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Boletim de Psicologia

versión impresa ISSN 0006-5943

Bol. psicol vol.60 no.132 São Paulo jun. 2010

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

O que mede o desenho da figura humana? Estudos de validade convergente e disciminante1

 

What the human figure drawing test measure? Convergent and discriminant validity study

 

 

Carmen E. Flores-MendozaI; Marcela Mansur-AlvesI; Francisco J. AbadII; Álvaro José LeléIII

I Universidade Federal de Minas Gerais - Brasil

II Universidad Autónoma de Madrid - Espanha

III Centro Universitário Newton Paiva -Brasil

 

 


RESUMO

O Desenho da Figura Humana (DFH) constitui um dos instrumentos mais utilizados na prática de avaliaçãopsicológica no Brasil. São poucos os estudos de validade como instrumento de avaliação cognitiva. O presentetrabalho analisa o desempenho de crianças belo horizontinas no DFH (sistema Wechsler de correção) e nostestes Matrizes Progressivas de Raven, Escala Verbal do WISC-III, Teste R-2 e Teste de Bender (sistema Koppitz).Os resultados de correlação parcial (controlando-se a idade das amostras) apontaram baixas associações,porém significativas, entre o DFH e os testes Raven (0,204); Escala Verbal do WISC-III (0,299); R-2 (0,330) eBender (-0,396). Por outro lado, ao comparar três sistemas de correção do DFH (Wechsler, Goodenough eHarris), encontraram-se altos coeficientes de correlação entre eles (0,72 a 0,79). Conclui-se que o DFH é umamedida "proxy" (intermediária) da inteligência e que demanda, em intensidade baixa a moderada, tantocomponentes cognitivos quanto psicomotores. Também, observa-se não haver diferença substancial entre ostrês sistemas de correção, abrindo a possibilidade de usar um ou outro sistema.

Palavras-Chave: Desenho da Figura Humana; validade convergente-divergente, Teste R-2; Teste de Raven, WISC-III.


ABSTRACT

The Human Figure Drawing Test (HFD) constitutes an instrument often used in Brazilian psychological assessmentpractices. Few studies of its validity as a cognitive assessment instrument can be found. The present paperanalyses the performance of several samples of children from Belo Horizonte on the HFD (Wechsler scoringsystem) and on others tests such as Raven’s Coloured Progressive Matrices, verbal scale of WISC-III, R-2 Test,and Bender Test (Koppitz system). The results of partial correlation (controlling age) indicated low, but significantvalues, between HFD and Raven (.204); IQ verbal (.299); R-2 (.330), and Bender (-.396). In addition, threescoring systems of HFD (Wechsler, Goodenough, and Harris systems) were compared. High coefficients werefound (.72 to .79). It is concluded that the HFD is a proxy measure of intelligence and is fairly associated tocognitive and psychomotor abilities. On the other hand, there are not significant differences between the threescoring systems which means that it is possible to use either of them.

Keywords: Human Figure Drawing Test; convergent-discriminant validity; R-2 Test, Raven Test; WISC-III.


 

 

INTRODUÇÃO

A produção gráfica infantil, especialmente no que se refere ao Desenho da Figura Humana, foisistematicamente estudada no início do século passado nos Estados Unidos a partir do trabalho deFlorence Goodenough, o qual deu origem à criação de um instrumento de avaliação psicológica, ochamado Draw-a-Man Test ou Teste do Desenho da Figura Humana (DFH) (Alves, 1979). Posteriormentesurgiram novas propostas de correção do DFH para utilização em avaliação cognitiva como, por exemplo,o sistema de Harris na década de 1960 (The Goodenough-Harris Draw-a-Man Test) e a proposta de Naglierina década de 1980 (The Draw a Person: A Quantitative Scoring System). Desde então, diversos trabalhosforam realizados na tentativa de verificar a relação entre o desempenho gráfico e outros aspectos dodesenvolvimento infantil, especialmente aqueles relacionados à inteligência (Kamphaus e Pleiss, 1991).

