SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.57 issue127The use of Sandplay therapy in the treatment of children with obsessive-compulsive disorderLaboratory of personality studies: is it possible a “labor-oratory” in a university at the XXI century? author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Boletim de Psicologia

Print version ISSN 0006-5943

Bol. psicol vol.57 no.127 São Paulo Dec. 2007

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

 

O rio da alma: reflexões da ecologia arquetípica sobre o complexo cultural paulistano

 

The soul river: reflections about the paulistano’s cultural complex archetypical ecology

 

 

Ricardo Alvarenga Hirata*

Núcleo de Estudos Junguianos da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

 

 


RESUMO

O objetivo deste trabalho foi realizar uma leitura da crise ecológica atual sob o prisma da Psicologia Analítica. Acreditamos que, em São Paulo, um dos pilares desta crise reside na relação, psíquica e espiritual, entre seus habitantes e o rio Tietê. Analisando o imaginário ligado ao rio desde o século XVI até os dias atuais, bem como o simbolismo do rio e da água, identificamos um conflito psíquico que deu origem a uma cisão entre natureza e civilização. Por fim, concluímos que a problemática ecológica no rio Tietê é um sintoma de um complexo cultural presente e atuante na psique paulistana.

Palavras-Chave: Crise ecológica, Psicologia analítica, Rio Tietê, Simbolismo, Ecologia arquetípica.


ABSTRACT

The aim of this work is to examine the current ecological crisis under the perspective of Analytical Psychology. We believe that one of the pillars of this crisis rests in the own relationship, psychological and spiritual, between São Paulo’s inhabitants and the Tietê river. Analysing the imaginary linked to the river since the XVI th century to the present, as well as the river and the water’s symbolism, we identified a psychic conflict that has created a scission between nature versus civilization. Finally, we conclude that the ecological problem in the Tietê river is a symptom of a cultural complex, present and active in the collective psyche of São Paulo’s inhabitants.

Keywords: Ecological crisis, Analytical Psychology, Tietê river, Symbolism, Archetypal ecology.


 

 

Só o acesso a um grau mais alto de consciência poderá operar uma transmutação profunda, uma metanóia em nossa compreensão da Natureza e de nós mesmos. Alcançar este grau de consciência exige, ao meu ver, um trabalho de transformação espiritual ... Penso que a busca de articular espiritualidade, natureza e política constitui um dos veios mais criativos e necessários para o momento em que vivemos (Unger, 2000, p. 63).

E o Tietê deu a São Paulo tudo quanto possuía: o ouro das areias, a força das águas, a fertilidade das terras, a madeira das matas, os mitos do sertão. Despiu-se de todo encanto e de todo mistério; despoetizou-se e empobreceu por São Paulo e pelo Brasil (Nóbrega, 1981, p.221).

 

INTRODUÇÃO

O Tietê sobrevive apesar de São Paulo. Não é dele a água que corre retificada, aprisionada no esqueleto marginal. Esse lodo escuro e mal cheiroso, pestilento e asqueroso, não é o rio. O Tietê não pode ser visto de fora. É necessário entrar. Para senti-lo não basta um relance que parte de um automóvel parado no congestionamento. É preciso mais. Deixar que a densidade do líquido nos arraste para o seu interior. Empatizar com o depositário do esgoto paulistano requer um aprofundamento. É preciso não resistir para chegar ao local que o rio nos reserva. É preciso olhar para a morte a fim de encontrar onde reside sua vida. O Tietê subsiste à sombra do olhar paulistano, mas o habitante da grande metrópole prefere não olhar para o seu rio.

“Já vi de tudo. Bicho morto sempre tem. Mas o que mais me impressionou foi ver um bebê boiando, certa vez”. ... “É chocante”, destaca. “Já vi ao longo dos 10 anos que trabalho no Tietê quatro corpos, além de bichos grandes mortos” (Jornal da Tarde, 02/09/02).

O corpo deste trabalho está dividido em quatro partes: (1) uma imaginação guiada; (2) o olhar do pesquisador; (3) reflexões sobre a vertente ecológica do complexo cultural paulistano (“o rio da alma”) e (4) considerações finais e implicações práticas.

Um estudo da problemática ecológica no rio Tietê que faz uso do referencial junguiano desdobra o objeto em diferentes níveis de análise: (1) o rio objetivo ou material; (2) o rio psíquico da sociedade paulistana, em especial com relação aos complexos culturais e (3) a relação poluição - doença psíquica. Este prisma nos permite considerar a poluição do rio objetivo, bem como do subjetivo. Logicamente, tais reflexões ultrapassam os limites desta apresentação. Não obstante, proponho uma primeira aproximação a esta problemática.

Convido-os a imaginar o Tietê. Permitam-me conduzi-los pelo leito do desenvolvimento paulista desde suas origens como área de aldeamento indígena, passando por vila jesuítica, indo até a grande metrópole que conhecemos atualmente. Nessa viagem, adotaremos a perspectiva do rio. Sua nascente, suas corredeiras e represas, seus espíritos e entidades, do real ao imaginário, da vida à morte. O rio será figura e fundo, cenário e ator, sujeito e objeto.

 

UMA VIAGEM PELO IMAGINÁRIO TIETEANO

Partimos como um pequeno filete de água que nasce das encostas da Serra do Mar, bem próximo do litoral. Somado a outros filetes de outras nascentes formamos um pequeno córrego que logo se transforma em riacho. Cada vez mais caudaloso, e ao contrário do esperado, ruma em direção ao interior indo desaguar depois de 1.200 km no grande rio Paraná. Nosso tempo precede a chegada dos europeus. Os indígenas que viviam no Planalto Paulista o chamavam de Tietê, que significa “mãe do rio”, porque após as cheias nos campos podia-se pescar com as próprias mãos os peixes ilhados nas poças de água. É curioso pensar que um lugar que já foi chamado de mãe provoque, atualmente, tanta repulsa e descaso.

