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Boletim de Psicologia

Print version ISSN 0006-5943

Bol. psicol vol.60 no.133 São Paulo Dec. 2010

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

Atividades culturais entre ingressantes e concluintes de um curso de Psicologia

 

Cultural activities between students in the first and last year of a Psychology course

 

 

Jamili Rasoul Salem de Souza I *; Geraldina Porto Witter I; Carla Witter II

I UNICASTELO – São Paulo – Brasil
II Universidade São Judas Tadeu – São Paulo – Brasil

 

 


RESUMO

A Universidade deve propiciar condições de desenvolvimento tanto da cultura profissional como da geral. A pesquisa objetivou descrever e comparar o envolvimento cultural de ingressantes e concluintes de um curso de Psicologia de uma Universidade privada da periferia de São Paulo, sendo 17 iniciantes (G1) e 19 concluintes (G2). Foram usados: um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e um instrumento sobre vivência cultural. Os resultados mostram que leitura, teatro e cinema foram as três atividades mais exercidas por G1 e G2, entretanto, no todo houve variabilidade distinta nos grupos e não houve correlação com significância (rs=0,48, p < 0,05). Nos grupos e total, não houve diferença estatística entre o número dos que desejavam ou não envolver-se em atividade cultural. Entre as atividades valorizadas pelos iniciantes e concluintes houve correlação (0,80 para p < 0,05), sendo mais referidas TV, literatura e festas em família. Segundo os resultados, há necessidade de maior envolvimento dos alunos em atividades culturais não acadêmicas.

Palavras-Chave: Formação cultural, Ensino universitário, Desenvolvimento social.


ABSTRACT

The University should provide conditions for development of the professional culture and the general culture. The goal of the research was to compare the cultural involvement of students in the first and last year in a Psychology's undergraduate course in one private University at a suburban neighborhood of Sao Paulo. In the study participated 17 sophomore (G1) and 19 senior (G2) students. The instruments used were: a Free Informed Consent Term (TCLE) and the Cultural Experience measure. The results showed that reading, theater and cinema were the most common activities performed by G1 and G2. However, there was distinct variability into the groups of the sample as a whole and no significant correlation (rs=0.48, p < 0.05). There was no statistical difference into the groups and the sample as a whole between the number who wanted to or did not engage in cultural activity. There was significant correlation (0.80, p < 0.05) among the activities valued by sophomore and seniors, being more referred: television, literature and family celebrations. According to the results found there is need for greater involvement of students in non academic cultural activities.

Keywords: Cultural formation, University education, Social development.


 

 

INTRODUÇÃO

Witter (2008) lembra que cultura é um termo amplamente usado fora e dentro do contexto científico, no último caso, nas Ciências Humanas em particular. Espera-se que ao freqüentar um curso superior o aluno aprimore sua linguagem científica, incluindo o conceito de cultura. Há muito, ciências como a Antropologia, a Sociologia e a Psicologia Social pesquisam e redefiniram o conceito de cultura.

Trata-se de um vocábulo que não indica simplesmente um referente que marca uma hierarquia de "civilização", mas a maneira de viver total de um grupo, sociedade, país ou indivíduo. Pode-se dizer que é indicativo, um mapa, um receituário, um código através do qual as pessoas de um dado grupo pensam, classificam, estudam e modificam o mundo e a si mesmas. Podem, assim, desenvolver relações entre si, porque a cultura lhes forneceu normas que dizem respeito aos modos, mais (ou menos) apropriados de comportamento, diante de certas situações (Matta, 2008).

Em 2001, Burke chamou a atenção para a efervescência dos estudos enfocando a cultura, porém a variedade de posições dificulta definir o que é cultura. Esta dificuldade é também destacada por Lemos (2007), que trata a questão do prisma da subjetividade, isto é de análise qualitativa, para criticar as concepções que considera institucionalizadas, cristalizadas e que opõe falsamente cultura popular ou do cotidiano das massas e cultura erudita, vinculada aos eruditos.

É complexa a concepção do que seja cultura e muitas evidências ainda se fazem necessárias.