Abou-Jamra e Castilho (1987) informam sobre antigos estudos de validade do sistema deGoodenough em que se obtiveram correlações entre 0,55 a 0,86 com o Teste Stanford-Binet e de 0,40com o fator de raciocínio do Teste de Habilidades Mentais Primárias de Thurstone. No caso do sistemaHarris, encontraram-se correlações flutuantes. Elas foram desde um nível baixo (0,22 com as MatrizesProgressivas de Raven), até um nível médio (0,40 a 0,54 com o Stanford-Binet) ou alto (0,81 com o WISC).

Kamphaus e Pleiss (1991) citam também uma lista de estudos de validade com resultadosvariados. Por exemplo, os índices de correlação entre o sistema Goodenough e o Stanford-Binetseriam maiores (variando entre 0,36 a 0,65 dependendo do estudo) do que os encontrados nasinvestigações que compararam o sistema Harris com outros testes de inteligência (variando entre0,22 a 0,40). No entanto, deve-se ressaltar que os estudos realizados com o sistema Goodenoughforam feitos nas décadas de 1940 e 1950, enquanto que os estudos que utilizaram o sistema Harrisforam realizados no final da década de 80, provavelmente com uso de maiores recursos de registro eanálise de dados. No que se refere ao sistema de Naglieri, este também apresentou correlaçõesbastante instáveis com testes como o Kaufman Test of Educational Achievement (dependendo do estudo,entre 0,0 a 0,47) e o Matrix Analogies Test-Short-Form (0,22 a 0,50).

Em geral, uma observação mais cuidadosa dos últimos estudos que empregaram sistemas decorreção do DFH permite inferir que as correlações entre essa técnica e outros testes de inteligência sãoquase sempre menores dos que se encontram entre os testes tradicionais de avaliação cognitiva. Comefeito, no processo de adaptação do WISC-III ao contexto brasileiro (Wechsler, 2002) foi encontrada umacorrelação de 0,65 entre o QI Verbal do WISC-III e o Teste das Matrizes Progressivas Coloridas de Raven.

No Brasil, o sistema mais recente de avaliação do Desenho da Figura Humana constitui otrabalho de Wechsler (2003). Trata-se de uma proposta baseada nos trabalhos de Harris, Koppitz eNaglieri. Em um primeiro estudo, a autora apresenta a análise dos desenhos produzidos por criançasoriundas da cidade de Brasília-DF (n=2.391) e da cidade de Campinas-SP (n=588). Em um segundoestudo, estuda o desempenho de 255 crianças de Campinas (SP), Riberão Preto (SP) e Passo Pundo(RS) e, posteriormente, compara o desempenho de 54 crianças brasileiras com o de 55 criançasargentinas. Finalmente, em um terceiro estudo, apresenta uma repadronização do instrumento comuma amostra de 3.340 crianças oriundas de cinco Estados do Brasil.

Em todos os estudos, Wechsler (2003) mostra evidências de mudanças desenvolvimentais noinstrumento (maior idade, maior pontuação), o que, no seu entender, confirmaria a validade deconstruto. Com relação a este aspecto, deve-se alegar que, de fato, um instrumento que identifiquemudanças de desempenho em função da idade pode estar solicitando traços psicológicos relacionadosà inteligência, posto que esta apresenta características inequivocamente desenvolvimentais. Contudo,tal evidência não é suficiente para estabelecer a validade de construto uma vez que outros,relativamente independentes da inteligência, também apresentam mudanças desenvolvimentais (ex.desenvolvimento viso-motor, social, moral, perceptual ou mnêmico).

Com vista a um maior suporte das evidências de validade do instrumento, Wechsler (2003)apresenta os resultados obtidos da comparação entre o desenho da figura humana e o Teste deIntegração Viso-Motora de Berry. Encontra uma correlação de 0,59 para o desenho da figura feminina e de 0,62 para a figura masculina. Posteriormente, apresenta um pequeno estudo de validadeconvergente realizado com 103 crianças, em que correlaciona o DFH com um teste cognitivo baseadonas Matrizes Progressivas de Raven, o chamado Teste Não Verbal de Raciocínio Infantil (TNVRI). Obteveuma correlação de 0,27 para a figura feminina e de 0,21 com a figura masculina. Ainda que seconsiderem as conclusões da autora de que "a ampliação dos estudos com o nosso sistema ... confirmarama relevância do desenho para avaliação cognitiva" (p. 37), tais resultados sugerem, em realidade, que oinstrumento demanda mais aspectos relacionados à coordenação viso-motora do que ao raciocínio.