Água, alimento e vastas áreas sem mata fechada atraíram diversos grupos indígenas para esta região. Mais tarde, foram justamente tais fatores associados ao clima mais ameno que o do litoral, que atraíram os jesuítas em busca de nativos para a catequese. Já neste tempo, diversas entidades habitavam o rio e as águas: Mães-d’água, Boitatás e Boiúnas, dentre outras. As Ipupiaras indígenas se encontraram com as sereias européias no imaginário dos colonos. Pouco depois foi a vez do sincretismo com os orixás africanos.

“Iara, a rainha das águas, era a mais formosa mulher da tribo. Também era muito amiga da natureza e gostava de passar os dias pelas areias brancas dos rios, a banharse nas suas águas. Numa tarde, enquanto se banhava no rio até tarde da noite, homens estranhos de barba, roupas pesadas, botas e chapéus, a agrediram. Agredida, acabou por desmaiar. E, ainda assim, foi violentada e abusada. Por fim, atiraram-na no rio, onde o espírito das águas a transformou num ser duplo – metade humana, metade peixe. Seguiu vivendo nos rios, linda, mas letal” (Andrade e Silva, 1990, p.36).

Por sua vez, a grande serpente Boiúna reinava nos trechos escuros e profundos do rio, tragando as embarcações para o fundo das águas. “A serpente do Tietê, conta-nos o soldado, media nada menos de uma braça de diâmetro!” (Taunay, 1950, p. 181).

Desde os primeiros aldeamentos paulistas o Tietê cedeu água e, principalmente, alimento – concreto e simbólico – para os habitantes do planalto. Os bandeirantes adentraram o sertão, guiados pelo Tietê. De suas margens partiu o movimento conquistador de todo o Sul, do Centro e do Oeste, propagando-se seus efeitos por todo o sertão do Norte. Nos séculos XVI, XVII e XVIII, época do bandeirismo e das monções, os rios paulistas também foram objeto de uma espécie de veneração, principalmente em relação às dificuldades de sua travessia. Nos diários de expedições ao longo do rio fica também evidente a rica biodiversidade e a quantidade de vida nas águas e nas margens do Tietê.

“Há onças, tigres, grandes manadas de porcos-do-mato que de longe se ouve o estrépito que fazem com os dentes. Têm estes rios seus grandes peixes dourados e pacus. Têm também suas criações de patos, muitas lontras, muitos jacarés que pelos barrancos dos rios se estão aquentando ao sol, e alguns de extraordinária grandeza que atirando-se com bala não lhes faz dano algum pela fortaleza de suas conchas” (Souza e Mikino, 2000, p.26).

No século XVIII, com o descobrimento de ouro e pedras preciosas na região de Minas Gerais, grandes expedições partiram de Piratininga em canoas pelo rio Tietê. Foi a época das Monções. Ainda que a corte portuguesa tenha visado, sobretudo, a extração da matéria-prima e das riquezas do Brasil, o Tietê favoreceu o movimento contrário. Levou migrantes e alimentos às pedras e minerais preciosos de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso. Mais tarde, com o desenvolvimento da agricultura paulista, o ouro verde dos cafezais tinha na terra roxa do basalto do leito do Tietê, e nas águas do rio, a condição ideal para seu crescimento. O Estado de São Paulo, por volta de 1890, era o centro produtor mais importante do mundo. O café desenvolveu as estradas de ferro e trouxe os colonos estrangeiros. O lucro dos cafezais foi investido na modernização de grandes latifúndios e provocou mudanças nos hábitos dos moradores. Já com a revolução industrial, foram as águas do Tietê que geraram a energia hidrelétrica necessária para impulsionar as máquinas que alavancaram o florescer da futura metrópole dos séculos XIX e XX. Os habitantes de São Paulo possuíram uma forte ligação emocional com o Tietê até o início do século XX.

“Os banhos de rio no Tamanduateí e no Tietê, desde o século XVIII atraíam jovens e estudantes. Entre 1880 e 1889, os banhos foram terminantemente proibidos pelas autoridades policiais, provavelmente em virtude do nudismo e mesmo do perigo que a atividade oferecia a pessoas não preparadas” (Adorno, 1999, p. 77).

Durante a segunda metade do século XIX a vida do rio se misturava à do paulistano: as pontes que cruzavam o rio, a atividade dos pescadores, as inundações das várzeas. “Quem não se lembra das grandes enchentes do Tietê? São Paulo inteiro ia ver as inundações, reunindo-se ali gente de todas as classes” (Adorno, 1999, p. 60). No ano de 1919, o Tietê ainda concentrava boa parte da atividade cultural paulistana. Além de ser a grande arena esportiva da época, o rio convidava os paulistanos a passeios em suas margens, canções, pinturas e poemas. A expansão industrial, em bairros como Brás, Pari, Barra Funda, Água Branca e Lapa, trouxe para estas pessoas a opção de lazer nos rios da metrópole. Embora tivessem de lidar com as dificuldades originadas nas épocas de cheias, como as grandes enchentes de 1906 e 1929, suas margens viraram festa: “partidas de futebol, românticas serenatas, piqueniques. Suas águas eram palco de esportes náuticos e pescarias” (Adorno, 1999, p. 58).

Já por volta de 1950, o rio ainda “resistia” como representante da ligação anímica e espiritual do homem com a natureza. “Hoje eu ouço falar tanto em estresse, estafa, depressão... O Tietê, com suas águas mansas, ajudava muito a gente a combater e a esquecer tudo isso” (Adorno, 1999, p. 63). Com relação à prática esportiva do paulistano, o Tietê era a grande arena do remo e da natação.

