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Revista Brasileira de Orientação Profissional

versão On-line ISSN 1984-7270

Rev. bras. orientac. prof v.4 n.1-2 São Paulo dez. 2003

 

ARTIGOS

 

 

Demandas em orientação profissional: um estudo exploratório em escolas públicas

 

Claims in Vocational Guidance: An exploratory study in public schools

 

Demandas en orientación profesional: un estudio exploratorio en escuelas públicas

 

 

Marcelo Afonso RibeiroI * 1

Departamento de Psicologia - Centro de Ciências Biológicas e da Saúde - Universidade Cruzeiro do Sul - São Paulo 2

 


RESUMO

O presente artigo apresenta um relato da pesquisa que visou identificar novas demandas em Orientação Profissional, através da caracterização de uma amostra de estudantes da 2ª e 3ª séries do ensino médio de escolas públicas da periferia da zona leste da cidade de São Paulo, para auxiliar na elaboração de novos modelos de atuação. A amostra foi caracterizada através do seu histórico profissional familiar (que sobredetermina seu futuro) e de sua demanda com relação ao mundo do trabalho (representações e aspirações futuras); levantados através de questionários, redação escrita sobre o futuro e grupos de Orientação Profissional. Os principais resultados apontam que é esperada uma orientação com relação à inserção imediata no mercado de trabalho e um auxílio no planejamento do seu projeto de vida profissional, sinalizando a necessidade de novos paradigmas no campo da Orientação Profissional em contraposição ao modelo tradicional de atendimento a vestibulandos.

Palavras-chave: Orientação vocacional, Interesses vocacionais, Orientação educacional.


ABSTRACT

The article presents a research report aiming at identifying new claims in the vocational guidance field to support the development of new models of actuating, through a public high school students’ sample, from the suburban east side of São Paulo city. The students’ sample was characterized by their family professional history (which determinates their future), and their claim in the work world (expectations and future wishes), using for the data collection questionnaires, some writing about the future, and vocational guidance groups. The main findings have pointed out that the participants expect some guidance related to their immediate insertion in the work market and some help in the planning of their professional life project, signaling the need of new paradigms in the professional guidance field, as opposed to the traditional attendance model offered to higher education candidates.

Keywords: Vocational guidance, Vocational interests, Educational guidance.


RESUMEN

Este artículo presenta un informe de la encuesta que buscó identificar nuevas demandas en Orientación Profesional, a través de la caracterización de una muestra de estudiantes de la 2ª y 3ª series de la enseñanza media de escuelas públicas de la periferia de la zona este de la ciudad de São Paulo, para auxiliar en la elaboración de nuevos modelos de actuación. La muestra se caracterizó a través de su historia profesional familiar (que determina su futuro) y de su demanda con relación al mundo del trabajo (representaciones y aspiraciones futuras), con datos recogidos a través de cuestionarios, redacción escrita sobre el futuro y grupos de Orientación Profesional. Los principales resultados indican que se espera una orientación con relación a la inserción inmediata en el mercado de trabajo y un auxilio en la planificación de su proyecto de vida profesional, señalando la necesidad de nuevos paradigmas en el campo de la Orientación Profesional en contraposición al modelo tradicional de atención a principiantes.

Palabras clave: Orientación vocacional, Intereses vocacionales, Orientación educacional.


 

 

O presente artigo é fruto da pesquisa intitulada “Orientação Profissional em Escolas Públicas: Um Estudo Exploratório”, cujo objetivo era levantar as necessidades dos estudantes de escola pública com relação ao seu futuro profissional. Se o mundo do trabalho se moderniza rapidamente e está em eterna mudança, com o surgimento e o desaparecimento de profissões e ocupações, nada mais natural do que um acompanhamento especializado para auxiliar os novos ingressantes dessa realidade, o que necessita constante pesquisa por parte da Orientação Profissional. Aqui são apresentados os resultados, conclusões das intervenções realizadas no período de março de 1999 a dezembro de 2000, em escolas públicas da periferia da zona leste da cidade de São Paulo.

