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Boletim de Psicologia

versão impressa ISSN 0006-5943

Bol. psicol v.55 n.124 São Paulo jun. 2006

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

Ansiedade em adolescentes portadores de Diabetes mellitus

 

Anxiety in adolescents with Diabetes mellitus

 

 

Yael Gotlieb BallasI, 1; Irai Cristina Boccato AlvesI, 2; Walquiria Fonseca DuarteII, III3

I LITEP - Instituto de Psicologia da USP
II Instituto de Psicologia da USP
III Faculdade de Psicologia da UNISA

 

 


RESUMO

A adolescência é um período de transformações corporais, tanto biológicas quanto subjetivas, geradoras de`conflitos, e pode ficar ainda mais conflituosa se a ela se soma uma doença como o Diabetes Mellitus, que resulta em muitas restrições. Partiu-se da hipótese de que os adolescentes portadores de diabetes apresentariam níveis mais altos de ansiedade, quando comparados aos adolescentes sadios. Para investigar essas diferenças foi aplicado o Inventário de Ansiedade Traço-Estado (IDATE). A amostra foi composta por 62 adolescentes, metade com diabetes e metades sadios, com idades entre 14 e 20 anos. Concluiu-se que os adolescentes portadores de diabetes não são diferentes dos sadios, no que diz respeito à ansiedade, contradizendo alguns dados da literatura que relatam mais problemas emocionais nos portadores de diabetes.

Palavras-chave: Inventário de Ansiedade Traço-Estado, Adolescência, Diabetes Mellitus Insulino Dependente.


ABSTRACT

Adolescence is a period of biological and subjective body changes that presents conflicts and may yet become more conflictive when affected by a disease imposing constraints such as Diabetes Mellitus. This study takes into account the hypothesis that diabetic adolescents would present higher anxiety levels, when compared to healthy adolescents. In order to examine potential differences, it was applied the Trace-State Anxiety Inventory (IDATE). The research comprised 62 adolescents, half of which were diabetics and half healthy, with ages between 14 and 20 years old. Results led to the conclusion that the diabetic adolescents are not different from their healthy peers, regarding anxiety, contradicting some literature data that report more emotional difficulties in this population.

Keywords: Trace-State Anxiety Inventory (IDATE), Adolescence, Insulin Dependent Diabetes Mellitus.


 

 

A adolescência, enquanto fase do desenvolvimento humano, tem características bastante singulares: é o momento da mudança de status, quando a criança passa a ingressar no mundo dos adultos com tudo aquilo que diz respeito a esse universo (Aberastury e Knobel, 1992). De particular importância, é a mudança do corpo, não só em termos da fisiologia, mas sobretudo em relação àquilo que ele passa a representar, isto é, um corpo tomado pelo desejo em função do ressurgir da sexualidade, resultado da passagem para a fase genital na qual o adolescente começa a desejar uma pessoa de fora do círculo familiar. Assim, semelhantes aos genitores do mesmo sexo, os adolescentes podem se relacionar e realizar-se sexualmente pela primeira vez (Freud, 1905/1987; Dolto, 1989; 1990).

Segundo Dolto (1989), para alcançar essa maturidade é necessário que o adolescente atravesse provas, supere uma certa quantidade de obstáculos, solucione crises oriundas de seu íntimo e/ou produzidas pelas pressões do meio social. De acordo com a sua sensibilidade particular, a sua fragilidade ou a sua força, o adolescente terá mais ou menos dificuldade para superar essa passagem, porém todos deverão, em algum momento, realizá-la.

Os adolescentes que não consumarem a ruptura que possibilita a autonomia, ou que viverem esta época com mais dificuldades, serão menos favorecidos do que os outros que a encaram de modo mais amadurecido. Mas todos, sem exceção, precisarão de toda vontade de viver e da força do desejo de se realizar para enfrentar essa morte da infância (Dolto, 1990). Para que o adolescente possa sair de uma situação para outra, é preciso que tenha um "Projeto de Vida", caracterizado por algo que imagina e fixa em um tempo e em um espaço diferentes daqueles em que viveu até então.

