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Boletim de Psicologia

versão impressa ISSN 0006-5943

Bol. psicol vol.64 no.140 São Paulo jun. 2014

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

Relação entre funções parentais e o comportamento de crianças pré-escolares

 

Relationship between parental role and behavior of preschool children

 

 

Sandra Aparecida Serra ZanettiI,*, 1;Isabel Cristina GomesII

IDepartamento de Psicologia e Psicanálise da Universidade Estadual de Londrina, PR - Brasil
IIInstituto de Psicologia da Universidade de São Paulo - SP - Brasil

 

 


RESUMO

As funções parentais, na contemporaneidade, podem ser exercidas com pouca consistência e coerência em decorrência de aspectos socioculturais que têm provocado nos pais sentimentos de insegurança e dúvidas frente à tarefa de educar. Esse artigo tem como objetivo apresentar uma pesquisa que procurou compreender a relação entre a fragilização das funções parentais e a frequência de comportamentos de agressividade, teimosia e/ou agitação em crianças de dois a quatro anos, num ambiente escolar. Foram realizadas entrevistas semidirigidas com professores e pais, observação de crianças e interação lúdica entre pais e filhos. Usando abordagem qualitativa, por meio de estudo de caso com comparação entre grupos, e baseando-se no referencial teórico da psicanálise para a análise dos dados, constatou-se que os comportamentos das crianças citados acima se relacionam com dificuldades nas dinâmicas da parentalidade e da conjugalidade.

Palavras-chave: Família; práticas de criação infantil; relações pais-criança; disciplina da criança; crianças em idade pré-escolar.


ABSTRACT

The parental role, in contemporary times, may be exercised with little consistency and coherence, due to socio-cultural aspects that have provoked in the parents feelings of insecurity and doubts concerning the task of educating. This article has as its purpose to present a research designed to understand the relationship between the weakening of parental role and the frequency of aggressive, stubbornness and/or agitation behaviors of two to four years old children in a school environment. Semi-structured interviews were conducted with teachers and parents, also observation of children and of "playful interaction" between parents and children. Using a qualitative approach, specifically the case study with comparison of groups, and based on the theoretical framework of psychoanalysis, it was found that the children's behaviors mentioned related to difficulties of parenting and marital dynamics.

Key words: Family; childrearing practices; parent-child relations; child discipline; preschool age children.


 

 

RELAÇÕES ENTRE PAIS E FILHOS NA CONTEMPORANEIDADE

As transformações que vêm ocorrendo na família têm provocado alterações no âmbito dos relacionamentos a ponto de desordenar funções, lugares e papéis historicamente estabelecidos (Roudinesco, 2003). Quando o enfoque se volta para a relação pais-filhos, nota-se uma "fragilização" em torno da assunção das responsabilidades e do posicionamento de autoridade dos pais (Birman, 2007; Cunha, 1997; Lebrun, 2004; Romanelli, 2000; Roudinesco, 2003; Wagner, 2003). Interferências externas oriundas da ciência, por diversos meios questionaram a condição da criança na família e o saber dos pais sobre seus filhos (Del Priori, 1992; Priszkulnik, 2002). Como decorrência, surgiram dúvidas e inseguranças na tarefa de educar, algo que se manifesta no comportamento das crianças. Este artigo tem o intuito de se aprofundar nestas concepções e apresentar os resultados de uma pesquisa que procurou compreender a relação entre a fragilização das funções parentais e o comportamento de crianças com comportamentos frequentes de agitação, agressividade e/ou teimosia no ambiente da pré-escola.

Na literatura da área observa-se um grande número de trabalhos (Casas, 2003; Edwards, 2004; Ferreira & Maturano, 2002; McLaughlin & Harrison, 2006; Pattie, 2005; Sanders & Woolley, 2004; Sidebotham, 2001), com foco no estudo da relação entre as práticas parentais e o desenvolvimento emocional dos filhos ou o comportamento manifesto dos mesmos em diversos países.

