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Boletim de Psicologia

Print version ISSN 0006-5943

Bol. psicol vol.61 no.134 São Paulo June 2011

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

Valor preditivo de avaliação neurológica no desenvolvimento cognitivo de crianças nascidas pré-termo

 

Predictive value of neurological assessment in cognitive development of children born preterm

 

 

Carina Mitie Ono I *; Isac Bruck II; Antônio Sérgio Antoniuk II; Tatiana Izabele Jaworski de Sá Riechi I

I Laboratório de Neuropsicologia da Universidade Federal do Paraná UFPR - PR - Brasil
II Centro de Neuropediatria do Hospital de Clínicas da UFPR - PR - Brasil

 

 


RESUMO

O objetivo deste estudo foi analisar o valor preditivo da Avaliação Neurológica Amiel-Tison no desenvolvimento cognitivo de crianças nascidas pré-termo. Foi estudada uma amostra de 23 crianças pré-termo, com idade cronológica entre 10 e 36 meses, que haviam sido submetidas à avaliação neurológica durante internação na UTINeo. A avaliação cognitiva foi realizada através do Screening Test das Escalas Bayley-III. Pouco mais de 78% das crianças obtiveram resultados normais no exame neurológico e na avaliação cognitiva. Mas houve dois casos de falsos positivos e dois de falsos negativos. Segundo a análise estatística realizada através do teste Qui-quadrado (p=0,05), o instrumento Amiel-Tison não teve valor preditivo significativo para o desenvolvimento cognitivo (p=0,083). Apesar das limitações, este estudo vem no sentido de ressaltar a importância de pesquisas que indiquem um método sistemático de avaliação neurológica e neuropsicológica para esta população de risco, para que ocorram investimentos em ações preventivas e interventivas adequadas.

Palavras-Chave: Avaliação Neurológica Amiel-Tison, Desenvolvimento cognitivo, Crianças pré-termo, Escalas Bayley.


ABSTRACT

The purpose of this study was to analyze the predictive value of Amiel-Tison Neurological Assessment in the cognitive development of preterm children. The sample consisted of 23 children born preterm, between 10 and 36 months of chronological age, who had undergone neurological assessment during hospitalization in the NICU. The cognitive assessment was performed by the Screening Test of Bayley-III. Approximately 78% of children had normal results on neurological examination and cognitive assessment. But there were two cases of false positives and two cases of false negatives. According to statistical analysis using Chi-square (p=0.05), the instrument Amiel-Tison had no significant predictive value for cognitive development (p=0.083). Despite the limitations, this study contributed to emphasize the relevance of more research that indicate a systematic method of neurological and neuropsychological assessment of this population, that can be invested in preventive and interventional measures.

Keywords: Amiel-Tison Neurological Assessment, Cognitive development, Preterm children, Bayley Scales.


 

 

INTRODUÇÃO

O nascimento pré-termo, definido pela Organização Mundial da Saúde (OMS, 1999), como aquele que ocorre antes de 37 semanas completas ou de 259 dias de gestação, é o maior determinante da mortalidade e morbidade neonatal e possui conseqüências adversas no neurodesenvolvimento ao longo da vida (Beck et al., 2002). A prematuridade é apontada como fator de risco biológico para o desenvolvimento normal infantil, aumentando a probabilidade de ocorrência de problemas em diversas áreas e momentos do curso do desenvolvimento (Einaudi et al., 2008; Fraga, Linhares, Carvalho e Martinez, 2008). As morbidades associadas ao nascimento pré-termo freqüentemente permanecem ao longo da vida, resultando em custos físicos, psicológicos e econômicos.

Nos últimos anos, a intensificação dos cuidados pré, peri e pós-natais e a evolução técnico- -profissional das Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) Neonatal melhoraram significativamente as condições de sobrevivência dos bebês prematuros, gerando o aumento progressivo das taxas de sobrevivência neonatal e com elas, novas expectativas quanto à qualidade de vida e às morbidades resultantes ao longo da infância, juventude e até, a fase adulta (Hoekstra, Ferrara, Couser, Payne e Connett, 2004; Linhares, Chimello, Bordin, Carvalho e Martinez, 2005). Entretanto existe ainda uma falha na redução dos comprometimentos no neurodesenvolvimento (Riechi, 2008). Estudos descrevem o risco para desenvolvimento de comprometimentos funcionais em crianças prematuras variando entre 10% e 30% (Vohr et al., 2000; Wood et al., 2000).

