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Boletim de Psicologia

Print version ISSN 0006-5943

Bol. psicol vol.55 no.123 São Paulo Dec. 2005

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

Carreira profissional e relações de gênero: um estudo comparativo em estudantes universitários1

 

Professional career and relationships of gender: a comparative study in undergraduate students

 

 

Caioá Geraiges de Lemos; José Maurício Haas Bueno; Sonia M. S. Balão; Letícia Blumenschein Silva; Priscila Lopes da Silva

Universidade Presbiteriana Mackenzie

Endereço para correspondencia

 

 


RESUMO

O objetivo deste trabalho foi comparar como estudantes universitários de ambos os sexos percebem suas carreiras profissionais. Os sujeitos da pesquisa foram 493 universitários, com idades entre 19 e 56 anos (média = 22,7), concluintes de oito cursos de graduação. Como instrumentos, foram utilizados um questionário elaborado com base na literatura estudada e um inventário para avaliação das inclinações profissionais dos sujeitos, elaborado por Schein (1996) e adaptado à população universitária brasileira por Lemos et al. (2004). Este estudo permitiu verificar que os diferentes referenciais de carreira evidenciaram diferenças específicas entre os gêneros, sendo que as mulheres apresentam maior coerência interna tanto para a escolha quanto para o desenvolvimento da carreira profissional.

Palavras-chave: Carreira profissional, Gênero, Avaliação psicológica, Inclinação profissional.


ABSTRACT

The objective of this work was to compare how both male and female undergraduate students perceive their professional careers. Participated into the research 493 female and male undergraduate students, whose ages varied between 19 and 56 years (average = 22,7), from eight graduate courses. A questionnaire based on reviewed literature and an inventory to evaluate students' professional tendencies, elaborated by Schein (1996) and adapted to the Brazilian undergraduate population by Lemos et al. (2004) were used as instruments. The study allowed to observe that different career references evidenced specific differences among genders, and that women present larger intern coherence either for career choice as to its' development.

Keywords: Professional career, Gender, Psychological evaluation, Professional tendencies.


 

 

INTRODUÇÃO

Como tantas outras áreas da vida social, as relações de trabalho vêm sendo alteradas a partir da extensa entrada das mulheres no mercado de trabalho, assim como as definições de identidade feminina e masculina vêm sendo questionadas. Para Lassance e Magalhães (1997) o ingresso maciço da mulher no mercado de trabalho, na educação superior, nas organizações e como chefes de família alteram e re-significam a questão da escolha profissional e os processos de formação da identidade profissional para ambos os sexos.

Giddens (1996) denomina a sociedade atual como “destradicionalizada”, ou seja, uma sociedade na qual os papéis sociais impostos pela tradição vêm perdendo progressivamente sua força em detrimento de novas pautas de relação e novas conformações de identidade. Para este autor, atualmente a masculinidade e a feminilidade são identidades e complexos de comportamento em processo de reconstrução.

Ainda assim, Lassance e Magalhães (1997) ressaltam o papel das diferenças biológicas entre os sexos, que são assumidas na cultura segundo pautas de hierarquização de papéis e posição de status. As noções de “homem”, “mulher”, “masculino” e “feminino” são categorias historicamente construídas, cuja especificidade passa pelas diferenças culturais particulares de cada grupo social e as definições de realidade que engendram.

Para estes autores, embora muitas mulheres relatem uma “naturalidade” em adentrar ao mercado de trabalho, a vida profissional ainda ocupa um lugar secundário no processo de formação da identidade feminina, sendo uma forma de evitação do lugar principal, ou seja, a vida doméstica dedicada aos cuidados do lar e dos filhos. Quando ocorre alguma incompatibilidade entre o trabalho e o gerenciamento doméstico, a alternativa mais comum é a redução da carga horária e muitas vezes a interrupção do trabalho. Assim, escolher uma profissão para a mulher é uma tarefa duplamente difícil, pois em seu processo de decisão profissional precisa compatibilizar o autoconceito (que é formado com forte ênfase na expressividade, no cuidado do outro, na interdependência, na afetividade, na obediência, etc., características consideradas como “femininas”) e os conceitos atribuídos às ocupações. Estes autores levantam a questão da incapacidade da cultura em valorizar essas características “femininas” nas profissões, sendo, portanto as profissões ditas “femininas”, mais voltadas para o cuidado do outro, menos valorizadas socialmente que as ditas “masculinas”.