Sidebotham (2001) se propôs a investigar a relação entre o modo como pais percebem suas práticas parentais, a relação com seus filhos e os aspectos da vida cotidiana capazes de interferir na relação pais-filho. De forma geral, o autor conclui que, ainda que os pais relatem ter sentimentos e relacionamentos positivos em relação a seus filhos, não manifestam uma visão positiva em relação à prática da paternidade. Relata, por exemplo, pais preocupados com questões de ordem financeira e com a falta de tempo que os impedem de sentir o exercício de suas práticas parentais de modo mais prazeroso. Sugere que, na contemporaneidade, tem sido exigido dos pais um desempenho proporcional à competitividade para a qual seus filhos deverão estar preparados e que isto culmina por gerar sentimentos de incapacidade e incompetência nos pais.

Esse artigo, portanto, apresenta o fenômeno contemporâneo de pais que sofrem por sentirem que não conseguem realizar seus papéis de maneira satisfatória ou "eficiente". Outros estudos também enfatizam a existência de uma relação significativa entre a "falta de eficiência" na realização das práticas parentais e distúrbios de comportamento nas crianças.

Procurando relacionar o sentimento de competência dos pais com as suas práticas, um estudo na Austrália (Sanders & Woolley, 2004), por exemplo, defende a ideia de que pais, que são mais permissivos com seus filhos, apresentam um sentimento de competência reduzido e que este sentimento corresponde a suas práticas efetivas. De acordo com McLaughlin e Harrison (2006), o sentimento de competência da mãe no desenvolvimento de seu papel ao cuidar de uma criança com ADHD (Distúrbio de Déficit de Atenção e Hiperatividade) é o principal fator que pode influenciar no desenvolvimento de sua prática parental e isso influencia no comportamento dos filhos. Casas (2003), ao procurar relacionar comportamentos agressivos em crianças pré-escolares com o comportamento de seus pais, percebeu uma relação positiva entre comportamentos agressivos em crianças pequenas e um comportamento de culpa em seus pais. Ressalta que estes pais se descreviam como permissivos e percebiam comportamentos de insegurança em seus filhos.

Embora interessantes, os estudos apresentados, com exceção do primeiro, não discutem o fenômeno dentro de uma lógica mais complexa, pois foram pensados em função da articulação de fatores que podem possuir ou não correlações lineares. Pattie (2005), de Hong Kong, por sua vez, ao focar o conflito de relacionamento entre pais e filhos, considera a interferência da cultura moderna na cultura tradicional chinesa, o que torna seu estudo mais abrangente na compreensão desse fenômeno. Dentre os resultados, destaca o comportamento ambivalente dos pais ao exercerem seus papéis e considera que isto se deve ao confronto entre ideais tradicionais, de autoritarismo e submissão, e os modernos, de igualdade na família, diante do qual os pais se sentem confusos e em conflito.

Pôde-se notar ainda que a maioria dos estudos que envolvem o tema da relação pais-filho não recorre à psicanálise para fundamentar a compreensão de seus resultados, como este texto pretende. Ademais, será proposta uma interlocução entre determinados aspectos do contexto sociocultural com o exercício das funções parentais.

Na literatura científica brasileira este tema tem sido tratado, em diversos trabalhos, sob o vértice do referencial "teórico-prático do treinamento em habilidades sociais" (Silva & Marturano, 2002, p. 228). De acordo com Silva (2003), as habilidades dos pais ao interagirem e educarem seus filhos parece ser crucial para a promoção de comportamentos considerados como "indesejados". Em estudo anterior, Silva (2000) verificou que crianças que apresentavam menor repertório socialmente inadequado, possuíam a sociabilidade e a aprendizagem favorecidas e seus pais possuíam maior concordância quanto às práticas educativas. Silva e Marturano (2002) concluem que é possível identificar os determinantes para os problemas de comportamento da criança, a partir da análise das "habilidades parentais" (p. 229).

