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Boletim de Psicologia

versão impressa ISSN 0006-5943

Bol. psicol v.55 n.123 São Paulo dez. 2005

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

Softwares para psicologia: regulamentação, produção nacional e pesquisas em psicologia clínica

 

Softwares for psychology: regulation, national production and clinical psychology research

 

 

Oliver Zancul Prado

Universidade Paulista (UNIP) e Instituto de Psicologia Comportamental de São Carlos (IPC)

Endereço para correspondencia

 

 


RESUMO

Este artigo aborda a regulamentação e produção Brasileira de softwares e sistemas para Psicologia, onde foram encontradas produções comerciais e científicas sobre informática aplicada à Psicologia. A área clínica ainda carece de conhecimentos e produtos informatizados. Foi então realizada uma revisão na literatura envolvendo pesquisas em Psicologia clínica e constatou-se que existe uma baixa freqüência de pesquisas quantitativas e voltadas aos resultados dos tratamentos. Verifica-se que a dificuldade metodológica para a realização de tais pesquisas, poderia ser superada com a utilização de sistemas clínicos. Algumas iniciativas sobre sistemas clínicos são demonstradas, bem como suas vantagens em relação ao registro de dados clínicos em papel.

Palavras-chave: Avaliação psicológica, Psicologia clínica, Clínicas-escolas, Informática, Pesquisa.


ABSTRACT

This article analyses Brazilian commercial and scientific software production and regulation applied to Psychology. The clinical area still lacks knowledge and informational products. A literature review was conducted, based on clinical psychological research, pointing to a low frequency of quantitative and result based research. It is verified that the methodological difficulties for the accomplishment of such research could be surpassed using clinical systems. Some initiatives on clinical systems are demonstrated, as well as its advantages over clinical data registered on paper.

Keywords: Psychological evaluation, Clinical psychology, Psychological university clinic, Computer science, Research.


 

 

Atualmente não se coloca em dúvida que estamos vivendo um momento de profunda transformação social à medida que os computadores e a informática ocupam cada vez mais um papel central e fundamental em nossas vidas e em nosso trabalho.

Empresas e instituições de diferentes dimensões e ramos de atuação dependem de sistemas informatizados. Como seria possível existir hoje um aeroporto, um hospital, uma universidade ou uma prefeitura sem a utilização de sistemas para controle e gerenciamento das atividades?

Porém como os psicólogos no Brasil, em especial os psicólogos clínicos e da saúde, estão incorporando estas novas tecnologias em seu trabalho? Já é suficiente para nossa profissão utilizar processadores de texto, se conectar à Internet, navegar e enviar e-mails? De que forma a informática vem sendo aplicada como instrumento psicológico e também para auxiliar na administração de serviços e técnicas psicológicas e na avaliação de resultados de intervenções?

Os objetivos deste artigo são de verificar como, no Brasil, a informática vem sendo aplicada como instrumental específico para a Psicologia e discutir as potencialidades e a lacuna que ainda existe nesta área no que diz respeito ao uso da informática como um instrumento para gerenciar serviços e para facilitar a realização de pesquisas em Psicologia clínica. Optou-se por incluir apenas a produção nacional, dado que se tratando de um assunto especializado, informática aplicada à Psicologia, a produção estrangeira não poderia ser facilmente utilizada no Brasil devido à falta de versões dos softwares em língua portuguesa bem como acerca de questões envolvendo regulamentação profissional e validação científica local.

Também se excluem dos objetivos deste artigo a utilização de softwares genéricos como pacotes de escritório, programas de estatística e programas para pesquisas experimentais, dado que esses não são criados para a utilização na prestação de serviços psicológicos.

Como fontes primárias de consulta foram utilizados os sites da Biblioteca Virtual de Psicologia (Biblioteca Virtual em Saúde - Psicologia, 2005) e do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo (Conselho Regional de Psicologia, 2005).

 

PSICOLOGIA E INFORMÁTICA: REGULAMENTAÇÃO PROFISSIONAL

O Conselho Federal de Psicologia tem prestado maior atenção à informática, principalmente devido ao advento da Internet, realizando eventos como o I e o II Psicoinfo (I Seminário Brasileiro de Psicologia e Informática e II Seminário Brasileiro de Psicologia e Informática) em 1998 e 2003.

