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Boletim de Psicologia

versão impressa ISSN 0006-5943

Bol. psicol vol.60 no.133 São Paulo dez. 2010

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

Riscos psicossociais e repetição de gravidez na adolescência

 

Psychosocial risks and repeated pregnancy during adolescence

 

 

Liliane Pereira Braga *; Maria Fernanda de Oliveira Carvalho; Camomila Lira Ferreira; Ádala Nayana de Sousa Mata; Eulália Maria Chaves Maia

Grupo de Estudos Psicologia e Saúde - Universidade Federal do Rio Grande do Norte – RN – Brasil

 

 


RESUMO

A gravidez na adolescência pode ser entendida como um período de crises que traz riscos e conseqüências negativas para a adolescente, podendo ser potencializados pela repetição. Mostra-se relevante conhecer a realidade biopsicossocial dessas adolescentes e analisar os fatores envolvidos nessa repetição. Aplicou-se, então, um questionário semi-estruturado, numa Maternidade Escola em Natal/RN, a 50 puérperas com idade entre 12 e 18 anos de idade (média 17 anos), das quais 82% não freqüentam a escola, 62% vivem em união estável e 68% têm renda familiar até três salários mínimos. Iniciaram a vida sexual aos 13 anos e o intervalo entre a gravidez anterior e a atual foi de 1 a 12 meses para 52% das entrevistadas. Assim, o início precoce da vida sexual, a convivência com o companheiro e o abandono escolar podem tornar as adolescentes vulneráveis à gravidez e sua repetição e acentuar os riscos psicossociais.

Palavras-Chave: Gravidez na adolescência, Repetição de gravidez, Riscos psicossociais.


ABSTRACT

Adolescent pregnancy can be understood as a period of crisis that brings risks and negatives consequences for a teenager that can be potentiated by repetition. It is important to know the biopsychosocial reality of these teenagers and analyze the factors involved in this repetition. A semistructured questionnaire was administered to 50 mothers aged between 12 and 18 years of age (mean 17 years old) in a Maternity School from Natal/RN. Results showed that 82% of them were not attending school, 62% were in a stable marriage and the family income of 68% did not exceed three minimum wages. The sexual initiation occurred at 13 years old and the distance between the first and current pregnancy were 1 to 12 months for 52% of interviewed. Therefore, early initiation in a sexual life, living with a partner and abandoning school can make teenagers vulnerable to repeated pregnancy and strengthen psychosocial risks.

Keywords: Pregnancy in adolescence, Repeated pregnancy, Psychosocial risks.


 

 

INTRODUÇÃO

A Organização Mundial de Saúde define a adolescência como o período na vida a partir do qual surgem características sexuais secundárias e se desenvolvem processos psicológicos e padrões de identificação que evoluem da fase infantil para a adulta (Rodrigues, Rodrigues, Silva, Jorge e Vasconcelos, 2009). Dentre esses processos e padrões, tem-se, principalmente, a transição de um estado de dependência para outro de relativa autonomia.

A definição de adolescência como período de transição da infância para a idade adulta é encontrada na maioria dos estudos envolvendo estes sujeitos (Lima, Feliciano, Carvalho e Souza, 2004; Goldenberg, Figueiredo e Silva, 2005; Belo e Pinto e Silva, 2004). É preciso, no entanto, levar em conta o que afirma Boruchonitch (1992), que, além de considerar a adolescência como um período de transição, acrescenta que o comportamento sexual adolescente ocorre em um contexto de risco, uma vez que este período é caracterizado pela intensa necessidade de explorar e experimentar o contexto em que se vive e tal necessidade de exploração torna o adolescente mais vulnerável ao engajamento em comportamentos que envolvem riscos pessoais.