Entre elas está a busca de saber o que as pessoas conceituam como cultura, outra é como se está estruturando, com que amplitude as atividades ditas culturais são caracterizáveis e com quais as pessoas se envolvem.

Esta amplitude de inclusões e variações também é destaque no texto de Veiga Neto (2003) que discute as mudanças conceituais sobre cultura e como elas influíram nas relações entre cultura e educação. Ressalta a dificuldade decorrente de uma necessária revisão constante especialmente com as mudanças freqüentes e múltiplas influências nos dois termos.

As culturas criadas no passado remoto eram mais estáveis e menos permeadas pelas outras. Com o avanço nos meios de transporte e de comunicação, o intercâmbio entre as várias culturas cresceu assustadoramente no século vinte. Entretanto, ficaram evidentes as percepções distorcidas que umas fazem das outras, como referem Serrano e Waldman (2007) ao analisarem a relação educaçãocultura africana no Brasil.

Pode-se dizer que a formação cultural da pessoa começa mesmo antes do nascimento, com o tipo de relação entre o casal e a estimulação que lhe é oferecida pela mãe e se estende após vir à luz por todo o ciclo de vida da pessoa. As oportunidades para conhecer a ou as culturas em seu país e em outros países tende a crescer e a aprofundar-se com a escolarização da pessoa (Shaffer, 2002/ 2005). Entretanto, se esta educação escolar e o material de ensino não forem adequados, podem ocorrer distorções e mesmo se incentivar discriminações sociopsicoculturais diversas como Serrano e Waldman (2007) evidenciam sobre o que ocorre em relação à cultura africana no Brasil, registrando a sua baixa freqüência em livros de história do país e muitas vezes inadequadamente tratada em sala de aula e nos livros didáticos.

Ao longo de seu desenvolvimento o ser humano passa por mudanças relativamente permanentes no seu comportamento cultural enriquecendo-o na vida acadêmica, social, com atividades diversas programadas ou não, em um processo contínuo e cumulativo que o formaram como ser cultural e que o levam a ter um determinado conceito e envolvimento com a cultura (Shaffer, 2002/ 2005, Savage, 2007/2009, Serrano e Waldman, 2007).

Neste desenvolvimento espera-se que os responsáveis pelas crianças, adolescentes e jovens desenvolvam no ser a plasticidade, ou seja, a capacidade de mudança em resposta tanto às ocorrências positivas como negativas da vida. Isto é particularmente relevante, quando se foca o produtor cultural que se destaca dos demais por sua criatividade, pelos produtos que gera (Shaffer, 2002/2005).

Em Beyond freedom and dignity Skinner (1971) afirma que para a sobrevivência da cultura é preciso protegê-la de práticas letais para ela como: superpopulação, devastação do meio ambiente, poluição, guerra. Os bens culturais precisam de cuidados especiais, de planejamento adequado que se baseie nas evidências das variáveis que reforçam o comportamento humano em direções apropriadas, com controle das práticas prejudiciais, usando e criando práticas que promovam a sobrevivência dos indivíduos e da cultura, e cuide da moralidade, sem a qual não se assegura a referida sobrevivência. Neste sentido, a ciência e a tecnologia do comportamento podem ser usadas para a defesa do patrimônio cultural.

Ao longo do tempo foram criadas instituições que, assevera Lemos (2007, p.5), são símbolos da cultura dos tempos presentes e de nossos passados. Estas instituições incluem as bibliotecas, museus, pinacotecas, arquivos históricos, memoriais, academias, salões de exposição regulares e eventos diversos que guardam a tradição de um dado tipo de produção. Espera-se que o cidadão freqüente estes lugares cuidando de sua formação cultural. Assim sendo, do universitário também é esperada freqüência regular a tais instituições para garantir sua evolução pessoal e o aprimoramento de sua cultura.

