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Boletim de Psicologia

versão impressa ISSN 0006-5943

Bol. psicol vol.63 no.138 São Paulo jun. 2013

 

RESENHA

 

A pesquisa e a prática da avaliação da inteligência infantil e os estudos com o WISC-III

 

The research and practice of children intelligence assessment and studies with WISC-III

 

 

Resenhado por Carla Luciano Codani Hisatugo*

Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP). Laboratório Interdepartamental de Técnicas de Exame Psicológico (LITEP) São Paulo - SP - Brasil

 

 

Figueiredo, V. L. M.; Araujo, J. M. G. & Vidal, F. A. (Orgs.). (2012). Avaliando com o WISC-III: Prática e pesquisa. São Paulo: Casa do Psicólogo.

A Wechsler Intelligence Scale for Children - Third Edition, WISC-III, avalia habilidades e dificuldades cognitivas e a inteligência geral. Considera sujeitos de 6 a 16 anos. A versão padronizada para a população brasileira, com seu manual e tabelas normativas, tem sido uma importante contribuição desde 2002, ano de sua edição. O momento atual implica na recente apresentação da versão WISC-IV ao psicólogo brasileiro, com estudos direcionados a essa população. Entretanto, a identidade desta escala pode ser mantida devido à presença de muitos aspectos e objetivos em comum em todas as suas versões, o que permite que a obra Avaliando com o WISC-III: Prática e pesquisa possa ser continuamente consultada para a compreensão de uma série de fatores mencionados adiante.

A obra apresenta-se como uma atualização do material já existente do WISC-III, cuja utilização está aprovada pelo Conselho Federal de Psicologia até 2017. Abrange: (1) instruções gerais sobre a aplicação e interpretação do instrumento; (2) enfoque em populações com necessidades especiais; (3) diferentes estudos de validação, fidedignidade e padronização; e (4) tabela normativa aprimorada e ampliada para cada faixa etária. Os autores são pesquisadores renomados, preocupados com os aspectos práticos, éticos e normativos do instrumento. É retomada a relevância da pontuação adequada dos itens, do uso do manual de maneira rigorosa e da consulta aos pares ou materiais específicos para a avaliação. Também são discutidas as questões pertinentes à necessidade de atenção redobrada para a pontuação e aplicação de cada subteste, considerando sua especificidade e o contexto para a aplicação (em tipos diversos de populações especiais, por exemplo). Cada subteste é contemplado em diferentes momentos, com detalhamento de suas características, funções e aplicabilidade para cada população estudada (amostra normativa e considerações sobre populações com necessidades especiais).

A obra é dividida em três partes distintas. A primeira parte (do primeiro ao quinto capítulo) integra uma série de informações introdutórias sobre o WISC-III, auxiliando a prática da aplicação, interpretação e pontuação de escores. O leitor é informado no primeiro capítulo sobre a fundamentação do instrumento: seu enfoque na capacidade cognitiva global, influenciada por aspectos genéticos e socioeducacionais, além das questões referentes à motivação e à personalidade.

O capítulo 2 trata da aplicação do WISC-III. O procedimento deve ser não diretivo, porém atento, questionando e auxiliando o sujeito quando necessário, condizente com a demanda de cada atividade, cauteloso com o manejo do cronômetro. O tópico sobre Condições Especiais de Aplicação inclui excelentes providências para diversas situações e contextos.

O capítulo 3 orienta a interpretação qualitativa. Os aspectos subjetivos envolvem: a capacidade de vinculação, fatores interpessoais (introversão versus extroversão), senso de urgência e produção sob tensão (nível de preocupação com o controle do tempo), atenção aos questionamentos, ansiedade, impulsividade, dificuldade de persistir na(s) tarefa(s), motivação e habilidade motora. Além disso, observa-se o âmbito emocional e subjetivo como: dependência, hostilidade, imaturidade, culpa, afetos, entre outras vivências.

O capítulo 4 remete à padronização da aplicação e correção do protocolo de WISC-III. Estudos diversos contemplam a questão da concordância entre avaliadores e dos possíveis erros durante a fase de aplicação e pontuação. A falta de atenção do aplicador é um dos principais motivos. Os cuidados sugeridos ao aplicador envolvem ater-se às especificidades de cada subteste no que tange ao critério de início (item relativo ao contexto/dificuldade ou faixa de desenvolvimento infantil) e de suspensão/interrupção da atividade.

O capítulo 5 apresenta respostas-modelo como critério para a avaliação com base em estudo de sistematização das respostas do instrumento. Uma pesquisa considerando mais de 70 respostas analisadas por 13 avaliadores mostrou índices baixos de concordância em relação aos subtestes. Os subtestes Completar Figuras, Informação, Semelhanças, Vocabulário e Compreensão são mais suscetíveis a divergências na pontuação e merecem atenção redobrada.

A segunda parte da obra (do sexto ao décimo primeiro capítulo) é composta por importantes contribuições e atualizações de estudos de diferentes quadros cognitivos infantis, incluindo aspectos psicopatológicos e sociais. A aprendizagem, nestes diferentes contextos, é abordada pela avaliação cognitiva com vistas ao planejamento de intervenções. O capítulo 6 apresenta dados sobre as crianças consideradas com altas habilidades. A atual compreensão do fenômeno considera não somente as habilidades intelectuais ou adacêmicas, mas as capacidades de liderança, criatividade, competências psicomotoras e habilidade artística e desportiva.