“A capacidade imaginativa do adolescente é, de modo geral, intensa. Freud (1908/1987) sugere ser a adolescência um período privilegiado de vida imaginativa que permite a articulação entre a subjetividade infantil e a adulta, momento no qual os devaneios teriam por função libertar os adolescentes de seus pais. Assim, se o adolescente dispuser de um projeto de vida, estará em condições de se separar de seus pais e ir em busca de seus próprios desejos e realizações” (Ballas, 2005, p. 10).

A adolescência é, então, um período bastante difícil, mais ainda quando o jovem se depara com uma doença crônica, isto é, algo que terá que tratar para sempre e, no caso específico do Diabetes Mellitus Insulino Dependente, várias vezes ao dia.

O Diabetes Mellitus Insulino Dependente (DMID) é definido como um desarranjo do metabolismo, fruto da carência na produção de insulina, hormônio responsável pela metabolização da glicose. Em função dessa incapacidade do organismo em produzir a insulina, é preciso que se faça uso de insulina exógena. O DMID é também conhecido como diabetes tipo I ou diabetes juvenil.

O diagnóstico é certeiro na presença de sintomas como poliúria (urinar em excesso), polidipsia (sede intensa com ingestão exagerada de líquidos), polifagia (apetite aumentado), cetonúria (presença de cetonas na urina) e rápida perda de peso junto com a elevação de concentração de glicose no plasma. Na ausência desses sintomas, o diagnóstico depende da mensuração de glicose no plasma sob condições padronizadas.

O objetivo do tratamento é a normalização da homeostase metabólica caracterizada pelo balanceamento entre o suprimento e a demanda de insulina que se realiza através da manutenção de dieta alimentar, da prática de exercícios físicos de maneira controlada e, especialmente, da insulinoterapia.

O problema principal do DMID são seus efeitos ao longo do tempo. Assim, como resultado das alterações glicêmicas, é possível (e provável) que o portador desenvolva complicações crônicas no decorrer da vida, como distúrbios cardiovasculares (angiopatias) e renais (nefropatias), bem como distúrbios nos sistemas neurológico (neuropatias) e visual (retinopatias) – enfermidades que podem reduzir a expectativa de vida do portador da doença em até um terço (Ministério da Saúde, 1993).

Existem também complicações agudas (comas diabéticos) que ocorrem a partir de crises de hipoglicemia ou de hiperglicemia (respectivamente baixo e alto nível na taxa de glicose no plasma). Esses quadros são mais comuns na adolescência do que entre as crianças e os adultos, porque os jovens tendem a exagerar no consumo de açúcares ou na prática de exercícios, bem como a “esquecer” os horários de aplicação da insulina, o que interfere diretamente na homeostase, gerando o quadro de descompensação diabética (Ministério da Saúde, 1993; Ballas, 1998).

A cura para o Diabetes já é uma luz visível no final do túnel. Muitos estudos vêm sendo desenvolvidos e o transplante de ilhotas de Langherans do pâncreas (estrutura responsável pela produção de insulina) é uma realidade. Porém, ainda é muito cedo para falar em uma cura definitiva, especialmente porque os resultados não são, ainda, plenamente satisfatórios. Mesmo assim, é importante ressaltar que os avanços e as possibilidades para todos os portadores de Diabetes são realmente significativos (www.diabetes.org.br).

Enquanto a cura não vem, os laboratórios investem em aparelhos que permitem melhorar a qualidade de vida porque, por exemplo, ao invés de várias aplicações diárias de insulina, já existem as “bombas”, uma aparelhagem pequena que, acoplada internamente ao corpo, libera a insulina conforme a necessidade, isto é, quando há ingestão alimentar, a bomba funciona como se fosse um pâncreas sadio, liberando insulina naturalmente (www.diabetes.org.br).