Erikson (1976) em sua teoria de desenvolvimento aborda uma interação contínua de três grandes sistemas: o biológico, o social e o individual. Para este autor, a adolescência é caracterizada como um período crítico tendo a formação da identidade como aspecto central, justamente por apresentar o conflito identidade x confusão de papéis. Nesse período espera-se que o indivíduo seja capaz de construir sua identidade de forma equilibrada tornando-se adulto, com senso de identidade concreto e papel valorizado na sociedade.

O adolescente vivencia um amadurecimento sexual que ocorre simultaneamente ao amadurecimento intelectual e emocional. O corpo cresce, novas funções sexuais surgem, a mente se desenvolve, o ambiente se modifica, a qualidade das sensações afetivas e sexuais se transformam. Tudo isso provoca no jovem uma série de crises que vão tendo de ser superadas uma a uma, com maior ou menor dificuldade. Estas circunstâncias geram uma série de angústias e dúvidas, pensamentos e atitudes contraditórias, que levam os adolescentes a passarem por um período de tensão que deve ser transitório, no qual ocorre um desequilíbrio e requer uma resolução. Os resultados das crises podem ser positivos ou não, dependendo das condições ambientais e dos recursos de cada indivíduo. Nessa fase, há mudanças pessoais, que afetam o indivíduo, seus familiares e sua rede social (Caplan, 1980).

Diante de tantas definições que se complementam, percebe-se então que o adolescente se depara com as mais diversas expectativas em torno do seu desenvolvimento, uma vez que, como afirmam os autores citados, ele deve abandonar características da infância e adotar uma nova identidade, sendo que tudo isso acontece em meio à experimentação de novos comportamentos, que podem, inclusive, oferecer riscos pessoais.

Além de a adolescência ser vista como período crítico, também a gravidez, segundo Maldonado (1997), é uma crise ou transição que faz parte do processo de desenvolvimento. Oliveira (1999) afirma que a gravidez na adolescência seria duplamente crítica – à crise da adolescência soma-se a crise da gravidez. É importante considerar que a crise da gravidez quando superposta à outra, como a adolescência, exige uma assistência adequada neste período.

Em face de todo turbilhão de sentimentos e transformações, a gravidez constitui um período de transformações confusas e profundas na vida da mulher, dentro de um contexto biopsicossocial. Esse conjunto de transformações pode gerar uma situação de conflito, na qual há um desequilíbrio entre a dificuldade, a importância do problema e os recursos disponíveis para resolvê-lo. Há uma possibilidade, nessa etapa de transição, de atingir novos níveis de integração, amadurecimento, percebendo e satisfazendo adequadamente as necessidades do bebê, ou achar uma solução patológica que refletirá na relação com a criança (Soifer, 1984).

Maldonado (1997) esclarece que, de acordo com o contexto e com a subjetividade, os papéis de mãe e de mulher se alteram e, conseqüentemente, interferem na dinâmica familiar, sendo a participação e o apoio da família determinantes para o desfecho dessa crise e para o desenvolvimento mais sadio da gravidez. Além da família, a presença de um companheiro envolvido no processo da gestação é fundamental para a segurança e estabilidade tanto da grávida quanto do novo membro da família que está por vir.

Diante de todas as complicações psicossociais que a gravidez na adolescência pode trazer para a mulher, destaca-se ainda que, no Brasil, assim como em outros países em desenvolvimento, este fenômeno é considerado um problema de saúde pública. Os dados sobre a ocorrência de gravidez na adolescência no Brasil apontam para o aumento do número de filhos de mães adolescentes, agravados pela presença de mães de 10 a 14 anos de idade. No ano de 2000, na faixa etária citada, 0,43% tinha das adolescentes já tinha filhos e 17% delas, mais de um filho. Nesse mesmo ano, na faixa etária de 15 a 19 anos, 15% das jovens já tinham filhos (Ministério da Saúde, 2008).