A Orientação Profissional no Brasil, mais conhecida como Orientação Vocacional (OV), ficou historicamente marcada por ser uma prática vinculada a psicometria, aplicada de forma individual e como principal população alvo o jovem de classe média e alta, que desejava ingressar num curso superior e tinha dúvidas com relação a essa escolha.

Dessa forma, a Orientação Profissional, do começo do século XX aos anos 80, permaneceu resumida ao famoso teste vocacional, que muitos fizeram antes de prestar um vestibular que, por sua vez, se via reduzido ao Inventário de Interesses de Angelini (Angelini, 1954) que, como o próprio nome diz, apenas levanta os interesses do sujeito e lhe aponta suas áreas de maior envolvimento.

Como podemos perceber a Orientação Profissional estava intimamente vinculada à escola e à escolha de uma faculdade, tanto que os principais profissionais envolvidos nesse processo eram os psicólogos e pedagogos.

Silva (1995) nos mostra, através da análise da população inscrita no Serviço de Orientação Profissional da Universidade de São Paulo, que todos que procuram um trabalho de Orientação Profissional fazem uma associação imediata com o auxílio para a escolha de um curso superior, tanto que a pergunta básica costuma ser: “Que curso universitário vou seguir?” (p.172).

Carvalho (1995) coloca que 55,59% têm essa dúvida, enquanto Müller (1997) diz que são 72%, e o próprio Silva (1995), que aponta que 67% das pessoas buscam um auxílio para a escolha de um curso superior. Como romper com essa marca histórica da Orientação Profissional, que há anos vem servindo como reprodução da ideologia das classes média e alta?

Com o passar do tempo, o campo de atuação da Orientação Profissional ampliou-se, sendo oferecida hoje para os mais variados públicos, com as mais diversas demandas, como nos aponta Uvaldo (1995) ao colocar os trabalhos desenvolvidos com egressos de hospitais, universitários que querem re-escolher um curso, pessoas com história profissional constituída (orientação de carreira), aposentados (preparação para a aposentadoria), portadores de deficiência, psicóticos (Ribeiro, 1998a), mas principalmente com a população socioeconomicamente desfavorecida, que quase nunca é beneficiada com um trabalho de Orientação Profissional, por não saber como um trabalho desse tipo pode ajudá-la, já que o ingresso num curso superior não está incluso em seu projeto de vida.

Como já frisado, os modelos de Orientação Profissional mais utilizados no Brasil são embasados na realidade de jovens de classe média e alta; faltando, dessa forma, mais pesquisas, teorias e modelos que correspondam à realidade dessa população socioeconomicamente desfavorecida concentrada principalmente nas escolas públicas, ou ainda fora delas; e que pede mais do que uma Orientação Profissional para a escolha de um curso superior.

Pelletier (2001) nos coloca que o mundo está em constante mudança e que a sua principal característica é a instabilidade e a redefinição permanente, estando, portanto, a Orientação Profissional sujeita a todo esse processo de transformação contínua, o que seria uma boa oportunidade para rever seus paradigmas e modelos de atuação.

Mas quais são as escolhas postas para os alunos das escolas públicas? Que tipo de demanda esses jovens possuem? Seriam esses modelos pertinentes à realidade desses jovens? Ferretti (1988a, contracapa) nos coloca a questão:

“Que papel cabe à Orientação Profissional frente às crianças e adolescentes que, pela sua condição de classe, enfrentam enormes obstáculos para se situarem profissionalmente? Essa é uma das questões cruciais que essa área educativa vem enfrentando entre nós, na última década”.

Pelletier (1981) já havia apontado que uma possibilidade seria desfocar a Orientação Profissional da tarefa de simplesmente facilitar a escolha, e agregar à grade curricular do ensino médio disciplinas que viabilizem o contato gradativo com o mundo do trabalho e desenvolvam a habilidade de fazer escolhas e elaborar projetos, propondo estratégias alternativas ao esquema único de auxílio à escolha de um curso superior, afinal essa é apenas uma das inúmeras possibilidades existentes.