“A elite da época parecia ter descoberto que ‘praticar sports’ era mais elegante que ‘tomar banho’ no rio. Se o Tamanduateí foi sendo abandonado, o Tietê foi ganhando vida nas proximidades da Ponte Grande e da Floresta, com a instalação de dois clubes dedicados à natação e ao remo, freqüentados por pessoas ‘distintas’: o Clube Espéria, instalado em 1899, e o Clube de Regatas São Paulo, com sede às margens do rio desde 1904" (Adorno, 1999, p. 77).

Mas o progresso não veio incólume à diversidade biológica e cultural do Tietê. Do cultivo da cana-de-açúcar, do café e da policultura, pouco restou depois do desmatamento que cobriu quase a totalidade do estado. A grande quantidade de lixo e esgoto do maior pólo de atração populacional do país gerou a morte do rio na cidade de São Paulo. A devastação ecológica na região do Tietê ficou crítica a partir do século XX, mas no XVIII, com a exploração da agricultura canavieira e o desmatamento das margens do rio, o ecossistema do rio já se mostrava ameaçado. Depois do declínio das Monções e, mais especificamente, com a proibição do esporte e do lazer devido à poluição e às terríveis enchentes, o Tietê e suas águas assumiram uma nova representação muito mais destrutiva e mórbida no imaginário paulista. “Com o tempo, assumiu um prestígio às avessas: adquiriu um nível de poluição alarmante e sua imagem ficou vinculada a algo de ruim e destrutivo” (Ohtake, 1991, p. 10).

Embora o nível de poluição tenha ultrapassado o limite de oxigênio zero por volta de 1960, já no começo do século XIX realizava-se esta prática que deixava o ar infestado e a água contaminada. As várzeas dos rios paulistanos já serviam de depositário do lixo e de animais mortos: “alguns pontos da várzea do Tamanduateí – sobretudo a zona do Carmo, freqüentemente encharcada – continuaram servindo para os despejos de uma grande parte do lixo da cidade” (Bruno, 1991, p. 166). Também era depositário de lixo o sulco profundo do Anhangabaú, nas proximidades do córrego e da ponte do Açu (Bruno, 1991). Na época da fundação de São Paulo, diversos rios e córregos cruzavam o planalto. Destes, muitos foram canalizados, retificados, desviados ou extintos.

Em decorrência de toda esta modificação do ecossistema, as matas em torno do rio desapareceram. E com os aterros e o asfalto, o excesso de água anteriormente recebido pelas várzeas não tinha mais para onde escorrer. Todo o líquido que pudesse ser contido no leito do rio para gerar eletricidade nas usinas da serra deveria ser considerado.

“Até a sujeira e a devastação, de certo modo, ajudavam... Cada gota de urina despejada nos vasos sanitários da metrópole acabava rumando em direção às turbinas no pé da serra do Mar: a água que não se infiltrava mais naturalmente no solo, inchava os rios e produzia mais quilowatts” (Adorno, 1999, p. 49).

Dessa forma, conseguiu-se energia elétrica suficiente para abastecer a metrópole em expansão. Frente às modificações do ecossistema visando a obtenção de energia e a remoção do lixo e do esgoto, ainda que sem tratamento, o rio foi aprofundado, retificado e suas margens completamente impermeabilizadas. O desenvolvimento econômico proporcionou o acúmulo e a geração da maior riqueza do país, mas o nível de contaminação das águas e os problemas das enchentes continuavam alarmantes. Além da perda desta grande área de lazer e esportes a poluição do Tietê afastou também de suas águas e margens a realização de cultos religiosos. O santuário de Pirapora do Bom Jesus, localizado a poucos quilômetros da metrópole, é o mais afetado pela poluição do rio.

“Realizavam-se procissões fluviais abrilhantadas pelo espetáculo de fogos de artifício e, mantendo o hábito antigo, banhavam no rio os animais daqueles que tinham vindo com montaria. Também se procedia ao chamado “banho de cura”, durante a madrugada, imergindo os doentes nas águas do rio. Muitos leprosos faziam parte deste cortejo. Mas a partir de meados dos anos 80, a degradação do rio em Pirapora, hoje conhecida pelo mar de espuma de detergentes lançados pelos esgotos, que exalam terrível mal cheiro, impediu essa prática” (Bruno, 1991, p. 66).

Em 2004, no dia de Nossa Senhora, realizou-se uma missa no rio Tietê. Foi distribuída água captada na nascente do Tietê em vidros bentos. A opressão cultural revelada no afastamento do númen – o sagrado – das águas do rio, também faz parte da devastação ecológica. Apenas o tratamento do esgoto objetivo será suficiente para resignificar este ecossistema simbólico?

“A passagem [da imagem de Nossa Senhora] pelo Tietê sensibilizou muitos devotos. Alguns se perguntavam se seria mais fácil repetir o milagre de Jesus, que transformou água em vinho no episódio das Bodas de Canaã da Galiléia, ou fazer com que o líquido que percorre o Tietê vire água potável um dia” (Menconi, 2004, p. 34)