Padecer de Diabetes não é algo fácil para os adolescentes. A doença é invisível aos olhos dos outros porque não há nenhum sinal no corpo como ocorre, por exemplo, nas deficiências físicas, mas deixa marcas importantes no narcisismo do portador.

O narcisismo caracteriza-se pelo investimento libidinal do sujeito em si mesmo e nos outros (Freud, 1914/1987). Para que possa buscar um parceiro, o adolescente precisa acreditar-se capaz de amar e ser amado. Contudo, o jovem portador de diabetes apresenta, muitas vezes, dificuldade em engajar-se em uma relação amorosa pelo medo, tanto de seu futuro quanto pelo receio do próprio presente: o que tem a oferecer se não um corpo lesado pelo mal? Dar ao outro limitações? Como garantir que não será estigmatizado pela sua condição?

Muitos estudos foram realizados com o objetivo de investigar a condição afetiva, os comportamentos e os aspectos sociais referentes à vida das crianças e dos adolescentes portadores de Diabetes, bem como de seus pares e de suas famílias.

Ainda hoje é comum ouvir falar de “personalidade do doente crônico”, caracterizada pela presença de ansiedade, depressão, baixa auto-estima e forte dependência das figuras parentais. Alguns poucos autores procuram tirar esse estigma e descrevem que jovens portadores de DMID e outras doenças têm, sim, modos peculiares de viver a vida por conta da presença da doença, o que é bem diferente do que catalogar um sujeito, determinar um tipo específico de ser em função de uma característica (Seigel, Golden, Gough, Lashley e Sacker, 1990; Hamlett, Pellegrini e Katz, 1992; Kovacs, Obrosky, Goldston e Drash, 1997; Kovacs, Goldston, Obrosky e Bonar, 1997; Kohen, Burgess, Catal e Lant, 1998).

Muitos pesquisadores descreveram a presença de ansiedade e distúrbios de personalidade, especialmente a depressão, com mais freqüência entre os portadores de diabetes e de outras doenças crônicas do que em crianças e adolescentes sadios (Blanz, Rensch-Riemenn, Fritz e Schmidt, 1993; Basu, Datta e Datta, 1998; Gardner, 1998; Holmes, Respess, Greer e Frentz, 1998). Também foram observadas mais dificuldades no âmbito social entre aqueles sujeitos, quando comparados aos jovens que não apresentam doença crônica (Sayed e Leaverton, 1974; Lloyd, Robinson, Andrews, Elston e Fuller, 1993; Seiffge- Krenki, 1997).

Estudos longitudinais, desenvolvidos tanto por abordagens psicanalíticas como por comportamentais cognitivas, ressaltaram a importância em tratar o lado afetivo do portador de DMID, pois “estar bem” permite que o controle metabólico, essencial ao tratamento, seja efetuado. Assim, não basta tratar do aspecto orgânico, sendo essencial olhar, também, para o lado emocional dessa pessoa que sofre (Moran, Fonagy, Kurtz e Borton, 1991; Boardway, Delamater, Tomakowsky e Gutai, 1993; Challen, Davies, Willian e Baum, 1992; Liss, Waller, Kennard, Mc Intire e Capra, 1998).

Alguns estudos tratam do tema das internações, sendo que no Brasil a taxa de internações por diabetes é de 5,3 em 100.000 habitantes (Ministério da Saúde, 2003).

Em um estudo de Challen et al. (1992) foram examinadas crianças e adolescentes portadores de diabetes entre dez e 17 anos, para determinar as características dos que eram internados em hospitais com descompensação diabética, nos intervalos entre duas consultas com seus médicos. Dos 99 adolescentes que foram entrevistados, dez foram internados. Os resultados indicaram que estes dez que foram internados apresentaram dificuldades emocionais. Os autores concluíram que existiria uma associação entre os problemas emocionais e as internações. Assim eles enfatizam a necessidade de diagnóstico psicológico e de intervenção para reduzir as internações e os problemas decorrentes da descompensação diabética.

