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Boletim de Psicologia

versão impressa ISSN 0006-5943

Bol. psicol v.58 n.128 São Paulo jun. 2008

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

Validade do Desenho da Figura Humana na avaliação de Goodenough-Harris e nos indicadores maturacionais de Koppitz em crianças da cidade de São Paulo

 

Human Figure Drawing’s validity for Goodenough-Harris Test and Koppitz Maturity Indicators in São Paulo children’s

 

 

Helena Rinaldi Rosa*

UNESP - Departamento de Psicologia Clínica - Campus de Assis

 

 


RESUMO

O Desenho da Figura Humana tem sido bastante usado para avaliação cognitiva e de desenvolvimento infantil. Os sistemas de avaliação mais conhecidos e mais empregados internacionalmente são: o apresentado por Goodenough (1926) e revisado por Harris (1963) e o proposto por Koppitz (1973). Este estudo investigou a validade concorrente entre o Teste R-2 e o Desenho da Figura Humana, empregando os dois sistemas. O R-2, Teste Não Verbal de Inteligência para Crianças, avalia o fator geral da inteligência. A amostra foi composta por 1540 crianças, de 5 a 11,5 anos, de ambos os sexos, escolares da cidade de São Paulo. A aplicação dos dois instrumentos foi individual, tendo sido solicitado o Desenho de um Homem e depois aplicado o R-2. Para a amostra total, a correlação entre o R-2 e o sistema de Koppitz foi 0,575 e com o de Goodenough-Harris foi de 0,606 e, entre as duas avaliações do desenho, foi de 0,899, que é significante e alta. Concluiu-se que os dois sistemas de pontuação do Desenho do Homem são adequados para avaliação cognitiva de crianças.

Palavras-chave: Teste R-2, Teste de Goodenough-Harris, Desenho de figuras humanas, Indicadores maturacionais de Koppitz, Validade de testes.


ABSTRACT

The Human Figure Drawing has been often used to assess child development. The assessment systems more known and more utilized internationally are the presented by Goodenough (1926), revised by Harris (1963) and the proposed by Koppitz (1973). The objective of this study was to investigate the concomitant validity between R-2 Test and the Human Figure Drawing, by both systems. The R-2, Non Verbal Intelligence Test for Children, evaluates the general factor of intelligence. The sample was composed by 1540 children, from 5 to 11.5 years old, of both sexes, students from São Paulo city. The children were assessed individually being asked initially to Draw a Man and the R-2 Test. Correlations between R-2 and Koppitz system was 0.575 and with Goodenough-Harris was 0.606 to global sample. Correlation between drawing assessments was 0.899, which is high and significant. It was concluded that both point systems of Man Drawing are suitable for children’s cognitive assessment.

Keywords: Test R-2, Psychological tests, Goodenough-Harris Test, Human figure drawing, Koppitz maturity indicators, Tests validity.


 

 

INTRODUÇÃO

A inteligência humana tem sido objeto de estudo e polêmica desde os tempos mais remotos, sendo discutida a definição do conceito bem como a sua forma de avaliação. A Psicologia tem como uma de suas principais aplicações práticas a avaliação psicológica, nos seus diferentes aspectos e para os mais diversos segmentos da população. No momento em que a avaliação dos aspectos cognitivos de crianças vem gerando polêmica tanto junto à própria população, como nas instituições sociais, poder judiciário, instituições escolares, reabilitação de crianças com dificuldades emocionais e/ou cognitivas, faz-se necessário rever, mais do que nunca, os instrumentos que têm sido empregados para essas avaliações.

Um dos instrumentos mais utilizados para avaliação cognitiva e do desenvolvimento infantil tem sido o Desenho da Figura Humana (DFH), com diferentes formas de pontuação. Este estudo buscou investigar a relação entre o DFH, nos sistemas de avaliação de Goodenough-Harris (1963/1981) e de Koppitz (1973) e o Teste R-2, que é um teste não verbal de inteligência para crianças, que avalia o fator geral da inteligência.

Assim foi estudada a validade concorrente ou concomitante entre o DFH e o Teste R-2, tal como definida por Anastasi (1977), em que se correlaciona o resultado num teste com um “critério”, no caso, o resultado obtido num outro teste que se propõe a avaliar o mesmo constructo. Investigou-se, portanto, o desenho como indicativo da inteligência infantil, ou seja, como uma manifestação do desenvolvimento da criança.