Os Conselhos Regionais e o Federal de Psicologia também estão sensíveis às interfaces entre Psicologia e Informática e as novas possibilidades de oferta de serviços psicológicos e editaram a Resolução 012/2005 (CFP, 2005), que regulamenta o atendimento psicológico mediado pelo computador, e a Resolução 011/2000 (CFP, 2000b), que disciplina a oferta de produtos e serviços ao público, incluindo especificações para produtos informatizados (versão do software, especificações de hardware, licenças de uso e linguagem de programação).

Também no Anexo 1 da Resolução 002/2003 (CFP, 2003) o Conselho Federal de Psicologia especifica a opção para testes e correções informatizadas dentre os critérios de avaliação de testes psicológicos.

 

SOFTWARES PARA AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA

Já existem no Brasil alguns testes psicológicos informatizados e softwares para correção de testes convencionais, que são comercializados.

• Casa do Psicólogo (Casa do Psicólogo, 2005): Software de correção para: IFP - Inventário Fatorial de Personalidade e IAT - Inventário de Atitudes no Trabalho;
• Vetor (Vetor Editora, 2005) : Testes informatizados: G-36, G-38, R-1, Quati - versão 2, CPS - Inventário de Comrey, LIP - Levantamento de Interesses Profissionais, QVI - Questionário Vocacional de Interesses, R-4 - Questionário do Adolescente e software para avaliação do PMK.

Tratando-se de publicação científica, relatando o uso e desenvolvimento de softwares para avaliação psicológica, foram encontrados estudos de desenvolvimento e descrição de testes psicológicos informatizados. Bandeira (1996) avaliou a influência no desempenho individual de um teste de raciocínio verbal informatizado e posteriormente a influência num teste de raciocínio numérico (Bandeira, 2003).

Primi, Flores-Mendoza e Castilho (1998) desenvolveram uma versão experimental das Matrizes Progressivas de Raven – Escala Avançada e testaram suas propriedades psicométricas.

Capovilla, Macedo, Duduchi e Soria (1997a) publicaram a descrição técnica do Software CronoFonos de avaliação de leitura em voz alta, sua aplicação em estudantes universitários (Capovilla et al., 1997b) e sua validação (Capovilla e Capovilla, 1998). O autor também ressaltou a utilidade de versões computadorizadas de testes psicológicos para portadores de deficiências motoras (Capovilla, Macedo, Capovilla, Thiers e Duduchi, 1997), posteriormente realizando validações preliminares de testes computadorizados para paralisados cerebrais dos testes: Escala de Maturidade Mental Colúmbia (Capovilla, Thiers, Capovilla, Macedo, Duduchi e Guedes, 1997), Reversal Test, Teste de Prontidão para Leitura e Teste de Maturidade para Leitura (Capovilla, Thiers, Macedo e Duduchi, 1998) e Teste do Vocabulário Por Imagens Peabody (Capovilla, Thiers, Macedo, Raphael e Duduchi, 1998).

Assim, é possível verificar que existe produção de softwares na área de avaliação psicológica, mas em quantidade limitada em comparação à quantidade de testes psicológicos convencionais. Observa-se também que a produção experimental de testes informatizados, que existe desde a década de 90, é maior do que a quantidade de testes informatizados comercializados e portanto disponíveis para uso.

 

SOFTWARES PARA SERVIÇOS DE PSICOLOGIA

Os psicólogos no Brasil estão utilizando a informática como instrumento psicológico na área de avaliação psicológica, porém a área de tratamento psicológico é uma das que carecem de produtos comercializados e produção científica.

Além dos softwares de avaliação psicológica, uma outra forma da Informática ser aplicada à Psicologia é na forma de sistemas clínicos, que podem ser definidos de forma ampla como sistemas que registram atendimentos, prontuários, dados clínicos e emitem relatórios.

É importante ressaltar que a utilização de sistemas clínicos não é algo novo, já na década de 90 este tema estava amplamente desenvolvido no exterior, onde os programas de computador eram utilizados para apoio a decisões clínicas, auxiliares no atendimento, como ferramenta de coleta de dados, como instrumento para fazer diagnósticos, como guias de programas terapêuticos e ainda como programas de auto-ajuda (Trabin, 1996).

Também no Brasil, a Medicina e a Psiquiatria já haviam incorporado na década passada, a Informática para pesquisas, coleta, armazenamento e processamento de dados, sendo que Carvalho e Sougey (1996) apresentaram a evolução dos programas de Psiquiatria, incluindo técnicas de Inteligência Artificial.

