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Boletim de Psicologia

versão impressa ISSN 0006-5943

Bol. psicol vol.60 no.133 São Paulo dez. 2010

 

RESENHA

 

Técnicas projetivas com crianças

 

Projective techniques with children

 

 

Helena Rinaldi Rosa

Departamento de Psicologia Clínica - UNESP / Assis-SP - Brasil

 

 

Nunes, M.L.T. (Org.). (2010). Técnicas projetivas com crianças. São Paulo: Casa do Psicólogo, 242p.

 

 

Este livro foi organizado pela professora Maria Lucia Tiellet Nunes, da PUCRS e faz parte da Coleção Métodos Projetivos, lançada pela Casa do Psicólogo, apresenta pesquisas realizadas pelo Grupo de Trabalho da ANPEPP – Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Psicologia, denominado "Métodos Projetivos nos Contextos de Avaliação Psicológica", coordenado por Anna Elisa de Villemor-Amaral. As pesquisas apresentadas, envolvendo os testes projetivos empregados na avaliação infantil, buscam evidenciar conceitos psicanalíticos bem como contribuir na discussão da qualidade dos testes no seu emprego na clínica com crianças; discutem ainda o uso com crianças em condições específicas, como as crianças Pantaneiras, Kadiwéu e Guarani.

O livro é iniciado com a pesquisa da organizadora e seu orientando, Fernando Basso, ambos da PUCRS, a qual parte de dois pressupostos: a dependência do bebê diante da mãe e o processo obrigatório de separação-individuação para seu crescimento saudável – conceito proposto por Mahler (1993), em que o self do bebê vai de diferenciando das representações maternas. Esse processo foi estudado em pré-escolares com o Teste das Fábulas, com o objetivo de analisar diferenças no desenvolvimento psíquico do processo de separação-individuação em relação ao sexo e faixa etária. Foram avaliadas 142 pré-escolares, de ambos os sexos, com idade de três a quatro anos (mais novas) e de cinco a seis anos e 11 meses (mais velhas), em escolas de educação infantil, clínicas-escolas de atendimento psicológico e centros de formação e atendimento psicoterapêutico em Porto Alegre, RS, bem como em protocolos de avaliação psicodiagnóstica em arquivo de clínica-escola. Trata-se de pesquisa quantitativa, descritiva, através do levantamento do número de ocorrências de verbalização das crianças nas respostas à Fabula 1 – Fábula do Passarinho, que pressupõe a presença de variáveis psicodinâmicas relativas ao processo de separação-individuação. As respostas, categorizadas e contabilizadas, foram submetidas a tratamento estatístico para verificar a relação entre as variáveis sexo e idade com o conflito estudado. Os resultados indicaram diferenças entre meninos e meninas no processo de separação-individuação, que é influenciado pela interação no ambiente familiar e pelas experiências de socialização. Conforme era esperado as crianças de menor idade manifestaram maior regressão do que as maiores, em função da maturação. Os resultados demonstraram que o Teste das Fábulas permite verificar o desenvolvimento psíquico de pré-escolares, contribuindo para o entendimento psicodinâmico das crianças e investigando os conceitos psicanalíticos em outros contextos que não a sessão clínica, inclusive a fim de favorecer o trabalho terapêutico.

O segundo capítulo, escrito por Liza Fensterseifer e Blanca S. G. Werlang, tem por objetivo identificar, através das histórias contadas para as lâminas do FAT - Teste de Apercepção Familiar, a percepção das crianças sobre as figuras de autoridade, em especial o pai e a mãe. Este teste, semelhante ao CAT e TAT, tem 21 lâminas com cenas de famílias típicas em seu cotidiano e com temáticas específicas, buscando mostrar a maneira como o sujeito percebe a estrutura e o funcionamento de sua família e está sendo validado para o Brasil. A amostra foi composta por 160 crianças e adolescentes, de seis a 15 anos, de Belo Horizonte e Porto Alegre, sendo controladas as variáveis sexo, idade e tipo de escola que freqüentam. O FAT foi administrado individualmente e as histórias foram classificadas pelo sistema de categorização proposto para a análise das respostas do teste, considerando três categorias: "Imposição de limites", "Fronteiras" e "Tipo de comunicação". Os resultados indicaram que a maioria dos sujeitos percebe uma relação entre bons modelos de autoridade, adequada imposição e aceitação de limites, fronteiras nítidas e boa comunicação entre os membros de uma família, fatores que estão ligados a uma relação mais sadia e funcional entre a criança e as figuras de autoridade. As autoras concluem que o FAT é um instrumento adequado para a finalidade para a qual foi proposto.