A avaliação apurada e precoce das reais condições neurológicas do bebê de risco promove um melhor prognóstico que pode gerar programas de saúde e educação preventivos (Stahlmann et al., 2007), já que os primeiros anos se constituem como um período crítico, onde ocorrem importantes mudanças e eventos que preparam a criança para o desenvolvimento futuro (Santos et al., 2008).

Técnicas avançadas de neuroimagem facilitam a constatação de danos cerebrais, entretanto, além de se constituírem como técnicas inviáveis para a realidade socioeconômica do Brasil pelos elevados custos, possuem baixo valor preditivo quanto aos efeitos a longo-prazo de eventuais danos no neurodesenvolvimento (Stahlmann et al., 2007). O exame neurológico por sua vez, é importante para identificar crianças com anormalidades neurológicas em idades muito precoces. Ele consiste na linha de base do processo diagnóstico importante para a equipe multidisciplinar, além de possuir valor preditivo (Badr, Bookhimer, Purdy e Deeb, 2009; Paro-Panjan, Kodric e Sustersic, 2009; Paro-Panjan, Sustersic e Neubauer, 2005).

Apesar do grande valor das avaliações neurológicas e do crescente interesse na predição do desenvolvimento de crianças pré-termo, vários instrumentos são sensíveis para detectar sinais neurológicos anormais, mas dificilmente conseguem confirmar, se estes sinais serão transitórios ou definitivos (Mello et al., 2009). Os estudos apontam para as limitações de algumas medidas de avaliação em detectar déficits menores inclusive (Paro-Panjan et al., 2009). Além disso, em sua maioria, esses instrumentos são métodos de investigação que enfatizam o desenvolvimento motor (Espírito-Santo, Portuguez e Nunes, 2009; Mello et al., 2009; Stahlmann et al., 2007; Sustersic e Paro-Panjan, 2008), não abordando diretamente a cognição. As avaliações neurológicas seriam, então, recursos sensíveis para identificar precocemente fatores de risco para o desenvolvimento cognitivo? Qual o seu valor preditivo para a cognição?

O objetivo deste estudo é analisar o valor preditivo da avaliação neurológica precoce realizada nas UTIs Neonatal através do instrumento Amiel-Tison no desenvolvimento cognitivo de crianças nascidas pré-termo com diferentes fatores de risco para prejuízos no neurodesenvolvimento. Para tanto, estabelece a correspondência entre os resultados obtidos na Avaliação Neurológica Amiel-Tison (Amiel-Tison, 2002) com os do Screening Test das Escalas Bayley de Desenvolvimento Infantil - Terceira Edição (Bayley Scales of Infant and Toddler Development-Third Edition, 2006).

O caráter preventivo deste estudo, caracterizado pela busca do valor preditivo de uma das principais medidas utilizadas para avaliação neurológica de bebês prematuros, viabiliza a abertura de campo de trabalho para a Psicologia e outras áreas afins, que passam a intervir não somente no processo de identificação precoce de alterações no desenvolvimento cognitivo, como também a atuar na intervenção. Assim, os psicólogos e demais profissionais da área da saúde, como fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais entre outros, passam a fazer a correta orientação das famílias com relação aos prognósticos, estimulando intervenções precoces, como forma de prevenção e minimização de comprometimentos futuros.

A presença de profissionais da Neuropsicologia se faz então imprescindível em programas de follow-up de recém-nascidos de risco, como os pré-termo, desde sua entrada nas Unidades de Terapia Intensiva Neonatal, até sua integração à equipe multidisciplinar de profissionais, somando esforços para que a prevenção e a intervenção precoce se tornem as melhores alternativas para esta população recente no mundo, que necessita de atenção e cuidado constantes.