O desenho infantil apresenta uma evolução sistemática e, em particular, o Desenho da Figura Humana evolui conforme a criança se desenvolve. Goodenough (1926) propôs uma escala cujos itens estão baseados nas mudanças que ocorrem no desenho na medida em que aumenta a idade. O desenho é pontuado segundo a presença ou a ausência destes itens e o total de pontos é transformado em idade mental e depois em QI de razão. A escala foi revista e ampliada por Harris em 1963.

Tanto na escala original de Goodenough como na revisada “a ênfase é colocada na exatidão da observação da criança e no desenvolvimento do pensamento conceitual, e não na habilidade artística” (Anastasi e Urbina, 2000). Em ambas as escalas a avaliação é feita pela atribuição de pontos às partes do desenho, ou seja, à inclusão de partes do corpo, detalhes de roupas, proporção, perspectiva e aspectos semelhantes. A escala original é composta por 51 itens. Na forma revisada, a escala possui 73 itens para o Desenho do Homem e 71, para o Desenho da Mulher.

No teste revisto, ampliado e padronizado por Harris (1963/1981), o autor apresentou dados normativos para crianças norte-americanas de 3 a 15 anos, para cada sexo e desenho, do Homem e da Mulher, em QI de desvio, com média 100 e desvio-padrão de 15, ao invés do QI de razão usado anteriormente por Goodenough. Os QIs de desvio podem ser transformados também em percentis. O autor afirmou que a escala está avaliando a “maturidade conceitual” da criança, porque a partir do conceito da Figura Humana, pode-se avaliar sua capacidade para formar outros conceitos, inclusive mais abstratos. Segundo Harris (1963/1981, p. 21):

“a atividade intelectual requer: (1) capacidade para perceber, isto é, discriminar semelhanças e diferenças (2) capacidade para abstrair, isto é, para classificar de acordo com essas semelhanças e diferenças (3) capacidade para generalizar, isto é, para designar um objeto recentemente experienciado a uma classe correta de acordo com as características, propriedades ou atributos discriminados. Essas três funções juntas correspondem ao processo de formação de conceito”.

Outro sistema de avaliação foi proposto por Koppitz (1973), que considerou o DFH como teste de maturidade e também como teste projetivo. Assim, estabeleceu um sistema de avaliação do Desenho da Figura Humana constituído de itens evolutivos, cuja freqüência cresce de acordo com o aumento da idade da criança, e outro com itens que considerou indicadores de problemas emocionais. Partiu da hipótese básica de que o Desenho da Figura Humana:

“reflete primordialmente o nível evolutivo da criança e suas relações interpessoais, ou seja, suas atitudes para consigo própria e com as pessoas significativas em sua vida” fornece “um retrato interior da criança em um dado momento” (Koppitz, 1973, p. 18).

Dessa forma, para Koppitz o DFH reflete o estado de desenvolvimento da criança no momento em que faz o desenho, o que muda em função da maturação bem como da experiência vivida. Para a autora, o valor do DFH consiste na sua “sensibilidade para detectar as mudanças na criança, que podem ser evolutivas e/ou emocionais” (p.18). Considerou itens evolutivos aqueles primariamente relacionados com a idade e o nível de desenvolvimento (derivados do sistema de Goodenough-Harris e de sua própria experiência), e indicadores emocionais, aqueles relacionados primariamente com as atitudes e preocupações da criança (derivados das propostas de Machover e Hammer como técnica projetiva). Neste estudo foram considerados os Indicadores Maturacionais propostos por Koppitz (1973).

O R-2, Teste Não Verbal de Inteligência para Crianças, foi elaborado por Rynaldo de Oliveira e editado pela Editora Vetor (Rosa e Alves, 2000). Destina-se à avaliação da inteligência não-verbal (fator geral da inteligência, baseado na Teoria Bifatorial de Spearman e que subsidia também o Teste das Matrizes Coloridas de Raven), em crianças de 5 a 11 anos. A padronização do teste foi desenvolvida como Dissertação de Mestrado pela autora junto ao Instituto de Psicologia da USP (Rosa, 2000).