Dado que a prática profissional da Psicologia difere substancialmente da médica e de outras áreas da saúde, os sistemas já desenvolvidos nessas áreas não são facilmente utilizados por psicólogos, já que por exemplo, existe nesses sistemas atenção na prescrição de medicação, diagnóstico médico, bem como são geralmente desenvolvidos para ambientes médicos e ambulatoriais.

Buscando informações sobre a informatização de clínicas e serviços psicológicos, foram encontradas apenas duas experiências publicadas sobre o assunto: a informatização da clínica da USP (Herzberg, 2000), da PUC SP (Farah, 2000) e também foi encontrada uma Dissertação de Mestrado sobre terapia via Internet (Prado, 2003) que aborda o gerenciamento de inscrições e salas de terapia.

A experiência de informatização da clínica-escola do Instituto de Psicologia da USP (Herzberg, 2000), iniciou em 1995, na qual a autora relata a dificuldade do acesso ao percurso de um cliente dentro da instituição, onde as formas de registro e arquivo não permitiam um acesso ágil aos dados dos usuários da clínica-escola.

O interesse da USP na informatização de sua clínica-escola partiu então deste ponto e com a perspectiva de facilitar a realização de pesquisas sobre atendimento psicológico, acessar informações dos serviços realizados na clínica e eliminar burocracias internas, que consumiam horas de trabalho dos profissionais, alunos e supervisores. Foram identificados três eixos fundamentais na Instituição: atendimento à comunidade, formação do aluno e pesquisa.

Herzberg (2000) descreve algumas rotinas levantadas no processo de informatização que posteriormente foram incluídas no software:

• Passos percorridos pelos usuários da clínica (ficha de inscrição, triagem, tipos de atendimentos);
• Emissão de Cartas e Atestados;
• Emissão de Relatórios;
• Cadastro de Profissionais e Instituições
• Cadastro de Salas de Atendimento, Testes psicológicos, Materiais e Livros.

Ela ainda relata que o processo de informatização foi moroso estendendo-se de 1995 a 2000 (sendo que na data da publicação do capítulo o software ainda não havia sido concluído) e uma das principais razões para a lentidão foi a dificuldade de comunicação entre os profissionais da Psicologia e da Informática. O nome do software é PSICOUSP, de autoria de Hezberg e Pinotti (2000) e não possui registro ou patente.

Outra experiência aconteceu na PUC-SP (Farah, 2000). A informatização se iniciou em 1995 objetivando criar uma versão informatizada do “Boletim Clínico” que se expandiu para a criação de uma home page da clínica, para informatizar a comunicação interna e externa e para divulgar mais efetivamente os serviços oferecidos. A autora destaca a amplitude de desdobramentos que a tarefa adquiriu. Posteriormente esforços foram feitos para poder oferecer orientações psicológicas para a população que entrava em contato com a clínica via Internet. Todavia não se encontra menção à informatização dos atendimentos e serviços oferecidos dentro da clínica-escola da PUC-SP, embora sejam utilizados nessa clínica softwares para gerenciamento de serviços, que foram criados pelos funcionários da instituição.

Prado (2003), em sua Dissertação de Mestrado, buscou avaliar a possibilidade prática de se realizar terapia via Internet e avaliar a formação e manutenção da relação terapêutica. Para realizar o estudo, um software público, originalmente desenvolvido para educação à distância, foi adaptado. O programa foi desenvolvido para oferecer cursos via Internet e dispunha de recursos administrativos e de comunicação, porém para oferecer terapia, algumas mudanças foram realizadas.

Foram incluídas novas tabelas no banco de dados, relativas às informações de clientes e terapeutas e ao questionário de avaliação da relação terapêutica, também foram incluídas novas funcionalidades administrativas no sistema para o acompanhamento das terapias. Assim foi obtido um sistema de gestão de serviços de Psicologia via Internet que administrava: inscrição, terapias, questionários respondidos e salas virtuais de atendimento.

De acordo com Prado (2003, p. 66):

“Foi verificada a extrema importância de um sistema integrado de comunicação e base de dados com informações dos participantes, que foi o que permitiu a criação de uma grande quantidade de salas de terapia. ... Além disso, o uso desses sistemas permitiu que fosse realizado, em uma pesquisa de Mestrado, todo um serviço de atendimento psicológico, compreendendo inscrição e atendimento, em que quase todos os passos puderam ser registrados e administrados com certa facilidade e com um custo relativamente baixo”.

