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Boletim de Psicologia

versão impressa ISSN 0006-5943

Bol. psicol v.56 n.125 São Paulo dez. 2006

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

 

O percurso da criatividade figural do ensino médio ao ensino superior1

 

Figural creativity path from high school to university

 

 

Tatiana de Cássia NakanoI *; Solange Muglia WechslerII

I Centro Universitário de João Pessoa / UNIPÊ
II Pontifícia Universidade Católica de Campinas

 

 


RESUMO

A proposta deste estudo foi avaliar o desenvolvimento da criatividade comparando estudantes do Ensino Médio e Superior. A amostra foi composta por 865 estudantes (475F/390M), 628 do Ensino Médio e 237 do Superior, de instituições públicas e particulares do interior do Estado de São Paulo. O Instrumento utilizado foi o Teste Pensando Criativamente com Figuras de Torrance, que avalia 13 características cognitivas e emocionais da criatividade. Os resultados analisados pela Análise Multivariada da Variância (MANOVA) demonstraram efeitos significativos por nível de ensino (F=3,59, p<0,006), com melhor desempenho do Ensino Superior enquanto que a variável sexo e a interação entre sexo e nível de ensino não se mostrou significativa. Conclui-se sobre a influência educacional sobre as 13 características criativas e a necessidade de normas brasileiras para este teste, de acordo com nível de ensino.

Palavras-chave: Teste de Torrance, Estudantes, Criatividade.


ABSTRACT

The purpose of this study was to assess creativity development comparing high school and undergraduates students’ performance. The sample was composed of 865 students (475 females, 390 males), enrolled at Brazilian public and private high schools (628) and universities (237) in the Sao Paulo State. The instrument used was Torrance Test of Creative Thinking Figural Form, which evaluate 13 cognitive and emotional creative features. The results were analyzed by the Multivariate Analysis of Variance (MANOVA). It was found significant grade level effects (F=22,27, p<0,00) favoring undergraduates’ performance. Sex and the interaction of sex and grade level variables were not significant. It was verified the influence of educational level on all 13 creative features and the need to establish Brazilian norms considering grade level for this test.

Keywords: Torrance tests, Students, Creativity.


 

 

O estudo da criatividade tem despertado um interesse crescente por parte de psicólogos e educadores de distintas orientações teóricas, que vêm desenvolvendo pesquisas empíricas a respeito das diferentes facetas compreendidas neste construto, tais como o processo, o produto, a pessoas e as condições ambientais que favoreçam a expressão e desenvolvimento da criatividade. Neste sentido, a tendência atual tem sido a de considerar o conceito de criatividade dentro de uma visão multidimensional (Sakamoto, 2000), que envolve a interação de vários elementos: processos cognitivos, características de personalidade, estilos de pensar e aprender, assim como componentes ambientais, estendendo-se neste sentido a influência da família, da escola e da sociedade (Wechsler, 1998).

O estudo da criatividade tem despertado um interesse crescente por parte de psicólogos e educadores de distintas orientações teóricas, que vêm desenvolvendo pesquisas empíricas a respeito das diferentes facetas compreendidas neste construto, tais como o processo, o produto, a pessoas e as condições ambientais que favoreçam a expressão e desenvolvimento da criatividade. Neste sentido, a tendência atual tem sido a de considerar o conceito de criatividade dentro de uma visão multidimensional (Sakamoto, 2000), que envolve a interação de vários elementos: processos cognitivos, características de personalidade, estilos de pensar e aprender, assim como componentes ambientais, estendendo-se neste sentido a influência da família, da escola e da sociedade (Wechsler, 1998).

Reforçando a influência do ambiente escolar no processo de desenvolvimento da criatividade, pesquisadores têm afirmado a importância de que a criatividade seja estimulada e desenvolvida no processo de ensino e aprendizagem (Alencar, 2002; Martinez, 2002). No entanto, segundo tais pesquisadores, nos deparamos com a dificuldade na utilização do espaço escolar como local de desenvolvimento da criatividade, considerando que o sistema atual de ensino não favorece a formação de pessoas criativas, mas sim a repetição de informações por parte dos estudantes (Alencar, 1996; Fleith e Alencar, 1992; Castellano, 1997).