O teste avalia o fator g da inteligência e é semelhante ao Teste das Matrizes Progressivas Coloridas de Raven, com o qual foi feita a correlação para o estudo de sua validade. O teste é composto por 30 pranchas coloridas, apresentadas individualmente à criança. Os cartões contêm figuras de objetos concretos bem como figuras abstratas, em ordem crescente de dificuldade, de forma a tornar a tarefa bastante motivadora. A tarefa a ser realizada pela criança, assim como em diversos outros testes de fator g, é identificar, nas alternativas apresentadas abaixo de uma figura maior, qual das alternativas completa aquela figura, de acordo com o tipo de raciocínio envolvido no item, tais como: completamento de figuras, raciocínio por identidade, analogias, raciocínio classificatório, etc.

A questão da validade do DFH como medida cognitiva tem sido amplamente estudada, entre outras formas, por meio da correlação entre este e outras medidas de inteligência. Anastasi e Urbina (2000, p. 225) relatam que as correlações do DFH com outros testes de inteligência

“variam amplamente, mas a maioria é maior do que 0,50. Para crianças do jardim da infância, o DFH apresentou uma correlação mais alta com a aptidão numérica e mais baixa com a velocidade perceptual e a exatidão do que para crianças de 4ª série (Harris, 1963). Esses achados sugerem que o teste pode medir funções um pouco diferentes em idades diferentes”.

No levantamento da literatura realizado por Alves (1979) a respeito da validade do Goodenough-Harris, a autora encontrou grande variação nos resultados, por vezes até divergentes, sendo que as correlações em geral foram positivas e significantes, mas moderadas.

Harris (1981) apresentou coeficientes de validade de sua escala com o Stanford- Binet variando de 0,26 a 0,92 e com as escalas Wechsler, variando de 0,38 a 0,77. Koppitz (1973) apresentou correlação entre sua proposta e as escalas Wechsler, variando de 0,45 a 0,80 e com o teste Stanford-Binet de 0,55 a 0,63. Observa-se, portanto, que são correlações significantes e moderadas.

Na revisão dos estudos sobre o DFH feita por Scott (1981), o Teste Goodenough- Harris apresentou coeficiente médio de validade igual a 0,49, comparado com 14 diferentes medidas de inteligência e a autora concluiu pela pouca evidência empírica para o uso do Goodenough-Harris como medida de inteligência.

Observa-se que as inúmeras pesquisas realizadas sobre a validade do DFH como instrumento de avaliação do desenvolvimento têm apresentado os mais diversos resultados, com diferentes instrumentos e procedimentos. Às vezes mostram evidências favoráveis para esse uso do desenho, às vezes evidências desfavoráveis, o que indica que se deve aprofundar nessa investigação.

Não foram localizadas na literatura pesquisas brasileiras de validade, tanto para o Teste Goodenouh-Harris como para os Indicadores Maturacionais de Koppitz, ainda que tenham sido feitas pesquisas normativas, como a de Alves (1979, 1981), com pré-escolares de São Paulo para o Goodenough-Harris, e a de Hutz e Antoniazzi (1995) com crianças de Porto Alegre para a avaliação de Koppitz. Contudo foram encontrados dados de validade simultânea para o Desenho da Figura Humana, usando o sistema proposto por Wechsler (2003), com o TNVRI, que também é um teste de fator g, com correlações significantes variando de 0,21 a 0,27.

A presente pesquisa teve como objetivo verificar a validade concorrente ou simultânea entre o Desenho da Figura Humana, segundo as avaliações de Goodenough- Harris e de Koppitz, e o Teste R-2.

 

MÉTODO

Sujeitos

A amostra desta pesquisa foi a mesma empregada para a padronização do Teste R- 2, que foi obtida através do sorteio de crianças matriculadas na rede oficial de Ensino da cidade de São Paulo, na faixa etária de 5 a 11,5 anos. Foi composta de 1540 crianças, sendo 781 do sexo masculino e 759 do feminino. As escolas foram sorteadas em proporção de alunos matriculados, conforme as Estatísticas Educacionais do Centro de Informações Educacionais da Secretária de Educação do Governo do Estado de São Paulo (1997), no Ensino Infantil e no Ensino Fundamental, de modo a controlar o nível sócio-econômico e assim garantir a representatividade da amostra. As proporções finais de participação de sujeitos na composição da amostra total por tipo de escola foram: 58% nas escolas estaduais no ensino fundamental; nas escolas municipais, 26,6% no ensino fundamental e 78% no ensino infantil; nas escolas particulares 15,4% no ensino fundamental e 22% no ensino infantil. Nas escolas estaduais não havia ensino infantil.