Diante disso, os objetivos do presente estudo foram:

1. Caracterizar o aluno de escola pública da periferia da zona leste da cidade de São Paulo, através do seu histórico profissional familiar (que sobredetermina seu futuro) e de sua demanda com relação ao mundo do trabalho (representações e aspirações futuras);

2. Trazer elementos para corroborar a necessidade de elaboração de novos modelos de atuação em Orientação Profissional que possam atender aos sujeitos que estudam em escolas públicas de regiões periféricas das grandes cidades.

 

MÉTODO

Sujeitos

Participaram deste estudo 252 alunos, sendo 114 (45,23%) de homens e 138 (54,76%) de mulheres, com idade variando entre 16 e 18 anos, cursando o final do ensino médio (2ª e 3ª séries) em várias escolas da rede pública de ensino normal da periferia da zona leste da cidade de São Paulo, conforme mostra a Tabela 1. São descendentes de famílias de imigrantes nordestinos e do interior de São Paulo e do Paraná, que se dedicavam basicamente à lavoura e ao comércio e ocuparam as regiões mais periféricas da cidade de São Paulo como moradia.

Tabela 1

Amostra de Sujeitos participantes das cinco fases do estudo.

 

 

Instrumentos

Foram utilizados cinco instrumentos para a coleta de dados, descritos a seguir.

a) Redação escrita sobre o futuro: redação individual na qual cada sujeito escreve de forma livre sobre suas aspirações e expectativas futuras.

b) Questionário 1 - Questionário fechado com informações objetivas do sujeito em termos de história de vida e história familiar (Rodrigues, 1987) – Anexo A.

c) Discurso livre (relato da história de vida do sujeito em relação ao mundo do trabalho) realizado através de entrevistas semi-abertas (Ribeiro, 1998b) que passem por três eixos temáticos relativos à demanda dos inscritos: necessidades profissionais (presentes e futuras); expectativas em relação à Orientação Profissional; e conhecimento do mundo do trabalho.

d) Atendimento dos sujeitos em Orientação Profissional: os alunos foram atendidos em grupo, segundo o modelo proposto por Carvalho (1995), que funciona com cinco encontros de três horas de duração, no qual são trabalhados: conhecimento do próprio processo de escolha, autoconhecimento e conhecimento do mundo do trabalho. Os grupos tem um coordenador e um observador que anotam o ocorrido nos encontros, que é transcrito ao final de cada processo grupal.

e) Questionário 2 – Questionário fechado de saída elaborado visando levantar o processo sofrido pelos sujeitos após passar pelo trabalho de Orientação Profissional, inspirado no modelo proposto por Carvalho (1995) – Anexo B.

Procedimento

a) Escolha das escolas públicas a serem utilizadas como local do projeto. As escolas foram selecionadas mediante interesse das mesmas de atendimento em Orientação Profissional e o contato foi feito com a escola, que geralmente através de sua direção, permitia o acesso dos pesquisadores. As turmas escolhidas foram as de 2ª ou 3ª séries do Ensino Médio, pois representam alunos cursando o final da educação formal, que teriam que começar a enfrentar a realidade do mundo do trabalho, apesar de que a grande maioria já estava inserida de maneira precária no mercado de trabalho.

b) Fase 1: Aplicação da redação escrita sobre o futuro para todo grupo de alunos, apresentação do projeto de pesquisa e convite aos interessados em participar. A redação escrita foi realizada em sala de aula durante o período de aula (cedido pelos professores) com todos os alunos, e contou com a participação de 252 sujeitos, que eram, em seguida, convidados a continuar participando da pesquisa, só que agora em horário extra-aula. Na fase 1 a participação era obrigatória, pois um dos objetivos dessa fase era apresentar o programa de Orientação Profissional que se iniciaria e sensibilizar os alunos para que participassem das demais fases (se a Orientação Profissional trabalha basicamente com processos de escolha, nada mais coerente do que a pessoa escolher viver um processo de Orientação Profissional).