O capítulo seguinte, escrito pelas mesmas autoras do anterior e Vivian R. Borges, trata do importante conceito de respostas populares nas técnicas projetivas, entendendo-as como uma medida de concordância social, ou seja, a opinião que determinado sujeito compartilha com seus pares, de seu grupo de referência. O instrumento utilizado, pouco conhecido no Brasil e que está sendo validado pelo grupo de pesquisa de Blanca Werlang, é o PPAS: Psychological Pain Assessment Scale – Escala de Avaliação de Dor Psicológica, que busca investigar o conceito de dor psicológica, apontado como motivador para a autodestruição, como o suicídio. Apresentam a escala como um instrumento auxiliar na identificação daquele que pode vir a atentar contra a própria vida e, portanto, para o trabalho de prevenção e intervenção deste comportamento. A escala fornece figuras em que o sujeito assinala o grau de dor psicológica percebida em cada uma delas numa escala likert e dá nome às mesmas. Trata-se de um estudo quantitativo de tipo transversal. A amostra foi composta por 525 adolescentes entre 15 e 19 anos, de ambos os sexos, provenientes de escolas públicas e privadas de Porto Alegre- RS. Pouco mais de um terço da amostra apresentou indicativos de ideação suicida segundo a BSI (Escala de Ideação Suicida de Beck), mais presente no sexo feminino. O grupo com ideação suicida apresentou mais evidências de dor psicológica do que o grupo sem ideação suicida, conforme esperado. As respostas populares foram amplamente apresentadas e discutidas pelas autoras que concluem que tais respostas fornecem um parâmetro para a avaliação do ajustamento e da capacidade da pessoa de se organizar e de se colocar no mundo, bem como em relação aos seus pares, e mostram a importância do instrumento na identificação de fatores de risco do comportamento suicida.

No quarto capítulo, Leila C. Tardivo (USP) discute os processos de psicodiagnóstico compreensivo e interventivo de crianças como o uso do Procedimento de Desenhos-Estórias, do Desenho da família com estória – DF-E – e de Desenhos com tema e ilustra com um caso clínico com um grupo de crianças numa consulta terapêutica, evidenciando que esses procedimentos têm caráter interventivo e atuam como mediadores e facilitadores no contato entre o psicoterapeuta e a criança ou o grupo.

A seguir é apresentada uma pesquisa de precisão entre avaliadores na análise de aspectos cognitivos com o CAT-A, de Maria de Fátima Xavier e Ana Elisa V. Amaral, que empregaram um sistema de categorização de respostas para identificar nas narrativas, os aspectos do desenvolvimento cognitivo e sua adequação, o que possibilitaria detectar problemas indicativos de sofrimento, prognosticar dificuldades e estabelecer relações entre os aspectos cognitivos e emocionais. A precisão entre dois avaliadores foi obtida pelo grau de concordância entre eles ao empregar as categorias propostas na pesquisa. Foram analisados 12 protocolos de crianças do ensino fundamental de uma escola pública do interior do Estado de São Paulo. Os resultados indicaram grau de concordância entre moderado e muito bom, conforme os critérios usados, com maior ou menor objetividade e interferência de fatores subjetivos do avaliador na interpretação dos resultados, confirmando a confiabilidade do sistema de categorização proposto. As autoras concluem pela possibilidade de se criar escalas e sistemas de classificação de respostas, com critérios claramente definidos de análise, para aumentar a credibilidade do uso não só do CAT-A como de outros métodos projetivos.