Bardagi, Lassance e Paradiso (2003) investigaram trajetórias acadêmicas, satisfação com a escolha profissional e expectativas quanto à orientação profissional de 316 estudantes de ambos os sexos, de semestres intermediários em 16 cursos universitários da UFRGS. Neste trabalho constataram que as mulheres descrevem com maior freqüência do que os homens já terem pensado em desistir ou mudar de profissão. Este estudo mostra que as mulheres referem uma atribuição de causalidade mais externa, sendo mais suscetíveis a eventos fora de seu controle, como as exigências do mercado, as condições do curso universitário, entre outros. Por outro lado, as mulheres são descritas como mais capazes de discriminar aspectos da realidade e, talvez por isso, elas consigam identificar dificuldades e barreiras de carreira com maior freqüência do que os homens.

Em outro estudo, Giddens (1996) ressalta uma tendência da mulher em transferir para a esfera pública a preocupação com o cuidado do outro, assim como outras características da identidade feminina, antes relegada à esfera do privado. O autor identifica também um processo de “feminização” de algumas carreiras masculinas, que está colocando em discussão esses antigos modelos de trabalho.

Em relação aos homens, Lassance e Magalhães (1997) referem que o papel masculino encontra-se fortemente associado ao trabalho, ao desempenho, à produtividade e ao êxito profissional. A socialização masculina está fortemente associada ao treinamento para a auto-suficiência e o aprendizado de disciplinas e estratégias de ascensão social. No curso do desenvolvimento do significado de ser homem há uma busca compulsiva de reconhecimento e recompensa que se estende desde as realizações escolares, à força física e ao desempenho sexual nos grupos etários da juventude e, finalmente, ao êxito profissional no mundo adulto. Ao lado disso, levantam a questão de que o crescimento histórico do capitalismo e o caráter impessoal do trabalho alienado aprofundaram cada vez mais a cisão entre o êxito profissional e a vida afetiva. A necessidade, às vezes compulsiva, de prestígio social torna-se uma barreira para o desenvolvimento de relações pessoais de intimidade e solidariedade autênticas.

Bernardes (1993) realizou levantamento bibliográfico de vários autores que estudaram o desenvolvimento dos papéis masculinos e femininos definidos socioculturamente, encontrando características em comum às suas pesquisas e formulações teóricas. A autora verificou que a conformidade aos papéis feminino e masculino tradicionais significa mais uma etapa do processo de formação da identidade do que seu término; que a permanência e cristalização desta conformidade podem tornar-se desvantajosas para o desenvolvimento pessoal e social do sujeito; que a possibilidade de o sujeito incorporar em sua personalidade elementos masculinos e femininos permite uma adaptação mais rica e flexível à realidade física e social, uma expressão mais plena do self, numa gama de variações intra e interindividuais; que o significado do ser feminino / ser masculino é contingente, uma vez que tais conceitos são definidos em função de concepções existentes num dado momento e numa dada sociedade, sendo o mais desejável a fusão dos dois pólos no humano. Com base nesses resultados, constatou uma percepção mais integrada dos processos subjacentes à diferenciação psicológica do homem e da mulher, conferida a partir das significações sociais em sua origem, mas que possuem uma forte dimensão psicológica, uma vez que cada indivíduo singular re-elabora este conjunto de idéias através da mediação de sua própria subjetividade.

Tais significações influenciam fortemente as escolhas profissionais de adolescentes que se encontram em fase de definição da identidade profissional. Para Bohoslavsky (1993) uma vez que as ocupações não são consideradas como sexualmente neutras, sendo ainda hoje consideradas como mais ou menos “masculinas” ou “femininas”, deve-se considerar de que forma o adolescente integra essa valoração em sua identidade ocupacional, uma vez que os padrões culturais quanto ao papel do homem e da mulher vão se interiorizando ao longo das etapas do processo de constituição da identidade como um todo e ocupacional em particular.