Ao passar pelo sistema educacional o ser humano aprende os padrões culturais, os saberes e valores desta comunidade, inclusive tem seus conceitos modelados neste contexto (Jovchelovitch, 2004). Assim, os papéis da educação formal e informal estão subjacentes à formação do ser cultural e tem sido amplamente tratadas, mas ainda permanece com inúmeras dúvidas e muitas indagações face ao complexo de possibilidades. Entretanto, segundo Veiga-Neto (2003, p. 7) as discussões sobre cultura permanecem sendo tratadas apenas na superfície, evitando questionar seriamente os conceitos de cultura e de educação. Lembra que se pode denominar cultura "o conjunto de tudo aquilo que a humanidade havia produzido de melhor – fosse em termos materiais, artísticos, filosóficos, científicos, literários, etc. Neste sentido a Cultura foi durante muito tempo pensada como única e universal".

Conforme lembram Burns e Sinfield (2008) e Gage (2009) ao entrar na universidade o aluno traz consigo as vivências culturais de sua comunidade de origem e para ter êxito na vida acadêmica e profissional, o ensino que lhe é oferecido deve levar este fato em consideração, ampliar seu universo cultural e usar estratégias de ensino que viabilizem seu progresso. De fato, espera-se que ao estudar a cultura entre universitários e o envolvimento dos mesmos com esta área de atividade humana se estará fornecendo informações relevantes para a educação geral dos estudantes e contribuindo com informações que podem viabilizar seu desenvolvimento cultural. Pode-se ter uma perspectiva geral de como estão envolvidos com a cultura e se os que estão iniciando diferem dos que estão concluindo. É esperado do concluinte de um curso universitário maior envolvimento cultural em decorrência da vida universitária (Gage, 2009).

Considerando que o contexto cultural familiar é importante na formação cultural em todas as fases da vida, sendo relevantes as práticas nela vigentes, a modelagem e a modelação de comportamentos individuais que são valorizados dentro de uma comunidade social mais ampla (Naves, Martins, Baia e Vasconcelos, 2009, 128), ao chegar à Universidade, o estudante traz consigo um comportamento complexo estabelecido e mantido no lar, posteriormente na escola e por outros grupos sociais de que o jovem participou ou ainda participa. Estes desenvolvimentos de comportamentos culturais são decorrentes de contingências entrelaçadas em que o comportamento de uma pessoa estabelece condições para o comportamento do outro. A análise é complexa e requer o conceito de metacontingência, que implica a existência de um produto agregado ou consequência de longo prazo.

Para uma análise das práticas culturais nesta ótica de metacontingência, um primeiro passo para conhecer a cultura do universitário requer saber com que práticas culturais está envolvido, pretende se envolver e como percebe o efeito de algumas influências em seu próprio comportamento relacionado à cultura.

Conforme Carrara, Almeida-Verdu, Bolsoni-Silva e Meira (2010), vem crescendo também a produção de pesquisas sobre a cultura no enfoque da análise do comportamento, tendo o cuidado de apontar problemas básicos e dificuldades para pesquisas que tragam evidências que permitam mudanças culturais, para que se possa ir além do conhecimento das "conseqüências mantenedoras do comportamento individual" (p. 215), entre os exemplos estão os estudos de metacontingências, modelos de adesão às práticas culturais, contingência de produtos agregados, etc. No contexto dos comportamentos culturais, estão incluídas as habilidades sociais, controle instrucional, entre outros. Dados da pesquisa de Knight-Diop (2010) mostram benefícios decorrentes de a Universidade oferecer atividades co-curriculares, valendo ou não créditos. Em várias universidades brasileiras isto também já está ocorrendo.

Assim, gostar de um dado tipo de atividade cultural é mediado desde a infância pela família, pela escola, pela sociedade. Nos vários contextos, pessoas reforçadoras influenciam na formação de preferências tanto por reforçamento direto como indireto, como também sendo modelos de envolvimento com a cultura, que por si mesma acaba sendo reforçadora para a pessoa que se envolve com ela. Mas são raras as pesquisas na área e, enfocando a questão especificamente do prisma aqui usado, não foi encontrada nenhuma investigação recente com universitários.

