele provém. (Lacan, 1973/1993, p. 55)

Destacamos do trecho acima o reconhecimento de que as recordações, mesmo que inventadas, adquirem expressão em formas míticas, a partir das quais o sujeito é simbolicamente sustentado. Essas narrativas construídas ficcionalmente cumprem no psiquismo função análoga à dos mitos: recobrir simbolicamente o Real do desamparo. Ainda que isso implique a colocação do passado objetivo em segundo plano, é justamente o que permite a revelação de um impasse estrutural, uma verdade. A afirmação aforística de que a verdade tem estrutura de ficção (Lacan, 1971/2009) ganha, assim, seu sentido.

Podemos, agora, responder à pergunta colocada no início desta seção acerca da felicidade alegada por Hallam na vida sem o grão, apenas com suas imperfeitas memórias orgânicas. Ela opõe-se diretamente ao sofrimento de Funes e Liam, ao incessante estado maquínico que impede a via ficcional e a reescrita de suas histórias. Em vez de apenas reproduzir sua memória, Hallam, assim como o narrador do conto, pode narrar uma história, isto é, reconstruí-la ficcionalmente de modo a implicar uma verdade singular. Segundo Benjamin (1987, p. 205), a narrativa "mergulha a coisa na vida do narrador para em seguida retirá-la dele", de modo que "assim se imprime na narrativa a marca do narrador". A singularidade que há na história que engaja o sujeito, portanto, está ausente na reprodução do passado fatídico, que, por sua vez, rebaixa o valor de verdade da palavra e promove um empobrecimento da experiência presente.

 

Reflexões Clínicas Contemporâneas

A busca por "foco" e "motivação" para fins de rendimento e produtividade, algo bastante regular nos pedidos atuais de análise, fomenta a hipótese de que há um ideal maquínico característico da contemporaneidade. Não por acaso, dois dos diagnósticos mais difundidos na psicopatologia corrente, o transtorno de déficit de atenção e a depressão2, dizem respeito a insuficiências dessas funções, como se as doenças de uma época correspondessem aos ideais desta - ideais cuja realização é impossível, salvo em obras ficcionais como as analisadas neste artigo.

O cotidiano clínico dá testemunhos frequentes dessa especificidade do contemporâneo. Podemos tomar como exemplo a forma de relato semanal que predomina na fala de alguns analisantes, empenhados em percorrer descritiva e cronologicamente os acontecimentos transcorridos entre uma sessão e outra. Ou aqueles que, sistematicamente, recorrem a registros digitais de conversas em aplicativos, antes lidas, reproduzidas ou exibidas do que narradas na forma de experiência. Ainda, os analisantes que, na ausência de eventos extraordinários, referem não ter nada a falar na sessão - o que diferenciamos do fenômeno comum da resistência, já estabelecido e revisado na teoria psicanalítica, por não se tratar da ausência de associações e sim da dificuldade de reconhecer nos acontecimentos dos dias anteriores à sessão qualquer elemento relevante ou digno de ser comunicado. Temos, por um lado, uma modalidade narrativa eminentemente atravessada pela prevalência da reprodução sobre a reconstrução narrativa, evidenciando a precarização do valor da fala; por outro lado, não podemos deixar de reconhecer a atribuição de uma importância diferenciada ao registro da memória. Afinal, a condição de possibilidade da fala estaria imbricada à capacidade de descrição de um acontecimento excepcional.

Nessas condições, o dizer fica desvinculado da sua potência de revelação. De acordo com Lacan (1953-54/1986), "se a palavra funciona então como mediação, é por não ter se realizado como revelação". O contexto dessa citação diz respeito à retomada lacaniana da noção de resistência freudiana, mas aqui devemos ampliar seu alcance, afinal, conforme afirmado acima, não podemos reduzir os fenômenos clínicos colocados neste artigo às formas clássicas da resistência. A palavra (ou fala, do francês parole) servindo à mediação, coloca em cena dois lugares, o eu o outro do eixo imaginário (a-a') sobre o qual se apoia a técnica dos pós-freudianos fortemente criticados por Lacan. No caso do não tenho nada a dizer, a palavra ainda funciona como mediação, mas não necessariamente entre dois lugares imaginários, e sim como conexão entre um dizer e uma realidade a ser descrita, ou ainda entre um passado e um presente, em que aquele deve ser reproduzido neste. De ambas as maneiras, a dimensão de revelação de uma verdade está elidida nessa modalidade de fala que serve à mediação. Trata-se de uma forma particular de resistência em que a fala se dedica tão somente à reprodução ou descrição de eventos não elaborados em forma de experiência, e que exige uma direção da cura orientada pelo estabelecimento de possibilidades de construções de narrativas.