O capítulo 7 trata das dificuldades de aprendizagem. Estabelece uma distinção entre o transtorno/déficit cognitivo e a dificuldade de aprender dentro do enfoque escolar. O transtorno é causado por alterações neurológicas. Seguem considerações de manuais psiquiátricos, como o DSM-IV e o CID-10. Os sujeitos poderão apresentar maior lentidão e dificuldades em atividades específicas. Entretanto a literatura não demonstra diferença estatística entre as discrepâncias entre o QIV (Quociente de Inteligência Verbal) e o QIE (Quociente de Inteligência de Execução).

O capítulo 8 abrange as Habilidades Cognitivas de Crianças com Deficiência Intelectual. O termo inclui a compreensão de aspectos não somente intelectuais, mas também voltados ao âmbito interpessoal, social e à capacidade adaptativa. Denota-se a importância do olhar para o ambiente e contexto comunitário no qual a criança está inserida, bem como os tipos de apoios e oportunidades presentes. O capítulo 9 aborda a situação de pessoas surdas. A surdez não está relacionada com a deficiência cognitiva, entretanto casos mal diagnosticados ou negligenciados podem denotar um atraso escolar importante. Os autores argumentam sobre a abrangência do WISC-III para a compreensão de habilidades verbais e não verbais. Indica-se, contudo, a carência de estudos psicométricos referentes a esse tópico.

O capítulo 10 aborda os aspectos relativos ao sofrimento infanto-juvenil perante maus tratos, negligência e abusos. Distingue violência de agressividade. Dentre os tipos de violência os autores destacam a negligência, abuso físico, psicológico e sexual. Há uma complexidade de fatores os quais ocasionam a situação de vulnerabilidade infantil. As conseqüências abrangem aspectos comportamentais e cognitivos, emocionais, psicopatológicos, psicossomáticos e a tentativa de suicídio.

O capítulo 11 contém uma revisão bibliográfica sobre estudos relacionando o baixo peso durante o nascimento e o desempenho cognitivo. Os aspectos genéticos, biológicos e sociais estão entre os muitos fatores associados a esse contexto. As muitas possibilidades de seqüelas no desenvolvimento maturacional são destacadas, como por exemplo, os prejuízos na língua e as anormalidades neurológicas. O contexto familiar saudável e estruturado gera um importante fator de proteção e cuidado à criança/bebê nessa situação.

A terceira parte (capítulos 12 a 15) explicita detalhes sobre os estudos da estrutura do instrumento: validade, fidedignidade e padronização. Fundamenta cientificamente a força de avaliação do WISC-III considerando diversificadas evidências de validade e complementando resultados normativos, além de propiciar critérios refinados ao uso desse instrumento. O Capítulo 12 indica os aspectos relativos às "Evidências de Validade na Amostra de Padronização Brasileira". As altas cargas fatoriais (medidas pela análise fatorial exploratória) para todos os subtestes indicam um fator geral, g, estável em todas as faixas etárias. Com base nas cargas fatoriais do fator g, a inteligência geral pode ser avaliada de modo satisfatório pelos subtestes do WISC-III, trazendo-lhe a conotação de modelo de avaliação parcimonioso, satisfatório e eficaz para a mensuração da inteligência geral.

O capítulo 13 aborda: "Evidências de fidedignidade e variância dos subtestes na amostra de padronização Brasileira". A fidedignidade dos índices fatoriais verbais foi maior do que os não verbais. A estabilidade temporal foi realizada com correção do efeito da idade, indicando coeficientes moderados. Também foram apresentados estudos de concordância entre avaliadores e análise da variância dos subtestes.

O capítulo 14 remete ao estudo de validade considerando o Teste R-2 e o WISC-III. Os estudos indicaram equivalência entre alguns aspectos de ambos os instrumentos, especialmente acima de 8 anos. Os subtestes verbais apresentaram altas correlações. Os índices fatoriais com maior correlação foram Compreensão Verbal e Resistência à Distração. Os dados confirmam a literatura apontando que medidas de avaliação das capacidades não verbais são influenciadas por aspectos verbais. As evidências também indicam níveis satisfatórios de validade do WISC-III.

O capítulo 15 apresenta um refinamento das normas do instrumento. Os dados de 801 sujeitos considerados para o estudo de validação e adaptação do WISC-III, quando de sua edição brasileira em 2002, foram acrescidos de mais 448 protocolos. Deste modo foi contemplada cada faixa etária (anteriormente algumas estavam agrupadas em mais de uma idade, pela falta de uma amostra maior em cada uma). Portanto, a obra apresenta-se como uma importante referência para o uso do WISC-III em nossa população, já que consiste na divulgação de normas atualizadas e informes importantes relativos aos seus aspectos psicométricos, além de trazer relevantes aspectos atemporais ao uso da escala, independentemente de sua versão.

 

 

Recebido em 6/5/13
Revisto em 8/7/13
Aceito em 10/7/13

 

 

* Endereço para correspondência: Praça Doutor Policarpo Magalhães Viotti, nr. 51, Mandaqui. CEP 02422-000.Email: carlahisatugo@usp.br