A escola não demonstra estar habilitada a desenvolver o pensamento criativo dos alunos (Alencar, Fleith e Rodrigues, 1990), uma vez que esse tipo de habilidade envolveria a aceitação e valorização de características nos alunos que são, muitas vezes, consideradas indesejáveis pelos professores, tais como questionar as informações dadas, sugerir novas idéias, ir além dos fatos conhecidos (Cropley, 1999). Professores de diferentes culturas tendem a preferir estudantes mais obedientes, conformistas e sociáveis do que aqueles que são questionadores, independentes e intuitivos, ou seja, comportamentos que caracterizam o indivíduo criativo não são valorizados na sala de aula, sendo indesejados ou punidos. A formação dos professores, portanto, tende a ser dirigida para lidar com o “aluno padrão”, o “aluno obediente” e o “aluno passivo”, gerando nos professores uma grande dificuldade ao se depararem com alunos criativos, que lhes exigem a quebra dos moldes tradicionais de ensinar na sala de aula (Mariani e Alencar, 2005). Dentre as barreiras encontradas pelos professores estariam a falta de habilidade na relação com o aluno, que os impede de expressar-se criativamente, não saber como adequar sua linguagem à faixa etária para tornar eficiente a comunicação, não se sentirem preparados para o controle da disciplina e inabilidade para preparar aulas diversificadas, de forma a torná-las mais prazerosas, mas sem comprometer o conteúdo (Alencar, 2002). Desta forma, vimos que embora os fatores favoráveis ao desenvolvimento do potencial criativo na escola sejam reconhecidos por grande parte dos professores, a existência de limitações e dificuldades no cotidiano escolar acaba por dificultar o oferecimento deste ambiente criativo.

A questão a ser colocada, segundo Wechsler (2002a), refere-se em como trazer a criatividade para a sala de aula, frente a um ensino que se tornou tão formalizado, tradicional, apoiado no modelo de motivação que procura desenvolver a motivação de forma extrínseca, ou seja, por notas escolares. Frente à percepção de que todos possuem potencial criativo, em variados graus, pesquisadores têm buscado encontrar as mais diferentes formas para desenvolvê-lo, nos diversos níveis de ensino, considerando-se que este pode ser desenvolvido e aprimorado (Alencar, 1995). Outra dificuldade reside no fato de que existe uma distorção na conceituação que os professores possuem acerca do conceito da criatividade na escola. Tais percepções foram confirmadas em estudo realizado por Martinez (1997), a partir do questionamento a 270 professores da Universidade de Habana acerca de quais seriam os elementos que poderiam favorecer o desenvolvimento da criatividade de seus alunos. Os resultados indicaram que os fatores que apareceram como mais facilitadores da aprendizagem (mais de 50% das respostas) estavam relacionados ao método de ensino não tradicional, ensino produtivo e problematizado e necessidade de prover mais independência ao estudante. Contudo, o professor como modelo e a comunicação criativa professor-aluno não receberam destaque. Tais resultados nos mostram que o professor não se vê como sujeito responsável pelo estímulo e valorização da criatividade no ambiente escolar, pensando que a criatividade vai depender exclusivamente do que o aluno traz de casa.

Neste processo, a avaliação da criatividade adquire grande valor ao permitir que cada vez mais possamos ter informações sobre o potencial dos alunos, aumentando assim as chances de incentivar o seu desenvolvimento nas salas de aula de maneira mais completa. Entretanto, deve-se atentar que a utilização de testes para essa finalidade requer que estes possam atender aos critérios científicos definidos pela International Testing Comission (2003) e Conselho Federal de Psicologia (2003). Tais critérios se referem às provas científicas de que tais instrumentos possuam precisão, validade e normas para o país onde será utilizado. Sem dúvida, estas recomendações são essenciais para que a avaliação psicológica possa ser confiável, o que nos demonstra a necessidade de verificar a adequação de medidas de criatividade para cada cultura. Assim, um esforço no sentido de investigar a criatividade em estudantes.

Considerando que a escola é o local onde se encontra grande potencial criativo, nas mais diferentes faixas etárias, o objetivo deste trabalho foi realizar uma comparação do desempenho criativo de alunos do Ensino Médio e Ensino Superior, de forma a avaliar o percurso da criatividade nos diferentes níveis educacionais.