 

PARENTALIDADE E CONJUGALIDADE

Neste texto, a definição do termo "funções parentais" baseou-se na literatura psicanalítica que, desde meados dos anos 80, compreende que as funções e os papéis parentais estão reagrupados sob a designação do termo parentalidade (Houzel, 2004). Para o autor "não basta ser genitor, nem ser designado como pai para preencher todas as condições, é necessário 'tornar-se pais', o que se faz por meio de um processo complexo, implicando níveis conscientes e inconscientes do funcionamento mental" (p. 47). A parentalidade, ainda segundo o autor, pode ser dividida em três eixos que a compõem: o exercício da parentalidade, que aborda as questões de ordem jurídica em relação aos direitos inerentes; a experiência da parentalidade, que engloba os aspectos conscientes e inconscientes do fato de vir a ser pai e de preencher papéis parentais; e a prática da parentalidade, que envolve as tarefas cotidianas e os níveis de interação entre pais e filhos.

Solis-Ponton (2004), dentro desta vertente, compreende a parentalidade como um "tipo de estrutura que se instala em ação e evolui com o desenvolvimento do indivíduo e a evolução do grupo familiar" (p. 29). Implica, segundo ela, em um processo de preparação e de aprendizagem. A criança é o elemento que inaugura a tríade, constrói e parentaliza os pais ao mesmo tempo em que ela mesma se constrói. Este processo garante que o saber dos pais seja "assegurado na sua institucionalidade racional como o poder de colocar os interditos e fixar, de maneira cultural, as 'regras'" (p. 36), que formam o núcleo da parentalidade e os alicerces da organização social.

A conjugalidade, por sua vez, segundo a literatura psicanalítica de família, fundamenta-se na escolha amorosa inconsciente dos cônjuges (Féres-Carneiro & Magalhães, 2005) e comporta importantes elementos para a construção da parentalidade. Quando o casal consegue construir um relacionamento anterior ao nascimento do filho e um vínculo em que as formas de interação promovem condições de crescimento, aprendizado, bem-estar, ao mesmo tempo em que desenvolvem uma zona de troca entre eles de cumplicidade, respeito mútuo, de afetividade e comunicação, tal como sugere Féres-Carneiro (1998), supõe-se a existência de um "solo" consideravelmente propício para que a parentalidade seja exercida de modo adequado, ou seja, com coerência e consistência. O grau de interação dos pais estabelecido de forma profunda garante um bom entendimento entre eles, a construção de acordos, regras, práticas e posturas concordantes em relação aos filhos, assegurando coerência entre suas posturas, bem como, consistência no modo de aplicá-las. Assim, elementos fundamentais de acordos e construções do âmbito do casal parental estabelecem relação com a construção do casal conjugal. Portanto, o que foi denominado como "fragilidade" das funções parentais, situa-se em oposição às posturas coerentes e consistentes dos casais parentais.

O comportamento das crianças de dois a quatro ano

Capelatto, Moisés e Minatti (2006) definem as características e a dinâmica do funcionamento emocional dessa faixa etária: na criança de dois anos prepondera a afirmação de sua identidade recém-descoberta, tentativas obstinadas de independência, comportamento incontrolável e impulsivo, baixa tolerância à frustração com acessos de raiva frequentes. A criança de três anos começa a se libertar da sua completa dependência anterior de mãe e pai. Ela quererá fazer tudo sozinha, porque não permitirá que a ajudem. Por isso, nesta fase a criança começa a ficar teimosa e agressiva, quando não consegue o que quer, e desafiará frequentemente a paciência dos pais. Estas características permanecerão até a idade de quatro anos e meio e, segundo os autores, é importante "um trabalho de humanização, em que impulsos primitivos são depurados e processados para virar desejos - pelos quais cada um pode lutar sem destruir ou ser destruído" (p. 33). Para isso, asseguram, é necessário que o adulto se porte com firmeza e imponha limites sem explicações. Contrariados irão chorar, fazer birras, mas tudo isso faz "parte do processo em que a frustração gera mudanças, criando novos lugares afetivos" (p. 34).

De acordo com Winnicott (1999), se uma criança tem confiança no pai e na mãe, usa de todos os meios possíveis para se impor. "Com o passar do tempo, põe à prova o seu poder de desintegrar, destruir, assustar, cansar, manobrar, consumir e apropriar-se" (p. 129). E, se o lar consegue suportar todo este tipo de comportamento da criança, ela sossega e vai brincar.