O quadro da gravidez adolescente no Rio Grande do Norte é revelado nos dados do DATASUS, segundo os quais, no ano de 2005, 70,1% das internações hospitalares por motivo de gravidez, parto e/ou puerpério se referiam a mulheres na faixa etária de 15 a 19 anos. Dados preliminares do DATASUS revelam que, no ano de 2008, dos 19.543 nascidos vivos no Rio Grande do Norte, 20,2% eram filhos de mães adolescentes entre 10 e 19 anos (Ministério da Saúde, 2008).

Diante de relevantes dados, é preciso considerar a afirmação dos autores Michelazzo et al. (2004) e Sabroza, Leal, Gama e Costa (2004) a respeito de a gravidez na adolescência ser considerada um problema de saúde pública, uma vez que pode acarretar efeitos negativos para a saúde da mulher e do bebê (parto prematuro, baixo peso ao nascer, sofrimento fetal intraparto, diabetes gestacional, pré-eclampsia, entre outros), e à inserção da adolescente no mercado de trabalho, já que prejudica suas condições de estudo e intensifica as dependências familiares, advindo assim, conseqüências desfavoráveis na perspectiva de vida e de trabalho.

Alguns autores que investigaram os principais fatores relacionados à ocorrência da gravidez durante a adolescência dão destaque para determinadas características da própria fase da adolescência como, por exemplo, a impulsividade, o imediatismo e os sentimentos de onipotência e indestrutibilidade (Lima et al., 2004). Entretanto, a maior parte dos autores (Sabroza et al., 2004) destaca a grande influência que os fatores de ordem social, econômica e cultural têm sobre a ocorrência deste fenômeno, e também sobre a sua repetição. Os principais fatores elencados são a precocidade do início das atividades sexuais (implicando em maior tempo de exposição à gravidez), aliada à desinformação quanto ao uso adequado de contraceptivos e a deficiência de programas de assistência ao adolescente, além da ideologia da maternidade, das carências emocionais da adolescente e da ausência de projetos pessoais nos quais a maternidade pudesse interferir. Tudo isso acontecendo dentro de um contexto de liberação sexual da sociedade e de forte influência dos meios de comunicação (Oliveira, 1999; Sabroza et al., 2004).

Além disso, a antecipação da idade da menarca nos últimos anos tem contribuído para a precocidade das gestações. Belo e Pinto e Silva (2004) incluem também o nível de escolaridade e sócio-econômico baixos, o estado civil e o desconhecimento da fisiologia reprodutiva.

Ao tratar da repetição da gravidez ainda durante a adolescência, os fatores de ordem social e cultural ganham ainda mais ênfase, destacando-se o baixo nível de escolaridade, a ausência de ocupação remunerada da adolescente, baixa renda familiar, envolvimento com parceiros mais velhos, residir com o parceiro, casar ou morar com o pai de seu primeiro filho e ter um parceiro fixo (Carniel, Zanolli, Almeida e Morcillo, 2006; Chalem et al., 2007; Dias e Aquino, 2006; Persona, Shimo e Taralho, 2004; Pfitzner, Hoff e McElligott, 2003). Destacam-se ainda o uso inconsistente de métodos contraceptivos e a falta de apoio na família.

Pode-se perceber então, que alguns dos fatores relacionados à incidência da gravidez na adolescência se mantêm, quando se trata da repetição deste fenômeno, uma vez que os fatores que exercem influência no início da vida sexual da jovem implicam numa série de conseqüências para seu comportamento sexual futuro (Longo, 2002). Esta afirmação também é considerada por Sabroza et al. (2004), que conclui em seu estudo que o padrão gestacional é geralmente definido na adolescência, de modo que quanto mais jovem for a mãe, maior a probabilidade de multiparidade.

Assim, é importante estar atento à gravidez na adolescência, já que este fenômeno nem sempre é um evento único, fortuito, visto que para algumas jovens ele acaba se repetindo (Godinho, Schelp, Parada e Bertoncello, 2000). Persona et al. (2004) afirmam que a primeira gravidez indesejada não é um recurso significativamente forte para prevenir a ocorrência de outras gestações.

