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Boletim de Psicologia

versión impresa ISSN 0006-5943

Bol. psicol v.56 n.125 São Paulo dic. 2006

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

 

A orientação profissional para jovens com déficit cognitivo: um relato de experiência1

 

Professional guidance for deficit cognitive people: an experience report

 

 

Leonardo Lopes*

Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo
Rede Pública Estadual de Ensino - São Paulo

 

 


RESUMO

Esta experiência foi realizada com o objetivo de promover a Orientação Profissional de jovens portadores de déficit cognitivo, adaptando-se modelos de atuação já consolidados. Entre 10 interessados em participar do programa, seis foram selecionados. Foram realizadas 13 sessões, nas quais se trabalhou a inclusão e a busca por uma ocupação que visasse a autonomia dos participantes, através de quatro eixos norteadores: auto-conhecimento, concepções sobre trabalho, conhecimento de habilidades profissionais e elaboração de um plano de ação. Após a participação no Programa, alguns ganhos foram alcançados, tanto de natureza grupal, como enriquecimento de habilidades sociais, quanto individual, com relação à autonomia de escolha. As dificuldades detectadas serviram para reestruturar as sessões e mesmo o andamento do Programa, ainda durante seu curso.

Palavras-chave: Orientação Profissional, Déficit cognitivo, Inclusão social.


ABSTRACT

This experience was a proposal to provide Professional Guidance to young cognitive deficit carriers, adapting already consolidated models of programs. We selected six among ten interested in participating into the Program, which consisted of thirteen sessions, following four axles of guidance: self-knowledge, conceptions on labor, knowledge of professional abilities and elaboration of an action plan towards inclusion and an occupation to grant autonomy to participants. The Program allowed some accomplishments either at group as at individual level, such as improvement of social abilities and autonomy for choices. Some difficulties that were detected served to reorganize the sessions and even the program, when it was still in course.

Keywords: Professional Guidance, Cognitive deficit, Handicapped people inclusion.


 

 

INTRODUÇÃO

A abordagem do tema deficiência e inclusão tem levado nos últimos anos à discussão acerca dos direitos humanos, inclusão social, respeito à diversidade, etc. (Brumer, Pavei e Mocelin, 2004; Kassar, 2000; Carreira, 1992). Para tratar destas questões, foi necessário que disciplinas e áreas do conhecimento se aproximassem e dialogassem sobre conteúdos afins, desde Psicologia do Excepcional e Educação Especial, até Psicologia Escolar, Psicologia Organizacional e do Trabalho, Sociologia, Antropologia e Economia (Silva, 2000; Nurmi, 1998; Del-Masso-Clavísio, 1993). Estas disciplinas já estavam revendo suas posições e a necessidade de diálogo, uma vez que fenômenos como a globalização, dentro da política do neoliberalismo e as novas tecnologias impulsionaram novas pesquisas e novas maneiras de lidar com a realidade social (Ross, 2003; Silva, 2000).

Estudos que enfoquem a pessoa com deficiência de maneira integral, levando em conta seus interesses e suas potencialidades enquanto indivíduo que se constitui e se constrói nas relações sociais e com o trabalho, são muitos escassos na literatura, tanto na área da Educação Especial quanto da Psicologia (Serdeva e Agovska, 1995; Pereira-Silva e Dessen, 2001; Meletti, 2001).

Também se fazem raros estudos que avaliem não só a potencialidade para inserção no mercado de trabalho de indivíduos com deficiência, mas também o preparo e o amadurecimento psicológico destes para o ingresso no mundo do trabalho (Del-Masso-Clavísio, 1993), necessitando para tanto um diagnóstico mais sensível (Evangelista, 2002). O enfoque dado até então, baseia-se na adaptação ou encaixe do indivíduo em determinadas ocupações “adequadas” ao seu nível de desenvolvimento. Segundo Tanaka (1996, p. 14), “um ambiente muito “especial” dificulta o portador de deficiência mental a desenvolver hábitos, atitudes e habilidades importantes para a sua integração, por não retratar a realidade de um contexto social mais amplo.”

