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Boletim de Psicologia

versão impressa ISSN 0006-5943

Bol. psicol vol.63 no.138 São Paulo jun. 2013

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

O desenho da figura humana e o TAT em adolescentes grávidas: um estudo no hospital geral1

 

The human figure drawing and TAT of pregnant adolescents: a study in the general hospital

 

 

Hélimi Iwata*; Helena Rinaldi Rosa*; Maria Luísa Louro de Castro Valente*

UNESP - Faculdade de Ciências e Letras - Campus de Assis, Departamento de Psicologia Clínica - SP - Brasil

 

 


RESUMO

A gestação na adolescência é uma questão de saúde pública e um desafio para a Psicologia, que pode contribuir propondo ações de prevenção da saúde junto a essa população. Visando oferecer subsídios para isso, este trabalho teve o objetivo de investigar o funcionamento psíquico de 10 adolescentes gestantes por meio da análise do Desenho da Figura Humana (DFH) segundo Machover e do Teste de Apercepção Temática (TAT). Os resultados no DFH indicaram alto nível de ansiedade vivido pelas gestantes demonstrado no traçado, no sombreamento e na pobreza de detalhes, que pode levar ao surgimento de problemas relacionados à gestação e à relação entre a família, a adolescente e o bebê. Quanto ao TAT, em geral as adolescentes mostraram dificuldades em contar histórias elaboradas, as produzidas eram pobres de conteúdo, pouco estruturadas e com finais magicamente felizes. Concluiu-se que o DFH e o TAT mostraram-se sensíveis e adequados para avaliar a psicodinâmica dessas adolescentes e permitem oferecer indicações para subsidiar ações preventivas nesta área.

Palavras-chave: Avaliação psicológica; gravidez na adolescência; Desenho de Figuras Humanas; técnicas projetivas.


ABSTRACT

The adolescent pregnancy is a public health problem and a challenge to Psychology, that could contribute proposing health prevention actions to this population. The present study intended to investigate the psychological functioning of 10 pregnant adolescents through analysis of Human Figure Drawing (HFD) and Thematic Apperception Test (TAT). It was observed a high level of anxiety experienced by the pregnant adolescents verified in tracing, in shading and in the poverty of details, that can lead to the development of problems related to pregnancy and the relationship between the family, the adolescent and the baby. As for the TAT, the stories, in general constructed by the teenagers, were poorly structured with reduced content and a magical happy ending. It was concluded that the HFD and the TAT are discriminating and adequate to evaluate these adolescents’ psychodynamics and allow to indicate supporting preventive actions in this area.

Key words: Psychological assessment; pregnancy in adolescence; Human Figure Drawing; projective techniques.


 

 

INTRODUÇÃO

Na perspectiva médica a adolescência é, segundo Yazlle (2006), um período compreendido entre os 10 e os 19 anos, "no qual ocorrem profundas mudanças, caracterizadas principalmente por crescimento rápido, surgimento das características sexuais secundárias, conscientização da sexualidade, estruturação da personalidade, adaptação ambiental e integração social" (p. 443). Dessa maneira, percebe-se que para a Medicina a adolescência possui um tempo definido, que termina para poder surgir um adulto saudável. Para a psicanálise, a adolescência também é um período de grandes transformações, porém diferentemente da perspectiva médica não possui um tempo delimitado, podendo começar e terminar de acordo com as vivências de cada indivíduo.

Aberastury (1992) assinala que a adolescência é uma etapa decisiva de desprendimento que se iniciou com o nascimento, gerando mudanças psicológicas que vão além das mudanças corporais, ocorrendo uma nova relação com os pais e com o mundo. O adolescente precisa elaborar o luto pelo corpo de criança, pela relação com os pais da infância e pela bissexualidade. Além disso, é necessário reformular-se a respeito de alguns conceitos que tem sobre si mesmo, o que o leva a abandonar sua autoimagem infantil e a projetar-se no futuro de sua vida adulta. Percebe-se então, que, de um ponto de vista psicológico, a adolescência engloba um número bem maior de vivências e alterações do que se for considerada numa abordagem unicamente biológica.

Maldonado (1997), em seu trabalho sobre a Psicologia da gravidez, considera que no ciclo vital da mulher há três períodos críticos de transição, que constituem fases do desenvolvimento da personalidade: a adolescência, a gravidez e o climatério. Esses períodos se caracterizam por mudanças metabólicas complexas, estado temporário de equilíbrio instável devido às mudanças nos aspectos do papel social, necessidade de novas adaptações, reajustamentos interpessoais e intrapsíquicos e mudança de identidade. Portanto, as gestantes adolescentes se encontram em dois desses períodos críticos simultaneamente, merecendo, então, uma atenção redobrada dos profissionais, tanto da Psicologia, quanto dos demais profissionais da saúde para ajudá-las a prosseguir a gestação da melhor forma possível.

Nesse sentido Langer (1981) destaca que o grau de aceitação da gravidez por parte tanto do ambiente social, como da família e da comunidade, tende a reforçar ou não a maternidade na gestante. Assim, a aceitação da gravidez no meio em que ela vive pode favorecer a maternidade e a relação mãe-bebê. Toda gravidez causa um conflito entre a tendência maternal e a rejeição (desejo e contradesejo), podendo esse conflito ser vivido em maior ou menor grau. As pessoas que convivem com a gestante interferem diretamente no grau de aceitação da gravidez, de forma positiva ou não.