Godinho et al. (2000) afirmam que pior que uma gravidez na adolescência é sua repetição, que pressupõe problemas como o pequeno intervalo entre os partos e maior possibilidade de baixo peso ao nascer para o bebê, além de problemas como a sobrecarga imposta a essas garotas, que têm que cuidar de dois ou três filhos, e muitas vezes, da casa e do companheiro.

Nesse sentido, ao tratar da repetição da gravidez na adolescência, torna-se imprescindível conhecer a história de vida dessas adolescentes, assim como de seus pais e de seus parceiros, com o objetivo de se pensar em práticas que atuem sobre os fatores psicossociais e econômicos, promovendo a prevenção de uma nova gravidez.

Assim, o presente estudo objetivou conhecer os fatores psicossociais que estariam influenciando na ocorrência da repetição da gravidez ainda durante a adolescência, para que então, seja possível discutir uma atuação em Saúde que incida sobre tais fatores. Os resultados aqui apresentados e discutidos fazem parte de uma pesquisa maior que objetivava traçar o perfil de adolescentes com repetição de gravidez no município de Natal/RN.

 

MÉTODO

Sujeitos

Os espaços utilizados para a realização do estudo foram as enfermarias da Maternidade Escola Januário Cicco (MEJC), vinculada à Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), em Natal/RN, no período de janeiro a julho de 2007, sendo a amostra constituída, por conveniência e aleatoriamente, por 50 adolescentes puérperas internadas nesta instituição. Como critério de inclusão na pesquisa, as adolescentes deveriam ter entre 12 e 18 anos, segundo a definição de adolescente prevista pelo Estatuto da Criança e do Adolescente; apresentar repetição da gestação, tenha(m) sido a(s) anterior(es) levada(s) a termo ou não; e concordar em participar da pesquisa.

Material

Para realização da pesquisa se utilizou o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, com informações sobre os objetivos da pesquisa, privacidade, destino dos dados coletados, entre outras. Para alcançar os objetivos da pesquisa, foi também utilizado um questionário semi-estruturado contendo questões referentes a variáveis sócio-demográficas (idade, grau de escolaridade, renda familiar, moradia, estado civil e religião) e variáveis psicossociais (idade do pai e da mãe, estado civil dos pais, idade do companheiro, relacionamento com o pai, mãe, irmãos, companheiro e amigos, aceitação e apoio frente à gravidez, diversão).

Procedimento

As adolescentes eram abordadas aleatoriamente e questionadas sobre a disponibilidade em participar da pesquisa, levando-se em consideração o interesse e a voluntariedade das usuárias dos serviços da MEJC. Todas as entrevistas foram realizadas em situação individual por quatro entrevistadoras treinadas e com experiência em trabalho com adolescentes.

As adolescentes e suas responsáveis foram informadas sobre as implicações de sua participação na pesquisa e, em seguida, assinavam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Para realizar a coleta de dados, utilizou-se a técnica da entrevista estruturada em situação individual nas enfermarias da MEJC, por meio de um questionário semi-estruturado, sendo este respondido em apenas um encontro.

A presente investigação atendeu a todas as exigências do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e foi aprovada de acordo com a Resolução nº 196/96 para pesquisas com seres humanos. O questionário utilizado foi analisado e os dados obtidos foram processados e tratados por meio de Estatística Descritiva com freqüência de respostas e medidas de tendência central.

 

RESULTADOS

A idade média das adolescentes entrevistadas foi de 17 anos (com desvio-padrão de 1 ano). Metade delas é natural da capital do Estado (Natal/RN), sendo 18 do interior do Estado (36%) e 7 de outros estados brasileiros (14%). Na amostra, 41 adolescentes (82%) disseram não mais estudar, sendo que, do total da amostra, 43 adolescentes (86%) estudaram até o Ensino Fundamental. Um total de 43 entrevistadas afirmou (86%) não trabalhar. Quanto à renda familiar, 34 delas (68%) recebem entre 1 e 3 salários-mínimos, provenientes, em sua maioria, do trabalho de suas mães e de seus companheiros, ou de pensões. Esta renda sustenta em média cinco pessoas em suas casas, com média de quatro cômodos e que abrigam famílias geracionais em 54% da amostra, constituída normalmente pela adolescente, seu companheiro e filho(s).