Do mesmo modo Liss et al. (1998), estudando adolescentes portadores de diabetes, constataram que pelo menos 88% dos que já haviam sido internados pelo menos uma vez apresentavam alguma desordem psiquiátrica importante, enquanto apenas 28% dos que não haviam sido internados apresentavam esses problemas. Observaram que, de modo geral, o grupo dos internados apresentava baixa auto-estima e baixa competência para estabelecer relações sociais.

Os estudos sobre diferentes aspectos do diabetes acabam tratando sempre de um doente e uma doença que precisa ser medicada. No entanto, pode-se considerar que o adolescente portador de diabetes apresenta um quadro singular de comportamento, modos de se relacionar e afetividade, que não são o resultado de uma personalidade doente, mas conseqüência da própria existência da enfermidade, que faz com que se estabeleçam relações complexas no seu ambiente social e familiar, modulando uma maneira de ser.

 

OBJETIVOS

Partindo da hipótese de que os adolescentes portadores de diabetes apresentam características peculiares de personalidade em função da presença da doença, o objetivo desta pesquisa foi o de investigar o nível de ansiedade, através do IDATE (Inventário de Ansiedade Traço e Estado), visto ser a ansiedade uma característica típica da adolescência e muito referida nas pesquisas com adolescentes portadores de DMID, como um diferencial entre este grupo e outros pela intensidade com que aparece.

 

MÉTODO

Participantes

A amostra foi composta por 62 adolescentes, com idades entre 14 anos e 20 anos (média de 17 anos), sendo metade portadores de diabetes e metade sadios, 36 do sexo feminino e 26 do masculino. Os adolescentes portadores de diabetes (grupo experimental) foram indicados por seus médicos, oriundos tanto do serviço público quanto do sistema privado, ou recrutados nas organizações não governamentais Associação do Diabetes Juvenil (ADJ) e Associação do Diabético de Osasco (ARADO). O grupo controle foi composto por adolescentes sadios, pareados por sexo, idade e nível sócio-econômico ao outro grupo, segundo indicações dos próprios portadores de diabetes ou encaminhados por uma instituição escolar e outra assistencial.

Instrumentos

Os instrumentos foram utilizados na seguinte seqüência:

1. Termo de consentimento com esclarecimentos sobre a pesquisa e necessariamente assinado pelos participantes e pelos pais ou responsáveis, conforme exigido pela Resolução 016/2000 do Conselho Federal de Psicologia;

2. Questionários de identificação com as variáveis: idade, sexo, situação laboral e escolar, participação em atividades sociais e características da estrutura familiar;

3. IDATE – O Inventário de Ansiedade Traço e Estado (Spielberger, Gorsuch e Lushene, 1979), traduzido e adaptado por Biaggio e Natalício, foi utilizado pela facilidade na aplicação, a objetividade dos dados, a presença de tabelas normativas brasileiras e a possibilidade de diferenciação entre aquilo que é característico da personalidade do sujeito e o que é reflexo do momento.

O IDATE compõe-se de duas escalas, cada uma com 20 afirmativas, sob a forma de escala Likert, que varia de um a quatro. A Escala de Ansiedade-Estado avalia como o sujeito se sente no momento e a de Ansiedade-Traço como ele geralmente se sente. As quatro categorias de respostas para a escala de Ansiedade-Estado são: 1 - absolutamente não; 2 - um pouco; 3 - bastante e 4 - muitíssimo. Para a escala de Ansiedade-Traço são: 1 - quase nunca; 2 - às vezes; 3 - freqüentemente e 4 - quase sempre. Os itens são colocados de tal maneira que, em alguns, uma avaliação 4 indica um alto nível de ansiedade e em outros, uma ansiedade baixa. O IDATE foi avaliado conforme os critérios propostos por Spielberger, Gorsuch e Lushene (1979).