 

MÉTODO

Participantes

Foram participantes desta pesquisa, 865 estudantes, sendo 475 do sexo feminino e 390 do sexo masculino. Dentre estes, 628 eram estudantes do Ensino Médio (1º ao 3º ano), com idades entre 14 e 23 anos (sendo 96% da amostra situada até 18 anos) e 237 cursavam o Ensino Superior (1º ao 4º ano), com idades entre 17 e 41 anos (sendo 96% desta amostra situada entre 17 a 28 anos), estudantes de escolas e universidades públicas e particulares do interior do Estado de São Paulo.

Instrumento

O material utilizado no presente estudo constitui-se do Teste Pensando Criativamente com Figuras de Torrance (Torrance, 1966; Torrance e Ball, 1990) forma A, versão brasileira publicada por Wechsler (2002b, 2004). O teste é composto de três atividades, que devem ser completadas/respondidas sob a forma de desenhos, sendo na primeira pedida a elaboração de um desenho a partir de um estímulo, na segunda atividade a partir de 10 estímulos diferentes e na terceira atividade respostas a partir de um mesmo estímulo repetido 30 vezes. Há um tempo estabelecido nas suas instruções, totalizando 25 minutos.

O instrumento permite a avaliação de 15 características criativas, a saber: Fluência (número de idéias relevantes), Flexibilidade (diversidade de categorias de idéias), Elaboração (adição de detalhes), Originalidade (idéias incomuns), Expressão de Emoção (expressão de sentimentos, tanto nos desenhos quanto nos títulos), Fantasia (presença de seres imaginários, de contos de fadas ou ficção científica), Movimento (expressão de movimento nos desenhos ou títulos no gerúndio), Perspectiva Incomum (desenhos visto sob ângulos não comuns), Perspectiva Interna (visão interna sob a forma de transparência), Uso de Contexto (criação de um ambiente para o desenho), Combinações (junção de estímulos a fim de comporem um único desenho), Extensão de Limites (estender os estímulos antes de concluir os desenhos), Títulos Expressivos (ir além da descrição óbvia do desenho, abstraindo-o), Índice Criativo Figural I (ICF I, soma das quatro primeiras características, consideradas cognitivas) e Índice Criativo Figural II (ICF II, soma de todas as características, consideradas cognitivas e emocionais).

O instrumento teve sua validade preditiva confirmada por Wechsler (2002b, 2004) a partir da observação de que existiam relações altamente significativas entre a medida por ele obtida e a produção criativa dos indivíduos, reconhecida por meio de premiações e distinções. A validade de construto também demonstrou que o teste poderia distinguir pessoas, que realmente foram reconhecidas por seu meio como altamente criativas, daquelas que não conseguiram demonstrar a sua produção. Já em relação à fidedignidade, ela foi obtida a partir da precisão entre cinco juízes, obtendo concordância acima de 0,90 na maioria das características criativas avaliadas pelo instrumento.

 

PROCEDIMENTO

A aplicação se deu de forma coletiva na sala de aula, após prévio consentimento do professor. A correção e pontuação do instrumento seguiram o modelo proposto no manual de Wechsler (2002b), que realizou a padronização do mesmo para uso em amostras brasileiras.

As médias por sexo e série foram calculadas para cada uma das 13 características avaliadas pelo instrumento, além do ICF I e ICF II. A análise estatística empregada para estudar o efeito das variáveis nível educacional, sexo e a interação entre nível educacional e sexo foi a Análise Multivariada da Variância e, posteriormente, a Análise Univariada da Variância.

 

RESULTADOS

A Análise Multivariada da Variância foi calculada com o objetivo de verificar a influência que as variáveis sexo, nível de ensino e a interação entre estas duas exerciam sobre todas as características criativas, conforme pode ser visualizado na Tabela 1.

Tabela 1. Análise Multivariada da Variância por sexo e nível educacional

 

 

*p<0,05

Como pode ser observado na Tabela 1, ocorreram efeitos altamente significativos por nível de ensino (médio e universitário), sendo que a variável sexo e a interação entre sexo e nível de ensino não foram significativas.