No âmbito dos estudos grupais, a pessoa com deficiência tem sido estudada basicamente em relação ao contexto educacional e familiar (Cavalcante, 2001) ou em contextos institucionalizados (Silva, 2000), sendo a proposta de inserção dentro de um grupo de Orientação Profissional chamado comum (com outros jovens adultos sem nenhuma espécie de comprometimento) algo inovador e consoante com as propostas de inclusão social em vigência (Bastos e Uvaldo, 2004). Ainda nesta perspectiva, apóia-se a idéia deste projeto na afirmação de Del-Masso-Clavisio (1993, p.6) de que “a experiência tem demonstrado que um trabalho progressivo de orientação profissional e uma preparação para vida, suficientemente sólida, permitem aos jovens deficientes exercerem, com êxito e de maneira autônoma, uma profissão.”

Assim, as intervenções em Orientação Profissional (OP) nesta perspectiva poderiam abrir um caminho pouco conhecido, em busca de novos parâmetros de atuação e de enfrentamento da problemática, em que um dos focos principais seria a construção da autonomia do jovem com déficit cognitivo e sua inserção no mercado de trabalho, fator preponderante no processo de inclusão social.

 

APRESENTAÇÃO DA PROPOSTA

A proposta de se trabalhar a Orientação Profissional (OP) de pessoas com déficit cognitivo surgiu na Clínica-escola onde o autor se graduou e deu seguimento a alguns projetos. Notou-se ali a existência de uma população jovem e disposta a trabalhar, mas que não sabia como ou onde procurar uma ocupação. Na cidade, algumas instituições ofereciam cursos profissionalizantes e, às vezes, algum tipo de encaminhamento para o mercado de trabalho, mas a população atendida não se interessava ou muitas vezes não via nestes mecanismos modos adequados para atender as suas necessidades de inserção no mundo do trabalho.

Observando então, que alguns casos atendidos individualmente na Clínica-escola apresentavam essa queixa, a de querer se inserir no mundo do trabalho, foi sugerida a criação de um grupo de Orientação Profissional que atendesse essa demanda.

De acordo com Uvaldo (1995) a inserção no mercado de trabalho, em um processo produtivo para os deficientes, é de suma importância na reabilitação e inclusão social, cabendo ao orientador auxiliar o indivíduo com deficiência a reformular sua imagem profissional, perceber onde pode se inserir produtivamente e abordar as dificuldades que por ventura possam ocorrer nessa busca por uma colocação no mercado de trabalho.

O Programa de Orientação Profissional para Pessoas com Necessidades Especiais (POPPNEs) foi baseado em dois modelos de atuação já existentes na área de Orientação Vocacional e para o Trabalho: o Programa de Orientação para enfrentar o Mercado de Trabalho (POMT – UNESP, 1998) e a proposta de Orientação Profissional numa estratégia clínica de Bohoslavsky (1987). Para melhor compreensão da estrutura, faz-se necessário uma breve explanação sobre as duas propostas que o originaram.

O POMT difere dos demais modelos de Orientação Profissional, uma vez que se caracteriza por propor aos desempregados a participação num processo de reflexão e análise dos fatores que influenciam as mudanças na natureza e organização do trabalho, favorecendo assim o desenvolvimento de novas atitudes e planejando ações que maximizem a possibilidade de recolocação no mercado. Para tanto, se faz necessário instrumentalizá-los para elaborar um plano de ação que vise a conquista de novas oportunidades de inserção no mercado de trabalho.

O Programa é estruturado em quatro módulos, cada qual com objetivos específicos, sendo eles: 1) sentimentos e cognições sobre o desemprego; 2) transformações no mercado de trabalho; 3) conhecimento sobre as próprias habilidades profissionais e 4) planejamento da recolocação profissional. Os módulos são distribuídos em 10 sessões de três horas cada, realizadas semanalmente, sendo que o número máximo de participantes por grupo é de 15 membros. Tais grupos são formados a partir de anúncios no jornal da cidade, contendo informações sobre os objetivos e a data de início do Programa. Os encontros acontecem em algumas agências de emprego e na Clínica-escola.