Hull e Stornaiuolo (2010) trabalham a arte literária que é expressão de parte significativa da cultura nos vários grupos humanos e da própria pessoa. Enfocam as mudanças de acesso ao mundo cultural propiciadas pela Internet e pelas redes sociais que democratizaram os vários aspectos da cultura, viabilizaram a inclusão de muitos em atividades culturais e inclusão cultural. Além disso, propiciam espaço e condições novas para produções clássicas (textos, ilustração, imagens em ação, teatro) ou inovadoras (novos tipos de produção literária, formas de comunicação, jogos, histórias em quadrinhos). Isto pede revisões na educação e realização de pesquisas (Sweeny, 2010), além de mudanças na educação escolar. É um quadro subjacente aos resultados aqui descritos.

Nestas circunstâncias, também têm aumentado sensivelmente as interações entre as culturas, sendo cada vez mais forte a presença multicultural sobre as pessoas, o que precisa ser investigado, já que o contato com a cultura e o multicultural pode modificar o comportamento e mesmo a ideologia das pessoas (Yoon, Simpson e Haag, 2010). Assim sendo, é necessário conhecer o envolvimento das pessoas com as atividades culturais em pesquisas em vários níveis e ir progressivamente aprofundando as opções de análise. Para tanto, na carência de pesquisas, o primeiro passo parece ser verificar em que atividades culturais as pessoas estão se envolvendo, é o que se fez em relação aos participantes do presente estudo.

Neste contexto é que foram estabelecidos os objetivos do presente trabalho:

1. Descrever o envolvimento dos alunos de Psicologia em atividades culturais;
2. Verificar se há diferenças entre alunos ingressantes e concluintes.

 

MÉTODO

Participantes

Atuaram como participantes os alunos que assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, sendo todos alunos matriculados em curso noturno de Psicologia de uma universidade privada da grande São Paulo. Foram constituídos dois grupos, tendo por critério o semestre em que estavam matriculados.

G1 (Iniciantes): foi o grupo composto por 17 alunos do primeiro semestre do curso, dos quais 13 eram do gênero feminino e quatro do masculino. No total a média de idade do grupo era de 28 anos e cinco meses, variando de 19 a 44 anos, 52,9% eram solteiros, 29,4% casados, sendo 17,6% divorciados. Exceto por duas alunas, todos fizeram o ensino fundamental e médio na escola pública. Apenas duas alunas tinham feito ou iniciado outro curso superior. O cursinho só foi feito por duas alunas. Trabalhavam 58,8% dos alunos em profissões como auxiliar de escritório, auxiliar de cozinha, secretária, manicure, recepcionista. Dos alunos, 47,1% residia em casa própria, 29,4% recorria a duas ou mais conduções para chegar à universidade, sendo o ônibus (70,6%) o meio mais usado. A renda familiar variou de R$500,00 até R$2.500,00 com média de R$1.102,00. Os pais dos alunos tinham escolaridade variando de nenhuma até o ensino médio, neste último caso estavam dois pais. A escolaridade das mães variou de ensino primário ao médio.

G2 (Concluintes): foi constituído por 19 alunos concluintes (9º período do curso) dos quais 15 eram do gênero feminino e quatro do masculino e tinham idade variando de 21 até 44 anos, com média de 26 anos e um mês. Eram solteiros 84,2%, só duas eram casadas e outra divorciada. Só um aluno fez o ensino fundamental em escola particular, o mesmo ocorreu com o ensino médio, só uma teve outra vivência de ensino superior e 31,6% foi aluno de cursinho. Somente 15,8% não trabalhavam. As profissões exercidas variavam de estagiária a professora, passando por auxiliar administrativo e vários atuando em recursos humanos (26,3%). Apenas uma aluna não residia em casa própria. Verificouse ainda que 36,8% recorriam a duas ou mais conduções para chegar à escola, sendo o ônibus o meio mais usado (73,7%). A renda familiar variou de R$700,00 até R$5.000,00 sendo a média de R$2.470,00. A escolaridade paterna variou de primário até o ensino médio e a das mães do primário ao superior.

Material

Para efetivar a coleta foi usado um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e que era condição essencial para se dar continuidade ao processo de coleta. Apresentava a pesquisa e esclarecia os direitos do participante.