As gestantes atendidas no Setor de Gestação de Alto Risco do Hospital Regional de Assis (SP) são exclusivamente as que apresentam esse quadro. Esta é uma parcela das gestantes que, por terem características específicas ou por sofrerem algum agravo, apresentam maiores probabilidades de evolução desfavorável, tanto para o feto como para a mãe. Segundo o Ministério da Saúde (Brasil, 2010), entende-se por gestação de alto risco uma situação limítrofe que pode causar riscos à vida ou à saúde da mãe e/ou do feto, em função de maiores chances de complicações do que da média das gestações. Estão incluídas nesses casos adolescentes menores de 15 anos e mulheres que já ultrapassaram a idade considerada ideal para a concepção, 35 anos, além das que apresentam algum problema de saúde, como hipertensão, diabetes, obesidade, problemas cardíacos, entre outras condições de saúde física que podem comprometer o desenvolvimento normal da gestação.

Portanto, gestação de alto risco é aquela na qual a vida ou a saúde da mãe ou do feto podem ser afetadas com maior probabilidade do que na população normal. Na gestação pode haver risco em qualquer momento, pois ela pode estar transcorrendo adequadamente, porém durante o pré-natal podem ocorrer situações de risco. Há o agravante de risco psicossocial, associado à aceitação ou não da gravidez, com reflexos sobre a vida da gestante adolescente, que podem se traduzir na adesão (ou não) ao pré-natal. Dessa maneira, o Ministério da Saúde (Brasil, 2010) considera gestação de alto risco a de gestantes de até 15 anos. Dias e Teixeira (2010) relatam que fatores fisiológicos e psicológicos característicos da adolescência fariam a gravidez, neste período, ser uma situação de risco biopsicossocial, capaz de trazer consequências negativas não apenas para as adolescentes, mas para toda a sociedade. A vivência da maternidade durante a adolescência se torna mais complicada, pois às exigências vividas na busca da identidade do adolescente acrescenta-se a de "tornar-se mãe".

Por todas essas razões, é necessária a preparação profilática, para que a gestante adolescente e sua família possam compreender o sentido de ser mãe, organizarem-se a partir da notícia da gestação e assim prepararem-se para o futuro com o bebê. De acordo com Soifer (1980, p. 25), "a preparação profilática válida deveria iniciar-se pelo esclarecimento psicológico do casal progenitor, desde o início, praticamente desde a confirmação diagnóstica da gravidez". Desse modo, esta profilaxia deve ser realizada com maior intensidade nos adolescentes, pois um bebê traz consigo vários sentimentos e consequências em relação à maternidade, paternidade e à própria vida de cada um dos progenitores.

O objetivo deste trabalho foi investigar o funcionamento psíquico de adolescentes gestantes por meio de indicadores obtidos com o Desenho da Figura Humana (DFH) e o Teste de Apercepção Temática (TAT), em diferentes etapas da gestação, dependendo do momento em que foi iniciado o pré-natal. Essas evidências poderão subsidiar intervenções terapêuticas, bem como ações de prevenção da saúde junto à população.

 

MÉTODO

Sujeitos

Participaram da pesquisa 10 adolescentes grávidas, voluntárias, com o consentimento de seus responsáveis, escolhidas por conveniência entre as que são atendidas pelo serviço do Setor de Gestação de Alto Risco do Hospital Regional de Assis, localizado nesta cidade, no interior do Estado de São Paulo. Ele atende unicamente aos usuários do Sistema Único de Saúde - SUS, sendo referência para 25 municípios que compõem a região e abrangendo uma população de aproximadamente 450.000 habitantes.

Quanto à idade, uma das adolescentes tinha 12 anos de idade, seis, 14 e três, 15 anos. A média de tempo de gestação foi de 4,7 (DP = 1,5) meses. Três gestantes pararam de estudar, as sete restantes ainda estudavam, porém algumas relataram pretender parar por causa da gravidez e voltar após o nascimento do bebê. Quanto à escolaridade, elas possuíam no mínimo a 5ª série e uma cursava o Ensino Médio. Três adolescentes moravam com o companheiro e sete, com a família de origem, sem perspectiva de morarem juntos e formarem uma nova estrutura familiar.

Instrumentos

1) Entrevista semiestruturada de anamnese do Serviço de Psicologia do Setor de Gestação de Alto Risco do hospital;

2) Desenho da Figura Humana (DFH), aplicado e avaliado segundo Machover (1949), conforme a sistematização proposta por Van Kolck (1984): folha sulfite A4, lápis preto nº 2 e borracha;

3) Teste de Apercepção Temática (TAT): foram utilizadas as pranchas 1, 7MF, 8MF, 16 e 13HF, analisadas segundo a proposta de Silva (1989) e Murray (2005). Esta escolha em função dos conteúdos temáticos evocados por essas pranchas. Segundo Murray, a prancha 1 é considerada como aquela a ser sempre aplicada no início por não representar uma situação ameaçadora. Assim, buscou-se tranquilizar as gestantes no que se refere ao teste e seu material. A prancha procura também entender como o sujeito se relaciona com questões de autoridade, bem como com suas expectativas de futuro. A prancha 7 MF foi escolhida por evocar a relação com a figura materna, que pode ser percebida/tomada como modelo pelas adolescentes. A 8 MF, porque traz associações referentes aos conflitos atuais; a 13 HF traduz a atitude do sujeito frente à sexualidade e relaciona aspectos referentes à violência e à relação sexual; e a 16 se refere a respostas e reflexões relacionadas às necessidades mais prementes das gestantes.