c) Fase 2: aplicação do questionário 1 (Anexo A) individualmente para cada aluno que tenha feito a fase 1. As perguntas eram feitas verbalmente pelo pesquisador, que anotava as respostas, as quais eram conferidas pelo entrevistado ao final.

d) Fase 3: coleta, gravação e transcrição do discurso livre de cada sujeito que tenha que tenha participado das fases 1 e 2. As fases 2 e 3 eram realizadas simultaneamente com aqueles que se interessavam, e no final eram convidados a participar do trabalho de Orientação Profissional. Participaram dessa fase 95 sujeitos.

e) Fase 4: atendimento dos sujeitos em Orientação Profissional nas próprias escolas de origem dos alunos, conforme modelo de Carvalho (1995) citado anteriormente. Foram formados 8 grupos com média de 12 sujeitos por grupo. Dos 95 sujeitos que se inscreveram na fase 4, somente 52 deles chegaram ao final do processo, completando as 5 fases (20,64% dos sujeitos que participaram da fase 1). O percentual de sujeitos que completaram as 5 fases (20,64%) está acima da média esperada de 15% da população em geral, que normalmente procura o auxílio de um trabalho de Orientação Profissional (Silva, 1995).

f) Fase 5: aplicação do questionário 2 (Anexo B) individualmente para cada aluno que tenha passado por todas as fases. As perguntas eram feitas verbalmente pelo pesquisador, que anotava as respostas, e que eram conferidas pelo entrevistado ao final. Esse tipo de procedimento se mostrou eficaz, pois oferecia aos alunos interessados a possibilidade de um espaço para reflexão e elaboração do seu projeto de vida, espaço esse, que era escolhido pelo próprio aluno, já denotando um caminho e uma escolha para sua vida. Além disso, o aluno se sentia motivado, pois no seu próprio ambiente educacional era oferecida a possibilidade de pensar sobre o seu futuro. Um outro ponto importante foi à desmistificação do papel da Orientação Profissional, ampliando a sua demanda, que, historicamente associada à idéia de um auxílio ao jovem que necessita escolher um curso superior, afastava o aluno de escola pública desse processo (Lehman, 1995).

Tratamento dos dados

A análise dos dados procedeu da maneira descrita a seguir através de uma dupla perspectiva metodológica:

a) Nível das aspirações subjetivas.

Análise do discurso singular de cada sujeito através da vivência particular dos determinismos psicológicos e sociológicos por ele experimentados, no qual foram levantados os principais temas que apareceram de forma recorrente na redação escrita sobre o futuro, no discurso livre e nos grupos de Orientação Profissional, arrolados em duas categorias – demandas e aspirações futuras com relação ao mundo do trabalho e a Orientação Profissional.

b) Nível das condições objetivas.

Configuração da posição, trajetória e representação social das famílias dos sujeitos em termos de carreira, escolaridade e probabilidades objetivas de trabalho e de vida social apontadas através do seu histórico de vida (discurso livre e dos atendimentos em Orientação Profissional) e do seu histórico familiar (questionário 1).

Esse recorte metodológico objetivou apreender como os determinismos psicológicos e sociológicos se articulam na subjetividade dos sujeitos, através de suas aspirações subjetivas (articulação do jogo de forças sociais que operam no sujeito sem que ele saiba conscientemente e que denota uma recriação particular do seu grupo social de origem) e de suas condições objetivas (características do grupo social ao qual os sujeitos são membros constituintes).

Dessa região intermediária entre o subjetivo (perspectiva psicológica) e o objetivo (perspectiva sociológica) surge à possibilidade de uma análise psicossocial, que no presente estudo se faz possível através do levantamento das demandas futuras com relação à construção do projeto de vida profissional, que podem passar pela procura ou não de um auxílio à Orientação Profissional.