Em outro estudo, Lemos (2001) realizou comparações do material obtido a partir da aplicação dos quatro desenhos do Procedimento de Desenhos de Profissionais com Estórias – DP-E, de 20 adolescentes femininos e 20 masculinos. Neste procedimento solicita-se ao adolescente que realize desenhos e conte histórias de profissionais em diferentes situações: 1) um profissional fazendo alguma coisa, 2) um profissional realizado, fazendo alguma coisa, 3) um profissional em crise, fazendo alguma coisa, e 4) “você” (o próprio sujeito) na sua profissão futura, fazendo alguma coisa.

As análises mostram que entre os sujeitos masculinos prevalece um modelo solitário de trabalho, muitas vezes distanciado da vida afetiva, uma superexigência no sentido de dedicação e qualificação profissionais. A profissão está mais referenciada nos ganhos materiais e no status que a mesma confere do que na atividade em si. Já entre os sujeitos femininos foi encontrada maior preocupação em se obter realização profissional, sendo que o retorno financeiro aparece como conseqüência da primeira. Embora haja uma percepção de superexigência no tocante à qualificação e dedicação profissionais, há uma maior preocupação em conciliar as demandas da vida profissional com as demandas da vida familiar. Observa-se também um maior questionamento deste modelo de superexigência associado ao sucesso profissional, busca-se na atividade profissional colocar características pessoais com ênfase no cuidado aos outros, no trabalho em equipe, em contribuir, de alguma maneira, para a melhoria da sociedade através do exercício profissional.

Alchieri e Charczuk (2002) realizaram um levantamento sobre os principais aspectos para a tomada de decisão profissional em 1119 vestibulandos, que concorriam para universidades públicas do Rio Grande do Sul, sendo 56,9% do sexo feminino e 43,1% do sexo masculino. Encontraram que os sujeitos masculinos referem a influência familiar como o fator mais forte na determinação da escolha do curso universitário, seguido por preocupação com o mercado de trabalho. Os sujeitos femininos apresentaram como fator determinante na escolha a atratividade que o curso representa, através da opção gostar da atividade.

A partir das duas últimas pesquisas apresentadas, verifica-se que as escolhas dos sujeitos masculinos estão mais pautadas em fatores externos enquanto as escolhas femininas pautam-se preferencialmente por aspectos internos. Entretanto, Lemos (2001) verificou também em sua pesquisa que os modelos socialmente impostos de profissionais vêm sendo questionados pelos adolescentes, ainda que de forma incipiente.

Considerando que a vida universitária permite ao adolescente desenvolver-se e assumir papéis ocupacionais adultos, este momento caracteriza-se como um importante referencial para o jovem que integra a sua personalidade valores da sociedade que ele reproduz e questiona. Carvalho (1995) refere a aquisição da identidade profissional como um processo de socialização, um desenvolver-se para assumir papéis ocupacionais adultos, decorrentes de inúmeras participações grupais, informações, assimilações de conceitos e valores, enfim, da vinculação com referenciais externos que venham a ser assimilados pelo indivíduo. Para Macedo (1998), a carreira profissional pode ser definida como a continuidade da vida do indivíduo no trabalho, para produzir algo; uma sucessão de envolvimentos deste indivíduo nas experiências de trabalho ao longo da vida.

Considerando que a formação universitária inclui preocupações e ansiedades em relação à carreira profissional e que este ambiente é propício para o desenvolvimento de pesquisas e intervenções, foi proposta a realização deste trabalho, cujo objetivo foi o de comparar como estudantes universitários de ambos os sexos percebem suas carreiras profissionais.