Procedimento

A coleta de dados foi realizada individualmente, durante a primeira consulta da adolescente no Setor de Gestação de Risco. Após o convite para a participação na pesquisa, ela e seu responsável assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, proposto conforme processo aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade de Ciências e Letras - UNESP/Campus de Assis (nº 1282/2011).

De início foi feita a entrevista de rotina do atendimento do setor de Psicologia em que foi perguntado à gestante (na presença ou não do acompanhante), além dos dados gerais de identificação e de saúde, se a gravidez foi desejada/planejada, qual a reação da família e do companheiro pai do bebê, como ela se sente em relação ao parto e suas expectativas quanto ao futuro (em relação a si e ao bebê). Após essa entrevista, a adolescente foi convidada a realizar o desenho de uma pessoa, da melhor forma possível e depois, o de uma pessoa do sexo oposto ao que ela desenhou primeiro. A seguir ela respondeu a algumas perguntas (inquérito) sobre as figuras desenhadas. Após o DFH, foi solicitada a contar uma história com começo, meio e fim, a partir de algumas figuras (pranchas do TAT selecionadas previamente) e, ao terminar, dar um título à história.

Os desenhos e o TAT foram coletados por uma das pesquisadoras no hospital, na entrevista das gestantes, e a análise foi feita pelas autoras.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A maioria das adolescentes foi acompanhada pela mãe, somente três foram acompanhadas por outras pessoas (avó, tia e cunhada), porém todas com algum parentesco em relação à gestante, nenhuma veio com o pai do bebê e/ou companheiro. O acompanhamento pré-natal e posteriormente a criação do bebê ficaria sob responsabilidade da mãe da adolescente, pois, sem companheiro e morando com a família de origem, ela só poderia contar com o apoio e ajuda de sua mãe (ou da sogra, avó paterna do bebê, em um dos casos, ou ainda da sua própria avó).

Como relata Kitzinger (1978), as avós são acima de tudo ex-mães, mulheres que já cumpriram sua missão. Assim, elas podem ajudar na maternidade e ter uma nova experiência materna com os netos, porém isto só ocorre em ocasiões em que a mãe biológica está de acordo, "ou em situações de crise, quando a sua ajuda é desejada devido à ausência da mãe verdadeira ou à incapacidade desta de estar à altura das suas funções" (p. 167). Dessa forma, as avós, mães das jovens, entram em cena para auxiliar as adolescentes grávidas, que geralmente são as primeiras a pedirem ajuda. Contam com as avós na criação da criança, inicialmente somente para ajudar nos cuidados com o bebê, porém com o tempo elas acabam criando e educando as crianças para a vida.

Chama a atenção também a juventude destas avós: algumas possuem filhos pequenos ou até bebês, indicando que também tiveram filhos na adolescência. Uma acompanhante era a avó da adolescente, que foi criada por ela, assumindo o papel de mãe e que também criará seu bisneto. Observa-se, desse modo, o ciclo que se estabelece no decorrer das gerações, bem como a repetição dos modelos familiares, caracterizando a transgeracionalidade da gravidez na adolescência, como menciona Krom (2000).

Além disso, as responsabilidades pela gravidez e criação do filho ficam nas mãos das adolescentes e de suas famílias, já que os pais dos bebês não assumem a criação e educação das crianças e possuem a ideia de que sua função é somente registrá-lo e eventualmente arcar com encargos financeiros. Eles se isentam da responsabilidade de participar da gravidez, como se não fossem responsáveis pela situação, como foi o caso em que a mãe da adolescente queria obrigar o pai do bebê a estar presente no pré-natal e este relatou, que só iria, quando fosse ver o ultrassom. Esses pais não mostraram interesse ao saberem da gravidez, nem no decorrer dela, e provavelmente também apresentarão esse comportamento, quando o bebê nascer e tiverem que cuidar de uma criança totalmente dependente deles, conforme o relato das próprias gestantes. A esse respeito, Forna (1999) afirma que o maior mito existente é a crença na maternidade exclusiva, em que basicamente tudo o que a criança precisa está contido na relação mãe/bebê. Desse modo, segundo a autora, apesar do pai ter um papel biologicamente essencial, ele se torna socialmente supérfluo, assim muitos pais reagem mantendo-se efetivamente fora da responsabilidade de criar os filhos, continuando com suas atividades e trabalhos e deixando as responsabilidades do dia-a-dia para a mulher.

 

DESENHO DA FIGURA HUMANA (DFH)

Foram coletados 20 desenhos (10 figuras femininas e 10 masculinas). De maneira geral, as produções foram muito pobres em estrutura e detalhes, apesar de terem todos os elementos essenciais (cabeça, tronco e membros) e foram desenhos muito mal elaborados, não condizendo com a idade da pessoa que o realizou. São apresentados os resultados referentes aos aspectos gerais, estruturais e de conteúdo dos desenhos, avaliados segundo a proposta de Van Kolck (1984) para a análise projetiva do Desenho da Figura Humana, com base no trabalho de Machover.

 

ASPECTOS GERAIS

A folha representa, segundo Van Kolck (1968, 1984), "o ambiente, delimitado pelas bordas do papel e "imposto" ao sujeito" (p. 7) e sua posição revela como este se coloca no ambiente. Assim, com relação à posição da folha de papel, uma gestante inverteu ambos os desenhos para a posição horizontal e uma inverteu somente a figura masculina para a posição horizontal. Portanto, nove desenhos de figuras femininas e oito de masculinas foram na posição vertical. Este dado pode significar que não ocorreu uma expressão direta de negativismo ou oposição à ordem dada e que as adolescentes participantes aceitaram a ordem da autoridade sem questionar. Na pesquisa de Campagna e Faiman (2002) com garotas pré-adolescentes (de 10 a 13 anos), a posição vertical da folha também foi foi respeitada pela maioria (80%).