Nos últimos cinco anos os principais jornais de São Paulo realizaram diversos textos sobre o Tietê. Os termos e expressões mais encontrados foram: “rio morto”, “esquecido”, “imundo”, “mal cheiroso”, “oleoso”, “mundo morto de organismos que causam doença”, “lixo e esgoto” (doméstico e industrial), “enchentes”, “descaso”, “falta de zelo”, “cemitério”, “espuma tóxica”, dentre outros. São trezentos e cinqüenta quilômetros de morte. Oito mil toneladas de esgoto fétido por dia e um índice zero de oxigênio por 60 anos. Aos poucos, a cidade se volta para olhar o rio, tendo a chance de confrontar o resultado dos anos de descaso. O que se vê é “um caldo oleoso e denso”, garrafas de refrigerante vazias e sacos plásticos acumulando nas margens sem vegetação (OESP, 23/ 09/2003). Além do esgoto, todo tipo de lixo pode ser encontrado: “desde rejeitos químicos até sofás, cadáveres, pedaços de corpo, sandálias de dedo e a incrível marca de 120 mil pneus” (OESP, 28/01/2004). É impossível, também, não perceber o odor fétido, uma mistura de “esgoto e borracha queimada”. Embora o Tietê já tenha seu dia festivo (22/09 – Dia do Rio Tietê), ainda falta muito para que se torne uma festa. Nas comemorações dos 450 anos de São Paulo, alguns “corajosos” foram remar nas águas fétidas do Tietê. Para as crianças que realizaram um passeio de barco no rio, a aflição: “Se eu morrer, pode ficar com meu videogame” (Bastos, 2004).

Após o início das obras de despoluição do Tietê, o imaginário do rio começou a apresentar representações ligadas a temas de purificação, renascimento, resgate, reflorescimento e salvação. Nos textos dos jornais paulistanos, encontramos: “Tietê: 16 anos para ‘ressuscitar’ um rio morto”. “Rio Tietê é o principal personagem dos 450 anos de São Paulo”. Soma-se a isso a plantação de árvores e flores nas margens do rio Tietê e Pinheiros – o Projeto Pomar: “os jardins das margens do Rio Tietê começam a sair do papel”. Para especialistas, a previsão para um cenário de melhorias é para 2030. Nos últimos três anos, o Tietê não transbordou nas épocas de chuva, ao contrário das famosas enchentes.

Especialistas afirmam que, “se o andamento do programa continuar na mesma velocidade, em 30 anos o rio Tietê estará recuperado, com 100% do seu esgoto tratado” (Alckmin, 2004). Recentemente, uma companhia de teatro escolheu o rio como cenário para a montagem de um palco flutuante. Outra manchete destacou: “o Tietê começa a reviver”. Para o atual governador do estado, o rio limpo e as encostas repletas de verde irão mudar a auto-estima das pessoas. O ex-governador de São Paulo ainda afirma (Alckmin, 2004): “Em São Paulo, não tenho dúvida de que o Rio Tietê está entre os nossos mais importantes símbolos, pelo que representa para o povo paulista e para o próprio país”.

Um projeto para se navegar pelo rio (Projeto Navega São Paulo) vem sendo abordado como alternativa de meio de transporte e educação ambiental. Outros acreditam no potencial turístico do rio. Enfim, para aqueles que conhecem a importância do rio na história da cidade, a revitalização e despoluição é o pagamento de uma dívida para com o rio, a “chave para resgatar o orgulho dos paulistas”.

Entretanto, a dúvida acerca de tal renascimento permanece.

“Em São Paulo, os rios e riachos tornaram-se símbolos de poluição e, como decorrência, a população foge deles e não se sente culpada ao fazer ligações clandestinas de esgoto domiciliar na rede de águas pluviais ou simplesmente usar as vias públicas como lata de lixo” (Lima de Toledo, 2001).

 

O OLHAR DO PESQUISADOR

O percurso imaginal e simbólico realizado nos auxilia agora na formatação de uma proposta de metodologia para analisar a complexidade ecológica. Utilizaremos o referencial da ecologia arquetípica, que integra as complexidades psicodinâmicas às questões do meio-ambiente (Hirata, 2003). Irei me basear em minha dissertação de mestrado, realizada junto ao programa de Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, para delinear tal construção.

Utilizamos as teorias de Cassirer (1997, 1998), Eliade (1996a, 1996b) e Jung (1991,1999 e 2000) para construir um prisma que tem no símbolo o fundamento necessário para integrar as dimensões objetiva e subjetiva, buscando a partir daí um terceiro elemento mais dialético e que tende a um posicionamento de alteridade. Partimos deste panorama inicial procurando uma perspectiva de análise mais integrada, que leve em conta as dimensões culturais, espirituais e psicológicas da crise ecológica no Tietê, bem como sugerir subsídios teóricos para estudos mais globais dessa problemática.

A hipótese do mestrado foi que as causas da crise ecológica no rio Tietê não se encontram apenas na dimensão material, objetiva, mas também têm a ver com o distanciamento da relação do homem com o simbólico e o sagrado. E que, portanto, a resolução desta crise também deve abranger a subjetividade humana.

Na dissertação descrevemos brevemente a crise da água no mundo e a ligação desta com o impasse cultura-desenvolvimento. Para isso foi realizada uma revisão bibliográfica básica enfocando as publicações da Organização das Nações Unidas.

Depois apresentamos aspectos geofísicos e históricos do rio, e a devastação ecológica ocorrida; em seguida, aprofundamos o impasse cultura x desenvolvimento econômico, que está por trás da crise, as estratégias do governo atual para lidar com a crise, bem como a unilateralidade das mesmas. Neste ponto, uma nova revisão foi tecida com base nos livros históricos e geográficos do planalto paulista e dos rios de São Paulo, bem como nas cartas jesuíticas do século XVI. A seguir apresentamos o conceito de símbolo nas teorias do Homo symbolicum em Cassirer (1997 e 1998); do sagrado e o profano em Eliade (1996a, 1996b) e da teoria arquetípica e analítica em Jung (1991, 1999 e 2000). Acreditando ser necessário considerar o símbolo dinamicamente, nas relações individuais e psicossociais, realizamos uma leitura do conceito de falácias simbólicas na obra de Edinger (2000). Dessa forma, construiu-se o prisma simbólico acima mencionado.