Na amostra, 28 entrevistadas (56%) afirmaram ser católicas. Sobre a situação conjugal dos pais da adolescente, 22 (44%) delas são filhas de pais divorciados. A média de idade do pai da adolescente foi de 48 anos; da mãe, de 42 anos, e do companheiro da adolescente de 24 anos, com desvio padrão de 8 anos de idade para este último. Com essa média de idade materna, destaca-se o dado que 27 (54%) adolescentes entrevistadas afirmaram que suas mães foram, também, mães adolescentes. Quanto ao seu próprio estado civil, 31 das puérperas entrevistadas (62%) afirmaram estar em união estável e 13 (26%) eram solteiras.

Ao serem questionadas sobre a avaliação que faziam do seu relacionamento com seu próprio pai, 14 adolescentes (28%) avaliaram como sendo bom. Quanto ao relacionamento com a mãe, 20 (40%) adolescentes avaliaram como bom e outras 20 (40%), ótimo. Sobre o relacionamento da adolescente com os irmãos, 22 (44%) também afirmaram ser bom; 20 delas (40%) ótimo com o companheiro e 18 (36%) bom com os amigos (Tabela 1).

Tabela 1. Avaliação dos relacionamentos interpessoais estabelecidos pelas adolescentes com repetição de gravidez

 

 

As adolescentes também foram questionadas sobre suas atividades de entretenimento e 20 delas (34,6%) afirmaram que se divertem quando vão passear. Também foram citadas, embora em menor freqüência, atividades como: ficar em casa, citada por 7 entrevistadas (12%), assistir televisão, por 8 delas (13%) e cuidar dos filhos, por 7 adolescentes (12%).

A primeira relação sexual das adolescentes entrevistadas ocorreu, em média, aos 13 anos e a primeira gestação aos 14 anos, com uma média de duas gestações na adolescência. Na primeira gestação, 34% dos companheiros das adolescentes estavam em uma faixa etária entre 31 e 30 anos, e 30% deles, entre 18 e 20 anos. Na gestação atual, 44% dos companheiros se encontravam entre 21 e 30 anos. Entre as duas gestações, 27 adolescentes (54%) permaneceram com o mesmo companheiro, e 23 (46%) mudaram. O intervalo de tempo entre a gravidez anterior e a atual se deu, para 26 adolescentes (52%) entre 1 e 12 meses.

Do total de adolescentes, 14 (28%) disseram ter sido elas mesmas as principais cuidadoras dos filhos das gestações anteriores. Para o filho nascido da gestação atual, 33 adolescentes (66%) disseram que elas próprias irão assumir esse papel.

 

DISCUSSÃO

Quando se trata do estudo dos fatores relacionados à ocorrência da gravidez na adolescência, observa-se que a maior parte dos autores destaca a grande influência que os fatores de ordem social, econômica e cultural têm sobre a ocorrência deste fenômeno, e também sobre a sua repetição. Analisando os dados obtidos nesta pesquisa, observa-se que a amostra participante pertence a uma classe econômica de baixo poder aquisitivo. Se for considerada a ocorrência de uma gravidez ainda durante a adolescência dessas jovens, é possível concluir que pode ocorrer um agravo na situação social e econômica em que já estão inseridas, uma vez que, como observado nos dados da pesquisa, estas jovens não trabalham, o que leva ao aumento das despesas familiares e também da dependência financeira da adolescente em relação à sua família de origem e/ou ao seu parceiro (Pfitzner et al., 2003; Persona et al., 2004).