Nesse sentido, os eixos de análise tentaram apontar para as necessidades que os sujeitos encontraram para planejar seu futuro profissional e para o papel da Orientação Profissional como auxiliar a esse processo de construção de projetos de vida profissional.

 

RESULTADOS

Âmbito das aspirações subjetivas

As principais demandas levantadas pelos sujeitos apontam para a exploração e o conhecimento de possibilidades concretas de inserção no mundo do trabalho, que parecem ser informações que não estão acessíveis a eles, como nos mostra a Tabela 2.

Tabela 2

Principais Demandas

 

 

Parece faltar aos sujeitos uma referência de como explorar as possibilidades no mundo do trabalho e de como relacionar suas características pessoais e sociais a essas possibilidades, tanto que os principais pontos levantados em relação aos grupos de Orientação Profissional foram:

1. Sentimento de desinformação total sobre o mundo do trabalho.

2. Falta de material que possa esclarecer sobre as oportunidades de inserção no mercado de trabalho, pois o material existente é muito voltado para as profissões de nível superior e tecnológico.

3. Importância fundamental do conhecimento da realidade do mundo do trabalho.

4. Necessidade de um trabalho de Orientação Profissional que fosse realizado na própria escola.

5. Necessidade de espaços de reflexão sobre o futuro e o que fazer já no presente.

6. Importância do contato com as opiniões e experiências dos jovens, da mesma faixa etária, que vivem situações de vida semelhantes.

7. Esclarecimento de que o curso superior não é o único caminho para o sucesso profissional.

O curso superior ainda se mostra como a grande meta a ser alcançada, mas que é colocada em questão, pois essa não parece ser a realidade imediata dos sujeitos, que têm alguma clareza de que seus caminhos após o término da educação de nível médio passam mais pela busca de um posto de trabalho do que pela formação de nível superior, que seria um prêmio futuro pelo sucesso no mundo do trabalho e não um trampolim para uma ascensão sócio-profissional, como vemos na Tabela 3.

Tabela 3

Principais aspirações futuras

 

 

Uma das demandas que fica clara é a necessidade de estar em contato com pessoas do mesmo grupo social, que possam partilhar informações que façam parte da realidade e das possibilidades dos sujeitos, que apenas conseguem perceber as oportunidades destinadas a outros grupos sociais, que não ao que eles pertencem.

O curso superior como referência para a ascensão sócio-profissional é um caminho predominante em outros grupos sociais, que não aquele ao qual os sujeitos pertencem, como veremos na Tabela 4, que aponta que apenas 24,1% de seus pais e 12,4% de suas mães chegaram a cursar o nível superior, mas que isso não significou ainda a ascensão profissional anteriormente citada.

Âmbito das condições objetivas

Com relação à escolaridade da família dos sujeitos vemos um baixo nível de escolaridade dos avós dos entrevistados (48,1% das mulheres e 32,7% dos homens são analfabetos, com apenas 9,6% dos homens com o ensino médio completo), mas com um aumento significativo na escolaridade dos pais: 26,9% dos homens e 25% das mulheres com ensino médio e 25% dos homens e 13,5% das mulheres com nível superior, sendo administração (38,5%), ciências contábeis (30,7%) e pedagogia (23,1%) as formações de nível superior que mais apareceram, como mostram os dados da Tabela 4.

Tabela 4

Escolaridade Familiar

 

 

Com relação à trajetória profissional da família dos sujeitos, como mostram as Tabela 5 e 6, observa-se que seus avós tinham como ocupação majoritária o trabalho na lavoura (27,2% dos homens e 16,3% das mulheres), mas que em sua maioria as mulheres tinham atribuições domésticas (47,7%) ou então atuavam como operárias (13,4%). Os homens (avós) também se dedicavam a ocupações técnicas como marceneiro (3,8%), operário (9,6%) e pedreiro (7,7%), além do comércio (17,4%), o que mostra um pouco o lugar social desse grupo (basicamente de imigrantes nordestinos e do interior de São Paulo e do Paraná), que ocupava seu espaço profissional na lavoura, no comércio e em ofícios manuais.