Vivência Cultural - consistiu em um instrumento elaborado por Witter (2008) e que cobre os objetivos do estudo, incluindo questões de caracterização pessoal e de ambiente do participante, usadas na apresentação dos grupos, bem como questões específicas sobre apreciações e envolvimento pessoal dos participantes com atividades culturais. Na parte relativa à cultura foram incluídos quatro itens: o primeiro pedia ao participante para indicar as cinco atividades culturais com as quais mais se envolve, o segundo pedia que atribuísse nota de zero a 10 a um rol de 22 atividades culturais e um espaço para que incluísse outras que desejasse, o terceiro focava se já tinha alguma experiência em produção cultural e o quanto gostaria de se envolver em algum tipo de produção nesta área. O instrumento foi pré-testado e aceito pelo Comitê de Ética como adequado aos objetivos pretendidos. Foi feita a contagem de frequência de respostas e média das notas, como se descreve nos Resultados. É um instrumento de sondagem.

Procedimento

Após a aprovação do projeto pelo Comitê de Ética e Pesquisa (Proc. 2134-2354/08) procurouse o coordenador de curso que deu sua anuência e estabeleceu o horário para a coleta que foi coletiva na sala de aula dos alunos. Explicou-se aos alunos do que se tratava, foram distribuídas as cópias de TCLE que foram lidas pelo aplicador e pelos alunos. Após terem sido assinados, uma cópia foi entregue ao participante e a outra via ficou com os aplicadores. Aos voluntários foram distribuídas cópias do instrumento de Vivência Cultural. Preenchido o instrumento, o material foi recolhido e se agradeceu a colaboração de todos. A aplicação durou cerca de 40 minutos.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Na identidade cultural do Brasil estão presentes os elementos europeus, indígenas, africanos e asiáticos. O universitário é fruto desta identidade que o precedeu e que o envolve no presente e para a qual, em alguma medida, colabora, assim sendo isto está subjacente aos dados aqui relatados.

Solicitou-se que os alunos indicassem as cinco atividades culturais com as quais mais estavam envolvidos, número que era esperado como média entre os iniciantes (85 indicações = 5 x 17), mas muitos só conseguiram indicar uma ou duas, sendo a média real de 4,1 indicações com frequência total 69. Para os concluintes eram esperadas 95 indicações, obtendo-se 85 com média de 4,5. Os resultados obtidos para ambas as turmas aparecem expressos na Tabela 1.

Para várias atividades relatadas a freqüência foi um e foram aglutinadas na categoria OUTROS que correspondeu a 88,2% de participantes iniciantes e a 52,6% de concluintes emitindo uma atividade cultural só exercida por ele. São exemplos: fazer artesanato e ouvir rádio. Entre os alunos do 1° semestre as atividades mais mencionadas foram: outras (88,21%), leitura (58,8%), teatro e cinema (ambas com 52,94%). No último ano foram: cinema (94,7%), leitura (78,9%) e teatro (57,9%).

Tabela 1. Atividades culturais com as quais se envolvem os dois grupos

 

 

Para verificar se havia correlação entre as indicações de envolvimento cultural pelos dois grupos foi feita a Correlação de Spearman. A escolha desta fórmula decorreu do fato do número de participantes ser pequeno, não se conhecer a distribuição populacional e o instrumento ter baixo nível de mensuração (nível 2), estando em fase de estudo. No presente caso, como em todas as análises estatísticas posteriores, definiu-se como margem de segurança que p < 0,05 (Siegel e Castellan Jr., 1956/1988), H0: G1= G2, Ha= G1 ≠ G2, como foram 13 categorias, rc = 0,56. Foi obtido rs = 0,48 que permite concluir que os envolvimentos culturais dos dois grupos são distintos apresentando hierarquias de ocorrência diferentes.