Além da difícil situação social e econômica da adolescente, encontra-se outro fator de risco presente no seu contexto de vida: sua baixa escolaridade e abandono escolar em virtude da gravidez ou anterior a esta. Tal fator pode acarretar prejuízos tanto na formação pessoal da adolescente, quanto profissional, bem como impedir a construção de projetos de vida diferentes dos projetos que possivelmente foram também assumidos por suas mães e irmãs. A própria inserção no mercado de trabalho torna-se mais difícil diante da interrupção da escolarização observada na amostra, o que pode perpetuar a tendência à pobreza, com acentuação dos riscos psicossociais aos quais mães adolescentes e seus filhos estão submetidos (Aquino et al., 2003; Baraldi, Daud, Almeida, Gomes e Nakano, 2007; Carniel et al., 2006; Gama, Szwarcwald e Leal, 2002; Souza, Corrêa, Souza e Beserra, 2001).

O presente estudo constatou ainda que a ocorrência da gravidez se dá, para a maioria das adolescentes, no contexto de relacionamentos estáveis, conforme indicado pelo atual estado civil das mesmas. O mesmo dado foi também observado em diversos outros estudos, sendo que, para alguns autores (Aquino et al., 2003; Carniel et al., 2006; Chalem et al., 2007; Dias e Aquino, 2006), isto se configura como um fator de proteção para o desenvolvimento saudável da adolescente, uma vez que o companheiro pode apoiar econômica e psicologicamente a sua companheira. Entretanto, esta união é considerada por Persona et al. (2004) como fator de risco para repetição da gravidez ainda durante a adolescência, assim como a idade do parceiro, sendo eles mais velhos (como também foi observado no presente estudo). Estes autores afirmam que os relacionamentos duradouros aumentam a freqüência da atividade sexual e permitem a não utilização de métodos anticoncepcionais, o que também pode resultar na repetição de gravidez na adolescência.

Detendo-se ainda nos aspectos sociais do contexto de vida das adolescentes entrevistadas, observou-se que os pais das adolescentes encontram-se separados de seus cônjuges. Tal dado foi também encontrado por Pinto, Malafaia, Borges, Baccano e Soranz (2005) e Lima et al. (2004), em suas respectivas pesquisas, realizadas com adolescentes gestantes entre 10 e 19 anos de idade. Nessas pesquisas, os autores observaram um índice de mais da metade das adolescentes gestantes com os pais separados, e afirmam que uma família bem estruturada, com o pai dentro de casa, poderia contribuir para uma melhor orientação dos filhos.

Boruchonitch (1992) afirma que, do ponto de vista social, mudanças na estrutura da família e o concomitante aumento das taxas de divórcio parecem, também, contribuir para a iniciação sexual precoce da adolescente, que passa mais tempo na rua e é menos supervisionada por seus familiares. A autora ainda sugere que, a partir de tais mudanças na estrutura familiar, a escola se torna um forte contexto para o desenvolvimento de uma educação sexual voltada para a promoção de um senso de responsabilidade e compromisso do adolescente com sua própria sexualidade. Diante desta consideração, torna-se ainda mais grave a situação de risco psicossocial das adolescentes entrevistadas, uma vez que as mesmas se encontram fora da escola.

Considera-se que a influência dos pais é algo muito importante em um ciclo familiar. O presente estudo avaliou, também, a idade com que as mães das adolescentes tiveram seu primeiro filho. Verificou-se que a maioria das mães das puérperas foram, elas também, mães adolescentes. Mesmo sabendo que, como afirma Pinto et al. (2005), a influência cultural de alguns anos atrás previa que a mulher se casasse cedo e logo tivesse filhos, este dado não pode deixar de ser considerado. Este mesmo autor confirma a influência do padrão gestacional da mãe sobre seus filhos quando encontra, em sua pesquisa, um índice de cerca de 60% das participantes que têm mães cujo primeiro filho nasceu ainda durante a adolescência.