Tabela 5

Principais Ocupações Familiares

 

 

Tabela 6

Trajetória Profissional dos Sujeitos

 

 

O aumento na escolaridade dos pais dos sujeitos ainda não gerou uma qualificação maior com relação às suas ocupações, pois seguem numa trajetória profissional de progresso em funções técnicas e no setor de serviços, mesmo os que completaram o nível superior. O comércio ainda é a ocupação principal dos pais do sexo masculino (42,3%) e a segunda maior ocupação das mulheres (17,3%), que ainda permanecem em sua maioria nas atribuições domésticas (27,7%).

Os homens exercem também ocupações técnicas como metalúrgico (19,1%) e auxiliar contábil (5,7%), além de atuar como funcionário público (9,6%) e policial (5,7%), que estão incluídas na categoria outros. Enquanto isso as mulheres atuam também em ocupações técnicas como auxiliar administrativo (7,7%) e auxiliar de enfermagem (7,7%), além de atuar como empregada doméstica (9,6%) e professora (5,7%), que estão incluídas na categoria outros.

Com relação aos sujeitos 67,3% trabalham (48,1% empregados e 19,2% já trabalharam e estão desempregados no momento), apenas 32,7% dos sujeitos nunca trabalharam formalmente, como vemos na Tabela 6. Quase todos trabalham no setor de serviços em funções operacionais, como auxiliar de escritório (13,4%), comerciante (9,6%), recepcionista (3,8%) e balconista (3,8%), não evoluindo em relação às ocupações dos seus pais.

 

DISCUSSÃO

A maioria dos sujeitos tem um histórico familiar de ascensão na escolaridade, mas que parece não estar se refletindo no campo profissional, pois a trajetória profissional familiar mostra um progresso em funções técnicas e no setor de serviços, que parecem ser a possibilidade destinada à amostra pesquisada, que pode ser vista de duas maneiras:

- Como uma dificuldade de ascensão profissional, se pensarmos no curso superior como um passo obrigatório em toda carreira;

- Como uma possibilidade de construção de carreira alternativa à idéia de que o único caminho possível para um desenvolvimento na carreira seria o curso superior, que parece mais condizente com a realidade do grupo a que pertencem os sujeitos.

O curso superior parece não representar na cultura familiar desses sujeitos fator de ascensão profissional, pois uma parte de seus pais alcançou esse patamar de escolaridade, mas não atua em profissões de nível superior.

A escola deveria ser um espaço para reflexão e formação de pessoas, mas parece não estar cumprindo o seu papel de auxiliar o jovem na construção do seu projeto profissional.

Os principais pedidos por parte dos sujeitos seguem no caminho de um auxílio para pensar no seu futuro profissional através de material informativo sobre o mundo do trabalho e suas opções e de um espaço para reflexão e construção do seu projeto profissional.

A falta de informação profissional e de fontes de pesquisas relativas a sua realidade sócioprofissional leva o jovem a não ter acesso às possibilidades que ele possui em termos de projeto profissional, e o orientador profissional acaba por não se constituir como agente de auxílio, pois ele não existe nos espaços em que o jovem de escola pública poderia utilizar seus serviços, e sua imagem de facilitador da escolha de cursos superiores afasta aqueles que não têm esse objetivo, o que também constituiria uma falta de informação sobre o papel do orientador profissional por parte dos orientandos e dos próprios orientadores.

Como apontava Pelletier (2001), o mundo está em transformação e a Orientação Profissional deve repensar seus preceitos e modelos de intervenção, pois o mundo já não é mais o mesmo, e novas demandas surgem diante desse momento de transição.