O sistema integrado permitiu o registro de dados, que inicialmente não fazia parte dos objetivos iniciais, dada a facilidade de coleta e armazenamento o que resultou em um banco de dados de informações clínicas que possibilita diversas outras análises e cruzamentos de dados, que estão sendo realizados após o término da pesquisa de Mestrado.

Dentre as informações registradas pelo sistema utilizado por Prado se destacam:

Dados de inscrição e participação na pesquisa: compreendendo os diversos passos para inscrição na pesquisa, as taxas e momentos de abandono antes e após o inicio das terapias;
• Dados demográficos e hábitos de uso de Internet: segmentados por grupos de clientes e terapeutas, com análises estatísticas, que verificaram características demográficas, e de uso de Internet, que influenciaram a permanência na pesquisa;
• Dados de relação terapêutica: respostas de clientes e terapeutas segmentadas em diferentes grupos e momentos de aplicação;
• Troca de mensagens na terapia: informações sobre o número de mensagens enviadas, intervalo entre as mensagens e tamanho das mensagens, que posteriormente foram relacionadas à formação e manutenção da relação terapêutica.
• Impressões gerais relativas ao processo terapêutico: avaliações de clientes e terapeutas sobre as terapias via Internet.

Observando os dados coletados e o número de participantes, (373 clientes e 20 terapeutas inscritos) e o número de terapias realizadas (53 terapias) é possível concluir que estes dados não poderiam ser, dentro do tempo previsto para um mestrado, processados e analisados sem o auxílio de um software de administração clínica.

Assim, verifica-se a grande utilidade que o uso da informática tem para a área de atendimento psicológico e para a pesquisa nessa área. Contudo, o que pode acarretar a não utilização da informática em ambiente clínico? A obtenção de respostas às perguntas abaixo pode ser consideravelmente trabalhosa, ao passo que com a utilização de sistemas clínicos poderiam ser respondidas automaticamente:

• Qual é o perfil sócio-demográfico dos usuários?
• Quais são as principais demandas apresentadas pelos usuários?
• Quantos atendimentos foram ou estão sendo realizados em determinado período?
• Qual é a taxa de abandono e altas e quais são as razões?
• Quais são as taxas de freqüência e faltas aos atendimentos?
• Qual é o tempo médio da fila de espera?
• Quantas vagas estão disponíveis atualmente?
• Qual serviço está atendendo ou atendeu determinado cliente?

Ao se constatar que a maioria das instituições que prestam atendimento psicológico ainda mantém registros em papel, apesar de terem computadores disponíveis, é possível verificar a grande lacuna a ser preenchida nesta área e a imensa dificuldade de se conhecer e avaliar de forma sistemática o trabalho realizado pelos psicólogos clínicos e da saúde.

 

PUBLICAÇÕES SOBRE CLÍNICAS ESCOLAS E RESULTADOS DE INTERVENÇÕES PSICOLÓGICAS

Observando a lacuna da produção da informática aplicada à Psicologia clínica, espera-se que isso tenha produzido impacto negativo na produção científica da área. Para verificar isso foi realizado um levantamento bibliográfico.

A base de dados bibliográfica IndexPsi Periódicos (Biblioteca Virtual em Saúde - Psicologia, 2005) reúne a catalogação de referências bibliográficas dos principais periódicos técnicos e científicos brasileiros na área de Psicologia.

Ao buscar artigos com a palavra “psicoterapia” foram localizados 1077 registros, com “orientação”, 327 registros, com “aconselhamento”, 88 registros e com “terapia”, 657 registros. Ao se buscar as palavras “resultados de tratamento” no campo descritor de assuntos, o resultado é de apenas 38 registros. A busca à palavra “queixa” ou “queixas” no campo palavras localizou apenas 18 registros.

Buscando as palavras “clínica-escola” ou “clínicas-escolas” levou a 30 registros. Observando os registros verifica-se que 13 artigos tratam de assuntos como: caracterização da população atendida, queixas, abandono de terapias, aderência a tratamentos e triagem.

Estes números podem não ilustrar de forma exata a diferença entre as publicações sobre os serviços e seus resultados, já que um mesmo artigo pode estar indexado com mais de um termo, bem como o sistema sofre atualizações constantes o que vai modificar o número de registros recuperados. Porém dada a disparidade desses números é possível concluir que a freqüência de artigos sobre resultados de tratamento e características de população é consideravelmente inferior aos artigos que abordam os serviços psicológicos de outras formas.

fim de ilustrar como sistemas clínicos poderiam auxiliar a pesquisa em Psicologia, alguns estudos sobre clínicas-escolas foram selecionados.