Os poucos registros internacionais, geralmente antigos, indicam flutuação das associaçõesdos diversos sistemas de pontuação do DFH (embora, entre eles, os coeficientes de correlação sejamaltos) e diversas outras medidas cognitivas. Por outro lado, no início de 2000 os estudos sistemáticosrealizados por Wechsler no contexto brasileiro utilizaram um teste psicomotor (Teste de IntegraçãoViso-Motora de Berry) pouco conhecido no campo acadêmico e um teste cognitivo (TNVRI) cujadisponibilidade, naquela época, estava restrita ao laboratório que o criou2.

Recentemente, Wechsler e Schelini (2006) publicaram um estudo de validade da Bateria Woodcock-Johnson-III. Os resultados indicaram que entre os 10 subtestes, cinco se associarampositivamente (0,358 a 0,512) com o desenho da figura masculina do DFH, quando as crianças eram dosexo feminino, e quatro desses mesmos subtestes tiveram também associação positiva moderada (0,403a 0,625) com o DFH, quando as crianças eram do sexo masculino. Tais coeficientes parecem mostrarque o DFH pode compartilhar, de fato, aspectos cognitivos demandados pelos testes tradicionais deinteligência. O problema, entretanto, é que o referido estudo não controlou o efeito da idade. Assim, éprovável que o tamanho das correlações tenha sofrido influência da variável idade, um fatordesenvolvimental compartilhado por ambos os testes. Dessa forma, nos valores das correlações seconfundem o efeito da idade e do tipo de processamento mental demandados pelos testes.

Considerando-se que o DFH é uma medida bastante utilizada pelos psicólogos brasileiros, énecessário ampliar as investigações desse instrumento comparando-o a outros tradicionais e fartamenteestudados no campo da avaliação cognitiva. Assim sendo, o presente trabalho objetivou levantarinformação da natureza do construto subjacente ao Desenho da Figura Humana, especificamente odesenho da figura masculina, por meio de estudos de validade convergente e divergente.

 

MÉTODO

Participantes

Participaram do estudo duas amostras perfazendo um total de 628 crianças. A primeira amostra foiconstituída de 335 crianças (171 meninos e 164 meninas) freqüentadoras de uma escola pública de Belo Horizonte,com idade média de 8,9 (DP=1,39; amplitude de idade entre 7 e 11 anos) e a segunda amostra foi constituída de293 crianças (157 meninos e 136 meninas), com idade média de 8,13 (DP=1,88; amplitude de idade entre 5 e 11anos) freqüentadoras de três escolas públicas e de três escolas particulares da região de Belo Horizonte.

Materiais e Procedimento

Ambas as amostras realizaram o desenho da figura masculina seguindo as orientações contidasno manual do teste (Wechsler, 2003). Foi administrado à primeira amostra o Teste das MatrizesProgressivas Coloridas de Raven - Escala Especial (Angelini, Alves, Custódio, Duarte e Duarte, 1999) ea Escala Verbal do WISC-III (Wechsler, 2002) seguindo, também, as instruções contidas nos manuaisdesses instrumentos. A coleta de dados realizou-se entre final do ano de 2002 e início de 2003. Oprojeto foi aprovado pelo comitê de ética da universidade e pelo colegiado da escola de ensinofundamental, local de realização do estudo, no primeiro semestre de 2002.

Aplicou-se à segunda amostra o Teste R-2 (Rosa e Alves, 2000) e o Teste Percepto-VisomotorBender (Koppitz, 1989). A coleta de dados se realizou entre o final de 2004 e início de 2005. Asautoridades das escolas de ensino fundamental, pública e particular, autorizaram o processo decoleta de dados. A correção dos desenhos da primeira e segunda amostra esteve a cargo de umaequipe de estudantes do curso de Psicologia previamente treinados pela coordenação do projeto.