Quanto à localização da figura na folha, observou-se que na figura feminina as adolescentes desenharam mais no 3º (inferior esquerdo), 4º (superior esquerdo) quadrantes e metade inferior (faixa entre o 2º e o 3º quadrante), cada um com dois desenhos cada. O 3º quadrante está relacionado aos conflitos, repressão e fixação em estágio primitivo, sugerindo a hipótese de que essas adolescentes ainda não amadureceram para poderem viver sua feminilidade e maternidade, pois ainda vivem em um estágio anterior. O 4º quadrante, que está ligado à passividade, atitude de expectativa diante da vida, corrobora os resultados do TAT (que serão apresentados posteriormente), em que elas não possuem atitude ativa para com suas vidas, não são protagonistas de sua própria história e esperam que os outros resolvam seus problemas. Além disso, a passividade mostrou-se uma característica dessas adolescentes, que não possuem voz ativa e não buscam seus próprios ideais, conforme sugerido nas histórias contadas no TAT e nas entrevistas.

E, por fim, a metade inferior da folha caracteriza insegurança e inadequação, o que pode refletir a incerteza do atual momento de suas vidas, em que a gravidez traz a insegurança do presente, pois tudo é novo e diferente, e do futuro, que é incerto e duvidoso, assim como pode ser um atributo da fase da adolescência ou ainda ser explicada por outros fatores.

Já na figura masculina houve predomínio da metade esquerda da folha (4), caracterizando a introversão, egoísmo, predomínio da afetividade, do passado e do esquecido. Todas essas características estão relacionadas às questões próprias da gravidez abordadas por Soifer (1980), que relatou a regressão na gestante, que pode se afastar das pessoas ao seu redor. Se for considerado que praticamente não houve desenhos do lado direito, pode-se supor que se confirma que as adolescentes gestantes não mostraram preocupação ou expectativa com o futuro, com o crescimento e o progresso de vida. Porém esta também pode ser uma característica da própria adolescência, pois na pesquisa de Campagna e Faiman (2002) com pré-adolescentes as figuras se localizaram principalmente na parte central da folha tendendo para a esquerda (56%) ou totalmente à esquerda (35%), o que é parcialmente similar aos resultados desta pesquisa.

Quanto ao tamanho da figura em relação à folha, foi utilizado o crivo proposto por Van Kolck (1968). O tamanho dos desenhos demonstra a relação do sujeito com o seu ambiente e a pressão exercida por ele. Observou-se que nenhum dos desenhos foi grande ou muito grande. A maioria das figuras femininas (6) foi pequena, enquanto que as masculinas foi média (4), porém os demais desenhos masculinos foram pequenos e muito pequenos, com três desenhos de cada. A autora interpreta esses desenhos como indícios de inferioridade, inibição, comportamento emocionalmente dependente, ansioso e tendência ao isolamento. Portanto, observa-se que são características regressivas, em que a maioria das adolescentes é emocionalmente dependente de suas mães e tem uma certa tendência ao isolamento e inibição, pois são meninas tímidas que não dialogam nem com sua família, uma vez que contaram sobre a gravidez somente quando não havia mais como esconder ou quando sua mãe descobriu. Assim, a regressão está presente e se somando às questões próprias da adolescência, que de acordo com Aberastury (1992) é uma etapa de muitas mudanças tanto físicas quanto emocionais, além de que os lutos que a adolescente precisa passar, tornam esse momento muito delicado para ela e para sua família. Este dado difere do obtido no estudo de Barros (2004) em que tanto as grávidas pela primeira vez, quanto pela segunda, tenderam a fazer figuras de tamanho médio. Nos dados de Campagna e Faiman (2002) também ocorreu o predomínio de desenhos médios.

 

ASPECTOS FORMAIS

Quanto à imagem do corpo, foram utilizadas as definições propostas por Herzberg (1993) e por Barros (2004) de desenhos realistas ou compensatórios, sendo considerados realistas, aqueles bem próximos aos de um corpo humano, que sugerissem as modificações corporais da gravidez; e compensatórias, aqueles que não indicassem as modificações corporais e que, por sua vez, alguma de suas partes recebesse tratamento especial, como por exemplo, ombros largos demais, cintura muito fina, traços femininos e/ou masculinos muito acentuados, aparência estranha.

A maioria das gestantes adolescentes desenhou figuras compensatórias tanto na versão feminina (7) quanto na masculina (8), pois não retratam as modificações corporais da gravidez, o que pode sugerir que elas ainda não percebem essas alterações em si mesmas. Este fato provavelmente pode ser explicado pela fase da gestação em que se encontram ser em média de 4,7 (±1,5) meses, o que sugere que ainda não ocorriam movimentos fetais, e que o abdômen ainda não cresceu o suficiente para que elas sentissem essas modificações.

A maioria das figuras mostrou inclinação para a esquerda em seis figuras feminina e em cinco masculinas. De acordo com Cariola (2006), a inclinação sugere instabilidade e falta de equilíbrio em geral. Dessa forma, observa-se o quanto as adolescentes se encontram em um momento de instabilidade emocional, seja pela gravidez ou por questões próprias da adolescência e do contexto atual em que estão vivendo. Este dado corrobora os obtidos por Barros (2004), que verificou que as primíparas tendem a desenhar figuras inclinadas para a esquerda em ambos os desenhos, masculino e feminino.