A Orientação Profissional na estratégia clínica caracteriza-se por atender a demanda de pré-vestibulandos que procuram a Clínica-escola. As sessões baseiam-se no modelo apresentado por Lucchiari (1993) denominado “planejamento por encontros”, no qual sugere sete encontros de duas horas cada, com grupos de oito pessoas, um coordenador e um observador por grupo. O conteúdo de cada encontro foi estruturado de forma a contemplar as seguintes temáticas durante sua execução, de acordo com Bohoslavsky (1987):

  • Estrutura da personalidade: “Interessam-nos tanto os aspectos genéticos como os dinâmicos e estruturais, não por entender que a cada tipo de personalidade corresponde a esta ou aquela carreira, mas porque a personalidade é o contexto mais amplo em que se insere o comportamento de escolha (p. 110).
  • Manejo da crise adolescente: como a escolha pela profissão faz parte dos papéis ocupacionais adultos que o adolescente se vê obrigado a pensar e escolher nesta fase da vida, a OP precisa vislumbrar a capacidade do orientando de se adaptar ao próprio processo de orientação e também ao mundo adulto, visto que essas escolhas costumam trazer algum tipo de sofrimento.
  • Histórico escolar: neste item há a preocupação de se esclarecer o tipo de vínculos com as situações de aprendizagem, tanto no que se refere ao rendimento, como às relações interpessoais.
  • Histórico familiar: “permite prognosticar tanto os sistemas valorativos diante das carreiras e profissões derivadas da classe social a que pertence, como os tipos de identificações familiares... no que diz respeito à escolha de carreiras” (p. 110).
  • Identidade Vocacional ou Ocupacional: a Identidade Ocupacional é adquirida quando se integrou suas diferentes identificações e sabe o que quer fazer, de que modo e em que contexto. A Identidade Vocacional, por sua vez, é uma resposta ao para que e ao por que de ter assumido essa Identidade Ocupacional. Vale ressaltar que sua descrição e diagnóstico são o melhor meio para se traçar uma estratégia e uma técnica no processo de OP.
  • Maturidade para escolher: a maturidade pode ser pesquisada a partir dos seguintes tópicos: momento da vida desse adolescente (seleção, escolha, decisão); situação (dilema, problemática ou resolução); deuteroescolha (processo de como o adolescente escolhe enfrentar uma nova situação); fantasias de resolução (é preciso entender a diferença entre o que o adolescente procura e o que ele realmente necessita) e vínculo transferencial (mágico, paterno-filial, auto-confiado ou de aspiração). Esses tópicos analisados adequadamente apontarão como o adolescente estará apto para tomar decisões

 

CARACTERIZAÇÃO DE PARTICIPANTES

Antes do início das atividades e do planejamento das primeiras sessões foi necessário efetuar algumas entrevistas técnicas de triagem (Lucchiari, 1993), com o intuito de se conhecer o perfil dos candidatos ao Programa e também para adequar o conteúdo deste ao grupo em questão. Com isto, delimitaram-se quais seriam os participantes e definiu-se o horário. Cabe ressaltar que duas pessoas foram encaminhadas para um programa semelhante realizado em uma agência de emprego, devido às características individuais (sem comprometimento cognitivo, com comprometimento exclusivamente físico). Uma terceira candidata também não pôde participar dada a sua indisponibilidade de horário.

Assim, o grupo foi formado com os seguintes participantes:

  • EAM – 21 anos, sexo feminino. Comprometimento: acometida de paralisia cerebral aos 12 anos, desenvolveu anemia falciforme. Escolaridade: cursando o 3º ciclo do Ensino Fundamental e curso profissionalizante em entidade destinada a atender crianças, jovens e adultos com deficiência física e/ou mental. Experiência profissional: nenhuma.
  • ARPL – 18 anos, sexo masculino. Comprometimento: acometido de má-formação congênita, com dificuldade de comunicação e expressão. Escolaridade: Ensino Fundamental completo. Experiência profissional: ajudante em lava-rápido (informal).
  • PSF – 20 anos, sexo masculino. Comprometimento: suspeita de déficit cognitivo leve a moderado (não diagnosticado). Escolaridade: cursando 3º ciclo do Ensino Fundamental e curso profissionalizante em entidade destinada a atender crianças, jovens e adultos com deficiência física e/ou mental. Experiência profissional: venda de títulos de capitalização (informal).
  • RDB – 19 anos, sexo masculino. Comprometimento: suspeita de déficit cognitivo leve a moderado e visão subnormal. Escolaridade: Ensino Fundamental incompleto. Experiência profissional: nenhuma.
  • DSS – 23 anos, sexo masculino. Comprometimento: déficit cognitivo moderado, provável seqüela de talassemia (segundo laudo constante na ficha de encaminhamento). Escolaridade: cursando o 2º ciclo do Ensino Fundamental em entidade destinada a atender crianças, jovens e adultos com deficiência física e/ou mental. Experiência profissional: atendimento em bar (familiar).
  • SMS – 27 anos, sexo feminino. Comprometimento: suspeita de déficit cognitivo leve a moderado. Escolaridade: cursando o Ensino Médio em uma escola estadual no período noturno. Experiência profissional: faxineira em residência e em um hospital.