 

MÉTODO

Sujeitos

Foram sujeitos da pesquisa 493 universitários, com idades entre 19 e 56 anos (média=22,7 e desvio padrão=3,3), de ambos os sexos (47,5% masculino, 52,5% feminino), concluintes dos cursos de Administração de Empresas (14,8%), Comércio Exterior (16,6%), Contabilidade (5,7%), Direito (17,0%), Economia (5,5%), Engenharia (21,5%), Psicologia (12,8%), Comunicação e Artes (6,1%). A maior parte dos sujeitos (86,61%) possui entre 19 a 24 anos, portanto, em fase final da adolescência. A amostra aponta também um elevado poder aquisitivo, 25,35% referem renda mensal familiar acima de R$ 8.000,00, 11,97% entre R$ 6001,00 e R$ 8000,00; 20,08% entre R$ 4001,00 E R$ 6000,00; 23,94% entre R$ 2001,00 E R$ 4000,00 e apenas 12,98% possuem renda familiar até R$ 2000,00; (5,68% não declararam).

Instrumentos

Foi utilizado um questionário elaborado pelos autores com base na literatura estudada, contendo questões relativas aos dados pessoais como sexo, idade, renda mensal familiar e atitudes em relação à carreira como motivos para a escolha do curso, satisfação e comprometimento com a carreira escolhida, clareza de objetivos, empreendimento de ações efetivas sobre a mesma, fatores que motivaram a escolha e atualmente motivam o desenvolvimento da carreira. Foi utilizado também um inventário, com validade fatorial e boa consistência interna, para avaliação das inclinações profissionais dos sujeitos, elaborado por Schein (1996) e adaptado à população universitária brasileira por Lemos et al. (2004). Esta adaptação foi necessária não só porque a versão original do autor é destinada a profissionais com uma carreira estabelecida, enquanto que a versão adaptada é destinada à população universitária, mas também para investigar as propriedades psicométricas da escala, que no estudo original do autor, não são apresentadas.

A adaptação consistiu basicamente da transposição do tempo verbal das frases do pretérito para o futuro. Assim, os 40 itens da escala deveriam receber pontuações de 1 a 4 para cada frase apresentada, de acordo com o grau em que refletissem as intenções do sujeito em relação a sua profissão ou sua futura vida profissional (1 – nunca ou raramente, 2 – ocasionalmente, 3 – freqüentemente, 4 – sempre ou quase sempre).

As respostas de 493 estudantes de diversos cursos de uma universidade paulista foram submetidas a uma análise fatorial exploratória, com extração dos componentes principais e rotação ortogonal varimax dos fatores. A análise do scree-plot, a eliminação dos itens com cargas menores que 0,4 em todos os fatores e dos que possibilitavam o aumento da consistência interna, resultou em uma escala com 28 itens, distribuídos em quatro fatores, capazes de explicar 42,4% da variância original.

O fator 1 reuniu 10 itens relacionados ao empreendedorismo (a = 0,78), cujas pontuações variaram de 11 a 40, com média igual a 27,9 e desvio padrão de 5,4. O conteúdo predominante nos 9 itens do fator 2 se relacionou à autonomia e liberdade de horários (a = 0,77), sendo que as pontuações foram de 9 a 32, com média igual a 22,3 e desvio padrão de 4,8. No fator 3, os 8 itens se relacionaram ao altruísmo (a = 0,78), e variaram de 8 a 32 pontos, com média de 22,1 e o desvio padrão de 4,8. Finalmente, os 3 itens que compunham o quarto fator estavam relacionados à qualidade de vida, segurança e estabilidade no trabalho (a = 0,79), e as pontuações nesse fator variaram de 3 a 12, com média de 9,4 e desvio padrão de 2,2. Uma descrição mais detalhada da interpretação desses fatores é apresentada a seguir.

Fator 1 – Inclinação Profissional para Estabilidade e Qualidade de Vida: As pessoas que se encontram nesta categoria buscam carreiras que lhes permitam sentirem-se seguras, lhes assegurem estabilidade, bem como lhes possibilitem conciliar suas necessidades pessoais, familiares e profissionais. Assim sendo, procuram empregos em organizações que proporcionem solidez e confiança, segurança financeira e estabilidade no emprego. Em outras palavras, esses profissionais consideram segurança e estabilidade mais importantes do que liberdade e autonomia e, por certo, relutariam em aceitar cargos que colocassem essas garantias em risco. Dessa maneira, tais profissionais consideram uma carreira bem sucedida, quando conseguem adquirir segurança e estabilidade, assim como, contrabalançar exigências pessoais, familiares e profissionais.