No que se refere à ordem das figuras, sete adolescentes desenharam o próprio sexo em primeiro lugar, indicando a identificação com o próprio sexo. Por outro lado, três fizeram primeiro a figura masculina, o que pode indicar dificuldade em viverem a sua feminilidade, perceberem-se adultas e em expressarem a continência da criança que estão gestando, já que são ainda adolescentes. Pode significar, por outro lado, a supervalorização da figura masculina. Este dado corrobora os estudos de Savastano (1981), Herzberg (1993) e Barros (2004), que expõem a tendência das gestantes em desenharem primeiro o próprio sexo. Na pesquisa de Campagna e Faiman (2002) também a maioria das garotas (71%) desenhou uma figura do próprio sexo, o que indicaria identificação com o papel característico do próprio sexo.

A figura feminina foi maior em seis dos 10 desenhos das gestantes, o que está de acordo com os resultados do estudo de Herzberg (1993), em que a maioria das gestantes (53,1%) desenhou a mulher em primeiro lugar. Somente uma gestante desenhou a figura feminina menor que a masculina e três desenharam do mesmo tamanho. Em contrapartida, em relação à elaboração dos desenhos, a maioria (8) teve a mesma quantidade de detalhes. Chama a atenção que nenhuma das adolescentes desenhou a figura feminina com mais detalhes do que a masculina. Segundo Van Kolck (1984), o tratamento diferencial das duas figuras reflete as atitudes do sujeito para com os dois sexos, portanto a figura maior e mais elaborada indica a real importância atribuída àquele sexo e a pequena diferenciação entre as figuras refletiria um fracasso em reconhecer o sexo oposto como diferente do seu ou medo na aceitação dos aspectos maduros do corpo. Portanto, verifica-se que as adolescentes não valorizaram o próprio sexo, já que praticamente metade delas não fez um tratamento diferencial entre os dois, ainda que a maioria tenha desenhado o próprio sexo em primeiro lugar. Por outro lado, observa-se que a maior valorização da figura masculina é uma questão social, em que, principalmente nas camadas populares, o homem é tido como o provedor da casa, o mais forte e por isso deve ser respeitado e a mulher deve ser submissa, como afirma Badinter (2011).

 

ASPECTOS DE CONTEÚDO

No que se refere ao conteúdo dos desenhos será abordada somente a representação dos seios e da cintura. Nenhuma das adolescentes enfatizou os seios nas figuras femininas, o que pode ser interpretado como uma negação das modificações corporais da gestação e da adolescência, já que eles representam a maternidade e estão relacionados à sexualidade. Na adolescência ocorrem modificações corporais, como o aumento dos seios e a ausência dessa marcação pode indicar que elas talvez não tenham entrado em contato efetivamente com a maternidade, nem com sua feminilidade e com a adolescência.

Somente três adolescentes grávidas não deram ênfase à região da cintura, sendo que uma indicou com um cinto, quatro, com uma linha e duas apenas assinalaram essa região. Já na figura masculina, oito marcaram a região da cintura com uma linha e duas, com um cinto. Mais uma vez pode ser sugerida a negação das modificações corporais em relação à gravidez, além de esta região estar relacionada, segundo Van Kolck (1984), ao controle dos impulsos sexuais, à dificuldade de controle dos impulsos e à repressão e racionalização dos conflitos existentes nessa área. Pode indicar ainda que a sexualidade é uma questão ainda a ser resolvida, principalmente por estarem na fase da adolescência, em que ocorrem transformações corporais e que os conflitos do corpo infantil devem ser elaborados para se tornar um adulto saudável.

 

TESTE DE APERCEPÇÃO TEMÁTICA

Nenhuma das pranchas do TAT foi recusada pelas gestantes, portanto cada uma narrou cinco histórias, totalizando 50. As histórias foram pouco elaboradas, algumas sem sequência temporal, como foi proposto à gestante. Foram necessários muitos questionamentos nos inquéritos para conseguir histórias coerentes. O material produzido revela histórias quase inexistentes, indicando baixo nível intelectual, pobreza intelectual e imaturidade. Questões ligadas à aparência física ou estéticas e lúdicas são percebidas como importantes. Apareceram histórias negando a gestação, revelando que elas não incorporaram ainda essa realidade. Serão analisados a seguir os dados de cada uma das pranchas.

Prancha 1

Pelo material produzido, observa-se que as adolescentes não relataram expectativas quanto ao futuro e trouxeram necessidades de afiliação, de realização, de ordem e, em um caso, necessidade lúdica. A pressão externa não é reconhecida, elas não sonham se tornarem independentes e terem uma profissão. Para elas, tornar-se adulta significa casar e ter filhos e a forma mais rápida e concreta é engravidar na adolescência. O que desejam é ter sua casa, seu marido e que seus filhos sejam boas pessoas.

Nesta prancha observou-se que quatro adolescentes não identificaram o violino, ou simplesmente o omitiram. Duas identificaram o instrumento, mas não o nomearam, duas chamaram de violão e outras duas o identificaram corretamente. Uma adolescente, no primeiro momento atribuiu um nome ao objeto e, no final da história, deu outro nome, conforme relatado a seguir.

-"O que é esse negócio?

- O que você acha?

- Um menino que está pensando o que é isso.

- O que ele acha que é?

- Negócio de pôr marmita.