Com base nos dois modelos de atuação apresentados, foi elaborado o POPPNEs, adaptado de forma a atender às necessidades particulares desse grupo. Inicialmente, cada encontro estruturava-se da seguinte forma: Dinâmica de Aquecimento, Dinâmica ou Técnica que tratasse o tema específico do módulo/eixo temático e Avaliação, perfazendo não mais que 2h30min. No entanto, devido a peculiaridades desse grupo atendido, fez-se necessário a inclusão de mais uma dinâmica de aquecimento em cada encontro, pois se observou que o grupo produzia o exercício da temática específica, mas durante o momento de discussão da atividade, os orientandos já se encontravam cansados ou dispersos. Assim sendo, entre o desenvolvimento da Técnica ou Dinâmica e sua discussão, acontecia um pequeno intervalo de 10 minutos e na volta, propunha-se uma outra Dinâmica de Reaquecimento. Depois de implementada esta mudança, observou-se que as sessões prosseguiram de forma mais proveitosa e menos cansativa para os orientandos.

 

A INTERVENÇÃO

A Tabela 1 apresenta os temas e técnicas utilizadas em cada um dos encontros, dando um panorama geral do desenrolar do Programa. As dinâmicas, técnicas e jogos aqui indicados foram retirados de Yozo (1996) e Serrão e Baleeiro (1999). As técnicas retiradas de outros autores seguem com a devida indicação de origem no corpo do texto. As técnicas de origem desconhecida ou indeterminada são descritas detalhadamente em notas de rodapé.

Tabela 1. Descrição dos conteúdos e técnicas utilizadas em cada encontro

 


 

Os encontros mais relevantes, em função das técnicas e reflexões alcançadas por meio destas, estão descritos como segue.

Logo no primeiro encontro, estava planejada a Dinâmica dos Crachás, na qual os orientandos deveriam se identificar e deste modo também se apresentar ao grupo. Tal situação gerou um certo desconforto imediato (relatado posteriormente pelos orientandos), suscitando a necessidade das apresentações se pautarem apenas na expressão verbal de cada um, e mesmo assim, com a instigação dos coordenadores. Neste encontro, ainda, estava prevista a explanação pormenorizada do Programa e o levantamento de expectativas. O primeiro objetivo foi contemplado, entretanto o segundo precisou ser abordado com maior ênfase no encontro seguinte, visto que os orientandos disseram muito pouco sobre o que esperavam do grupo. Vale ressaltar ainda que a confecção dos crachás fizesse emergir a discussão sobre a importância dos documentos (sendo citados a Carteira Profissional, o CPF, o RG entre outros) o que levou os orientandos a perceber que o grupo também era um espaço de troca de informações. Foram trabalhadas também regras grupais e estabelecido o contrato de trabalho (horário, freqüência, comprometimento com as tarefas), o que foi julgado pelos orientandos como justo e adequado.