Em cada escola foi planejado o sorteio de oito crianças por faixa etária, quatro de cada sexo, compondo assim as 200 crianças para cada faixa etária com amplitude de seis meses. Por motivos práticos, a distribuição de freqüência da amostra final, por idade, sexo e tipo de escola foi levemente diferente da que foi originalmente planejada e é apresentada na Tabela 1.

Tabela 1. Distribuição da Amostra por idade, sexo e tipo de escola

 

 

A Tabela 2 apresenta a comparação entre a porcentagem de alunos matriculados na Educação Infantil e no Ensino Fundamental por tipo de escola e a porcentagem efetiva na composição da amostra.

Tabela 2. Comparação entre as porcentagens prevista e efetiva de alunos na Educação Infantil e no Ensino Fundamental por tipo de escola na amostra

 

 

Pode-se verificar que a participação foi bastante próxima à planejada. Desta forma, a amostra pode ser considerada representativa da população do município de São Paulo, em função das variáveis controladas.

A Tabela 3 apresenta a distribuição da amostra de padronização em função da série em que a criança está matriculada.

Tabela 3. Distribuição da Amostra por série

 

 

Pode-se observar que a maioria das crianças está na série esperada para a idade, como indica a tabela.

 

MATERIAL

Desenho da Figura Humana:

Folha de papel sulfite branca (A-4), lápis preto nº 2 e borracha;

Teste R-2:

Jogo de pranchas para aplicação, lápis ou caneta para anotação, folha de respostas e crivo de correção.

 

PROCEDIMENTO

A pesquisa contou com o auxílio de 12 auxiliares de pesquisa, treinados previamente quanto às instruções de aplicação, bem como quanto à realização do sorteio das crianças em cada escola, que também foi sorteada. As escolas foram contatadas e os aplicadores procederam à pesquisa com a autorização formal de cada escola, das delegacias de ensino e dos pais.

Após o estabelecimento do “rapport”, as crianças receberam instruções padronizadas para desenhar um homem, de acordo com a instrução original de Goodenough (1926). Após a execução do desenho, foi aplicado o Teste R-2.

Os desenhos do homem foram pontuados pela escala Goodenough-Harris (1963/ 1981) e pelos critérios estabelecidos por Koppitz (1968/1973). Foram avaliadoras uma aluna de iniciação científica, uma psicóloga, previamente treinadas, e a pesquisadora.

O emprego de apenas uma figura teve o objetivo de diminuir o tempo de aplicação e avaliação dos desenhos. Optou-se por pedir apenas a figura do homem, não só em conformidade com as instruções originais de Goodenough, mas também porque apresentou uma correlação de 0,92 entre a escala original e a revisada, o que indica grande semelhança entre os resultados obtidos pelos dois métodos (Alves, 1979). Por outro lado, considerou-se a posição de Koppitz (1968/1973) de que uma figura é suficiente para essa avaliação. Outra razão para o emprego do desenho de um homem e não de uma pessoa foi uniformizar o estímulo de modo a evitar obter em alguns casos a figura do homem e em outros, a da mulher.

Scott (1981), em seu trabalho de revisão da literatura com o DFH, concluiu também que no Desenho do Homem ocorre semelhança nas pontuações entre os meninos e as meninas, ainda que no desenho da Mulher as meninas apresentem melhores resultados, o que também foi obtido por Alves (1979) com crianças paulistanas.

 

RESULTADOS

As normas para o DFH, tanto para a avaliação Goodenough-Harris quanto para a de Koppitz, são apresentadas para a faixa etária com amplitude de um ano, pois não houve diferenças estatisticamente significantes entre as faixas etárias com amplitude de seis meses (Rosa, 2006). Assim, a Tabela 4 apresenta as correlações obtidas considerando a faixa etária de um ano.