- Conte a história então.

- Um menino que um belo dia estava sentado na mesa e pegou um papel para desenhar, depois não quis mais desenhar, porque estava chato e pegou esse negócio.

- O que ele fez com o negócio?

- Ficou vendo.

- Só?

- Até que um outro dia descobriu o que era.

- E o que era?

- Negócio de jogar, pode ser, porque tem um elástico e joga na cabeça do outro. Ele ficou brincando com os amiguinhos dele com isso".

Este dado pode ser explicado pelo nível socioeconômico em que vivem, já que as adolescentes são de nível baixo e assim não têm contato com este tipo de instrumento ou sequer interesse em querer conhecê-lo. Isso sugere também pouco interesse pela vida profissional, por estudar e/ou trabalhar, conforme relatado nas entrevistas. Os estudos geralmente estão em último plano em suas vidas.

As histórias desta prancha trazem finais magicamente felizes, em que os conflitos são resolvidos por meio da fé ou sem grandes esforços: "Um garoto pensando o que ele queria ser no futuro. E o que ele quer ser? Mecânico. E ele consegue ser? Consegue, ele tem fé".

Nesta história percebe-se que o futuro não é buscado, almejado, mas sim conseguido sem esforços, como se fosse fácil obter tudo. Não há planejamento ou atitude ativa para conquistar os ideais, pois tudo virá magicamente.

Observa-se também a inserção de outras figuras que vão resolver os problemas, não sendo elas mesmas protagonistas e escritoras de sua própria vida. Essa característica parece típica dos adolescentes, de acordo com Outeiral (2008), pois o pensamento do adolescente possui um caráter mágico entre o pensado e o exequível, para eles, é muito fácil encontrar soluções para os problemas, muito embora a maioria delas não seja possível na prática:

- "Aqui tem um menino que está triste, porque tá parecendo que o instrumento dele tá quebrado.

- Quem quebrou?

- O primo dele e ele tá muito triste.

- E o que acontece depois?

- Ele fica chorando... Aí, a mãe dele arruma, ele fica muito feliz e vai tocar o instrumento dele."

Assim, a adolescente espera que a mãe resolva todos os seus problemas e após a resolução, tudo ficará bem e todos ficarão felizes, portanto, ela não precisa fazer esforços para conseguir resolvê-los. Nas entrevistas, as adolescentes revelam junto com as acompanhantes (mães e avós), que serão estas que irão assumir os cuidados com os bebês e, desse modo, não se sentem responsáveis pela gravidez e pela criação do bebê e não refletem sobre as consequências de terem um filho, assim como imaginam que os problemas serão resolvidos por outras pessoas e que elas não têm participação na própria história.

Prancha 7MF

Três adolescentes não entraram em contato com a questão da própria maternidade, pois relataram que a menina está segurando uma boneca. São histórias infantis, indicando que elas ainda não se percebem como futuras mães:

- "Uma menina que estava brincando com uma boneca. Ela estava olhando para a mãe dela, e eu acho que a mãe tinha brigado com ela, porque estava com cara feia.

- Brigou por quê?

- Porque ela deixou os brinquedos esparramados.

- E no final?

- Ela estava chorando e depois a babá falou para ela não chorar e brincar.

- E ela?

- Ela falou "tá" e ficou feliz de novo."

O herói desta história é a menina que brinca de boneca, demonstrando o quanto a adolescente grávida ainda se vê como uma criança que brinca e reage à autoridade da mãe chorando. Essa atitude infantil não é condizente com sua atual condição de gestante.

No entanto a maioria das adolescentes se projetou nesta prancha, relatando suas vivências ou sentimentos em relação a esse tema. Percebe-se que elas sentem pressão por parte da sociedade que as julga por engravidarem na adolescência, como exemplificado a seguir.

- "Uma menina... Uma jovem tem um filho na adolescência, às vezes as pessoas colocam coisas na cabeça dela.

- O que?

- De ela ser mãe jovem.

- O que ela acha disso?

- Ela pensa que é o bem, às vezes o mal.

- O que é o bem e o mal?

- O mal de o pessoal ficar falando que ela está estragando a vida dela. O bem, porque ela está feliz, e vai cuidar do neném."

Nesta fala, a adolescente se projetou relatando como se sente em relação ao julgamento da sociedade por engravidar na adolescência, demonstra o quanto se sente incomodada com a situação, porém tenta compensar seu incômodo, dizendo que está bem e feliz com o bebê, porque vai brincar com ele, tal como a outra brinca com a boneca. Confirmou-se também o que foi dito anteriormente sobre a questão de que o apoio e a criação do bebê ficarão por conta da mãe da adolescente:

- "A mãe, sua filha e seu neto. Não sei o que eles estão fazendo. Ela nem segura a criança direito.

- Por que ela não segura direito?

- Porque ela não sabe ainda, porque é o primeiro filho dela. Daí ela aprende e cuida do neném.

- Quem ensina?

- A mãe dela."

Percebe-se que a adolescente não irá aprender a cuidar do filho sozinha, ela delega essa função de ensinar à mãe, porém está implícito que sua mãe irá ajudar nos cuidados e na criação do bebê.

Portanto, é nítida a imaturidade presente nas adolescentes e apesar de estarem, segundo Aberastury (1992), numa etapa de desprendimento e necessitando elaborar uma nova relação com os pais e com o mundo para se inserirem na vida adulta, isto não está ocorrendo com elas, esse desenvolvimento-crescimento-amadurecimento não está acontecendo. Assim, não parecem ter consciência da responsabilidade de gerar e criar um filho para o mundo. Uma das gestantes, a mais contestadora do grupo, deixa antever nessa prancha a necessidade de amadurecimento emocional.