Isto posto, abordamos o simbolismo da água e do rio fazendo uso de dicionários de símbolos, textos de Eliade (1996a), Girard (1997), Jung (1999) e Bachelard (1989). Em seguida, ativemo-nos ao simbolismo contido no imaginário referente ao Tietê e às águas de sua bacia. Com base nos estudos de etnonímia (Prezia, 2000), mitos e lendas indígenas (Andrade e Silva, 1990), folclore regional (Cascudo, 1976), textos dos jornais O Estado de São Paulo e Folha de São Paulo e da Revista Isto é.

Por fim, procuramos sintetizar o universo abordado utilizando o prisma teórico construído para tecer considerações acerca do relacionamento da crise ecológica no Tietê com o imaginário cultural, visando lançar bases de discussão para uma ecologia que não despreze a subjetividade nem a objetividade, mas as integre.

Concluímos que as causas da crise ecológica no Tietê estão ligadas com a perda de significado do simbolismo da água e do rio e que as estratégias para lidar com a mesma devem incluir a dimensão cultural, psíquica e espiritual. Entendemos que é necessário considerar e integração entre objetividade e subjetividade, entre desenvolvimento cultural e econômico, para se pensar a crise mencionada, a fim de elaborar propostas que busquem re-vitalizar o símbolo do rio e da água visando o fim da crise ecológica no rio.

Neste ponto, evidencia-se um aspecto importante para analisar a crise no Tietê: se o simbolismo ligado ao Tietê passou de uma condição de vida para uma de morte, como visto no primeiro tópico, às custas da repressão e da formação de um complexo cultural (Singer e Kimbles, 2004), este conteúdo será exteriorizado por meio de agressões inconscientes contra o rio. E assim, não bastam apenas estratégias de limpeza física do rio, mas será necessário conscientizar as pessoas acerca da repressão ocorrida e o trauma psíquico perpetrado, a fim de se elaborar este conteúdo sombrio.

Em adição, diversos aspectos apontam para o fato de a limpeza física do Tietê não ser suficiente para eliminar o problema ecológico no rio: (1) a problemática municipal da coleta de lixo “quase 40% do lixo que chega ao rio, hoje, é proveniente de lixo não-coletado ou mal acondicionado” (OESP, 02/02/2001); (2) o destino do lodo tóxico que vem sendo retirado do rio; (3) não se sabe a quantidade de poluentes químicos que chegaram às águas dos rios em todos estes anos, não se pode detectá-los por completo e nem removê-los com segurança; (4) com o fim da descarga de poluentes industriais, patógenos irão voltar a existir nas águas do rio “se os poluentes industriais forem efetivamente controlados até 1994 e parte dos esgotos domésticos continuarem chegando ao rio, há riscos evidentes de proliferação de patógenos”(Agência Estado, 09/08/1993); (5) a resistência das pessoas em ligar suas casas à rede de esgoto; (6) a credulidade de algumas pessoas em não acreditar na despoluição. “O quê? O Tietê menos poluído? Conta outra, que essa foi muito boa, diz, soltando uma sonora gargalhada” (OESP, 06/09/2003); (7) a “má-educação” das pessoas que insistem em jogar lixo na rua. “Infelizmente, 20% da sujeira do rio não é proveniente do esgoto. São detritos jogados no Tietê. Essa é uma questão de educação” (Amendola, 2004); (8) o empecilho político “tudo que é enterrado não dá votos” (OESP, 02/02/2001); (9) o rio na posição de bode expiatório: o paulistano deposita “no Tietê a culpa de boa parte dos males que assolavam a cidade, principalmente a partir de 1900” (Adorno, 1999, p. 39); (10) as enchentes continuarão a acontecer, ainda que não ocorram nas marginais. “A água que vem desde a região do ABC não consegue entrar na calha, volta e pára na Vila Prudente, uma das áreas mais castigadas dos últimos dias” (Nunomura, 2004).

Dessa forma, acreditamos que as medidas governamentais desconsideram a dimensão subjetiva, mais próxima dos “maus hábitos” da população – despejo de lixo nas ruas, desperdício, contaminação dos córregos e mananciais. Em adição, as estratégias de implantação valorizam o uso de taxas, multas e racionamento de água. Estas são medidas que não educam, mas agridem. Uma vez que a subjetividade não é considerada, a agressão sobrevém disfarçada de educação, o que piora o cenário, pois aumenta a repressão. O problema ecológico do rio vai, portanto, além da profundidade do seu leito e do número de árvores nas suas margens. É um problema que exige uma contribuição multidisciplinar.

Assim, acreditamos que o combate à crise ecológica no Tietê precisa também abranger um outro rio, mais ligado às motivações e comportamentos do paulistano. Para o geógrafo Mário Mantovani, coordenador da SOS Mata Atlântica, “O rio é o termômetro da sociedade. Se o rio tem esgoto, é sinal de uma sociedade doente. Se tem lixo, de uma sociedade porca” (Magalhães, 2002). O Tietê reflete a cidade, sua história ressona na alma do paulistano. A busca da identidade do rio é também a busca pelo entendimento profundo da metrópole.

 

O RIO DA ALMA PAULISTANA

O rio da alma da cidade mostra violência, sujeira, alto custo de vida, poluição, trânsito, falta de atrativos e indignação com políticos. “Os paulistanos têm vivido cada vez mais fechados e conhecem a cidade mais pela televisão do que pelos olhos” (Garbin, 2000). Num plano profundo, o Tietê mostra o lado destrutivo e sombrio da cidade que, seguramente, ninguém quer ver. Será por isso que ficamos tanto tempo alienados da condição mórbida do rio? O Tietê morreu e não enlutamos. Nossa dissociação com o simbólico, com a alma do mundo, nos faz temer a finitude e incompreender a transcendência. Não soubemos lidar com a morte do rio e preferimos ignorá-la, o que provoca a agressão velada e a atuação inconsciente.