 

CONCLUSÃO

O jovem de escola pública espera um auxílio com relação à inserção imediata no mercado de trabalho, pois falta informação do que existe e de como proceder. Nesse sentido, continua a trajetória dos pais, que estão em sua maioria inseridos no setor de comércio e serviços, e almeja um avanço futuro, que se concretizaria ao realizar um curso superior.

A Orientação Profissional deve se preocupar em trabalhar a inserção do jovem no mercado de trabalho; auxiliar no planejamento do seu projeto de vida, criando estratégias alternativas ao seu papel tradicional de somente orientar jovens para a escolha de um curso superior, que há muito vem sendo posto em questão na literatura especializada; e possibilitar o acesso à informação profissional e ocupacional.

O trabalho de informação profissional e ocupacional deve englobar as possibilidades do mundo do trabalho para cada grupo de orientandos em específico, sem se restringir às informações das profissões de nível superior, que correspondem ao universo de determinados grupos sociais, que acabam por impor um modelo único de ascensão sócio-profissional.

Fazer parte do projeto pedagógico da escola, sendo parte integrante do currículo escolar seria um passo importante para a Orientação Profissional como estratégia em escolas públicas, como já nos apontava Pelletier (1981).

“A Orientação Profissional é uma prática social que visa, basicamente, a inserção do jovem na PEA (população economicamente ativa), de uma forma consciente e fonte de uma escolha, visando à elaboração de um plano profissional com uma trajetória ocupacional” (Ribeiro, 2001, p.11).

O que é esperado, então, da Orientação Profissional, é que ela possa se tornar uma prática mais global, e não restrita somente a determinados grupos com demandas específicas, mas que possa atender a todos aqueles que necessitem uma orientação para a elaboração ou reelaboração do seu projeto de vida profissional, como nos sugere como diretriz de ação a IAEVG - International Association for Educational and Vocational Guidance (2001).

Diante disso, temos que a Orientação Profissional é um processo de ajuda, de caráter mediador e cooperativo entre um profissional preparado teórica e tecnicamente e um sujeito ou grupo de sujeitos, que necessitem auxílio quanto à elaboração e consecução do seu projeto de vida profissional com todos os aspectos envolvidos do seu comportamento vocacional (conhecimento do seu processo de escolha; autoconhecimento, conhecimento do mundo do trabalho e modelos de elaboração de projetos).

Pode ser realizado durante toda a vida, em todas as idades, com todos os sujeitos (não somente com aqueles que trazem problemas na hora da escolha de um curso superior), em todos os espaços de organização social. Requer a implicação da comunidade, pois é uma responsabilidade individual e social. Não é uma intervenção focal, mas continuada, pois visa auxiliar no bom desenvolvimento vocacional dos sujeitos.

Os alunos de escola pública mostraram nessa pesquisa alguns pontos que vêm sendo citados na literatura, não constituindo novidade no discurso acadêmico, ou seja, que todos merecem a devida atenção por parte da Orientação Profissional, que deve procurar recriar suas bases e poder ter visões de mundo diferentes, e que não operem com a idéia de que o curso superior é a única possibilidade de ascensão e consolidação profissional.

Embora esse seja um discurso recorrente, como nos lembrou Silva (1995), Müller (1997) e Carvalho (1995), os orientadores profissionais necessitam recriar suas práticas, pois senão a Orientação Profissional estará fadada a se restringir ad infinitum a uma pequena parcela da população.

Futuras pesquisas poderiam levantar e analisar quais seriam as principais demandas profissionais e ocupacionais dos diversos grupos sociais de cada região do Brasil, o que forneceria subsídios para a descrição dos modos de construção e desenvolvimento de projetos de vida profissional dos brasileiros, bem como para a elaboração de novas estratégias de ação.

Diante disso podemos apontar que novos rumos poderiam ser tomados pela Orientação Profissional, que envolveria a reciclagem dos orientadores, a luta por políticas públicas de Orientação Profissional, e um maior envolvimento com órgãos públicos e privados, que pudessem financiar pesquisas que levassem a transformar a Orientação Profissional em um campo de produção de conhecimento, e não somente em um campo de produção de conhecimento técnico, o que compactua com o ideário neoliberal de privilégio da ação sobre a reflexão.