Outro encontro de grande relevância para o Programa como um todo foi o sexto, no qual foi utilizada a Dinâmica da Caixa de Bombons. Esta técnica é largamente utilizada nos trabalhos com grupos de OP, porém, a expectativa era de que ela apenas suscitasse a emergência de conteúdos mínimos em relação ao processo de escolha, a serem aprofundados em outros encontros, com o provável auxílio de outras técnicas. De modo surpreendente, entretanto, a técnica fez emergir conteúdos muito ricos acerca de critérios de escolha, sobre as dificuldades no mercado de trabalho (como competitividade, oportunidades, individualidade nas escolhas X influências externas, etc.), demandando inclusive, mais tempo no encontro do que o previsto. Também cabe ressaltar que este encontro e no decorrer desta dinâmica, a necessidade dos coordenadores intervirem, provocando reflexões e insights (ponto comum em todos os outros encontros) foi minimamente freqüente, ou seja, a aplicação da dinâmica por si só já garantiu a emergência dos conteúdos, sendo então orientadas as discussões pelos coordenadores, com atuação pró-ativa a todo instante por parte dos orientandos. Tal fato não voltou a se repetir (pelo menos não com a mesma intensidade e riqueza) em nenhum dos encontros posteriores.

No encontro seguinte (sétimo encontro), no qual se abordou as habilidades e atuações de diversas atividades profissionais através de um Jogo da Memória de Profissões, as relações estabelecidas pelos próprios orientandos revelaram o início do amadurecimento reflexivo destes, pois ainda que com poucas informações, foram capazes de estabelecer inter-relações e habilidades comuns a cada atividade, de maneira dedutiva. Tal fato mostrou que a validade e efetividade do trabalho desenvolvido no Programa começavam a despontar.

O encontro posterior a este (oitavo encontro) também foi de grande importância para o amadurecimento com relação a escolhas e informação profissional dos orientandos. Apesar do tempo escasso, o grupo alcançou os objetivos, como discutir modelos e escolhas profissionais, bem como pensarem que mesmo querendo muito um emprego, este terá seus aspectos agradáveis, mas também terá algumas dificuldades que precisam ser encaradas e resolvidas. A Técnica das Atividades Profissionais (Lucchiari, 1993) foi adaptada em forma de entrevista grupal, o que suscitou relevantes trocas de informação entre os orientandos, auxiliando também na delimitação das pré-escolhas destes.

Posteriormente, o décimo encontro desempenhou um papel-chave nos avanços do grupo, uma vez que neste encontro os orientandos foram levados a conhecer e discutir os itens constantes de um Curriculum Vitae. As atividades foram desenvolvidas numa sala de informática, o que possibilitou um aspecto motivacional e prático muito importante para eles, que se sentiram efetivamente participativos de seu processo de busca e escolha profissional, além de propiciar a discussão a respeito da escolaridade e do aperfeiçoamento técnico necessários a todas as áreas de atuação.

O penúltimo encontro realizado (décimo segundo) foi dedicado às formas de procurar emprego de acordo com os interesses de cada orientando (pré-escolhas), fazendo-se em seguida uma simulação de entrevista de seleção, discutindo-se também passo a passo desta. Os orientandos mostraram-se receptivos e mais uma vez puderam entrar em contato e perceber as possibilidades e limites de cada um, além de expressarem que ainda necessitariam desenvolver certas habilidades antes de se proporem às atuações profissionais pré-escolhidas nas outras atividades.

O último encontro (décimo terceiro) foi de certo modo atribulado, pelo atraso e pela ausência de alguns orientandos, entretanto o desligamento foi feito sem grandes dificuldades, sendo repassado tudo o que o Programa intentou abordar no decorrer dos encontros, quais eram as novas expectativas dos orientandos e quais as sugestões e críticas do trabalho como um todo.

 

DIFICULDADES

Uma das alterações que se fizeram necessárias referiu-se ao conteúdo da discussão, sobretudo com relação à linguagem utilizada pelos coordenadores, levando-se sempre em conta o contexto sócio-econômico dos participantes/orientandos.

Além de se ter em vista que a identidade de um grupo demanda tempo para ser construída, com este grupo emergiu ainda o agravante de se alterar o tempo necessário para se concluir cada eixo norteador, o que acarretou um número maior de encontros além do previsto.

Desse modo, o primeiro eixo norteador estendeu-se de três para seis encontros, devido ao pouco envolvimento da maioria dos orientandos (seja expressando-se pouco ou negando-se a participar das discussões e atividades propostas – provavelmente em decorrência da pouca intimidade com os demais orientandos), mas o ganho na constituição identitária do grupo facilitou o desenvolvimento do segundo eixo, em que foram necessários apenas dois encontros.