Como foi visto, um dos momentos mais traumáticos da relação homem – rio, aconteceu na primeira metade do século XX. No entanto, os sinais e sintomas deste “caos planejado” já se faziam presentes desde a época da colonização, com o desrespeito pela cultura autóctone (as hierofanias - manifestações do sagrado expressas em símbolos, mitos dos seres sobrenaturais, etc. - do rio), sendo agudizados com a perda da ligação afetiva com o rio e cronificados com a estrutura física e urbana da metrópole.

Do prisma teórico construído a partir do conceito de símbolo nas obras de Cassirer, Eliade e Jung e da análise do simbolismo religioso e do histórico do imaginário ligado ao rio, concluímos que os conteúdos psíquicos que já estiveram associados ao rio, como os símbolos de vida, das entidades aquáticas, dos mitos e lendas indígenas, das festas religiosas, da cultura, esporte e lazer, não podem mais fluir em harmonia e integralidade. Estão “cristalizados” num complexo cultural, reprimidos na porção sombria e obscura da psique.

“Em decorrência do crescimento das cidades e da poluição, as pessoas deixaram de olhar e de ter contato direto com os rios, principalmente com o Tietê, o maior do Estado de São Paulo. Pois, ninguém gosta de encarar a degradação e muito menos de assumir responsabilidades. Se um rio é como um espelho que reflete a nossa sociedade, o Tietê mostra que não vamos bem” (Rede das águas, 2004).

E se não assumirmos responsabilidades, conseqüentemente, continuaremos a agredir?

“São Paulo é uma cidade que não fixa uma identidade, com uma cultura e uma paisagem muito pouco exibicionistas, e seus cidadãos já naturalizaram, em relação a ela, uma prática de recíproco mau trato.... A poluição do seu principal rio, o Tietê, a demolição de sua Igreja Matriz, a primeira Sé, ou a canalização de seu mais importante “monumento” histórico, o córrego do Ipiranga, são manifestações desse desapego” (Wisnik, 2003).

Buscamos uma visão integrada das duas dimensões – objetiva e subjetiva – para analisar a crise no rio. Sob este prisma, entendemos que a crise ressona numa dissociação interna, psíquica e espiritual do paulistano. E que uma não pode ser trabalhada desprezandose a outra, a exemplo daquilo que se vem fazendo. As estratégias governamentais e das ONG’s atuais não produzem um novo sentido para o símbolo do rio. Dessa forma, ele estará menos sujo, mas, para nós, continuará a ser o Tietê de sempre. Numa margem, a falácia redutivista; e na outra, a concretista. A busca da solução deste impasse pode estar na “terceira margem do rio”, na tensão, ou coexistência funcional dos contrários (Cassirer, 1997), no levantamento das máscaras do profano em busca do significado profundo dos sistemas símbólicos (Eliade 1996a, 1996b), no diálogo consciente entre o ego e os símbolos aquetípicos (Jung, 2000). Essa é a proposta da Ecologia Arquetípica. Vale dizer que esse termo foi cunhado pelo autor (Hirata, 2003), não existindo ainda outra bibliografia com o termo “Ecologia Arquetípica” que aborde a relação entre Ecologia e Psicologia Analítica de forma semelhante.

Precisamos olhar as águas negras do estige (rio da imortalidade e um dos três rios que fazem fronteira com o inferno da mitologia grega) Tietê e os olhos da Boiúna adormecida em busca de nossa verdadeira face, que se oculta atrás da máscara descartável e virtual do consumismo em moda. Identificados com a cara desta persona, não percebemos o que nos aprisiona e nos deprime na angústia e que nos faz eleger bodes expiatórios repetidamente. Até que encontramos um que não revidava: a Natureza. Será?

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS E IMPLICAÇÕES PRÁTICAS: O MINHOCÃO E O SINTOMA DE CONCRETO

Acreditamos que dois processos aconteceram simultaneamente: a devastação ecológica do Tietê e a poluição da psique. O “Eu” do homem moderno paulistano se afastou e poluiu seu rio interno, seu “rio da alma”. O rio e suas águas perderam o significado simbólico e espiritual original passando de um símbolo “vivo” a um signo “morto”, ou “sombrio”.

Vale dizer que um rio que possui entidades é um rio vivo e presente animicamente ao povo que com ele se relaciona. Aqui cabe a questão: ainda existem tais entidades no imaginário atual? Ou então, para onde foram tais entidades?

A identificação de um complexo cultural nos leva a pensar se a formação de sintomas culturais podem ser identificados no “corpo da cidade”. Entendemos por esta denominação as construções arquitetônicas e o imaginário midiático registrado nas propagandas e outdoors. Com relação ao rio Tietê, associamos a destruição da biodiversidade e do simbolismo do rio ao Elevado Costa e Silva, o “minhocão”. De maneira curiosa o elevado recebeu como apelido o nome da entidade ofídica que habitava o imaginário mítico do rio. Em adição, as mães-d’água, Ipupiaras, Iaras e sereias têm nas campanhas publicitárias nos outdoors, ao longo do viaduto, uma representação sombria da banalização do feminino a serviço da sedução do consumo. Neste ponto, fazemos uso da licença poética para imaginar a paridade complexo cultural – sintoma no “corpo da cidade”.

 

A BOIÚNA E O “MINHOCÃO”

“A grande serpente Boiúna que um dia habitou as águas do Tietê jaz cinzenta e concreta, cimentada no elevado Costa e Silva, o “minhocão”.

Das Ipupiaras indígenas e Iaras caboclas do antigo Anhembi, ficou apenas o canto que ecoa dos outdoors do viaduto. Dos anúncios de lingerie, sapatos, roupas e sex shops, o canto dessas sereias nos seduz ao consumo do efêmero e do descartável.