 

ESTUDOS SOBRE CARACTERIZAÇÃO DA POPULAÇÃO

Carvalho e Terzis (1988) apresentaram resultados parciais de um levantamento de caracterização de população atendida em clínica-escola usando método epidemiológico avaliando: formas de encaminhamento, urgência para atendimento, informantes, indicações para diferentes atendimentos, duração de atendimentos e interrupções ao tratamento. Posteriormente Terzis e Carvalho (1988) fizeram um estudo maior de identificação da população que procurava a clínica-escola da PUCCAMP entre 1970 a 1985, com uma amostra de 2.102 pacientes, encontrando predominância de faixas etárias, estado civil e níveis de escolaridade.

Barbosa e Silvares (1994) fizeram uma caracterização preliminar de atendimentos psicológicos e da população em clínicas escolas da cidade de Fortaleza durante os anos de 1988 e 1990, obtendo 4.446 prontuários de clientes, encontrando resultados acerca de queixas, faixas etárias, sexo e funcionamento específico das instituições.

Romaro e Capitão (2003) caracterizaram a clientela da clínica-escola da Universidade São Francisco entre 1995 e 2000 consultando os prontuários e fichas de triagem a fim de criar serviços para atender à demanda relativa às faixas etárias.

Os estudos acima, de caracterização da população, se justificam pois demonstram quem são as pessoas que procuram atendimento. Com a utilização de sistemas clínicos, estudos desse tipo poderiam ser feitos com maior freqüência e indo além da caracterização da população, já que com os prontuários e fichas informatizados poderiam ser emitidos relatórios de perfil populacional ou os dados do sistema poderiam ser exportados para programas de estatísticas ou planilhas o que iria economizar esforços na coleta e processamento de dados.

 

ESTUDOS SOBRE RESULTADOS DE TRATAMENTOS

Lopez (1983) realizou um estudo entre 1979 e 1980 compreendendo clínicasescolas do Estado de São Paulo com informações do ano de 1977 de 2.826 casos e as variáveis: faixa etária, atendimento oferecido, comparecimento e motivos de desistência. Concluindo que a eficácia dos tratamentos psicológicos é questionável.

Santos, Moura e Ribeiro (1993) caracterizaram a clientela de adolescentes e adultos de uma clínica-escola, com dados de prontuários de clientes dos anos de 1987 a 1989, inserindo parte dos dados disponíveis em um banco de dados (d-Base III plus) para facilitar a análise e concluindo que existe o predomínio de desistência ou abandono nos tratamentos.

Lhullier, Nunes, Antochevis, Porto e Figueiredo (2000) avaliaram o abandono de psicoterapia, quando houve troca de terapeutas durante a terapia, em um levantamento entre 1995 e 2000.

Guntert et al. (2000) realizaram uma pesquisa qualitativa com 11 pacientes de clinica-escola, buscando determinar fatores determinantes para aderência ou abandono de psicoterapia.

No estudo de Lopez (1983) um ano foi segmentado para poder realizar a análise de dados. Provavelmente foi um dos primeiros estudos em larga escala e que demonstrou uma realidade desafiadora para a Psicologia. Com a utilização de sistemas clínicos, estudos como esse, poderiam ser realizados com dados atuais à medida que são coletados.

Santos et al. (1993) utilizaram a informática para análise de parte dos dados disponíveis e novamente levando a conclusões importantes para a área. Embora tenha utilizado um banco de dados, esses estavam originalmente em papel, o que demandou um trabalho extenso apenas para “tabular” os dados e que provavelmente é um fator que conta para que sejam feitos poucos estudos desse tipo.

Estudos como o de Lhullier et al. (2000) e Guntert et al. (2000) mostram variáveis que contam para o abandono da terapia, algo de extrema importância para área e que não é estudado de forma rotineira. Pelo grande número de autores pode-se supor que são estudos que demandam muito trabalho e que poderiam se beneficiar com a utilização de sistemas clínicos, que poderiam realizar levantamento e cruzamento de dados de maneira semi-automatizada.