Comportamentos de agressão e teimosia em crianças pequenas, para Winnicott (1999), têm dois significados: "Por um lado, constitui direta ou indiretamente uma reação à frustração. Por outro lado, é uma das muitas fontes de energia de um indivíduo" (p. 102). Contudo, acrescenta que é tarefa dos pais e dos professores cuidar para que as crianças nunca se vejam diante de uma autoridade tão fraca a ponto de ficarem livres de qualquer controle e, por medo, assumirem elas próprias a autoridade.

A tarefa primeira da educação consistiria, de acordo com Freud (1932/1969b), no dever da criança em aprender a controlar seus instintos. Por conseguinte, a educação deve inibir, proibir e suprimir os impulsos da criança, como procurou fazer em todos os períodos da história. Segundo este autor, a autoridade dos pais da criança exige dela uma renúncia ao instinto, que por ela decide o que lhe deve ser concedido e proibido.

Na pesquisa em questão, foram selecionados os comportamentos de agressividade, teimosia e agitação, com base em Conceição (2004) que descreve como os "três tipos básicos" de comportamentos relacionados à ausência do princípio de autoridade: a "Criança Agitada", criança irrequieta "que faz mil coisas ao mesmo tempo, mas não se concentra e acaba deixando tudo pela metade", gerando irritação nos pais; a "Criança Agressiva", criança "mal-educada" que se comporta de maneira hostil e indelicada todas as vezes que se sente contrariada; e a "Criança Teimosa", "que vive dizendo 'não quero', 'não faço', 'não vou', num tipo ditatorial" (p. 56).

Portanto, com base na literatura revisada sabe-se que as crianças de dois a quatro anos possuem comportamentos de agitação, teimosia e agressividade, e também são dependentes de seus pais enquanto figuras de autoridade, responsáveis por exercerem um controle sob sua espontaneidade. A hipótese deste estudo propõe que, quando tal controle não está sendo exercido de forma suficiente, em decorrência da fragilização das funções parentais, estes comportamentos tornam-se mais intensos e frequentes, aparecendo desta forma também em outros âmbitos, como na escola, na qual a criança transfere para a figura do professor o mesmo tipo de relação, de tratamento e de respeito que estabelece com os seus pais (Freud, 1914/1969a).

Família Contemporânea e naturezas de sua (des)ordem

Roudinesco (2003) considera que a família contemporânea pode ser concebida simplesmente como a união entre dois indivíduos em busca de relações íntimas ou realização sexual. O casamento, para esta autora, perdeu todo seu valor simbólico de outrora, tornando-se apenas um tipo de união, mais ou menos duradoura, que protege os cônjuges de eventuais desordens do mundo. Os filhos são cada vez mais concebidos fora dos laços matrimoniais e assistem às núpcias e divórcios de seus pais. Em lugar da divinização, a família contemporânea se pretende frágil, neurótica, consciente de sua desordem e assemelha-se a "uma rede assexuada, fraterna, sem hierarquia, nem autoridade, na qual cada um se sente autônomo ou funcionalizado" (p. 155).

A família moderna, para Birman (2007), se iniciou na passagem do século XVIII para o século XIX e se relaciona com a ascensão da burguesia, responsável por implementar maior privacidade e intimidade no seio de uma união entre pais, mãe e filhos, em oposição à família extensa do período pré-moderno. Neste período emerge a figura de autoridade do pai e da mãe como responsável pelo cuidado da casa e dos filhos.

As mudanças que caracterizam a família contemporânea vinculam-se ao declínio da figura paterna, em termos de presentificação da autoridade (Lebrun, 2004), e a ascensão da figura materna, justamente no sentido de balancear o exercício das funções e papéis de ambos no interior e no exterior desta família (Dantas, Jablonski & Féres-Carneiro, 2004). Como consequência, assiste-se a uma maior proximidade de contato, com demonstrações de afeto, inclusive do pai com relação aos filhos (Dantas, et al., 2004; Souza & Benetti, 2009).

Contudo, para Romanelli (2000), as relações de autoridade e poder na família devem se constituir como elementos ordenadores da cena doméstica, definindo posições hierárquicas, direitos e deveres específicos, porém desiguais. No entanto, segundo este autor, a rapidez das mudanças, que afetam a família contemporânea, tornam o saber acumulado pelo pai inadequado para fazer face à situações novas e sobre as quais sua experiência é nula, de modo que, muitas vezes os filhos transmitem aos pais saberes e novos modelos de conduta. Em consequência, este ponto contribui de modo decisivo para que os filhos assimilem a posição de "sujeitos de direitos", dentro e fora da unidade doméstica, ficando em segundo plano a condição de "sujeitos de deveres".