Enquanto embaixo do viaduto, os mendigos e catadores de lixo, os travestis e as prostitutas, constroem seus barracos de papelão e suas ilusões de silicone.

Somos todos agonizantes prisioneiros no interior da barriga do monstro de concreto” Hirata (2003, p.134).

Dos inúmeros significados que o simbolismo da água do rio Tietê já possuiu, muito pouco restou. Basicamente, só permaneceram os sentidos de morte, dor e sofrimento. O enfrentamento dessa realidade sombria acarretaria um maior grau de sofrimento, porque revela nossa omissão, descaso e falta de comprometimento com a “saúde” do rio. Assim, segundo a psicodinâmica junguiana, a sombra externalizada na forma de atuações destrutivas, tais como descaso, desperdício de água, despejo de lixo nas ruas, impermeabilizações do solo, etc., precisa ser re-integrada à consciência por meio do reconhecimento das agressões inconscientes ao meio ambiente, as quais, por sua vez, põem em risco o sucesso das atuais políticas públicas de limpeza do rio.

Acreditamos ter atingido nosso objetivo de lançar uma base teórica a novos estudos e estratégias educacionais, que busquem um aumento no grau de consciência, a fim de que este símbolo que vem representando aspectos ligados à morte possa receber um novo significado, e a vitalidade do Tietê seja resgatada.

Tendo em vista a problemática estudada, levantamos as seguintes propostas visando a aplicação prática das conclusões teóricas:

• Criação de uma disciplina escolar sobre a Ecologia da Metrópole, onde, dentre outros tópicos, sejam abordados: os aspectos históricos e geofísicos do rio e do relevo paulistano, a devastação do meio-ambiente e o impasse cultura-desenvolvimento econômico; o impacto ambiental com a urbanização no século XX; a condição da natureza de São Paulo – suas águas, ar, solo, mudanças de temperatura; o estudo do desperdício dos recursos naturais nas casas – quantidade de água potável que se elimina a cada descarga do vaso sanitário, banhos, gastos com a lavagem de carros e calçadas, vazamentos dos dutos de abastecimento da rede hídrica municipal, gastos das indústrias e agricultura; alternativas existentes para o uso racional de água, reuso de água e re-aproveitamento de água das chuvas. Em adição, serão também abordadas manifestações subjetivas, representações simbólicas e do imaginário popular acerca da água e do rio como hierofania, a exemplo da classificação de Eliade.
• Implantação e incentivo de vivências de “conscientização” aliadas à educação e ao turismo, que promovam o confronto com a realidade “não-vista” da devastação ambiental. Consistiriam de visitas a lixões; aterros sanitários; habitações ilegais às margens dos reservatórios de água; córregos poluídos; indústrias que já foram poluidoras e hoje são exemplo no gerenciamento de água; estações de tratamento de água; trechos poluídos do rio e usinas hidrelétricas no Tietê; às cidades de Santana do Parnaíba e Pirapora do Bom Jesus, principalmente nas épocas em que aumentam as espumas tóxicas; dutos de esgotos e canalizações de córregos; etc.
• Fomento de atividades “culturais”, tais como: peças de teatro e espetáculos musicais que tenham o rio como palco ou cenário; reestruturação do Parque Ecológico do Tietê como centro de lazer, convenções, bem como a revitalização de seu museu; excursões que revivam navegação dos bandeirantes e as monções, bem como turismo religioso às cidades sagradas ao longo do rio; incentivo de celebrações religiosas tendo o rio como cenário, como a missa no dia do rio e a reedição da festa dos Navegantes e do Bom Jesus; conversas ou entrevistas com pessoas que conheceram o rio mais limpo, nadaram, pescaram ou praticaram esportes em suas águas.
• Criação de novela ou minissérie de televisão que retrate a importância histórica do rio para o desenvolvimento da metrópole, associada a toda a simbologia da água e do rio; elaboração de propagandas e estratégias de marketing que veiculem os símbolos ligados à vida, força, pujança, dinamismo, impetuosidade do rio, associando-o com a identidade da metrópole, bem como campanhas que renovem a imagem do feminino das águas, para que nossas sereias deixem de ser apenas pornográficas e nosso “minhocão”, o viaduto de concreto; utilização de símbolos das diversas culturas que habitam São Paulo em suas representações hídricas e fluviais, a exemplo da mitologia e folclore indígena, afro, europeu, japonês, árabe, italiano, etc. Aumento da arborização das margens e, assim que possível, manejo da piscicultura do rio.

Todas estas propostas deveriam estar associadas a um conteúdo didático que inclua a conceituação psicodinâmica junguiana, que defende a integração de conteúdos reprimidos, projetados no ambiente. É importante que tais medidas andem juntas, para não parecerem um concretismo apologético do sofrimento e nem uma manipulação da massa via representações do imaginário. O fundamental é que a mudança do comportamento de degradação para uma atitude ecológica seja almejado mediante uma mudança de consciência em relação a São Paulo e à metrópole, e não apenas à imposição de taxas e racionamentos.

Como possíveis vertentes de estudos posteriores, acreditamos na validade da investigação (1) da formação do complexo-cultural paulistano, bem como as relações deste com o referido rio; (2) da agressão ecológica e sua relação com nossas atuais “doenças da alma”, como a depressão, o estresse e os infartos do miocárdio.