Fator 2 – Inclinação Profissional para Altruísmo: Os indivíduos pertencentes a essa categoria buscam através de suas carreiras contribuir verdadeiramente para o bem-estar da sociedade, colocando sua capacidade profissional a serviço de seus semelhantes. De certo, esses profissionais acreditam que o mais importante é utilizar as próprias aptidões para fazer deste mundo um lugar melhor para viver e trabalhar do que para alcançar um alto cargo administrativo. Portanto, profissionais que possuem essa inclinação profissional relutariam em aceitar cargos que prejudicassem suas habilidades de serem úteis aos outros, pois esses profissionais só poderão sentir-se realizados em relação a suas carreiras quando prestarem uma contribuição para o bem-estar social.

Fator 3 – Inclinação Profissional para Autonomia e Liberdade: Pessoas que se enquadram nesta categoria preferem uma carreira que lhes possibilite total autonomia e liberdade, já que consideram mais importante a oportunidade de realizar o trabalho ao seu modo, com inteira liberdade para definir suas tarefas, horários e métodos, livres de regras e delimitações. Portanto, esses profissionais relutariam em aceitar cargos que diminuíssem a sua autonomia e liberdade. Dessa forma, os profissionais, pertencentes a essa categoria, sonham em começar e fazer crescer seu próprio negócio e estão sempre à procura de idéias que lhes permitam dar início a um empreendimento próprio, pois acreditam que é mais importante gerir sua própria empresa do que ocupar um alto cargo administrativo em uma empresa alheia.

Fator 4 – Inclinação Profissional para Empreendedorismo: As pessoas que pertencem a esta categoria profissional têm extraordinário grau de motivação para provar ao mundo do que são capazes, têm necessidades de criar e muitas delas, ao longo de suas carreiras, almejam galgar altos postos administrativos nas organizações onde trabalham e tomar decisões complexas que afetem muitas pessoas. Esses profissionais sentem-se altamente motivados com carreiras que lhes possibilitem solucionar problemas e superar situações extremamente desafiadoras, por isso, procuram oportunidades profissionais que desafiem suas capacidades de solucionar problemas, enfrentar situações difíceis, estimular sua competitividade e exijam um alto grau de competência. Sentem-se satisfeitos em suas carreiras quando conseguem criar ou construir algo que seja resultado de suas idéias e esforços. Esses profissionais desejam também atingir um alto nível de competência nas atividades que exercem a tal ponto que suas opiniões de especialistas sejam sempre solicitadas. Para tanto, buscam aperfeiçoar suas capacidades técnicas ou funcionais até o mais alto nível de competência.

 

RESULTADOS

Para investigar as diferenças entre gêneros foi empregado o teste t de Student e o coeficiente de correlação de Pearson foi usado para investigação das concomitâncias entre as inclinações profissionais e os fatores motivacionais para a escolha da profissão e para o desenvolvimento da carreira atual. Os valores, que obtiveram índice de significância estatística menor do que 0,05, foram considerados significativos, e os que se situaram entre 0,05 e 0,1 foram considerados marginalmente significativas. Os resultados são apresentados a seguir.

Os resultados das diferenças entre os gêneros relacionados às inclinações profissionais são apresentados na Tabela 1.

 

 

Houve diferença estatisticamente significativa entre gêneros nos quatro fatores relacionados às inclinações profissionais. Contudo, os homens obtiveram média mais elevada nas inclinações relacionadas ao “Empreendedorismo” e à “Autonomia e liberdade”, enquanto as mulheres obtiveram média mais elevada em “Altruísmo” e “Estabilidade e qualidade de vida”.

A Tabela 2 apresenta as diferenças entre sexos quanto aos fatores que motivaram a escolha profissional.