Wagner (2003) concorda que as relações de poder, que historicamente se estabeleciam de forma hierárquica, na qual o pai detinha a autoridade e era reforçado pela mãe, estão diluídas. Da mesma forma, Eiguer (2007) observa presente na família contemporânea o que denomina de "crise de autoridade", em que "frequentemente os pais têm que se haver com filhos que não aceitam regras" (p. 13). As causas desta "crise", para Wagner (2003), se encontram além das mudanças de papéis, destacando a influência das novas ideias e teorias sobre educação, que tornam os pais inconsistentes, inseguros e com dúvidas diante da ausência de referencias claras de como educar.

Lebrun (2004) acentua que o lugar central, que acabou tomando a ciência em nossa sociedade, promove uma organização social sem referência e que progressivamente deslegitimou o argumento da autoridade do pai. Cunha (1997) concorda e reconhece um processo de invasão da ciência no espaço privativo dos pais que os levou a se despojarem da missão de educar a prole, em função de um aspecto da sociedade moderna vinculado à sua característica de "especialização de tarefas", que no âmbito da infância assume um saber especializado sobre a criança.

Nesse final do século XX e início do século XXI, para Priszkulnik (2002), a criança se tornou o centro das atenções e das preocupações dos adultos. A educação, a saúde, o bem-estar, as relações entre pais e filhos são assuntos constantes em periódicos científicos, em revistas semanais, em artigos de jornais, etc. Esses especialistas, de acordo com a autora, indicam como tratar, falar e agir com a criança com base em suas pesquisas e "podem interferir de tal maneira no relacionamento entre adulto e criança, que acabam levando muitos pais a desconfiarem de sua competência para educar um filho" (p. 15).

Para Del Priori (1992) a preocupação maior destes especialistas estava em sensibilizar os pais acerca da necessidade de maiores cuidados em relação a seus filhos, mas acabaram por providenciar um trânsito, como afirma esta autora, em que a criança sai do anonimato e chega a um lugar de privilégios e destaque, assumindo hoje um papel de protagonista na família. Diante deste debate, constata-se a importância de perceber que estas interferências podem contribuir para a ideia, como supôs Priszkulnik (2002), de que o saber natural dos pais, ou seja, aquele que aprenderam com seus pais e que sustenta o modo particular de se posicionarem diante do filho, pode estar desqualificado em relação ao dos especialistas, já que estes anunciam abertamente que detêm o saber sobre as crianças, o que, desta forma, também retira dos pais a autoridade inerente sobre seus filhos.

Os fatores, descritos acima, contribuem para a construção do fenômeno da "fragilização das funções parentais" na contemporaneidade, definido nesta pesquisa como: pais que em suas funções assumem posicionamentos com pouca coerência e consistência diante do filho, por sentirem dúvida e insegurança frente ao que podem, devem ou não fazer em suas práticas educacionais.

 

OBJETIVOS

O objetivo desta pesquisa envolveu compreender a relação entre a fragilização das funções parentais e a presença de comportamentos frequentes de agressividade, teimosia e/ou agitação em crianças de dois a quatro anos de idade, num ambiente escolar.

 

MÉTODO

Utilizou-se o método de estudo de caso com posterior comparação entre grupos, numa abordagem qualitativa, tendo-se como referencial teórico para a análise dos dados, a psicanálise. O estudo de caso constitui uma investigação que prioriza a compreensão sistemática de um fenômeno complexo dentro de seu contexto (Yin, 2001). O foco foi na análise de cada família e na posterior comparação entre grupos de famílias, cujas crianças apresentavam comportamentos frequentes de agressividade, teimosia e/ou agitação (grupo A) com grupos de famílias cujas crianças não apresentavam estes comportamentos com frequência (grupo B), no ambiente escolar.