Considerando-se que somente o nível educacional demonstrou exercer influência no desempenho dos participantes, uma análise mais detalhada desta variável foi feita, a partir do emprego da Análise Univariada da Variância, com o objetivo de verificar como se dá o efeito desta variável em cada uma das 15 características em separado, conforme pode ser visualizado na Tabela 2.

Tabela 2. Análise Univariada da Variância por característica criativa

 

 

* p<0,01

A Tabela 2 mostra que o nível educacional interfere significativamente no resultado de todas as características criativas, cognitivas e emocionais, incluindo-se o Índice Criativo Figural I e Índice Criativo Figural II. Partindo-se destes resultados, as médias e desvios padrões por nível de ensino foram calculadas e estão na Tabela 3.

Tabela 3. Média e desvio padrão por nível educacional

 

 

A visualização das médias nos permite dizer que o Ensino Superior apresentou desempenho superior ao Ensino Médio em 11 das 13 características criativas, que foram: Fluência, Flexibilidade, Elaboração, Originalidade, Fantasia, Movimento, Perspectiva Incomum, Perspectiva Interna, Uso de Contexto, Extensão de Limites e Títulos Expressivos, além dos dois índices criativos, ICF I e ICF II. O Ensino Médio, por sua vez, se destacou em somente duas características (Expressão de Emoções e Combinações).

Assim uma análise mais detalhada, por série e nível de ensino, é fornecida na Tabela 4.

Tabela 4. Médias e desvio padrão por série e nível educacional

 

 

Observando-se a Tabela 4 pode-se verificar que, em relação às séries, as maiores médias são obtidas pela 3ª série universitária (nas categorias de Elaboração, Movimento, Perspectiva Incomum, Perspectiva Interna, Uso de Contexto e Títulos Expressivos, além dos ICF I e ICF II). A 2ª série universitária também se destaca em Fluência, Flexibilidade, Originalidade, Fantasia e Extensão de Limites. E a categoria Expressão de Emoção é melhor pontuada pela 1ª série do Ensino Médio. As demais séries (2ª e 3ª do Ensino Médio e 1ª e 4ª do Ensino Superior) não obtêm maiores médias em nenhuma das categorias criativas.

Pode-se dizer ainda que as características de Elaboração, Originalidade, Fantasia, Movimento, Perspectiva Incomum, Uso de Contexto e Títulos Expressivos sofrem aumento de acordo com o passar dos anos de escolaridade, ao passo que somente a característica Expressão de Emoção sofre decréscimo. As demais características (Fluência, Flexibilidade, Perspectiva Interna, Combinações e Extensão de Limites) apresentam muita oscilação entre as séries e nível educacional, ora apresentando aumento, ora decréscimo na média obtida pelos participantes.

Desta forma, ao verificar que o Ensino Superior apresenta melhores resultados que o Ensino Médio em relação à criatividade, poderia ser considerada a hipótese de que o ambiente universitário parece estar dando mais espaço do que a escola regular para que os alunos possam elaborar melhor suas idéias, oferecendo idéias originais, diferentes das tradicionalmente aceitas, inclusive aceitando mais idéias que envolvam soluções provindas de outros meios, tais como fantasia, contextos diferenciados ou sendo beneficiada pela ajuda de outras pessoas.

 

DISCUSSÃO E CONCLUSÕES

Com a finalidade de investigar a influência do sexo e nível de ensino ao se pesquisar a criatividade, a presente pesquisa buscou avaliar o desempenho de estudantes de dois níveis educacionais (Ensino Médio e Superior) em relação à criatividade figural. Os dados obtidos apontaram influência altamente significativa da variável nível educacional, demonstrando a importância de serem obtidas normas brasileiras de interpretação específicas em cada nível de ensino, para melhor adequação dos resultados encontrados no Teste Pensando Criativamente com Figuras, nos moldes em que realmente foi apresentado no manual de Wechsler (2002b), para uso deste instrumento na população brasileira.