Os participantes responderam se tinham alguma vivência de produção cultural. Os resultados aparecem na Tabela 2, sendo que 29,4% dos iniciantes relataram ter esta vivência enquanto que entre os concluintes ela foi de 36,8%. Recorreu-se ao teste de qui-quadrado (χ2) para comparar os que tinham ou não esta vivência, tendo por parâmetros H0: χ2 o = zero e Ha = χ20 ≠ 0, χ2o = 3,84 (p < 0,05). Para os iniciantes o χ2 obtido foi 2,88 e para os concluintes 1,32, em ambos os casos não houve diferença estaticamente significante entre o número dos que tiveram e não tiveram vivência de produção cultural, resultado similar ocorreu na comparação geral entre os grupos já que χ20 = 2,27 e χ20 =5,99 (gl = 2, p < 0,05). Assim sendo, parece que a vida universitária não está influindo no comportamento de produção cultural, o que pode reduzir as possibilidades de desenvolvimento na área como sugerem os dados de Knight-Diop (2010).

Tabela 2. Envolvimento dos grupos com produção cultural

 

 

Argüidos se gostariam de se envolver com produção cultural os participantes responderam conforme o expresso na Tabela 2. Entre os iniciantes 47,1% gostariam e 52,9% não, o que resulta em χ20 = 0,06 < χ20 = 3,84, levando a não rejeição de H0, ou seja, sem diferença entre SIM e NÃO. Para os concluintes registrou-se 57,9% com interesse em participar e 42,1% sem querer tal envolvimento, com χ20 = 0,48, ou seja, também sem diferença com valor estatístico. Na comparação dos dois grupos, χ20 = 0,12 < χ20 = 5,99, repetindo-se a ausência de diferenças estatísticas. O curso não parece ter suscitado motivação para este tipo de atividade.

Solicitou-se aos sujeitos que atribuíssem nota, de 1 a 10 aos itens de uma lista de atividades culturais (N=21), conforme seu envolvimento e gostar de se envolver com elas. Esta avaliação resultou em uma média atribuída a cada item do rol. As médias aparecem por grupo e total na Tabela 3.

Tabela 3. Médias atribuídas às atividades culturais

 

 

A Tabela 3 mostra que os iniciantes atribuíram notas mais altas para TV (7,5), leitura de textos de literatura (6,8), cinema (6,4) e festas em família (6,4). Para os concluintes, as notas mais altas foram para festas em família (7,4), TV (7,0) e cinema (6,5). O teste de correlação de postos entre as avaliações feitas por concluintes e iniciantes foi de 0,80, como rc = 0,44 (p < 0,05) pode-se concluir pela ausência de diferenças entre as turmas, quando atribuem valor a atividades culturais. Isto parece estar refletindo mais o contexto cultural em que vivem fora da Universidade.

Alguns aspectos merecem destaque, por exemplo, na área da leitura científica, em que é esperada influência da vida universitária, a média dos primeiranistas foi de 5,5 e dos concluintes 6,1, já na leitura de textos religiosos há uma queda de 6,5 para 3,6. Todavia a participação em eventos científicos caiu de 4,8 para 3,8. De um modo geral, os dados parecem evidenciar que o contexto cultural de origem parece mais forte que o acadêmico no que concerne à avaliação de atividades. Certamente a universidade tem um amplo terreno a cultivar para que os aspectos culturais mais relacionados com a profissão e o saber cientifico sejam mais valorizados pelos alunos como atividade cultural.

É importante a ação docente incluindo atividades culturais como recurso de ensino (Abud, 2003, Machado, 2008) e estímulo à leitura técnico-cientifica e à produção de conhecimento (TCC, IC) bem como a participação em eventos da área. Considera-se que o fazer ciência hoje é um fazer cultural e o aluno precisa conhecer esta proposição e aprender a ver a beleza implícita no fazer e no produto da ciência, bem como as relações entre Psicologia e Artes, quer como recurso para compreender e atender ao ser humano, quer como análise e interpretação do processo psicológico de criação e do seu produto. É uma aprendizagem que deve evoluir ao longo do curso como decorrência do ensino da base científica subjacente ao saber-fazer-poder de todas as áreas do conhecimento psicológico (Witter, 2007).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS E SUGESTÕES

De um modo geral, os resultados sugerem que o contexto cultural vivenciado pelos participantes do presente estudo antes da universidade é muito similar, se manteve constante nos últimos anos e continuou a ser muito forte na vida universitária dos concluintes, tendendo a ser um elemento preponderante na homogeneidade dos grupos, parecendo ser mais intenso do que a vida universitária para mudar o envolvimento cultural dos alunos. Parece que a universidade não foi capaz de introduzir mudanças substanciais na vivência cultural geral dos alunos e nem em sua motivação para a produção cultural.