Participantes

Os participantes foram seis famílias (três em cada grupo) de classe média, nucleares e autossustentáveis, ou seja, famílias compostas por pai, mãe e filhos que habitavam uma mesma residência, e que não necessitavam de recursos financeiros exteriores para se sustentarem.

Para a definição de famílias pertencentes à classe média, tem-se em Bourdieu (1982) o seguinte assinalamento: a classe média se move numa trama que busca, a todo tempo, naturalizar suas formas de relação com o consumo de bens, tornando-o simbólico, transformando, se pautando e reproduzindo "valores", que garantem a estes agentes um tipo de relacionamento mais intenso com aspectos da vida cultural, condutas muito menos determinadas pela condição material e muito mais por uma posição definida dinamicamente.

O contato efetivamente se deu com os casais e seus filhos, únicos ou mais velhos, para delimitarmos a experiência inicial do casal enquanto pais. O critério de seleção dos pais estava atrelado ao dos filhos, que foram selecionados por pertencerem a um dos dois grupos de comportamento, num ambiente escolar, de classe média da população da cidade de São Paulo. Ainda era necessário que fosse o primeiro casamento do casal, para que outros fatores não interferissem na análise dos dados. A pesquisa envolveu também um contato com os professores destas crianças, por meio de uma entrevista.

No processo de seleção das crianças, cuidou-se para não inserir nesta pesquisa crianças classificadas como agitadas, que fossem assim diagnosticadas por médicos e que estivessem sendo medicadas, pois foi evitado questionar qualquer diagnóstico que pudesse interferir na análise dos dados.

Instrumentos

Para a entrevista com os pais (Anexo A) elaborou-se um roteiro composto por três partes. A primeira consistia em obter dados gerais: informações sobre a criança (nome, data de nascimento, tempo de escolaridade) e sobre os pais (nome, data de nascimento, grau de escolaridade, profissão, período em que trabalhava e tempo de relacionamento). A segunda parte foi baseada em teóricos, como Aberastury (1987) e Mannoni (1986), que visaram compreender a dinâmica familiar através de entrevistas semidirigidas com os pais, considerando a importância deste aspecto para o entendimento dos sintomas na criança. E a terceira parte preocupou-se em delimitar a dinâmica da parentalidade, fundamentada no "Parents' Ideas Questionnaire" (Palacios, 1990) e no "Questionário de Habilidades Educativas Parentais" (Silva, 2003), enquanto indicativos dos temas escolhidos para compor o roteiro de entrevista com os pais.

Também foi realizada uma Observação da interação das crianças na sala de aula com a professora, que será melhor descrita no Procedimento.

O roteiro elaborado para a entrevista com os professores (Anexo B) continha questões relacionadas ao modo como as crianças costumavam se comportar frente às atividades rotineiras do grupo, se relacionar com as outras crianças e com o professor em questão.

A observação da interação lúdica da criança com seus pais contou com a presença de materiais oferecidos pela pesquisadora: dois quebra-cabeças (um com 30 peças e outro com oito joguinhos de quebra-cabeças pequenos, de, no máximo, oito peças); uma família de bonecos de pano; peças de montar; animaizinhos pequenos e fantoches de dedo; além de peças de um jogo de cozinha. A escolha deste tipo de instrumento de investigação foi baseada no trabalho de Mello (1999), no qual a autora utilizou alguns brinquedos pouco estruturados que facilitassem a expressão indireta dos conteúdos internos da criança (sentimentos, desejos, conflitos, dificuldades), com menos angústia e ansiedade.

Procedimento

Na primeira etapa da pesquisa foram realizados contatos com diversas pré-escolas particulares, em bairros de classe média da cidade de São Paulo, Brasil, com o intuito de selecionar os participantes (crianças e pais). Embora a observação das crianças tenha se dado, efetivamente, em 14 delas, somente em quatro escolas foi possível finalizar todos os procedimentos deste estudo e são destas escolas os casos escolhidos.

Após apresentada a pesquisa à diretora ou coordenadora da escola, imediatamente estas tratavam de se posicionar sobre a existência de alunos que possuíam os comportamentos pesquisados em ambos os grupos, dentro da faixa etária de dois a quatro anos. Este dado inicial influenciava na escolha do grupo de crianças que a pesquisadora iria acompanhar nas observações, que ocorriam em cinco etapas, uma vez por semana, num período de uma hora.