 

MÉTODO

Participantes

A amostra foi composta por 23 crianças nascidas pré-termo (menos de 37 semanas de idade gestacional, definida através da ecografia e na ausência desta medida, pela Data da Última Menstruação), com idade cronológica entre 10 e 36 meses na data da avaliação cognitiva. As crianças foram internadas, logo após o nascimento, na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTINeo) do hospital de uma universidade, foram submetidas à Avaliação Neurológica Amiel-Tison a Termo e, posteriormente, foram encaminhadas para fazer o acompanhamento no Ambulatório de Neuropuericultura.

Foram incluídas no estudo crianças com baixo peso e com peso ao nascimento igual ou maior do que 2.500g, crianças consideradas pequenas para idade gestacional (PIG), adequadas para a idade gestacional (AIG) e grandes para a idade gestacional (GIG), segundo a classificação de Battaglia e Lubchenco (1967). Foram excluídas do estudo crianças que foram a óbito depois da avaliação neurológica, que estavam com dados incompletos ou tiveram seus resultados classificados como inconclusivos, que nasceram após 37 semanas de idade gestacional, que não residiam na cidade onde o estudo foi realizado ou na Região Metropolitana, que não estavam dentro da faixa etária de 10 a 36 meses de idade cronológica na data da avaliação, que não aceitaram participar e que não assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Instrumentos

Como instrumentos, foram utilizados a Entrevista de Anamnese, contendo dados relevantes maternos, do parto e de internação das crianças, assim como informações sobre escolaridade e profissão dos pais; Questionário Socioeconômico, que contém as características socioeconômicas, conforme critérios propostos pela Associação Brasileira de Institutos de Pesquisa de Mercado (ABIPEME, 1995); e o Subteste Cognitivo do Screening Test das Escalas Bayley de Desenvolvimento Infantil (EBDI).

 

AVALIAÇÃO NEUROLÓGICA AMIEL-TISON A TERMO (ANATT)

A ANATT é parte de uma série de três instrumentos, que compartilham da mesma estrutura e método de avaliação e por isso podem ser utilizados de forma contínua para o exame de crianças com até 6 anos de idade. A ANATT pode ser aplicada em recém-nascidos a termo ou pré-termo quando completam aproximadamente 40 semanas de idade corrigida e tem como objetivo a identificação de sinais neurológicos e sintomas (Gosselin, Gahagan e Amiel-Tison, 2005).

A interpretação da ANATT é baseada na individualização progressiva de dois sistemas distintos de controle motor: o subcorticoespinhal e o corticoespinhal, os quais por volta da idade de termo se encontram em um grau de maturação que podem ser explorados clinicamente (Paro-Panjan, et al., 2005; Sustersic e Paro-Panjan, 2008). A ANATT é composta por 35 itens que se referem a 10 domínios: avaliação do crânio, funções neurossensoriais e atividade motora espontânea, tônus muscular passivo, atividade motora axial, reflexos primitivos, palato e língua, adaptação às manipulações durante a avaliação, sucção alimentar, condições médicas durante a avaliação e condições desfavoráveis durante a avaliação. O sistema de pontuação consiste em uma escala não-quantitativa de 3 pontos: 0 = normal; 1 = moderadamente anormal e 2 = anormal (Gosselin et al., 2005).

A classificação final é baseada no agrupamento de sinais e sintomas. Um status ótimo é definido pela ausência de sinais neurológicos. O status não-ótimo é definido pela presença de sinais neurológicos com grau variável. Para as crianças nascidas a termo, o status não-ótimo pode ser divido em três categorias (grau leve, moderado e grave) e em duas para as pré-termo (grau leve a moderado e grau grave), para as quais pode ser mais difícil distinguir entre os graus leve e moderado de comprometimento.

 

ESCALAS BAYLEY DE DESENVOLVIMENTO INFANTIL (EBDI)

Desde sua primeira edição (1969), as Escalas Bayley de Desenvolvimento Infantil (EBDI) vêm se tornando o instrumento clínico ou de pesquisa mais amplamente utilizado para avaliar o desenvolvimento infantil (Meisels, Plunkett e Cross, 1987). É um instrumento utilizado como padrão-ouro para a avaliação do desenvolvimento infantil, principalmente para diagnóstico de atraso no desenvolvimento de crianças vulneráveis (Fraga et al., 2008). As EBDI constituem um instrumento standard amplamente reconhecido, fidedigno e válido (Santos et al., 2008).