Segundo os próprios autores, conceitua-se a “Ansiedade-estado como um estado emocional transitório ou condição do organismo humano caracterizado por sentimentos desagradáveis de tensão e apreensão conscientemente percebidos e por aumento na atividade do sistema nervoso autônomo. Já o traço de ansiedade (A-traço) refere-se às diferenças individuais relativamente estáveis em propensão à ansiedade, isto é, a diferença na tendência de reagir a situações percebidas como ameaçadoras com elevações na intensidade do estado de ansiedade” (Spielberger, Gorsuch e Lushene, 1979, p. 4).

Os dados foram tratados com os pontos brutos obtidos, sem o uso da tabela normativa, que apenas será apresentada para comparação. Quanto maior a pontuação obtida no teste, maior o nível de ansiedade. Para verificação de diferenças estatisticamente significantes foram feitos testes de associação, utilizando a distribuição do qui-quadrado, testes da mediana (Mann-Whitney) para a análise dos itens e o t de Student para determinar as diferenças das médias entre grupos. Para todos os testes, utilizou-se o nível de significância de 5%. Em alguns casos, foi adotado nível de significância de 10% apenas visando a apontar para uma tendência de diferenças entre os resultados obtidos (Berquò, Souza e Gotlieb, 1982; Siegel, 1956).

Procedimento

A participação na pesquisa dependeu exclusivamente do interesse dos adolescentes, bem como do consentimento dos pais ou responsáveis, conforme a Resolução 016/2000, que dispõe sobre a realização de pesquisa em Psicologia com seres humanos (Conselho Federal de Psicologia, 2000).

As aplicações foram individuais e duraram em torno de vinte minutos. Eram sempre iniciadas com a apresentação do projeto e assinatura do termo de consentimento. Na seqüência, eram coletados os dados do participante e aplicado o IDATE.

As aplicações foram realizadas, em sua maioria, nas residências dos participantes, tendo a pesquisadora respeitado as orientações técnicas para a aplicação de testes psicológicos (Hammer, 1991). Não foram encontradas quaisquer resistências para a aplicação dos instrumentos já que os horários foram previamente agendados com os adolescentes pela pesquisadora.

 

APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

A Tabela 1 apresenta as médias de pontos obtidas em cada uma das escalas, em cada sexo e grupo, bem como os dados normativos brasileiros.

 

 

Após a realização dos testes t, verificou-se que não havia diferenças estatisticamente significantes entre as médias dos grupos, tanto entre os sexos quanto ao seu status de sadio ou portador de diabetes. No entanto, as médias dos dois grupos desta pesquisa foram mais baixas do que a da amostra normativa, mas ainda dentro do intervalo de normalidade estabelecido pelo desvio padrão. Apesar da ausência de diferenças estatisticamente significantes, alguns pontos merecem atenção.

Os resultados desta pesquisa são semelhantes aos de Holmes et al. (1988), que não encontraram no grupo de portadores de diabetes uma tendência maior de apresentar dificuldades emocionais, entre elas a ansiedade, em relação aos adolescentes sadios.

Em outro estudo, Frey et al. (1997) descreveram que os portadores de diabetes são adolescentes como os outros, com conflitos e testando as normas e os valores das autoridades. Ou seja, sofrem e funcionam como todos os demais adolescentes.

Em se tratando dos resultados apenas do grupo experimental, na comparação entre os sexos, os dados apontaram para uma maior tendência das meninas de apresentarem ansiedade-traço, o que difere da pesquisa de Blanz et al. (1993), que concluíram que rapazes portadores de diabetes tenderam a apresentar mais problemas emocionais do que as adolescentes. Os autores explicaram tal fato pela presença maciça de exigências sociais para que elas sejam bem comportadas, mantendo assim uma atitude de controle diante da doença; enquanto o que se espera dos homens é a integridade física, status que não é alcançado pelos garotos portadores de diabetes. Por isso mesmo, eles apresentariam níveis mais altos de ansiedade.