Prancha 8MF

As histórias produzidas revelaram conteúdos depressivos, principalmente referentes à solidão:

- "Uma mulher sentada pensando.

- Pensando no que?

- Ela tá pensando nos pais.

- O que?

- Acho que eles morreram e ela sente saudade.

- E no final?

- No final ela fica feliz, mas sempre pensando nos pais dela."

Nota-se que ela tenta se defender de conteúdos mais ansiógenos com um final feliz, porém eles são visíveis na história, o herói sente-se solitário por não ter mais os pais para estar com ele e, mesmo passando os dias, continua pensando neles. A solidão está presente em quatro histórias, sendo que um dos heróis é um paciente terminal. Isto sugere que as adolescentes se sentem solitárias, necessitando do apoio materno, já que não possuem o apoio do pai do bebê, como já relatado. A gestação, somada às características da adolescência, pode ser regressiva para a jovem, levando-a a sentir-se sozinha, com necessidade de cuidados, que nem sempre consegue. Levisky (1998) mostra que há períodos em que o adolescente se refugia na solidão e isola-se de tudo e de todos. Vive num mundo de imaginação, onde tudo pode ser controlado em suas fantasias e desejos. Dessa forma, o presente, o passado e o futuro podem se aglutinar e se discriminar em seu pensamento, evidenciando o subjetivismo e a onipotência de seus pensamentos. Portanto, neste mundo de imaginação, a adolescente pôde entrar com seus conteúdos mais íntimos, confundindo-os com a própria realidade que está vivendo.

As outras histórias trazem conteúdos de cansaço, sonhos, necessidades estéticas, paixão. A negação de conteúdos íntimos, ligados ao momento atual das gestantes, apresentada tanto nos desenhos quanto nas primeiras pranchas, neste momento não se sustentou em praticamente todos os casos; foi quando todas as adolescentes expuseram sentimentos de fragilidade, angústia, medo da solidão e insegurança.

Prancha 16

A prancha 16 tem o estímulo totalmente branco, em que o sujeito é levado a projetar sua problemática, de acordo com a sua própria constituição, uma vez que não há estímulos. Outeiral (2008) relata que o momento atual no qual as adolescentes vivem, favorece a regressão, podendo ocorrer concretização defensiva do pensamento, o que interfere no seu grau de abstração e no pensamento simbólico. Dessa forma, percebeu-se a dificuldade das adolescentes para imaginar e se projetarem nessa prancha, pois a maioria das histórias era somente de descrições de algum fato, como neste exemplo:

- "Um papel sem nada.

- Diga o que você imaginar.

- Um molequinho que não estava com vontade de desenhar nada. Aí, ele arrumou outra coisa para brincar.

- Que outra coisa?

- Ele fez um avião de papel.

- O que ele fez com o avião?

- Ele ficou brincando pela casa".

Assim, pode-se observar a pobreza na imaginação, somada à falta de ambição para sua vida e para o seu futuro apresentada na prancha 1, bem como a pobreza de recursos tanto cognitivos e intelectuais quanto afetivos e a pobreza cultural.

Chama a atenção que somente uma adolescente grávida descreveu um bebê na história desta prancha, o que demonstra que percebeu seu filho idealizado, descrevendo-o fisicamente como deseja que ele seja:

- "O que vou fazer?

- Imagina...

- Um bebê muito lindo, de olho azul, branquinho, cabelo preto como o seu.

- E o que está fazendo?

- Ele tá dormindo.

- Sozinho?

- Não, com o pai dele.

- E a mãe?

- A mãe dele foi trabalhar... depois ele acorda e vai brincar com o pai dele... e só".

Considerando que nessa prancha as necessidades mais prementes dos heróis se fazem presentes de forma mais clara, é possível entender que aspectos lúdicos ainda se apresentam fortemente nessas gestantes, mas por serem adolescentes, imaturas e ambivalentes, ainda vivem os lutos próprios da fase e buscam também amizades e ajuda por parte de suas mães e da sociedade.

Prancha 13HF

Esta prancha mostra um estímulo dramático, evocando atitudes frente às relações heterossexuais e à sexualidade associada à agressividade. Porém, somente uma gestante (I. O. B.) relatou conteúdos agressivos, em que o homem mata a mulher. As outras contaram histórias referentes ao cotidiano de um casal. O fato de que elas não se referiram à agressão pode ser visto positivamente, sugerindo que a agressividade presente na vida delas é vivida de modo contido e reprimido, lidam com a figura masculina de forma submissa, já que são histórias em que o homem acorda para trabalhar e a mulher precisa fazer o café da manhã ou cuidar da casa.

Levisky (1998) lembra que durante a adolescência, o companheiro da adolescente é visto de forma idealizada, sendo este perfeito, o príncipe encantado de sua vida, assim, ela se entrega a essa paixão que irrompe e cega sua capacidade perceptiva de análise, de crítica e pensamento. Somando a essas idealizações a onipotência e o pensamento mágico, a percepção do real fica comprometida e a possibilidade da gravidez é maior. A maioria das adolescentes está com seus companheiros há pouco tempo, portanto, essa idealização ainda está presente e por isso sonham com a cena do cotidiano de um casal descrita na prancha:

- "Um homem com sono. Ele está acordando para trabalhar e sustentar a família dele, como todos os dias ele faz. Ele deixa a mulher na casa dele e os filhos dele.