Por fim, se a vida na cidade “perdeu o sentido”, talvez precisemos de uma atitude simbólica que integre Natureza, Corpo e Alma; ou então Gaia – Ego – Self, a fim de entendermos o lado prospectivo de tanta violência e sofrimento.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Adorno, V. (1999). Tietê: uma promessa de futuro para as águas do passado. São Paulo: Texto Art Gráfica e Editora Ltda.        [ Links ]

Agência Estado (1993). Despoluição do Tietê depende da iniciativa das indústrias. Agência Estado, 09/08/1993.        [ Links ]

Alckmin, G. (2004). Rio Tietê, um símbolo paulista. O Tietê ajudou São Paulo a crescer, mas infelizmente se tornou vítima do crescimento desordenado. Jornal da Tarde, 22/10/2004.        [ Links ]

Amendola, G. (2004). Limpeza do Tietê chega aos poucos, diz Alckmin. São Paulo - No Dia do Rio Tietê, o governador Geraldo Alckmin fez uma inspeção aérea das obras de despoluição de suas águas. O Estado de São Paulo, 22/09/2004.        [ Links ]

Andrade e Silva, W. (1990). Lendas e mitos dos índios brasileiros. São Paulo: Pancrom Indústria Gráfica.        [ Links ]

Bachelard, G. (1989). A água e os sonhos: Ensaio sobre a imaginação da matéria. São Paulo: Martins Fontes.        [ Links ]

Bastos, R. (2004). Excursão da escola pelo Rio Tietê: divididos em duas turmas, 130 alunos de 8 e 9 anos fizeram um passeio de barco. O Estado de São Paulo, 10/11/2004.        [ Links ]

Bruno, E.S. (1991). História e tradições da cidade de São Paulo. (Vol I; 4ª ed.) São Paulo: Hucitec.        [ Links ]

Cascudo, L.C. (1976). Geografia dos mitos brasileiros. (2ª. ed.). Rio de Janeiro: José Olympio, MEC.        [ Links ]

Cassirer, E. (1997). Ensaio sobre o homem. São Paulo: Martins Fontes.        [ Links ]

Cassirer, E. (1998). Filosofia das formas simbólicas. (Vol. III; 2ªed.). México: Fondo de Cultura Econômica.        [ Links ]

Edinger, E. (2000). Ego e arquétipo. (3a. ed.). São Paulo: Cultrix.        [ Links ]

Eliade, M. (1996a). Imagens e símbolos. São Paulo: Martins Fontes.        [ Links ]

Eliade, M. (1996b). Tratado da história das religiões. (2ª ed.). São Paulo: Martins Fontes.        [ Links ]

Garbin, L. (2000). Gostos e manias constroem alma paulistana. O Estado de São Paulo, 24/09/2000.        [ Links ]

Girard, M. (1997). Os símbolos na bíblia. São Paulo: Paulus.        [ Links ]

Hirata, R.A. (2003). O rio da alma: contribuições do simbolismo religioso e da Psicologia Analítica para uma reflexão sobre a crise ecológica no rio Tietê (uma proposta da Ecologia Arquetípica). Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.        [ Links ]

Jung, C.G. (1991). A natureza da psique. (3ª ed.) Petrópolis: Vozes.        [ Links ]

Jung, C.G. (2000). Os arquétipos e o inconsciente coletivo. Petrópolis: Vozes.        [ Links ]

Jung, C.G. (1999). Símbolos da transformação. (4ª ed.). Petrópolis: Vozes.        [ Links ]

Lima de Toledo, B. (2001). A reconquista do Rio Pinheiros. O Estado de São Paulo, 21/01/2001.        [ Links ]

Magalhães, R. (2002). Presente para o Tietê: zero de oxigênio. Jornal da Tarde, 23/09/2002.        [ Links ]

Menconi, D. (2004). Piscinão de encrencas. Laudo técnico aponta contaminação no aterro de Carapicuíba e esquenta a polêmica sobre obra na calha do rio Tietê. Isto é, 28/01/2004, p.34.        [ Links ]

Nóbrega, M. (1981). História do rio Tietê. (3ª ed.). Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo.        [ Links ]

Nunomura, E. (2004). Enchentes e falta d’água, a sina do paulistano: é difícil entender como pode haver racionamento, se tem chovido tanto na capital. O Estado de São Paulo. 08/02/2004.        [ Links ]

OESP. (2001). Lixo e esgoto em São Paulo. O Estado de São Paulo, 02/02/2001.        [ Links ]

OESP. (2003). Tietê dá sinais de vida. Mas população duvida Cetesb diz que mancha de poluição diminuiu 120 quilômetros; moradores não vêem diferença. O Estado de São Paulo, 06/09/2003.        [ Links ]

Ohtake, R.. (Ed.). (1991). O livro do Rio Tietê. São Paulo: Estúdio Ro.        [ Links ]

Prezia, B.A. (2000). Os indígenas do planalto paulista: nas crônicas quinhentistas e seiscentistas. São Paulo: Humanitas/FFLCH/USP.        [ Links ]

Rede das águas. (website). Disponível em: http://www.rededasaguas.org.br/ observando/historia.htm. Acesso 20/12/04.        [ Links ]

Singer, E. & Kimbles, S. L. (2004). The cultural complex. New York: Routledge.        [ Links ]

Souza, J.S. & Mikino, M. (Org.). (2000). Diário da navegação. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Imprensa Oficial do Estado.        [ Links ]

Taunay, A.E. (1950). História Geral das bandeiras paulistas. (Tomo undécimo). São Paulo: Imprensa Oficial do Estado.        [ Links ]

Unger, N. M. (2000). O encantamento do humano: Ecologia e espiritualidade. (2ª ed.). São Paulo: Loyola.        [ Links ]

Wisnik, G. (2003). Análise: Temos motivos para comemorar? Folha de São Paulo, 25/01/2003.        [ Links ]

 

 

Recebido em 22/05/06
Revisto em 30/10/06
Aceito em 05/11/06

 

 

* Endereço para correspondência: Rua dos Ingleses, 255. Bela Vista. São Paulo – SP. CEP: 01329-000. Fone: 3284-9696; E-mail: ricardoahirata@yahoo.com.br.

Creative Commons License