 

ESTUDOS SOBRE TRIAGEM E QUEIXAS

Carvalho e Telles (2001) realizaram um estudo com 100 pacientes triados e escolhidos aleatoriamente entre 1996 e 1998, caracterizando informações demográficas e de queixas. Souza e Silvares (2002) verificaram em um estudo o perfil de queixas de mulheres e o silêncio sobre a menopausa na clínica-escola do Instituto de Psicologia da USP onde categorizaram as queixas e verificaram nítido aumento de queixas físicas a partir dos 36 anos de idade.

Salinas e Santos (2002) propuseram um novo modelo de triagem e buscaram avaliar a sua efetividade e como este processo pode facilitar o comprometimento do paciente em seu atendimento.

Por fim, Perfeito e Melo (2004) analisaram o processo de triagem de um serviço de Psicologia Aplicada de uma Universidade Federal chegando à conclusão de que o serviço não pôde realizar sua tarefa dadas as dificuldades de integrar os diversos segmentos envolvidos, gerando a necessidade de repensar e construir uma nova prática.

Estudos que avaliam a triagem em clínicas-escolas são importantes pois mostram retratos dos problemas da população e colaboram para a reformulação e adaptação dos serviços prestados. Dado que geralmente os registros de triagem estão armazenados em papel, esses também são estudos que demandam muito esforço para processamento dos mesmos, isso foi verificado no estudo de Carvalho e Telles (2001) onde provavelmente escolheram 100 pacientes aleatoriamente devido a carga de trabalho envolvida. Sistemas clínicos poderiam colaborar para aumentar a freqüência desses estudos, pois os dados de triagem já estariam em formato digital.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É evidente que existe uma lacuna na informática aplicada à Psicologia no Brasil, sendo que esta situação colabora para que existam poucas pesquisas quantitativas sendo realizadas no ambiente clínico.

Mesmo com a utilização da informática para a análise dos dados em forma de planilhas ou programas estatísticos, o fato da informação inicial estar em papel, faz com que o trabalho de coleta aumente consideravelmente e se torne um dos principais desafios para a realização de pesquisas deste tipo.

Provavelmente estes fatores contem para a baixa freqüência de pesquisas e publicações relativas a estes assuntos e a falta de continuidade de pesquisas realizadas nas mesmas instituições ao longo dos anos. Estamos então nos deparando com problemas eminentemente metodológicos, os quais poderiam ser solucionados com sistemas informatizados de registro de informações clínicas.

Uma outra questão muito séria, que se levanta a partir destas constatações, é o fato dos psicólogos não conhecerem e não avaliarem de forma sistemática o seu trabalho em clínica.

Não obstante existe regulamentação profissional relativa a softwares para Psicologia e não nos faltam instrumentos de avaliação de tratamento e instrumentos de diagnóstico, encontrados na forma de testes psicológicos comerciais ou inventários padronizados. O que nos falta é uma metodologia padronizada para registrar dados e nosso trabalho de intervenção para posteriormente conhecer nossos clientes, seus problemas e o que fazemos dentro dos consultórios particulares, clínicas-escolas e instituições privadas e públicas.

Assim é necessário que sistemas clínicos específicos para a Psicologia sejam desenvolvidos para colaborar na solução desses problemas. Esses sistemas poderão auxiliar na gestão dos serviços de Psicologia clínica, ao mesmo tempo em que podem auxiliar o psicólogo a realizar pesquisas, já que os dados a serem coletados já estarão disponíveis em formato eletrônico.

Sistemas deste tipo também podem possibilitar o intercâmbio de dados padronizados entre diferentes instituições de ensino e pesquisa, criando oportunidade para a realização de estudos na área de “psicoterapia baseada em evidências”, que segundo Neves Neto (2003), envolvem a avaliação de Eficácia, Efetividade, Segurança e Custo.

Finalmente é importante ressaltar que a utilização de sistemas clínicos depende da disponibilidade de computadores, de treinamento de usuários e de mudança nas rotinas administrativas. A mudança de práticas e hábitos em ambientes de trabalho requer planejamento e adesão de todos os membros envolvidos.

Os psicólogos são profissionais, que historicamente têm pouco conhecimento e hábito no uso de computadores o que provavelmente contribuiu também para este cenário. Todavia esta é uma realidade que aos poucos está se modificando e espera-se que no futuro a Psicologia possa estar tão bem desenvolvida tecnologicamente quanto as outras áreas da saúde no que diz respeito a produtos de informática e sistemas clínicos.

 

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Rua Rui Barbosa 1277
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E-mail: ozp@psico.net

Recebido em 01/04/05
Revisto em 08/08/05
Aceito em 15/08/05

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