Contudo, o discurso da diretora/coordenadora não era totalmente aceito, pois o objetivo era observar todas as crianças do grupo selecionado. Enfatiza-se assim que foram escolhidas crianças que não foram indicadas pelas coordenadoras/diretoras. A observação foi realizada sem privilegiar alguma atividade específica. Ao término de cada uma, a pesquisadora descrevia o que havia ocorrido no grupo em termos do comportamento e interação das crianças entre si, com a professora e elas em sua singularidade. Após este período, agendava-se uma entrevista com a professora. Nesta discutia-se o comportamento das crianças para verificar, se os dados das observações da pesquisadora encontravam correspondência com o que a professora pensava sobre seus alunos. Somente após todo esse procedimento de observação e comparação dos comportamentos observados com o relato das professoras, eram selecionadas as crianças que participariam do estudo nos dois grupos. Os pais que aceitassem participar foram convidados então para uma entrevista, com ambos presentes, e final-mente foi feita uma observação da interação lúdica entre pais e filhos.

O convite feito aos pais foi formalizado por meio de uma carta. Em sua maioria, estas entre-vistas foram realizadas na residência dos casais, no entanto, por interferência de algumas diretoras, que impunham algumas condições para a realização da pesquisa em sua escola, algumas delas foram realizadas na própria escola. Quando isso ocorria, perguntava-se aos pais, se a observação da interação lúdica poderia ocorrer na residência deles e todos aceitaram. Isto, porque se considerou de grande importância obter também, como material para análise, dados relativos à dinâmica das famílias no contexto do próprio âmbito doméstico, que foi obtido por intermédio das observações da interação lúdica.

O tempo de realização destas entrevistas podia variar, mas em média durou cerca de uma hora. As entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas. A observação da interação lúdica foi realizada num outro dia, na casa das famílias participantes e teve, em média, 45 minutos de duração. O material lúdico era oferecido à família e a instrução era de que brincassem juntos. Neste contexto foi observada a interação das crianças com os pais e entre os irmãos, quando havia. Todo o procedimento apresentado foi realizado com todas as famílias participantes e o encontro de interação lúdica era registrado após os términos dos mesmos por meio de anotações feitas pela pesquisadora.

Pais, reponsabilizando-se por seus filhos, e professores consentiram em participar da pesquisa, pela assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, aprovado pelo Comitê de Ética. Além disso, a diretoria de cada escola participante assinou um termo de concordância da realização da pesquisa e da permanência da pesquisadora nas dependências da escola.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O estudo de caso se deu pela análise de todo o material coletado em cada família em três categorias, definidas em função das referências bibliográficas (Cunha, 1997; Del Priori, 1992; Féres-Carneiro, 1998; Féres-Carneiro & Magalhães, 2005; Lebrun, 2004; Priszkulnik, 2002; Romanelli, 2000; Roudinesco, 2003; Solis-Ponton, 2004; Wagner, 2003). As categorias são: "História da Criança e Lugar que ocupa na Família", "Conjugalidade e Parentalidade", e "Funções Parentais na Contemporaneidade". Após este procedimento foi realizada a comparação entre os grupos em cada uma destas categorias. Nas Tabelas 1 e 2 foram reunidos os principais dados de cada uma das famílias (colhidos a partir dos instrumentos utilizados), para facilitar a compreensão da comparação entre grupos.

 

 

 

 

História da Criança e o Lugar que ocupa na Família

Os resultados, de maneira geral, apontaram para a existência de um lugar diferenciado para a criança na família contemporânea de maior liberdade, direitos e respeito por ela. Este fenômeno esteve presente e em destaque nos dois grupos de família. Tal como apontado por Del Priori (1992), Romanelli (2000) e Priszkulnik (2002), a criança se tornou ainda mais o centro das atenções e das preocupações dos adultos na contemporaneidade, como pode ser observado, por exemplo, no relato da mãe da família 3B: "Acho que hoje em dia os pais têm uma relação de carinho com as crianças, de proximidade maior... Não que os pais de antigamente não amassem... não é assim! Mas acho que a gente dá mais atenção... em alguns aspectos a gente está muito mais presente na vida deles".