Todavia, selecionou-se da primeira amostra uma pequena amostra de 107 desenhos de criançasde três grupos etários e que freqüentavam a mesma escola. Os desenhos foram avaliados por oitoalunos do curso de Psicologia, em que dois deles avaliaram sob o sistema Wechsler (DFH), dois sob osistema Goodenough e quatro sob o sistema Harris.

Técnicas de análises

O tratamento dos dados utilizou as técnicas de correlação de Pearson e correlação parcial.Também, com o objetivo específico de identificar, se dois coeficientes de correlação do mesmo fenômenoadvindos de duas amostras são significativamente diferentes aplicou-se a fórmula de Cohen (1988):

 

 

Onde Z é a forma padronizada dos coeficientes de correlação e N é o tamanho amostral ondefoi obtida a correlação. Se o valor Z observado encontra-se entre –1,96 e +1,96 então as diferençasentre os dois coeficientes de correlação não são estatisticamente significativas. No presente estudo,a fórmula foi empregada para identificar diferenças entre as correlações dos testes DFH e Benderobtidas em vários grupos etários.

Para identificar o grau de similaridade entre três variáveis (ou coeficientes de correlação)obtidos em uma mesma amostra utiliza-se a fórmula de Steiger (1980):

 

 

No presente estudo, a fórmula foi aplicada para identificar diferenças significativas entrecoeficientes de correlação dos três instrumentos aplicados tanto na primeira amostra (DFH/Raven/Escala Verbal WISC-III) quanto na segunda amostra (DFH/Bender/R-2).

 

RESULTADOS

O sistema de avaliação Wechsler (2003) para o DFH resgata alguns critérios do sistema Harrise de Naglieri, que por sua vez representa um melhoramento do sistema original proposto por FlorenceGoodenough. Supõe-se, portanto, haver uma associação, em algum grau, entre os três sistemas decorreção. A Tabela 1 apresenta os resultados nessa direção.

 

 

As altas correlações obtidas nos três grupos etários entre os três sistemas de avaliação do DFH (Wechsler, Goodenough e Harris), sistemas estes empregados por avaliadores diferentes,indicam haver forte similaridade entre eles. As correlações se tornam mais similares quando secontrola as idades.

Primeira amostra: Validade convergente

As estatísticas descritivas (média e desvio padrão) para os testes DFH, Raven - Escala Coloridae Escala Verbal do WISC-III aplicados na primeira amostra (n=335) são apresentadas na Tabela 2.

 

 

Considerando-se a idade (um indicativo de validade desenvolvimental) verifica-se que acorrelação entre esta e o DFH foi de 0,425; p<0,001. A idade, portanto, influencia significativamenteos escores obtidos no teste. A variância dos resultados no DFH explicada pela idade correspondeu a18% (0,425). Quando se considera o teste Raven – Escala Colorida, a correlação entre este e a idadefoi de 0,556; p<0,002 (explicando 31% de variância). Quando se considera o escore total bruto da Escala Verbal do WISC-III, a correlação com idade foi de 0,760 (explicando 58% de variância). Ocritério de validade desenvolvimental foi, portanto, menos intenso no DFH do que nos testes Ravene Escala Verbal do WISC-III, pelo menos para a primeira amostra.

Para todas as faixas etárias, as correlações de Pearson foram significativas entre o DFH e o teste Raven-Escala Colorida (r variando entre 0,177 e 0,299). O mesmo padrão se encontra entre o DFH e o QI Verbal do WISC-III (r variando entre 0,232 e 0,281), com exceção do último grupo etário(11 anos) cujo resultado não foi significativo (0,232; p=0,105). Quando se considera a amostra total,a correlação parcial (controlando-se a idade) aponta que o índice de associação do DFH é de 0,204 ede 0,299 com o teste Raven e o QI Verbal respectivamente. No entanto, a correlação entre o teste Raven e o QI Verbal é superior (0,401).