Os resultados aqui obtidos também são diferentes dos encontrados por Di Llulo, Ranzini e Zavattini (1985), em que as adolescentes portadoras de diabetes tendiam a encarar melhor a doença e lidar menos ansiosamente com ela do que os rapazes, o que culturalmente estaria associado ao conceito de ‘saber cuidar’ exigido do sexo feminino, padrão não cobrado dos homens.

Esse tipo de associação também foi relatado por Ingersoll e Marrero (1992, p. 117), quando pesquisaram a qualidade de vida em adolescentes portadores de diabetes: “de um modo geral, as meninas parecem mesmo mais aptas que os garotos para admitir emoções negativas”. Por isso, lidam melhor com as exigências do tratamento, diferente dos garotos que reclamaram mais.

Foi também realizada uma análise estatística (Mann-Whitney) nos itens de cada uma das escalas (Ansiedade-Traço e Ansiedade-Estado) para verificar se havia diferenças em cada item entre os dois grupos, encontrando-se diferenças em nível de significância menor que 10%. Mesmo que esse valor seja alto, os dados são interessantes e merecem destaque.

O Item 10 da escala de Ansiedade-Estado é: “Sinto-me em casa”. Os postos médios do grupo experimental e controle foram respectivamente 34,53 e 24,47. O quiquadrado mostrou tendência a ser significante (p = 0,052).

Considerando que praticamente metade dos sujeitos do grupo de controle participou da pesquisa fora da sua casa, pode-se pensar que eles responderam de forma literal ao item e que os locais (escolas, casas de amigos, etc) em que foram coletados os dados não foram sentidos como um espaço acolhedor.

O item 15 da escala de Ansiedade-Traço levanta a questão do estado depressivo, condição bastante comum na adolescência, cuja redação é: “Sinto-me deprimido”. Os postos médios foram 35,0 para o grupo experimental e 28,0 para o controle, e o valor do qui-quadrado (p = 0,077) tendeu a ser significante. Este dado permite dizer que os adolescentes portadores de diabetes mostraram-se mais deprimidos do que seus pares sadios.

A depressão gera um arrebatamento psíquico muito intenso, com alteração completa do funcionamento e necessidade de tratamento medicamentoso para alívio dos sintomas. Já o transtorno distímico é um quadro mais leve e entre seus principais sintomas encontram-se falta de apetite, problemas com o sono, baixa auto-estima, falta de concentração ou dificuldade de tomar decisões e, também, falta de esperança - o que não é raro de ser encontrado na fase da adolescência (Kaplan e Sadock, 1998).

A vivência do estado depressivo nos adolescentes portadores de diabetes desta amostra pode ser comparada aos dados de Kohen et al. (1998) que, usando uma escala de qualidade de vida com objetivo de medir impressões, encontraram a presença de quadros depressivos com maior freqüência nos adolescentes portadores de diabetes do que nos seus pares sadios.

Blanz et al. (1993) também descreveram a presença de depressão e de introversão entre os adolescentes de sua amostra, sendo a prevalência destes no grupo experimental três vezes maior do que no grupo controle. Entre as justificativas, declaram que a necessidade de manutenção do controle age como precursor de transtorno, ainda mais para aqueles que o fazem de maneira exemplar, ou seja, o distúrbio aparece como resultado de uma altíssima exigência.

O trabalho de Seigel, Gorsuch e Lushene (1990), com portadores de anemia, de asma ou de diabetes, revelou a presença de depressão e baixa auto-estima entre os portadores de doenças crônicas em comparação aos adolescentes sadios. Este dado sobre a auto-estima é importante, pois se associa ao narcisismo, já mencionado, e é fundamental no estabelecimento das relações pessoais. Além disso, relaciona-se também às características de depressão (Kaplan e Sadock, 1998).