 

 

Houve diferença estatisticamente significativa apenas em relação à relevância social da profissão, fator em que as mulheres obtiveram média mais elevada do que os homens. As diferenças obtidas em relação à influência familiar e/ou de amigos e em realização profissional podem ser consideradas como marginalmente significativas, em favor dos homens e das mulheres, respectivamente.

A Tabela 3 apresenta as diferenças entre sexos quanto aos fatores que atualmente motivam a carreira profissional.

 

 

Os dados apresentados na Tabela 3 mostram que houve diferença estatisticamente significativa somente em relação à relevância social da profissão, em que as mulheres obtiveram média mais elevada do que os homens.

A Tabela 4 apresenta os resultados das correlações entre as inclinações profissionais e a motivação para a escolha profissional, para o sexo masculino.

 

 

Entre os homens, houve correlação estatisticamente significativa e positiva entre a inclinação profissional ao altruísmo e a escolha motivada pela relevância social, e também entre a inclinação para a estabilidade e manutenção do estilo de vida e a escolha motivada pelo retorno financeiro. Ao lado disso, foi obtida uma correlação estatisticamente significativa e negativa entre a inclinação à autonomia e liberdade de horários e a realização profissional.

As correlações de Pearson entre as inclinações profissionais e os fatores que motivaram a escolha profissional, para o sexo feminino, são apresentadas na Tabela 5.

 

 

Entre as mulheres, houve correlações estatisticamente significativas e positivas entre a inclinação à autonomia e liberdade e escolha motivada pela influência familiar, e entre a inclinação para o altruísmo e a escolha motivada pela relevância social da profissão. Houve correlações estatisticamente significativas e negativas entre a inclinação ao altruísmo e ao reconhecimento social /status, e entre a inclinação autonomia e liberdade e o fator realização profissional.

A Tabela 6 apresenta os coeficientes de correlação de Pearson entre as inclinações profissionais e os fatores que atualmente motivam o desenvolvimento da carreira profissional entre os homens.

 

 

Os dados da Tabela 6 mostram que, entre os homens, houve correlações estatisticamente significativas e positivas entre a inclinação ao empreendedorismo e o reconhecimento social, e entre a inclinação ao altruísmo e a motivação atual pela relevância social da profissão.

A Tabela 7 apresenta os coeficientes de correlação de Pearson entre as inclinações profissionais e os fatores que atualmente motivam o desenvolvimento da carreira profissional entre as mulheres.

 

 

Entre as mulheres, a inclinação profissional ao altruísmo apresentou correlações estatisticamente significativas e positivas em relação à motivação pela realização profissional e pela relevância social da profissão, e negativa em relação à motivação pela influência familiar e/ou de amigos. Ao lado disso, a inclinação profissional ao empreendedorismo apresentou correlação estatisticamente significativa e positiva em relação à motivação pelo reconhecimento social/status, e negativa em relação à motivação pela influência familiar e/ou de amigos.

 

DISCUSSÃO

Verifica-se o predomínio do sexo masculino nas âncoras profissionais Empreendedorismo e Autonomia e liberdade. Esses dados corroboram as idéias de Lassance e Magalhães (1997) que referem que o papel masculino encontra-se fortemente associado ao desempenho no trabalho, à produtividade e ao êxito profissional, associado à busca de reconhecimento e recompensa, que culmina com a busca do êxito profissional no mundo adulto. De fato, a inclinação profissional por Empreendedorismo revela sujeitos altamente motivados a provar que são capazes de superar grandes desafios e mostrar suas competências e habilidades, indivíduos com esta inclinação profissional tendem a disponibilizar mais tempo e energia para o investimento na carreira. Ressalta-se que as características desta âncora de carreira aproximam-se das conformações masculinas de identidade: a busca compulsiva pelo reconhecimento e recompensa que se estende desde as realizações escolares até o êxito profissional no mundo adulto (Lassance e Magalhães, 1997). Já a inclinação profissional Autonomia e Liberdade requer um alto investimento na carreira autônoma, que também supõe desafios e um elevado desempenho para provar a competência em se gerir um negócio próprio, aproximando-se também das características da identidade masculina.