Aplicando-se a fórmula de Steiger (1980) a fim de verificar se as correlações entre o Raven-Escala Colorida e o QI Verbal (WISC-III) são, de fato, superiores às correlações entre o DFH e o Ravene entre o DFH e o QI Verbal, obtêm-se na amostra total, diferenças estatisticamente significativas(t=3,2284; gl=326; p=0,0014). Isto quer dizer que os testes tradicionais de avaliação intelectualcomo o Raven e a Escala Verbal do WISC-III compartilham mais intensamente componentes cognitivosdo que entre o DFH e esses mesmos instrumentos.

A fim de obter informações sobre o grau de associação de cada subteste da escala verbal do WISC-IIIcom o DFH, realizaram-se correlações parciais (controlando-se a idade) com a amostra total. Os resultadosencontrados apontam para a existência de correlações baixas, porém significativas, entre o DFH e todos osseis subtestes da Escala Verbal do WISC III, não havendo nenhum subteste com maior associação ao DFH.

Segunda amostra: Validade convergente e discriminante

As estatísticas descritivas (média e desvio padrão) dos testes DFH, R-2 e Bender aplicados nasegunda amostra (n=293) são apresentadas na Tabela 3.

 

 

A segunda amostra, mais diversificada em idade e em procedência escolar, mostra forte relaçãoentre a idade e o DFH (0,624; p<0,001). A variância dos resultados no DFH explicada pela idadecorrespondeu a 39% (0,624). Quando se considerou o Bender, a correlação com a idade foi de -0,635;p<0,001 (explicando 40% de variância). Quando se considerou o R-2, a correlação com a idade foi de0,559 (explicação de 31% de variância). O critério de validade desenvolvimental (efeito da idade) foialto no DFH e no Bender e levemente menor no R-2.

A Tabela 4 mostra, de forma geral, moderadas a baixas correlações entre os testes DFH, R-2 eBender em todos os grupos etários (r mínimo de -0,316 e máximo de -0,508). Quando considerada aamostra total, controlando-se a idade, o padrão de correlações fica inalterado, isto é as correlaçõesmantém-se no nível moderado. Os índices negativos no par DFH e Bender devem-se ao sistema depontuação do teste Bender (quanto maior é a pontuação da criança menor é a sua capacidadepsicomotora). Considerando-se esses índices de correlação, o DFH parece solicitar tanto componentescognitivos (R-2) quanto componentes psicomotores (Bender).

 

 

Contudo, uma observação mais atenta da Tabela 4 permite vislumbrar três fenômenos:

1.A associação entre o DFH e Bender é maior no grupo de menor idade (5 – 7 anos) doque nos grupos etários maiores.

2.A associação entre o R-2 e Bender mantém-se inalterada em todos os grupos etários.

3.As associações entre DFH e Bender parecem ser maiores do que a associação entreDFH e R-2, principalmente na faixa etária de 5-7 anos.

Dito de outra forma, o DFH parece solicitar mais os aspectos psicomotores do que os cognitivosnos anos pré-escolares. Essa tendência não se observa no R-2. Uma forma de averiguar a pertinênciadas observações (1) e (2) é testar a significância estatística das diferenças entre coeficientes decorrelações dos diversos grupos etários da mesma amostra aplicando-se a fórmula de Cohen (1988).Na Tabela 5 se observam os valores Z obtidos.

 

 

A Tabela 5 mostra não haver diferenças estatisticamente significativas relacionadas à idadeentre os coeficientes de correlação do par DFH/Bender. Portanto, não se confirma o primeiropressuposto de haver maior associação entre DFH e Bender nas faixas etárias menores do que nosgrupos de maior idade. Tampouco há diferenças entre as correlações do R-2 e Bender para os diversosgrupos etários.

Para averiguar a pertinência do pressuposto (3), utilizou-se a estatística de Steiger (1980).Especificamente, a fórmula foi aplicada ao trio de correlações [DFH e Bender; DFH e R-2; Bender e R-2]dos grupos etários 1 (5-7 anos) e 3 (10-11 anos). Os resultados mostram não haver diferenças significativasentre os coeficientes de correlação dos três testes em nenhum dos dois grupos etários (Tabela 6).