- E a mulher?

- Ela fica deitada, depois levanta e vai cuidar dos filhos, arrumar a casa.

- E o final da história?

- Todo mundo fica feliz."

Dessa forma, nota-se mais uma vez que o sonho delas é casar, ser mãe, cuidar da casa e do marido. Dadoorian (2003) afirma que as adolescentes engravidam também para testar a sua feminilidade pela constatação da sua capacidade reprodutiva. Além disso, em nossa sociedade a função social da mulher está relacionada à maternidade, portanto o desejo de ter um filho é um rito de passagem, uma transformação de menina em mulher. Acrescenta também que "a vivência de situações de carência afetiva e relacional com a família pode também provocar o desejo na adolescente de ter um filho, em que este aparece como o objeto privilegiado capaz de reparar essa carência" (p. 90).

Forna (1999) discute que, em certo nível, a Maternidade é uma idéia abstrata, não uma realidade, embora seja esperado que as mulheres devam ter filhos e que este acontecimento lhes trará felicidade e realização. A Maternidade precoce restringe para as mulheres as possibilidades de escolha e liberdade pessoal, além de forçá-las à dependência financeira do parceiro, uma vez que as adolescentes abandonaram a escola e ainda não estão inseridas no mercado de trabalho. Porém, atualmente a mulher tem a possibilidade de ter uma profissão e assim ter liberdade financeira e pessoal, condição que essas adolescentes não assimilam e nem buscam, pois como já foi dito, não possuem o desejo de serem protagonistas de suas histórias e terem atitude ativa diante da vida. Para elas, seu sonho e ideal de felicidade é justamente ser mãe e ter um marido que as sustente, o que, em seu pensamento, exime-as não só de trabalhar como também de estudar. Esse é o desejo verbalizado nas entrevistas (e observado no TAT), quando falam das expectativas de futuro para si e para o bebê.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Observou-se que as adolescentes grávidas não mostraram uma perspectiva de futuro, como estudar, trabalhar e ter autonomia. O seu desejo é se tornarem donas de casa e mães, como fizeram suas próprias mães, fato ao qual Cunha e Wendling (2011) chamam a atenção, pois esses aspectos transgeracionais se dão de forma inconsciente e por isso o planejamento ou não da gravidez acaba não sendo o mais importante, tendo em vista que, de uma forma ou outra, a gestação acaba ocorrendo no período da adolescência e perpetuando o modelo da maternidade adolescente.

Dessa forma, a imaturidade não permite que tenham consciência da responsabilidade sobre o que significa ter e criar um filho e pensar no bebê como um ser com existência e necessidades próprias, apesar de pensarem que já são adultas o suficiente para tê-lo. A responsabilidade de ajudar a criar o bebê fica para suas mães, já que a maioria não possui ajuda do pai do bebê, pois sua preocupação se resume a registrá-lo.

A pobreza dos desenhos do DFH também foi observada nas histórias do TAT o que, segundo Herzberg (1993), pode ser justificado pelo fato da população ser de baixo nível cultural, possuindo um esquema corporal pobre, mal estruturado, ainda que o desenho possa apresentar todos os elementos essenciais, como cabeça, tronco e membros. Em seu estudo, a análise estatística também mostrou que existem características "típicas" da gravidez como maior inclinação das figuras, maior frequência de representação de cintura e de figuras femininas compensatórias, o que também foi encontrado na presente pesquisa. A pobreza nos desenhos está relacionado com o restrito universo de interesses e cultural revelado na estruturação das histórias do TAT.

Tanto no DFH como no TAT pode-se observar a dificuldade das adelescentes para lidar com as questões da sexualidade, pertinentes à fase da vida em que estão, e também com os temas da gestação e maternidade, que foram negados e omitidos nos desenhos e apenas tangenciados nas histórias.

Da mesma forma, a supervalorização da figura masculina esteve presente em toda a produção, tanto nos desenhos e seus inquéritos, nas entrevistas, como nas histórias contadas em cada prancha. O ideal de mulher submissa e de um casamento em que o homem é provedor e central em sua vida foi constante, o contato com a realidade foi pobre, como é pobre todo o seu universo.

Concluiu-se que o DFH e o TAT foram sensíveis e adequados para avaliar a psicodinâmica das adolescentes gestantes e assim oferecer indicações para subsidiar ações preventivas nesta área e as características apontadas servem como indicadores no acompanhamento da adolescente gestante e no da sua família. Ações de prevenção, para serem eficazes, deveriam ser promovidas junto a escolas de ensino fundamental no sentido de prevenir a gestação na adolescência, bem como a vivência de uma sexualidade com menos dificuldades.

Observou-se nesta pesquisa a presença de dificuldades a serem trabalhadas na relação mãe-bebê para que sejam evitados, dentro do possível, maiores problemas na saúde mental das futuras crianças, tanto de ordem emocional quanto de desenvolvimento geral, sugerindo programas de estimulação do bebê, de cuidados básicos infantis, de atenção à saúde etc. Além disso, o papel do psicólogo no atendimento das gestantes adolescentes é o da humanização no processo pré-natal e do parto, bem como de prevenção e profilaxia de danos psíquicos tanto para as mães, como para os bebês. Este é um estudo exploratório em uma amostra restrita, para se extrair generalizações, indicando a necessidade de outros estudos com amostras maiores e mais diversificadas.

 

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Recebido em 21/03/13
Revisto em 5/06/13
Aceito em 20/06/13

 

 

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