Quanto ao sexo feminino, constatou-se neste estudo uma tendência maior para as inclinações profissionais “Altruísmo” e “Estabilidade e qualidade de vida”. A preferência do sexo feminino para a inclinação profissional Altruísmo aponta para as idéias de Giddens (1996), que verifica uma tendência da mulher de transferir para a esfera pública, características consideradas femininas como o cuidar do outro e a busca do entendimento mútuo. A inclinação para “Estabilidade e qualidade de vida” pode estar relacionada à preocupação da mulher em conciliar a vida profissional com a vida familiar, havendo investimentos parciais na carreira em detrimento do tempo de dedicação à família e à vida pessoal. Tal característica da socialização do gênero feminino é abordada por Lassance e Magalhães (1997), que referem que a vida profissional ainda possui um papel secundário para a mulher, podendo haver redução na carga horária ou mesmo interrupções temporárias ou definitivas da mesma para dedicar-se à criação dos filhos e à vida doméstica.

De fato, das quatro inclinações profissionais descritas, Empreendedorismo e Autonomia e Liberdade exigem grande dedicação e investimento nas carreiras, e podem estar associadas ao masculino devido ao fato da dedicação ao trabalho ser um forte referencial para a identidade masculina, além do fato dos homens ainda serem considerados os principais provedores da família, em que pese os avanços das mulheres nessa área. Já as inclinações profissionais Altruísmo e Estabilidade e Qualidade de Vida não requerem dedicação exclusiva, aproximando-se das características de identidade feminina atual.

Outro dado que apóia essa hipótese foi a maior importância que as mulheres desse estudo atribuíram à relevância social da profissão. É importante notar que essa característica foi apontada não só como fator motivador para a escolha da profissão, como para o desenvolvimento da carreira profissional atual. Ou seja, essa é uma característica que tende a se manter ao longo do tempo entre as mulheres.

Embora hoje em dia a mulher também esteja inserida no mercado de trabalho, ela encontra-se dividida entre as exigências profissionais e familiares. As inclinações profissionais Altruísmo e Estabilidade e Qualidade de Vida parecem contemplar essa necessidade conciliatória das mulheres, de levar o cuidado aos outros para a esfera do trabalho (altruísmo) e encontrar carreiras profissionais que ofereçam segurança e possibilidade de dedicar tempo à vida familiar. Em contrapartida, os sujeitos masculinos apresentam forte inclinação profissional para Empreendedorismo e Autonomia e Liberdade, pois tendem a disponibilizar mais tempo e energia para o investimento na carreira profissional que as mulheres.

Outra diferença encontrada entre os gêneros verifica-se nos fatores que motivaram a escolha profissional dos sujeitos pesquisados. Enquanto os homens referem à influência familiar e de amigos como fator predominante, as mulheres consideram a realização profissional e a relevância social como fatores determinantes. Resultados similares foram encontrados por Alchieri e Charczuk (2002) e Lemos (2001), que verificaram que as escolhas dos sujeitos masculinos estão mais pautadas em fatores externos enquanto os sujeitos femininos pautam-se preferencialmente em aspectos internos.

Este estudo também possibilitou a investigação das relações entre inclinações profissionais e a motivação tanto para a escolha do curso quanto para o desenvolvimento da carreira profissional. Os dados mostraram que homens e mulheres possuem algumas características em comum e outras distintas em relação a essas variáveis. Tanto os homens quanto as mulheres inclinados profissionalmente à autonomia e liberdade escolheram a profissão pouco motivados pela realização profissional, mas as mulheres com essa mesma inclinação tenderam a escolher a profissão motivadas pela influência familiar e/ou de amigos. Em que pese a busca por uma maior flexibilidade na atividade profissional e pelo empreendimento de um negócio próprio, características desta âncora de carreira, essas atividades não estão relacionadas ao prazer na profissão para os sujeitos de ambos os sexos. Os dados encontrados sugerem que fatores externos pesam mais nos critérios de escolha desses sujeitos, em especial os sujeitos femininos, onde a influência familiar e de amigos também é um fator considerado.