Tabela 4. Correlações de Pearson entre o Teste R-2, Goodenough-Harris (GH) e Koppitz por faixa etária

 

 

* significante a 0,05
** significante a 0,001

Os resultados indicam que todas as correlações foram estatisticamente significantes tanto entre o teste R-2 e a avaliação Goodenough-Harris como entre o R-2 e a avaliação Koppitz, para a amostra total e para cada faixa etária. As correlações entre o R-2 e a avaliação Goodenough-Harris e entre o R-2 e Koppitz para cada faixa etária foram mais baixas, variando de 0,164 a 0,374, sendo que as correlações mais baixas ocorreram aos 5 anos. Para a amostra total a correlação entre o R-2 e o Goodenough-Harris foi de 0,606 e entre R-2 e Koppitz foi 0,575.

Quanto à correlação entre Goodenough-Harris e Koppitz, estas foram altas e significantes para cada idade e variaram de 0,808 a 0,901. Para a amostra total a correlação foi de 0,899.

 

DISCUSSÃO

Esta pesquisa derivou-se dos estudos da padronização do teste R-2, que é um instrumento desenvolvido para a avaliação do fator geral da inteligência, e dos estudos de padronização do DFH realizados pela autora. Por ser o desenho muito empregado para a avaliação do desenvolvimento intelectual das crianças, a idéia foi comparar os dois instrumentos: o Teste R-2 e o Desenho da Figura Humana (mais especificamente, o Desenho do Homem). E, assim, investigar em que medida os dois instrumentos avaliam algo em comum. Dessa forma foi objetivo da pesquisa estudar a validade concorrente do DFH, correlacionando os resultados obtidos no teste R-2 e no Desenho do Homem, avaliado pelas escalas de Harris e de Koppitz.

Os resultados, descritos na Tabela 4, indicaram correlação para a amostra total de 0,606 entre o R-2 e a avaliação Goodenough-Harris, de 0,575 entre o R-2 e a avaliação Koppitz e correlações mais altas e significantes entre as escalas Goodenough-Harris e Koppitz, de 0,899 para a amostra total e variando de 0,808 a 0,901 para as diversas idades. Na amostra total a avaliação Goodenough-Harris mostrou correlação ligeiramente maior do que na avaliação Koppitz. Talvez o Goodenough-Harris tenha mostrado correlação levemente superior na avaliação da inteligência por apresentar maior número de itens, o que permitiria uma melhor discriminação deste sistema de avaliação.

Abell, von Briesen e Watz (1996) também obtiveram correlações mais altas com o WISC-R e com o Stanford-Binet com a escala de Goodenough-Harris do que com a de Koppitz, justificando esse resultado pelo fato de a avaliação Goodenough-Harris ser mais longa e detalhada do que a de Koppitz.

Laosa, Swart e Holtzman (1973) correlacionaram a escala Goodenough-Harris com a escala Wechsler e obtiveram índices moderados, mais altos para o subteste Cubos do que para o de Vocabulário. Gayton, Tavormina, Evans e Schuh (1974) encontraram correlações mais altas com o QI de execução do que com o QI verbal das escalas WISC. Fabry e Bertinetti (1990) obtiveram resultado semelhante: 0,45 com o QI verbal, 0,69 com o de execução e 0,62 com o QI total do WISC. Os resultados obtidos por Abell, von Briesen e Watz (1996) levaram às mesmas conclusões, quando compararam o sistema de Goodenough-Harris e o de Koppitz com o WISC-R e o Stanford-Binet.

Tais dados indicam que no desenho as habilidades percepto-motoras, que caracterizam o QI de execução, estão envolvidas em grau maior do que as habilidades verbais (QI verbal). Isto sugere que o desenho pode possibilitar uma avaliação mais acurada, em especial quando há dificuldades de linguagem ou lingüísticas. Embora positivas e significantes, essas correlações não se mostraram altas, o que indica que as escalas Wechsler e o DFH avaliam em parte habilidades semelhantes e, em parte, diferentes.

Pode-se pensar que esta afirmação é confirmada pelos resultados da presente pesquisa, no que se refere aos testes R-2, de fator geral, e o Desenho da Figura Humana, segundo a avaliação Goodenough-Harris e segundo a avaliação Koppitz. As correlações entre o Desenho da Figura Humana e o R-2 obtidas para a amostra total são superiores às obtidas por Harris (1981) entre o DFH e o Teste Raven, que foi de 0,22 com pré-escolares. Porém se forem consideradas as correlações de 5 anos (r = 0,166) e 6 anos (r = 0,371), observa-se que elas são próximas à obtida por Harris. Deve-se lembrar que a correlação entre o R-2 e o CPM para 6 anos foi de 0,306 (Rosa, 2000).