Os dados obtidos no presente estudo também foram encontrados por Persona et al. (2004) o estabelecimento de alguns fatores que podem influenciar a repetição da gravidez na adolescência, entre os quais se encontram a história familiar de gravidez na adolescência e a ausência do pai da adolescente no ambiente familiar.

No presente estudo concluiu-se também que os companheiros das gestantes são mais velhos que elas. Este dado está de acordo com o que dizem as demais pesquisas sobre gravidez na adolescência (Aquino et al., 2003; Costa et al., 2005; Sabroza et al., 2004; Santos e Schor, 2003), uma vez que as adolescentes entrevistadas no presente estudo (96%) pertencem à faixa etária mais velha da adolescência, estando a maioria delas entre 15 e 19 anos. Nesta faixa etária, observa-se a busca de um parceiro mais velho.

Aquino et al. (2003) obtiveram como resultado de sua pesquisa que 37,6% das adolescentes entrevistadas experimentaram a primeira gravidez com um parceiro de dois a quatro anos mais velho que elas e 42,2% com um parceiro muito mais velho (mais de cinco anos de diferença). A autora afirma que a diferença de idade entre os parceiros exprime uma assimetria de posições entre os gêneros e tal assimetria irá influenciar tanto na responsabilização de apenas um dos parceiros pela prevenção da gravidez quanto no cuidado da criança que irá nascer.

Alguns aspectos biológicos da adolescente podem também ser considerados como fatores de risco para a ocorrência da gravidez e também de sua repetição ainda nessa fase do desenvolvimento. Trata-se da faixa de idade, cada vez mais precoce, em que as adolescentes estão dando início à sua vida sexual, por volta dos 14 anos. Conclui-se, então, que a adolescente passa mais tempo exposta ao risco da concepção, tornando-se vulnerável à repetição da gravidez, uma vez que a maioria das adolescentes entrevistadas (52%) apresenta um intervalo de até um ano entre as gestações.

Diversos autores discutem que a maternidade, nesta etapa do desenvolvimento, é vista pela adolescente, muitas vezes, como fonte de reconhecimento social e busca de melhoria nas condições sócio-econômicas (Aquino et al., 2003). Para tanto, o estabelecimento da união estável, como foi observado no presente estudo, pode se configurar como um caminho para novas perspectivas no estilo de vida.

 

CONCLUSÃO

A repetição da gravidez ainda durante a adolescência se dá mediante diversos fatores de risco presentes no contexto de vida da adolescente. Estes fatores são de ordem biológica, psicossocial, cultural e econômica. Muitos deles foram identificados na realização do presente estudo, entretanto, acredita-se que há ainda muitos outros que precisam ser investigados e relacionados estatisticamente à ocorrência da gravidez na adolescência.

Diante da multicausalidade desse fenômeno, torna-se imprescindível a discussão sobre as políticas de saúde em vigor voltadas para o público adolescente. Destaca-se aqui que não é possível recorrer apenas à pregação da abstinência sexual para adiar o início da vida sexual, tampouco, de lhes dar informações sobre os métodos contraceptivos existentes. Trata-se de assumir uma prática educativa como um processo sistemático de orientação e reflexão sobre a sexualidade, trazendo condições para que rapazes e moças compreendam a relação entre as suas aspirações, a felicidade e a tomada de decisões sobre a vida sexual e reprodutiva. É, acima de tudo, adotar uma postura de prevenção em saúde, atuando-se sobre os fatores de risco relacionados à ocorrência da gravidez (identificados tanto no presente estudo quanto nos demais), no sentido de minimizar os seus efeitos sobre o desenvolvimento saudável da adolescente.

É, também, imprescindível, considerar a presença desses fatores de risco ao lidar com o adolescente, incitando uma reflexão sobre sua situação econômica, social e cultural, e motivando a elaboração de planos e projetos de vida que podem sofrer a interferência de uma gravidez.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Recebido em 11/03/10
Revisto em 10/11/10
Aceito em 15/11/10

 

 

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