São escalas amplamente aplicadas em pesquisas objetivando determinar diferenças individuais e grupais, definir grupos de risco para o desenvolvimento e planejar intervenção. Pesquisas latino- -americanas têm empregado o uso destas escalas para identificar fatores de risco para o desenvolvimento infantil. No Brasil, as EBDI têm sido utilizadas para avaliar diferenças no desenvolvimento de crianças com baixo peso ou prematuras (Lordelo, Chalhub, Guirra e Carvalho, 2007; Santos et al., 2008).

O Screening Test das Escalas Bayley de Desenvolvimento Infantil - Terceira Edição (Bayley, 2006) é um instrumento de administração individual e designado para avaliar brevemente o funcionamento cognitivo, a linguagem e o funcionamento motor de crianças e bebês entre 1 mês e 42 meses de idade. O propósito inicial é determinar rapidamente se a criança progride de acordo com as expectativas normais e para determinar se futuramente uma avaliação mais completa é necessária. É composto pelos subtestes Cognitivo, Linguagem Receptiva, Linguagem Expressiva, Motor Fino e Motor Grosseiro. Neste estudo utilizou-se apenas o subteste cognitivo para avaliação das crianças.

Antes de começar a aplicação dos itens, é corrigida a idade da criança com o procedimento sugerido pelo manual (a correção é feita até os 24 meses de idade e em crianças que nasceram antes de 37 semanas gestacionais). Para cada faixa de idade (1-6 meses; 7-12 meses; 13-24 meses; 25-42 meses) existe um ponto de partida correspondente. O desempenho da criança em cada item do subteste recebe a pontuação 0 ou 1. Os pontos de corte são utilizados para determinar se a criança demonstra competência ao realizar tarefas apropriadas para sua idade corrigida, mostra evidências da emergência de habilidades apropriadas para a idade ou demonstra estar em risco para atraso no desenvolvimento.

Procedimento

As crianças foram avaliadas na UTINeo pela equipe de Neuropediatria (neuropediatra e residentes) no período de 2006 a 2009. Foi criado um banco de dados com as informações da avaliação neurológica e deste banco foram selecionadas, segundo critérios de inclusão e exclusão, as crianças para o estudo. As avaliações foram agendadas com o responsável e as aplicações realizadas individualmente. A anamnese era completada com dados do prontuário hospitalar e informações dadas pelo responsável. Posteriormente, era realizado o questionário socioeconômico e lido o termo de consentimento livre e esclarecido. Após a assinatura do mesmo, iniciava-se a avaliação da criança.

Os dados referentes às etapas realizadas, conforme critérios de inclusão e exclusão, para a constituição da amostra estão resumidos na Tabela 1. Foram convocadas para o estudo 25 crianças, porém duas faltaram à avaliação cognitiva.

Tabela 1. Freqüências referentes aos critérios de exclusão para da amostra por ano (N=137)

 

 

Os dados foram transcritos e armazenados nos moldes de arquivo para o banco de dados do programa "Statistical Package for Social Sciences" (SPSS, versão 15). Utilizaram-se estatísticas descritivas (média, desvio padrão, mínimo e máximo) para as variáveis contínuas (idade gestacional, peso ao nascimento, tempo de internação, etc.) e Tabelas de freqüência para as variáveis categóricas (sexo, tipo de parto, classe socioeconômica, etc.). Para a verificação da existência de relação entre variáveis categóricas referentes aos resultados das duas avaliações, foi utilizado o teste Qui-Quadrado (χ²), com o nível de significância de 5% (p<0,05). Quando os valores esperados foram menores que 5, foi utilizada a correção de continuidade de Yates (1934).

 

RESULTADOS

Entre as 23 crianças da amostra, 65,2% eram do sexo feminino. Com relação à classe socioeconômica, pertenciam à classe C 52,2% das famílias, 34,8% à classe B e 13% à classe D. A maioria das mães (56,5%) concluiu pelo menos o Ensino Médio e a maior parte dos pais (69,4%), tinha cursado no mínimo o Ensino Fundamental Completo, faltou informação sobre a escolaridade do pai de uma criança. A prevalência foi de mães que não trabalhavam fora (52,2%) e de pais que possuíam emprego (91,3%).