 

DISCUSSÃO

Quatro pontos de interesse podem ser inferidos a partir dos resultados alcançados. O primeirodeles diz respeito à alta associação entre os sistemas de pontuação (sistemas Wechsler, Goodenoughe Harris). No presente estudo, encontrou-se na amostra total, coeficientes entre 0,72 e 0,79. Tais resultados são similares aos obtidos por Alves (1981), que comparou o sistema Goodenough e osistema Harris encontrando coeficientes entre 0,70 e 0,92. Abou-Jamra e Castilho (1987) informamuma correlação de 0,81 entre esses mesmos sistemas. Em estudo mais recente, Rosa (2008) também encontra correlações significativas e elevadas (r variando de 0,80 a 0,90) entre os sistemas de correçãoGoodenough-Harris e Koppitz, para uma amostra de crianças paulistas de 5 a 11 anos de idade.Portanto, os resultados de validade obtidos no presente estudo não podem ser creditados ao tipo depontuação utilizada. Pode-se afirmar que é válido empregar um ou outro sistema de análise dedesenhos, desde que sua estrutura interna (análise de itens) seja adequada. No caso do DFH-sistemaWechsler, um estudo apontou que, embora haja um alto grau de consistência interna (0,87), oinstrumento apresenta problemas de calibração de alguns itens que o compõem (Flores-Mendoza,Abad e Lelé, 2005).

O segundo ponto refere-se à variância explicada pela idade (critério de validadedesenvolvimental). Tanto na primeira, quanto na segunda amostra, o DFH mostrou diferenciaçãode acordo com a idade. Portanto, cumpriu o requisito de validade de desenvolvimento (Anastasie Urbina, 2000), isto é, instrumentos que visem medir construtos como inteligência devem mostrarvariabilidade em função da idade cronológica no período infantil. O fato de ter ocorrido maiorproporção de variância explicada pela idade na segunda amostra (39%) do que na primeira (18%),deve-se à amplitude da faixa etária compreendida pelas amostras. Enquanto na primeira, a faixaetária compreendia desde os 7 até os 11 anos; a segunda amostra compreendia idades dos 5 aos11 anos de idade.

O terceiro ponto refere-se à associação de instrumentos cognitivos (validade convergente)e psicomotores (validade discriminante) com o DFH. O Teste das Matrizes Progressivas de Ravenrequer raciocínio associado ao fator g (Jensen, 1998) e componentes viso-espaciais (Colom, Escoriale Rebollo, 2004), razão pela qual é considerada uma medida de inteligência fluida, portanto, menosinfluenciável pela cultura. A escala verbal do WISC-III é tida como medida de inteligência cristalizada(Jensen, 1998), definida como a capacidade de reproduzir e operar o conhecimento adquirido noambiente. No estudo de adaptação do WISC-III ao contexto brasileiro (Wechsler, 2002), o índice deassociação com o Raven foi de 0,65. No presente estudo, a associação foi de 0,40 (controlando-sea influência da idade). No que se refere ao Teste R-2, este foi construído com base nos princípiosdo teste Raven e avalia a capacidade edutiva ou edução de relações de material não verbal (Rosa eAlves, 2000). Seu coeficiente de associação com o teste Raven, segundo o manual, foi de 0,60 (semcontrole da influência da idade). Esses três instrumentos cognitivos, portanto, associam-se deforma bastante similar. No entanto, a correlação entre estes testes com o DFH diminui drasticamente.Na primeira amostra, obteve-se coeficientes de associação baixos, embora significativos, de 0,204com o teste Raven e de 0,299 com a Escala Verbal do WISC-III. Na segunda amostra, a correlação como R-2 se manteve também baixa (0,330), porém significativa. Rosa (2008) encontrou coeficientesbastante semelhantes entre o DFH (sistemas de correção Goodenough-Harris e Koppitz) e o R-2.Esses resultados são próximos, também, ao que consta no manual do DFH (Wechsler, 2003), segundoo qual a associação com o TNVRI (Teste Não Verbal de Raciocínio Infantil) foi de 0,21. Deve-se registrarque Abou-Jamra e Castilho (1987) também informaram um coeficiente de 0,22 entre o sistema Harrise o Teste Raven. Considerando-se tais resultados pode-se inferir que o DFH constitui um instrumentode triagem cognitiva, uma medida intermediária da inteligência (em inglês uma medida "proxy"). Isto é, assim como o alcance educacional, a hierarquia ocupacional e o nível sócio-econômico, todas elasrelacionadas positivamente ao nível intelectual, e, portanto, consideradas como medidas "proxies"da inteligência, também o DFH é uma medida "proxy" da inteligência. Por exemplo, em estudo recentecom crianças mineiras Colom e Flores-Mendoza (2007), encontraram uma associação entre nívelsocioeconômico e o Raven - Escala Colorida de 0,20 e uma associação entre o nível educacional dospais e o Raven - Escala-Colorida de 0,19.