Em relação à inclinação ao altruísmo, ambos os gêneros escolheram a profissão motivados por sua relevância social. Trata-se de uma característica dessa âncora de carreira o desejo de colaborar pela melhoria da sociedade através da atividade profissional, mas as mulheres com inclinação ao altruísmo também escolheram menos motivadas pelo reconhecimento social e status da profissão, o que revela que as mulheres encontram-se ainda menos pautadas em referenciais externos que os homens.

Ao lado disso, os homens inclinados profissionalmente à estabilidade e manutenção do estilo de vida relataram maior influência do retorno financeiro como fator motivador para a escolha da profissão. Tal resultado é coerente com a característica desta âncora de carreira, que busca conservar o estilo de vida conquistado e conciliar vida pessoal, familiar e profissional. A preocupação com o retorno financeiro pode ser a maneira encontrada pelos sujeitos para garantir a manutenção desta inclinação profissional. Aliado a este fator, a cobrança social pelo sustento familiar ainda recai socialmente sobre os homens, conforme afirmam Lassance e Magalhães (1997).

Em relação ao desenvolvimento atual da carreira profissional, ambos os gêneros inclinados profissionalmente ao empreendedorismo mostraram-se também mais motivados pelo reconhecimento social/status da profissão, mas as mulheres empreendedoras também se mostraram menos motivadas pela influência familiar ou de amigos. O alto grau de investimento na carreira exigido por esta âncora de carreira requer muitas vezes que os indivíduos renunciem a outros aspectos da vida pessoal e familiar. Para a mulher este fator é mais complicado, uma vez que é esperado socialmente desta que possa conciliar as atividades domésticas e familiares à atividade profissional (Lassance e Magalhães, 1997). Parece que as mulheres com esta inclinação profissional mostram-se menos propensas a atender aos apelos sociais referidos em prol de suas carreiras.

A inclinação profissional ao altruísmo apresentou relação com a motivação pela relevância social da profissão em ambos os sexos, mas as mulheres com essa mesma inclinação também se mostraram mais motivadas pela realização profissional e menos pela influência familiar e/ou de amigos. Os sujeitos femininos parecem possuir maior afinidade com esta âncora de carreira que os homens, corroborando as idéias de Giddens (1996) que ressalta a crescente tendência da mulher em transferir para a esfera pública, através da atividade profissional, a preocupação e o cuidado do outro, antes relegados à esfera do privado, características estas relacionadas à identidade feminina.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo permitiu verificar que os diferentes referenciais de carreira evidenciaram diferenças específicas entre os gêneros, em relação a essas variáveis. Tais resultados explicam-se em face da crescente destradicionalização da sociedade e da flexibilização das pautas de identidade de gênero (Giddens, 1996), que permitem aos indivíduos incorporarem em sua personalidade elementos masculinos e femininos e uma adaptação mais rica e flexível à realidade física e social (Bernardes, 1993).

Verificou-se ainda que as mulheres apresentaram maior número de correlações entre inclinações profissionais e motivações tanto para a escolha quanto para o desenvolvimento da carreira profissional. Esses dados permitem concluir que as mulheres apresentam maior coerência interna tanto para a escolha quanto para o desenvolvimento da carreira profissional. Além disso, os dados sugerem a necessidade da realização de pesquisas para investigar a relação entre essas variáveis e traços de personalidade que possam atuar na base delas.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Endereço para correspondencia
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Recebido em 06/12/04
Revisto em 13/09/05
Aceito em 18/09/05

 

 

1 Participaram como colaboradores na realização da pesquisa deste artigo os alunos: Ana Kaori Honda, Carlos A. Guimarães, Henrique Kazuo Morimoto, Patrícia Yumi Toyoshima, Paula de Fátima T. G. Ranieri, Rebeca Waldemarin Maschietto, Sarah Moreira da Silva, Solange Bezerra Leal e Vivian Cestari Genicolo.

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