Outras correlações entre o DFH e os testes de fator G foram relatadas por Wechsler (2003) usando a escala desta autora para o DFH, variando de 0,21 a 0,27 com o TNVRI. Usando a mesma escala, Flores-Mendoza et al. (2003) obtiveram correlações entre 0,01 e 0,34 com o Teste de Matrizes Progressivas Coloridas, com crianças de 7 a 11 anos. Assim, o resultado obtido com a amostra global entre o R-2 e o DFH desta pesquisa pode ser considerado mais favorável.

As correlações mais baixas com o R-2 aos 5 anos talvez se devam a uma diferença entre as funções avaliadas pelos dois testes nesta faixa etária, que diminui a partir dos 6 anos, contudo observa-se uma correlação maior quando são consideradas todas as faixas etárias. Deve ser lembrado ainda que o R-2 só é aplicável a partir de 5 anos, enquanto o desenvolvimento do grafismo é observado desde os 3,5 ou 4 anos.

Abell, Heiberger e Johnson (1994) e Abell, Horkheimer e Nguyen (1998) compararam a pontuação no DFH de adultos jovens e de adolescentes pela avaliação de Goodenough-Harris com a de Buck (1948). Nos dois estudos encontraram também correlações positivas e significantes porém moderadas, favoráveis ao sistema de Buck. Este, na sua proposta original, apresentou correlações com o Stanford-Binet e com o Wechsler-Bellevue variando de 0,70 a 0,75.

A interpretação do coeficiente de validade não é simples, porque, segundo Guilford (1950, p. 165), a experiência mostra que o coeficiente de validade de um teste pode variar “numa faixa entre 0,00 e 0,60, com muitos índices na metade inferior dessa faixa”. Na verdade “qualquer coeficiente de correlação que não é zero e é estatisticamente significante indica algum grau de relação entre duas variáveis” (Guilford, 1950, p. 164). O autor também apresenta uma tabela com uma orientação geral para interpretar correlações e avalia as correlações entre 0,40 e 0,70 como “moderadas”, o que pode sugerir uma relação substancial.

A interpretação do coeficiente de validade não é simples, porque, segundo Guilford (1950, p. 165), a experiência mostra que o coeficiente de validade de um teste pode variar “numa faixa entre 0,00 e 0,60, com muitos índices na metade inferior dessa faixa”. Na verdade “qualquer coeficiente de correlação que não é zero e é estatisticamente significante indica algum grau de relação entre duas variáveis” (Guilford, 1950, p. 164). O autor também apresenta uma tabela com uma orientação geral para interpretar correlações e avalia as correlações entre 0,40 e 0,70 como “moderadas”, o que pode sugerir uma relação substancial. Para Nick e Kellner (1971) é possível esperar correlações por volta de 0,60 a 0,70 entre dois testes diferentes para a mesma aptidão. Acrescentam ainda que, ao investigar a correlação entre um teste e um critério (validade), pode-se esperar valores entre 0,20 e 0,60, e neste caso, pode-se aceitar valores pouco elevados de correlação (entre 0,20 e 0,40), porque sempre é possível combinar vários tipos de provas e obter correlações múltiplas mais elevadas com o critério que se deseja predizer. Esses autores lembram ainda que a variabilidade do grupo em que foi obtido influencia o coeficiente de correlação, sendo que esta se torna maior conforme aumenta a variabilidade do grupo, o que de certa forma explica o maior valor de correlação quando se considera a amostra total.

 

CONCLUSÕES

Pode-se dizer que os resultados obtidos na presente pesquisa indicam validade satisfatória do Desenho da Figura Humana como medida de avaliação cognitiva, nas avaliações de Goodenough-Harris e de Koppitz, o que está de acordo com os estudos relatados na literatura.

Concluiu-se que os dois sistemas de pontuação do Desenho do Homem são adequados para avaliação cognitiva das crianças escolares da cidade de São Paulo, podendo ser empregados na triagem e avaliação psicológica infantil.

 

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Recebido em 18/07/07
Revisto em 17/01/08
Aceito em 22/01/08

 

 

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