Mas vejamos como o próprio conto de Borges denuncia um produtivo impasse da condição de Funes. Em dado momento, enquanto aprende latim, Funes enuncia "ut nihil non iisdem verbis redderetur auditum" (1944/2007, p. 103), algo como nada do que foi ouvido pode ser contado com as mesmas palavras. Além de atestar a impossibilidade de reproduzir o passado tal qual, a ideia da frase acusa a distinção entre enunciado e enunciação - sendo que esta última, necessariamente, implica um ser falante (parlêtre). A condição maquínica de registro e reprodução de memórias de Funes e Liam seria, portanto, insustentável justamente na medida em que a enunciação engaja o falante. O reconhecimento da dimensão da enunciação é o que permite que, mesmo nas modalidades discursivas descritas acima, a psicanálise possa promover uma saída da condição maquínica e a construção de narrativas singulares. O ideal maquínico promoveria, portanto, uma nova forma de resistência na clínica contemporânea, mas de forma alguma uma impossibilidade da condução de uma análise. Tratamos aqui de descrever e problematizar essa forma particular de resistência justamente como forma de ampliação da diagnóstica psicanalítica e do reconhecimento de novos sofrimentos.

Retomemos a afirmação de Dunker (2015, p. 33) já apresentada mais acima, de que na contemporaneidade há patologias baseadas no "déficit narrativo, na incapacidade de contar a história de um sofrimento". Se acolhermos essa hipótese, temos em Funes, o memorioso, e também em The entire story of you uma demonstração literária e outra televisiva de sujeitos em uma situação de déficit narrativo que se articula de maneira íntima à impossibilidade de esquecer. Se, no conto, há um protagonista dotado de uma habilidade inumana, no seriado, essa capacidade é garantida por um dispositivo fictício que exacerba algumas tecnologias já existentes na contemporaneidade - ou seja, não descreve uma realidade distópica, mas um futuro possível onde o suporte digital da informação não apenas permite ampliar a capacidade da memória, mas toma o lugar da narração e da reconstrução da experiência singular. As tecnologias atuais, devemos sublinhar, só contribuem para esse rebaixamento da narrativa à medida que servem a um ideal maquínico que as precede. Em outras palavras, não há razão para considerá-las como causa independente de um sofrimento específico.

Se a hipótese do déficit narrativo descreve bem certas formas clínicas contemporâneas, de sua assunção deriva que há sofrimentos não reconhecidos, isto é, que não são escutados ou lidos. A proposta de investigação de narrativas que permitam articular sofrimentos ainda não acolhidos pela racionalidade diagnóstica psicanalítica se justifica pela constante necessidade de repensá-la. Colocando em questão seus limites e suas possibilidades de ampliação, busca-se, assim, promover uma indispensável discussão sobre os impasses da clínica psicanalítica contemporânea.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Vitor Hugo Couto Triska
Email: vitortriska@yahoo.com.br

Gustavo Caetano de Mattos Mano
Email: gustavo.mano@gmail.com

Recebido em: 10/10/2017
Revisado em: 20/05/2018
Aceito em: 23/06/2018

 

 

1 Entre os textos que representam essa literatura, destacamos: O homem sem gravidade: Gozar a qualquer preço (Melman, 2003), Hay gran desorden en el real, en el siglo XXI (Miller, 2012), Um mundo sem limite: Ensaio para uma clínica psicanalítica do social (Lebrun, 2004) e Un desorden creciente de la sexuación (Mauas, 2012).
2 No DSM-5, o Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade tem, entre seus critérios diagnósticos, cometer erros por descuido em tarefas escolares, no trabalho ou durante outras atividades; evitar, não gostar ou relutar em se envolver em tarefas que exijam esforço mental prolongado; esquecer-se em relação a atividades cotidianas (2014, p. 59). O Transtorno Depressivo Maior e o Transtorno Depressivo Persistente (Distimia), por sua vez, abarcam dentre os critérios diagnósticos a capacidade diminuída para pensar ou se concentrar, ou a dificuldade em tomar decisões (2014, p. 161; 2014, p. 168). Não são, evidentemente, as únicas categorias diagnósticas que compreendem algum tipo de insuficiência em termos de desempenho, mas sua prevalência como forma de narratividade do sofrimento em comparação a outras modalidades psicopatológicas reclama um lugar de destaque.

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