Já o terceiro eixo demandou mais tempo que o planejado, por conta do nível de aprofundamento que os orientandos se propuseram a chegar, sendo interessante as descobertas que cada um obteve acerca das habilidades de cada atividade profissional, bem como a inter-relação elaborada entre as diversas profissões.

O fator mais relevante do eixo 4 expressou-se na ampliação da discussão acerca de documentos, sobretudo no que se refere a Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) e direitos trabalhistas, demandando para tanto um encontro quase inteiro.

 

DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Os resultados podem ser analisados em função dos ganhos individuais e grupais. Com base na observação durante todos os encontros, as avaliações feitas em cada um deles pelos orientandos e a avaliação final dos mesmos, pôde-se observar que os avanços na esfera individual foram os seguintes:

  • EAM – pôde refletir acerca das possibilidades de escolha, não se pautando exclusivamente no que seu pai diz ser o correto e no que sua escola oferece.
  • PSF – pôde refletir acerca da necessidade de continuar os estudos (fato não incentivado pela família), de forma a poder escolher profissões mais voltadas para seus interesses e com melhor remuneração.
  • ARPL – teve oportunidade de questionar e avançar nas reflexões de que suas limitações físicas não o impedem de conseguir uma ocupação que atenda seus desejos e possibilite uma remuneração adequada. Além disso, teve subsídios para aumentar sua auto-estima e autoconfiança, o que refletiu imediatamente em sua conduta com relação a buscar uma colocação no mercado de trabalho e mesmo melhorar suas condições de saúde.
  • RDB – não houve progresso aparente e seu desinteresse culminou em sua desistência do Programa.
  • DSS – neste caso considera-se que o ganho foi secundário, visto que a interação (ainda que escassa) no grupo foi o que pareceu manter este orientando freqüente aos encontros. Com relação à assertividade e habilidades sociais (algo em que o grupo conseguiu alcançar avanço considerável) ele foi o que menos se beneficiou.
  • SMS – os ganhos individuais aqui também foram poucos, sendo o desempenho o mais relevante em termos de progresso pessoal, uma vez que o nível de interação e articulação com o grupo ampliou-se sensivelmente, se comparado sobretudo com os primeiros encontros realizados. Habilidades como orientação espacial e andar de ônibus sem companhia também fora aprimoradas, de maneira subjacente.

Com relação aos ganhos grupais, pôde-se notar ao longo dos encontros que ocorreram avanços em relação principalmente às habilidades sociais (interação com o grupo, assertividade, expressão verbal coerente, etc.). A assertividade acabou se tornando um foco de ação subjacente aos objetivos do Programa, uma vez que a maioria dos orientandos apresentava dificuldades de expressar adequadamente suas opiniões e mesmo contra-argumentar as opiniões dos colegas.

Avaliando-se o estágio inicial e final do grupo, pode-se analisar que ocorreram ganhos significativos nestes dois aspectos, mas que um trabalho mais efetivo não deva ser descartado como uma próxima etapa.

Com relação às escolhas, o grupo de modo geral apresentou ganhos e pôde perceber que as escolhas não são exclusivamente individuais, que muitos fatores as influenciam (citaram os pais, a economia e outras condições sociais) e que é necessário enquanto classe, grupo ou comunidade, buscar formas de conhecer como esse processo ocorre para que a inserção no mundo do trabalho satisfaça minimamente seus interesses e necessidades pessoais.

 

CONCLUSÕES

A questão da deficiência não foi abordada espontaneamente em momento algum por quaisquer dos orientandos. Desse modo, seria interessante a elaboração de uma estratégia para abordar essa problemática, uma vez que falar de direitos e deveres das pessoas com deficiência para um público que não se via (se quer se entendia) desta forma, pareceu, para este grupo, desproposital.

Com relação ao processo de OP em si, cabe ressaltar que todas as técnicas já em uso pela área são passíveis de serem utilizadas com este tipo de população, sendo que as adaptações em geral são mínimas e dizem respeito basicamente à linguagem a ser empregada, ou seja, a simplificação da linguagem. Não se pode deixar de considerar que as abstrações dos conceitos de OP necessárias ao desenvolvimento da proposta tiveram que ser incentivadas com maior ênfase, para que então os orientandos tivessem insights e chegassem às reflexões de maneira mais articulada.