A investigação da influência do nível educacional na criatividade tem sido objeto de muitas pesquisas relatadas na literatura, sendo que uma busca nos estudos atuais apontou pesquisas nacionais que reforçam essa diferenciação. Estudo realizado por Wechsler, Nakano, Kodama, Reani, Zia e Andrade (2002), com 1015 sujeitos do Ensino Médio e Superior também apontou diferenças significativas entre séries, diferenciando o desempenho entre os estudantes do Ensino Médio e Superior, com melhor desempenho do sexo masculino no Ensino Médio. Outro estudo, de Wu, Cheng, Ip e McBride-Chang (2005) também observou que estudantes universitários obtiveram melhor desempenho em resolução de problemas reais do que os estudantes de 6ª série do Ensino Fundamental. A percepção de que com o passar dos anos de escolarização há um aumento geral da criatividade nos alunos, foi explicada por Rodrigues e Alencar (1983) ao afirmarem que tem sido observada uma relação positiva entre série escolar e expressão criativa, tendo sido constatado um desempenho superior nos testes de criatividade quanto mais avançada a série cursada pelo aluno. Neste sentido, Pannells, Pannells e Rhoads (2005), ao realizarem estudo longitudinal com medidas na 4ª, 6ª e 9ª série do Ensino Fundamental, observaram um aumento geral da presença de características criativas nos participantes, tais como curiosidade, complexidade, imaginação e correr riscos, com resultados bem superiores na 9ª série.

Tais dados somente reforçam a importância de investigações sobre a criatividade no ambiente escolar, preocupação levantada por Alencar (1997), que após análise das pesquisas sobre criatividade no contexto educacional, concluiu que a maioria dos estudos tem sido realizada com amostra de professores e alunos do Ensino Fundamental e, em menor escala, com alunos do Ensino Médio. Assim sendo, carecemos de estudos sobre o percurso da criatividade na vida universitária. Também o estudo de Wechsler e Nakano (2003) demonstrou que a maioria das amostras utilizadas nas publicações brasileiras é composta por adolescentes e adultos, relacionando os alunos do Ensino Fundamental a seus professores. Dados similares foram relatados por Zanella e Titon (2005), que ao investigarem trabalhos de pós-graduação perceberam que 25% foram realizados em instituições de ensino regular (Ensino Fundamental e Médio) e 18,6% no Ensino Superior. Assim sendo, necessitamos conhecer mais sobre o desenvolvimento da criatividade com o passar dos anos escolares, chegando até a universidade, reforçando a importância de estudos longitudinais.

Tais estudos adquirem importância ao permitirem que se possa traçar um percurso da criatividade, visto que outros estudos (Torrance, 1976; Dias da Silva, 2004) apontam a existência de uma queda no nível de criatividade na 4ª e 7ª séries do Ensino Fundamental. Possíveis explicações foram elaboradas por Torrance (1976). Segundo o autor, estudos longitudinais indicaram que, embora a maioria das crianças experimente esses decréscimos, algumas mantêm seu crescimento criativo. Pesquisas e teorias sobre o desenvolvimento da criança sugerem diversas explicações possíveis, a primeira em função da passagem da 4ª para a 5ª série, apontada como um dos momentos mais difíceis de transição no Ensino Fundamental, e a segunda queda, tendo em vista mudanças devidas à transição da infância para a adolescência. Neste sentido, a realização de estudos longitudinais com amostras brasileiras poderia fornecer respostas ao acompanhar os participantes nas passagens do Ensino Fundamental para o Ensino Médio e posteriormente ao Ensino Superior, confirmando se os estudantes brasileiros também apresentam as tendências internacionais: queda na 4ª e 7ª série do Ensino Fundamental, crescimento até perto do fim dos anos de escola secundária e melhor desempenho criativo no nível superior (conforme dados obtidos por essa pesquisa).

Outros questionamentos podem ser levantados. Em se tratando do Ensino Superior, haveria diferenças de acordo com o curso? Inicialmente parece que sim. Nogueira (1992), ao estudar alunos do 2º ao 5º ano do curso de Psicologia encontrou resultados que demonstraram que apenas cinco das quatorze características criativas estudadas apresentaram diferenças significantes entre as séries, o que demonstrou, segundo a autora, uma homogeneidade na expressão criativa. O presente estudo, por sua vez, realizado em cursos da área de Exatas, Humanas e Biológicas, indicou melhores resultados obtidos pela 3ª série universitária, sendo que a 1ª e 4ª séries não se destacaram em nenhuma característica. Assim, estudos com amostras mais diversificadas poderiam auxiliar em um panorama da criatividade específico por áreas.