Com relação ao planejamento da gravidez, as mães relataram gravidez não planejada em 60,9% dos casos, um caso de adoção e 34,8% das mães que tinham planejado a gravidez. A média de idade das mães no nascimento dos filhos foi 27,6 anos (DP=7,1), tendo a mãe mais nova 14 anos e a mais velha 40 anos. Nasceram através de cesariana 73,9% das crianças. Houve três gestações gemelares, com o óbito de um gemelar A e um gemelar B de diferentes mães. Houve no estudo, portanto, quatro gêmeos. Segundo dados do prontuário hospitalar, duas crianças tinham diagnóstico de Síndrome de Down, uma de Síndrome de West e uma de Paralisia Cerebral.

Todas as crianças do estudo foram internadas na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTINeo). A média de tempo de internação foi 67,7 dias (DP=39,3). A criança com o menor tempo de internação permaneceu 12 dias e a com o maior tempo ficou 186 dias.

A idade gestacional média das crianças foi 210,18 dias ou 30 semanas (DP=24,3 dias), variando de 23 a 36+6 semanas. A média de peso ao nascimento foi 1.233,3 gramas (DP=664,1), com o menor peso de 450 gramas e o maior 2.845 gramas. Como mostrado na Tabela 2, apenas 8,7% das crianças não apresentaram baixo peso ao nascimento pela CID-10 (Organização Mundial da Saúde, 1999).

Tabela 2. Classificação das crianças com relação ao peso ao nascimento

 

 

Do total de 23 crianças, 26,1% foram classificadas como pequenas para a idade gestacional (PIG), nenhuma foi considerada grande para a idade gestacional (GIG) e 73,9% como adequadas para a idade gestacional (AIG). Por falta de informação nos prontuários de algumas crianças, não foi possível o estabelecimento de médias com relação ao perímetro cefálico, estatura ao nascimento e ao índice Apgar.

Na aplicação do Subteste Cognitivo do Screening Test das EBDI, a média da idade cronológica dos participantes foi 100,52 semanas (DP=32,4), pouco mais de 2 anos e 1 mês. A média da idade corrigida foi 97,9 semanas (DP=35,4), pouco mais de 2 anos. Considerando a idade corrigida, a criança mais nova possuía 8 meses e 3 semanas e a mais velha, 35 meses e 3 semanas de vida.

A Tabela 3 mostra a combinação dos resultados das avaliações neurológica e cognitiva. Os resultados da ANATT apontaram presença de sinais neurológicos, grau leve a moderado em 21,7% das crianças e a ausência de qualquer sinal neurológico em 78,3% dos casos. No subteste cognitivo do Screening Test da EBDI 21,7% das crianças foram classificadas na categoria de risco para atraso no desenvolvimento, 13,0% na categoria emergente, o que indica que a criança está desenvolvendo as habilidades adequadas para a idade e 65,2% como competentes, indicando que já desenvolveram a maior parte das habilidades adequadas para sua idade. Segundo o tratamento estatístico realizado através do teste Qui-Quadrado (χ²) não houve a relação estatisticamente significante entre os resultados das duas avaliações (χ²=2,999; p= 0,083).

Tabela 3. Combinação dos resultados das avaliações neurológica e cognitiva

 

 

DISCUSSÃO

O objetivo deste estudo foi investigar o valor preditivo da Avaliação Neurológica Amiel-Tison a Termo (ANATT) para o desenvolvimento cognitivo de crianças nascidas pré-termo. O procedimento de análise de dados realizado sugere que não há associação entre os resultados das duas avaliações, ou seja, o resultado da avaliação cognitiva independe do resultado da avaliação neurológica. Os dados obtidos sugerem que a ANATT, neste estudo, teve pouco valor para predizer atrasos no desenvolvimento cognitivo das crianças na faixa etária de 10 a 36 meses. Estes dados se contrapõem a estudos recentes, que pesquisaram crianças pré-termo e a termo, além de divergir do consenso sobre a validade preditiva apontada pela própria autora do exame neurológico (Amiel-Tison, 2002).