O quarto ponto de discussão refere-se à associação encontrada entre o DFH e o Bender.Surpreendentemente, encontraram-se índices levemente superiores aos obtidos entre os testescognitivos, especialmente nas primeiras faixas etárias, o que provocou a indagação, se haveria maiordemanda no DFH de componentes psicomotores do que cognitivos. Essa suspeita estava reforçadapelas informações do próprio manual do DFH em que são mostrados índices de associação de 0,62 com um teste psicomotor e de 0,21 com um teste cognitivo. Contudo, no presente estudo, a estatísticade Cohen (1988), mostrou não haver diferenças entre essas demandas nas três faixas etárias. É possívelque o tamanho pequeno das amostras em cada grupo etário não tenha permitido detectar as diferenças,razão pela qual se advoga por estudos mais amplos.

Em outra direção, a estatística de Steiger (1980) tampouco mostrou haver diferenças entreos índices de validade convergente (DFH/R-2) e os de validade divergente (DFH/Bender e R-2/Bender). Tais resultados sugerem a ocorrência de uma sobreposição dos componentespsicomotores e cognitivos nos testes DFH, Bender e R-2 e que não desaparece até os 11 anos deidade. Tal conclusão está amparada também em outros estudos. Abou-Jamra e Castilho (1987)informam que Ansbacher na década de 50 encontrou uma correlação de 0,34 entre o DFH e oteste de traçado do Teste de Habilidade Mecânica de McQuarrie aplicados a 100 crianças de 10anos de idade. No contexto nacional, Bandeira (1992) identificou uma associação de –0,335entre o Teste Raven e o Bender. Sisto, Noronha e Santos (2006) encontraram uma associaçãosignificativa (-0,552) entre o novo sistema brasileiro de pontuação gradual do Bender e o Raven,embora não esteja claro, se em tal estudo ocorreu o controle da idade. Através destes estudosfica evidente que a associação entre os testes cognitivos e o teste psicomotor é característica dodesenvolvimento infantil.

Em geral, pode-se afirmar que o DFH é um instrumento útil para detectar de forma preliminaras diferenças individuais no desenvolvimento cognitivo de um determinado grupo (vide resultadosde validade desenvolvimental). Contudo, seu uso para efeito de classificações e diagnósticos individuaisdeve ser usado com cautela e junto com outros testes complementares, haja vista sua modestaassociação com testes tradicionais de inteligência.

 

 

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Recebido em 17/04/09
Revisto em 01/09/09
Aceito em 05/09/09

 

 

* Endereço para correspondência: Av. Antonio Carlos 6627. FAFICH. Departamento de Psicologia. Laboratório de Avaliaçãodas Diferenças Individuais - Gabinete 4042. Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte – MG. Cep: 31270-901; E-mail: carmencita@fafich.ufmg.br
1 Agradecimento: O presente trabalho recebeu apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de MinasGerais (FAPEMIG – Processo nº SHA 80257/03)
2 O Teste Não Verbal de Raciocínio Infantil (TNVRI) foi comercializado em 2005 pelaeditora VETOR.

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