Desta forma pudemos perceber que, embora haja um movimento de reconhecimento da importância da criatividade no contexto escolar, muitos esforços ainda têm que ser feitos para que ela possa ser realmente incorporada à ação educativa, deixando de estar presente somente em momentos e aulas específicas, a fim de desmistificar a idéia de que a criatividade está somente relacionada à área artística (Maia-Pinto e Fleith, 2004). A transformação deve ocorrer no sentido de fazer com que esse local possa favorecer o aparecimento de atitudes criadoras, ao invés de ser marcado por atitudes predominantemente conformistas e estereotipadas. Isto seria possível, segundo Mira (1989), a partir do momento em que a escola passasse não somente a abranger as atividades do indivíduo, desde aquelas de comunicação e linguagem, das relações, do convívio com os demais e exploração do ambiente, mas também a enfatizar os processos criativos em educação, o que implicaria em promover atitudes abertas, favorecendo a originalidade na solução dos problemas, valorização do novo, estímulo à curiosidade, sensibilidade diante dos problemas e receptividade a novas idéias. Também a partir do momento que o professor assumisse o papel de estimular e incentivar os alunos a explorarem suas habilidades e potencialidades, aumentando, deste modo, o número de respostas e talentos criativos (Joly, 2001).

Assim, percebemos que a preocupação da sociedade com a escola criativa deveria ser constante. Segundo Novaes (2003), pais, alunos, professores, diretores e todos aqueles que trabalham com educação podem colaborar no sentido de fazer com que a escola descubra novos caminhos, procedimentos e estratégias do ensinar e aprender, confirmando opinião de Amabile (2001), que chama a atenção para a importância de um ambiente social que favoreça o desenvolvimento de motivações, atitudes e habilidades, e que crie oportunidades de aprendizagem criativa e envolvimento com tarefas desafiadoras, sendo que, quanto mais precoce essa exposição se der, maiores serão as oportunidades de desenvolver a criatividade (Csikszentmihalyi, 1999).

Dentro da tendência atual da Avaliação Psicológica, que tem buscado garantir a qualificação dos instrumentos psicológicos e o fortalecimento da imagem da área junto à sociedade, não podemos deixar de citar a necessidade de adequação e verificação dos testes em cada cultura, certificando-se que estejam adequados para a realidade onde serão utilizados, segundo recomendações da International Testing Comission (2003) e do Conselho Federal de Psicologia (2003). Salientamos que o instrumental utilizado nesta pesquisa passou por todo esse processo de validação, precisão e normatização brasileira (Wechsler, 2002b, 2004), estando aprovado para uso na cultura brasileira. Estes estudos confirmaram a capacidade preditiva dos testes ao distinguir, de maneira significativa indivíduos criativos dos não criativos.

O presente estudo, embora tenha apontado resultados importantes, deve ser visto com certas limitações devido ao fato, principalmente, de ter sido realizado com estudantes de uma única região brasileira e de um número limitado de cursos superiores. Outros estudos com ampliação e diversificação da amostra serão necessários para confirmar, ou não, os dados apresentados, considerando-se a diferença cultural existente em nosso país.

Os resultados sugerem a importância da realização de diversos estudos sobre a criatividade a serem realizados em faixas etárias diversificadas, incluindo crianças bem pequenas até adultos, passando por várias idades e níveis de escolaridade, de forma que possa ser mais delineado o percurso da criatividade nas diversas épocas do desenvolvimento humano.

 

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Recebido em 27/04/2006
Revisto em16/11/2006
Aceito em 19/11/2006

 

 

* Endereço para correspondência: Dra. Solange Wechsler: LAMP - PUC-Campinas, Campus II, Psicologia. Av. John Boyd Dunlop, s/n. Jardim Ipaussurama. Campinas - SP. CEP: 13060-904. E-mail: wechsler@lexxa.com.br. Tatiana Nakano: Rua Waldomiro Gonzaga da Silva, 167. Campinas - SP. CEP: 13044-280. E-mail: tatiananakano@hotmail.com.
1 As autoras agradecem o apoio financeiro recebido do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

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