A importância dos testes projetivos para evidenciar resultados de psicoterapia, como medida de evolução do paciente e efetividade da psicoterapia psicanalítica é discutida no capítulo seguinte, em que Maria Lucia Tiellet, Rita P. Teixeira e Elizabeth K. Deakin relatam estudos do seu grupo de pesquisa. São três pesquisas de mestrado que empregam as diversas técnicas usadas em psicodiagnóstico, com diferentes intervalos de tempo entre o início e a reavaliação após um período de intervenção terapêutica psicanalítica, e uma de doutorado que compara um grupo de crianças que recebeu esse tratamento após 12 meses com outro grupo que não o recebeu, verificando as modificações cognitivas, emocionais, sintomáticas e de adaptação. Nessas pesquisas os testes projetivos, bem como escalas e questionários empregados indicaram mudanças em grau maior ou menor nos diferentes aspectos, em especial no impacto da psicoterapia sobre as queixas apresentadas pelas crianças, tanto na avaliação dos pais, dos professores como das próprias crianças. As autoras concluem que os testes psicológicos não só auxiliaram na compreensão psicodinâmica dos pacientes como permitiram a identificação dos mecanismos de mudança que formam a base para uma intervenção psicoterapêutica adequada.

O sétimo capítulo, de autoria de Norma L. Semer e Latife Yazigi, aborda a auto-estima em crianças enuréticas com o Método de Rorschach, Sistema Compreensivo proposto por Exner (1993), em 26 crianças com enurese (sem causa orgânica) do Ambulatório de Pediatria de um hospital de São Paulo e 26 crianças, pareadas por sexo, idade e nível socioeconômico, do mesmo ambulatório e com outros sintomas, porém sem enurese. Foram selecionadas algumas variáveis do teste e feita a análise de confiabilidade entre juízes. As autoras apresentam algumas características psicológicas das crianças enuréticas, investigadas segundo essa proposta de análise, indicando falha na construção da função de continência ou de controle, que seria produto do desenvolvimento da noção de si e um alicerce básico para a constituição da auto-estima.

Finalmente o último capítulo, de Sonia Grubits, Michele Arantes e Heloísa B. G. Freire, apresenta o Teste do Desenho da Árvore em um agrupamento muito específico e peculiar de sete crianças, sendo quatro meninos em escolas do Pantanal do sul do Mato Grosso, duas meninas da aldeia indígena Kadiwéu e um menino da aldeia indígena Guarani/Kaiowá, todas do Mato Grosso do Sul, que foram submetidas ao HTP. O objetivo da pesquisa foi analisar a construção das identidades dessas crianças e aspectos relacionados a gênero por meio de seus desenhos da árvore, sempre considerando os aspectos culturais e ambientais. As autoras apresentam os desenhos realizados pelas crianças e uma descrição interessante sobre as três culturas. Mostram que as crianças pantaneiras representaram as dificuldades de acesso e de contato, tanto emocionais quanto físicos, confirmados pelo ambiente em que vivem. Nos desenhos do menino guarani apareceu a grande influência da cosmologia guarani na formação de sua identidade; as árvores das meninas kadiwéu ressaltaram a importância da arte de sua cultura nas suas vivências e formas de estar no mundo. As autoras concluem pela importância e utilidade da análise dos desenhos para o entendimento da relação da cultura e do ambiente no desenvolvimento humano.

Todos os capítulos apresentam os conceitos investigados de forma clara e em linguagem compreensível para estudantes e mesmo leigos que se interessem pelo tema da avaliação psicológica e apresentam bibliografia abrangente e atualizada, constituindo importante fonte de referências para os pesquisadores. Os capítulos integram a pesquisa e a intervenção em Psicologia, de modo a contribuir para a área de avaliação psicológica infantil da mesma forma que contribuem para a atuação clínica dos psicólogos.

 

 

Recebido em 10/12/10
Aceito em 12/12/10

 

 

* Endereço para correspondência: Departamento de Psicologia Clínica da UNESP - Campus de Assis. Avenida Dom Antonio, 2100. Assis – SP. CEP: 19806-900. E-mail: helenarr@osite.com.br.

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