 

REFERÊNCIAS

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Ribeiro, M.A. (1998b). ENEP (Encontro Nacional dos Estudantes de Psicologia): História e memória de um movimento. Dissertação de Mestrado não-publicada, Curso de Pós-Graduação em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano, Universidade de São Paulo. São Paulo, SP.        [ Links ]

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Recebido: 10/04/2003
1ª Revisão: 22/05/2003
2ª Revisão: 12/06/2003
Aceite final: 17/06/2003

 

 

1 Endereço para correspondência: Rua Dr. João Batista de Lacerda, 159 – Mooca – São Paulo – SP – CEP 03177-010 – Tel. (11) 6606- 1105 – e-mail: marcelopsi@uol.com.br.
2 Esse projeto teve o financiamento e o apoio institucional do CPGPE (Centro de Pós-Graduação, Pesquisa e Extensão) da Universidade Cruzeiro do Sul (São Paulo – SP).

 

Sobre os autores
* Marcelo Afonso Ribeiro é doutorando em Psicologia Social e do Trabalho pela USP; Mestre em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela USP; Especialista em Orientação Profissional pela USP e em Saúde Mental pela FUNDAP; Psicólogo graduado e licenciado pela USP; Orientador Profissional; Docente na UNICSUL, na UNICID e no Instituto Sedes Sapientiae; Pesquisador do LABOR (Laboratório de Estudos sobre o Trabalho e Orientação Profissional) do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo e do CPGPE (Centro de Pós-Graduação, Pesquisa e Extensão) da UNICSUL.

 

 

ANEXO A

Questionário 1

 

1) Onde nasceram os avós. Escolaridade. Ocupação. Mudança de cidade ou região.

2) Onde nasceram os pais. Escolaridade. Ocupação. Mudança de cidade ou região. Trajetória profissional dos pais.

3) Número de irmãos. Idade de cada um e gênero. No caso de irmãos mortos, idade em que morreram.
Em que cidade nasceram os irmãos.

4) Escolaridade dos irmãos.

5) Em que trabalham e trabalharam os irmãos. Onde moram.

6) Idade do entrevistado.

7) Escolaridade do próprio entrevistado, se houve interrupções, se parte dos estudos foi realizada em outra cidade, etc.

8) Outras atividades além de estudar, no momento e no passado.

9) Se trabalha, qual a ocupação atual. Levantar dados sobre jornada, outro emprego ou “bico”, descrição do que faz profissionalmente. Idem para ocupações remuneradas anteriores.

10)Renda. Pessoal e Familiar. Quanto dinheiro entra, no total, na casa.

11) Religião. Verificar se mudou de religião, quando e por quê.

12)Os pais ou algum irmão mudaram de religião? Qual deles?

13)O que faz nas horas de folga. O que fez no último e penúltimo domingo.

 

ANEXO B

Questionário 2

 

1) O que você esperava da Orientação Profissional?

2) Como você estava antes da Orientação Profissional?

a) Você sabia como fazer escolhas no seu dia-a-dia?
b) Você já tinha feito alguma escolha para o seu futuro profissional?
c) Você tinha consciência das influências que sofria? Quais? Não tinha influências?
d) Você possuía informações sobre as profissões e sobre a vida profissional?

3) Como você sentiu a Orientação Profissional?

a) Dos assuntos tratados no grupo, o que serviu para você?
b) Recebeu informações? De que tipo?
c) Você distinguiu etapas nessa Orientação Profissional? Quais?
d) Você acha que se conheceu mais? O que descobriu de si mesmo?

4) O que você julga necessário agora para uma boa escolha no campo profissional? Numere os itens citados em ordem de importância (do mais importante para o menos importante).

5) Como está planejando sua vida atualmente? O que está planejando em termos profissionais? Como pensa conseguir?

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