Com relação às temáticas principais (trabalho, escolha, habilidades versus interesses pessoais e projeto de vida), considera-se que o grupo, de maneira geral, obteve avanços inclusive além da expectativa do Programa.

Durante a temática trabalho (que permeou a maioria dos encontros e foi abordado de forma definida e estruturada desde o início) os orientandos apreenderam as diferenças existentes entre Emprego e Trabalho, já que o primeiro define-se basicamente como uma atividade de subsistência e o segundo como a atividade que faz parte da construção da identidade do ser humano e por conseguinte, responsável pela sua satisfação pessoal.

A respeito da escolha, o ganho, acredita-se, foi maior, dado que a maior parte dos orientandos chegou ao grupo com idéias bem precárias acerca de suas possibilidades, inclusive considerando que era preciso trabalhar, não importando em que ou como. Os encontros em que se abordou especificamente este ponto foram os mais enfáticos, e os efeitos das reflexões produzidas pôde ser notado paulatinamente, ao longo dos encontros seguintes, culminando nos projetos de vida mais articulados com as habilidades e interesses de cada um.

A temática que discutiu as habilidades inerentes a cada orientando (ou mesmo aquelas que gostariam de desenvolver) foi a que mais permeou os encontros do Programa (consoante com outros processos de OP, em que o autoconhecimento é o eixo norteador que se estende por quase todos os encontros). Todos os orientandos tiveram a oportunidade de conhecer suas habilidades a cada atividade, discutir, repensá-las e avaliá-las em função de seus interesses. Essas discussões fizeram parte dos momentos mais importantes para que os orientandos redefinissem suas concepções acerca de seu projeto profissional e avançassem com relação à articulação entre a importância e as exigências de cada profissão e qual escolher para si.

Por fim, pode-se concluir que intervenções na área de Orientação Profissional e Orientação para o Trabalho para este tipo população pode ser uma rica experiência para estes indivíduos, sendo que a reflexão acerca da autonomia de escolha acaba sendo o ponto em que as mudanças parecem ocorrer com maior intensidade, ou pelo menos, o ponto em que os orientandos mais ampliam suas perspectivas. Outras intervenções estruturadas devem ser pensadas e repensadas, com este ou com outro modelo de atuação, mas a partir dos resultados obtidos, pode-se inferir que os objetivos principais foram alcançados e a proposta do Programa abre prerrogativas para novos trabalhos e novos avanços na área.

 

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Recebido em 10/04/2006
Revisto em 19/10/2006
Aceito em 25/10/2006

 

 

* Endereço para correspondência: Rua Costa Carvalho 523, apto. 21, Pinheiros. São Paulo – SP, CEP: 05429-130. Telefone (11) 3609-3076; E-mail: l.lopes@usp.br.
1 Este trabalho é resultante de parte da pesquisa realizada para a Dissertação de Mestrado do autor.
2 Nesta dinâmica, pede-se que o orientando deite-se sobre um papel-manilha e alguém faça o seu contorno com pincel atômico. Depois, com utilização de recorte e colagem, o orientando preenche “a si mesmo” com o que deseja para si com relação a trabalho, lazer, família, etc. Segue-se uma apresentação pelo orientando e discussão em grupo.
3 Nesta dinâmica, apresenta-se uma caixa de bombons cheia aos participantes e pede-se que peguem e passem aos colegas. Nenhuma outra instrução é dada. Depois, indaga-se porque escolheram este ou aquele bombom, porque pegaram apenas um, o que aconteceria se não houvesse bombons suficientes para todos, etc. e discutem-se os critérios de escolha de cada um, fazendo-se uma relação com os critérios de escolha profissional.

 

 

AGRADECIMENTOS

Pelo apoio, empenho e colaboração sem os quais este e outros projetos não se realizariam, à psicóloga Ana Carolina Rodrigues Martins, à supervisora de estágio Profª. Drª. Olga Maria Piazentin Rolim Rodrigues e à docente Profª. Drª. Norma de Fátima Garbulho.

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