Paro-Panjan et al. (2009) estudaram um grupo de crianças pré-termo para verificar a relação entre sinais neurológicos e o desenvolvimento cognitivo e motor. Eles encontraram alta correlação entre os resultados dos dois instrumentos de avaliação utilizados (Amiel-Tison e EBDI), tanto no aspecto motor quanto no cognitivo. Concluíram que a avaliação neurológica e a verificação de três sinais menores podem ser valiosas para a identificação precoce de comprometimentos no desenvolvimento. Em um estudo realizado com crianças nascidas a termo, Paro-Panjan, Neubauer et al. (2005) já haviam encontrado boa sensibilidade da ANATT para a identificação de crianças com comprometimento no desenvolvimento. Entretanto, os autores encontraram um alto número de falsos positivos: muitas crianças com sinais neurológicos leves apresentaram resultados normais no follow-up. No presente estudo, os dados obtidos indicaram a presença de dois falsos positivos e dois falsos negativos. Duas crianças que foram classificadas com presença de sinais neurológicos obtiveram desempenho normal aos 8 meses e aos 28 meses. Além disso, duas crianças nas quais foi identificada ausência de sinais neurológicos foram classificadas como em risco para atraso no desenvolvimento cognitivo, aos 20 e 34 meses de idade corrigida. Posteriormente foi diagnosticada Síndrome de Down em uma destas crianças. Estes resultados, como apontado pelos autores do estudo de Paro-Panjan, provavelmente se devem à sensibilidade da avaliação neurológica para anormalidades leves e transitórias ao nascimento. Os autores também ressaltam o curto espaço de tempo em que as crianças foram acompanhadas (1 ou 2 anos) e indicam a necessidade de maior tempo de follow-up.

O baixo valor preditivo da avaliação neurológica para o desenvolvimento cognitivo obtido nesta pesquisa pode também se dever às variáveis do estudo. Os bebês nascidos pré-termo foram avaliados entre a 37ª e a 42ª semanas de idade e dentro desta faixa etária podem ocorrer diferenças de desempenho significativas quanto aos aspectos neurológicos avaliados, como atividade motora e tônus. Além disso, apesar de constar no protocolo da ANATT, as condições médicas e as condições desfavoráveis durante a avaliação variavam muito. Muitos bebês encontravam-se na incubadora, com sondas nasais e orais, venóclise periférica, o que dificultou a realização de alguns itens do exame, podendo assim ter interferido nos resultados encontrados.

Houve prevalência na amostra do estudo (78%) de resultados dentro da faixa de normalidade do instrumento para o desenvolvimento cognitivo, consultando as normas americanas. A maioria das crianças, portanto, classificou-se como "competente", o que significa dizer que já desenvolveu a maior parte das habilidades cognitivas adequadas para sua faixa etária (idade corrigida). Isso indica que apesar da vulnerabilidade neonatal, a maioria dos participantes da amostra deste estudo apresentou indicadores de desenvolvimento adequado dentro da faixa etária de 10 a 36 meses de idade corrigida, mesmo tendo-se como comparação o desenvolvimento de crianças norte-americanas. Estes resultados também foram verificados por Fraga et al. (2008) em um estudo que pretendeu verificar a relação entre o desenvolvimento cognitivo e motor, variáveis neonatais e características maternas, como a ansiedade.

Apesar das limitações desta pesquisa, quanto ao tamanho amostral, à vasta faixa etária dos participantes e ao uso de apenas um screening test, os resultados deste estudo contribuem para ressaltar a necessidade de pesquisas que revelem um método sistemático de avaliação precoce, tanto na área neurológica, quanto na área neuropsicológica, para que a identificação precoce de sinais de risco possibilite a atuação preventiva e interventiva nos ambulatórios de seguimento, dando melhores oportunidades às crianças e maior qualidade de vida à família.

 

REFERÊNCIAS

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Recebido em 8/11/10
Revisto em 25/06/11
Aceito em 27/06/11

 

 

* Endereço para correspondência: Praça Santos Andrade, 50, sala 106, Centro. Curitiba - PR, CEP: 80020-300. Tel: 41-32622139; E-mail: carinaono@hotmail.com.