A pesquisa de Kovacs, Goldston et al (1997) traz importantes dados sobre a incidência de desordens psiquiátricas, especialmente quadros de depressão e ansiedade. Os autores descreveram que, depois de dez anos acompanhando portadores de diabetes, 47,6% deles desenvolveram desordens psiquiátricas ou tiveram piora em quadros anteriores ao diagnóstico da doença.

Vale ressaltar que não é possível apontar a presença de depressão nos adolescentes desta amostra, especialmente porque o Inventário de Ansiedade não tem como objetivo o diagnóstico desse quadro, mas apenas a caracterização de tipos de ansiedade. Além disso, seria notadamente incoerente assumir uma patologia tão importante com a resposta a apenas um item.

O item 18 da escala de Ansiedade-Traço corresponde a: “Levo os desapontamentos tão a sério que não consigo tirá-los da cabeça”. Os postos médios para os grupos experimental e de controle foram respectivamente 27,58 e 35,42. A diferença tendeu a ser significante (p = 0,075). Porém, a diferença aqui é o inverso do item anterior, porque são os jovens sadios que apresentam maiores freqüências dessa característica. A expressão em si denota uma característica singular da adolescência, visto representar a dramatização comum da fase, ou seja, neste período, os “sofrimentos” ficam exacerbados. Pode-se pensar, assim, que os portadores de diabetes já estariam vivenciando uma experiência bastante difícil e, por isso, não seriam tão afetados por quaisquer desapontamentos, já que eles têm uma ferida bem mais dolorida para tratar.

 

CONCLUSÕES

Os resultados do IDATE parecem evidenciar que, apesar da negação e da projeção, os adolescentes portadores de diabetes não conseguem deixar de viver a doença com tudo o que lhes impõe e, conseqüentemente, mostram uma tendência à depressão. Já os adolescentes sadios mostram seus conflitos de modo explícito: crescer é difícil.

O que os adolescentes de ambos os grupos mostram é que, diante dos conflitos, não há como recuar, mas apenas sofrer. E cabe aos profissionais da área da Saúde procurar fortalecer a auto-estima dos adolescentes para que possam ingressar no mundo adulto de uma forma mais saudável, conscientes de suas potencialidades e de suas dificuldades, mais tranqüilos em relação à realidade.

A experiência clínica decorrente dos dados apresentados alerta para a complexidade da compreensão dos adolescentes portadores de diabetes, indicando a necessidade de mais pesquisas com o tema. Os resultados do grupo experimental não se mostraram significativamente diferentes dos seus pares sadios, quando comparados através do IDATE, por razões que merecem análises mais aprofundadas pelos estudiosos da área.

Uma possibilidade seria a ampliação desta pesquisa, pois, com um número maior de sujeitos, é possível que as diferenças que apareceram nos itens com um nível de significância de 10% poderiam se tornar maiores, ou ao contrário mostrar que realmente não existem diferenças entre os dois grupos estudados, pelo menos no que diz respeito à ansiedade.

 

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Recebido em 27/04/06
Revisto em 22/09/06
Aceito em 25/09/06

 

 

1 Endereço para correspondência: Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Av. Prof. Mello Moraes 1721. São Paulo - SP. CEP 05508-900; Tel. 3091-4185. E-mail: yael@adca.com.br.
2 Endereço para correspondência: Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Av. Prof. Mello Moraes 1721. São Paulo - SP. CEP 05508-900; Tel. 3091-4185. E-mail: iraicba@usp.br.
3 Endereço para correspondência: Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Av. Prof. Mello Moraes 1721. São Paulo - SP. CEP 05508-900; Tel. 3091-4185. E-mail: walquiriafonseca@yahoo.com.br.

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