Vale lembrar que são alunos dos quais mais da metade do primeiro ano e a grande maioria dos concluintes trabalhava e estudava, consumiam muito tempo em condução, ganhavam pouco para poder usufruir de alguns tipos de lazer e dispunham de pouco tempo para estar na universidade, ter maior vivência e diversificação cultural. Além do requerido para assistir aulas e estágios obrigatórios, seria oportuno comparar com alunos que vivenciam outras realidades socioculturais. Parece que as contingências de vida antes da universidade e paralelas a ela influem não só na probabilidade de êxito acadêmico como em mudanças comportamentais relevantes (Gage, 2009) como as aqui enfocadas. Mas é relevante lembrar a possível influência dos professores no contexto cultural acadêmico.

O fato de não haver qualquer exigência no ensino superior sobre a formação docente específica e de domínio de tecnologias de ensino mais eficientes com evidências disponíveis, leva a uma repetição constante sem atuações substanciais, do que se fazia no passado, muitas vezes com claros sinais de deterioração. O conteúdo é fundamental, mas mesmo para sua seleção e apresentação aos alunos é necessário que o docente conheça princípios básicos, formas adequadas, não preconceituosas ou de visão exclusiva (Gage, 2009).

Os estudiosos referidos na introdução lembram que não é por ser adulto que o aluno aprenderá, valorizará e incorporará o que lhe é apresentado. Muito mais é requerido para que se tenha um bom professor na universidade. Mas no sistema universitário brasileiro isto parece não ser ainda preocupação essencial. Mesmo em cursos de pós-graduação stricto sensu raramente existe uma disciplina sobre o ensino na área específica do curso.

Assim sendo, fica difícil cobrar de professores universitários, que dão muitas aulas de matérias diferentes, em universidades diversas, que não tiveram a devida formação e desenvolvimento de competências na área, que usem adequadamente estratégias que levem a mudanças culturais gerais na própria ciência e profissão que ensinam e praticam. Nestas circunstancias, não é de estranhar a ausência de progressão efetuada em envolvimento em atividades culturais entre alunos universitários, nos vários aspectos aqui considerados. Entretanto, a Psicologia pode recorrer com facilidade aos vários produtos culturais vivenciados ou não pelos alunos, desde que os professores tenham formação adequada (Darling-Hammond e Bransford, 2005).

Com base nos resultados obtidos pode-se sugerir revisão na formação e seleção do corpo docente universitário, maior investimento na conscientização de seus papéis, no domínio de tecnologias e de estratégias de ensino, que envolvam também o cuidado de uso de elementos da cultura do aluno, hoje visto como essencial no processo de ensino-aprendizagem e requer envolvimento tecnológico na formação do docente (Lockhorst, Admiral e Pilot, 2010).

Também é evidente a necessidade de um investimento maior na conscientização dos alunos na estética da ciência, que se evidencia no método, no discurso e na inovação. Pede competências específicas dos professores, inclusive para envolvê-los na produção cultural cientifica e artística como atividades complementares entre si. Programas de enriquecimento cultural precisam ser promovidos pela Universidade, que deve recorrer a estratégias para motivar a participação dos mesmos.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Recebido em 16/08/10
Revisto em 09/11/10
Aceito em 16/11/10

 

 

* Endereço para correspondência: Jamili - Rua Professora Penha, 33. Vila Scarpelli – Santo André – SP. CEP: 09050-310. Tel: (11) 6170-0169; E-mail: jamilirasoul@uol.com.br / Carla - E-mail: cwitter@uol.com.br ; Geraldina - E- mail: gwitter@uol.com.br.

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