Entretanto, é considerável o caráter mais acentuado com que os pais do grupo A encararam esta "liberdade" e/ou "respeito" pela criança. Mais do que isso, alguns destes pais tendem a depositar na criança algumas de suas tarefas enquanto pais, deixando-as "decidir" a seu critério o que é melhor para si. Ainda neste grupo, notou-se que os filhos parecem ter maior poder de decisão sobre o que querem e há uma ausência de critérios claros por parte dos pais sobre o que a criança pode ou não opinar. Como exemplo, tem-se o relato da mãe da família 2A, que pede à filha que vá dormir cedo, mas a mesma só dorme depois de assistir ao seu DVD: "ela quer assistir o DVD! Então ela quer assistir primeiro todo aquele DVD para depois ela dormir... Eu não consigo desligar a TV no meio do DVD que ela está assistindo para fazer ela dormir!".

Já no grupo B, o "olhar" do adulto sobre a criança parece conseguir discriminar a existência de diferenças profundas entre as capacidades do ser adulto e da criança. São pais que, de maneira geral, conseguem estabelecer regras e limites de um modo não rígido, com um grau de liberdade considerável, além de serem ponderados em termos do que consideram ser democrático ou hierárquico no relacionamento familiar. O pai da família 2B, diz, por exemplo, que "dependendo da importância do assunto, cabe ao mais velho decidir!", mas que as crianças podem dar suas opiniões.

 

CONJUGALIDADE E PARENTALIDADE

Nesta categoria constatou-se que no grupo B todos os casais possuíam relato referente à afetividade e/ou desejo de estarem juntos e, durante a entrevista, demonstraram ter maior qualidade de interação, transparecendo cooperação, cumplicidade e harmonia. Pode-se notar também a existência de um maior tempo de convivência do casal neste grupo, principalmente em relação ao período que antecedeu ao nascimento dos filhos (Tabelas 1 e 2).

A partir destes dados, da compreensão do estudo de cada uma das famílias e apoiados na literatura de casal e família (Féres-Carneiro, 1998, 2001; Féres-Carneiro & Magalhães, 2005), conjecturou-se que, quando um relacionamento se estrutura em função de afetividade ou amor, em que se detecta interesse e respeito recíprocos no casal, isto poderia ser concebido enquanto condição necessária, embora não suficiente, para que a construção da parentalidade esteja estruturada em bases sólidas, de tal modo que seja capaz de proporcionar aos pais coerência e consistência (definidos anteriormente) na tarefa de educar os filhos, já que suas práticas estão diretamente relacionadas com o grau de comunicação e trocas entre o casal, construídas no domínio da conjugalidade. De acordo com estes dados, o fator convivência do casal que antecede ao nascimento do filho poderia indicar que houve tempo suficiente para a estruturação de uma conjugalidade fortalecida, ou mesmo que não sentiram a necessidade da presença de um filho para preencher algum "vazio" do relacionamento, o que indicaria dificuldades na dinâmica conjugal.

Contudo, quando se inferiu que a qualidade da interação entre o casal conjugal é necessária, embora não suficiente, para que o casal parental se posicionasse com coerência e consistência diante dos filhos, este dado se referia ao que foi observado na família 2A, em que os cônjuges demonstravam ter respeito mútuo pelas ideias um do outro, mas concordavam inclusive com o fato de que não podiam se colocar firmemente diante da filha e de que ela não suportava ouvir um "não". Este pai dizia que simplesmente "não consegue impor" nada à filha, e a mãe complementava dizendo que realmente tudo devia ser negociado com ela. Portanto, nem sempre a cumplicidade, respeito e afetividade conjugal são garantias de coerência e consistência no posicionamento dos pais, embora também seja concebível, a partir da literatura apresentada, que sem estes fatores torna-se inviável exercer a função de modo adequado.

Nos relatos dos pais do grupo A, algo que mereceu atenção foi a considerável interferência do filho na dinâmica parental e conjugal, chegando a ocupar, em algumas famílias, o lugar do "parceiro" conjugal, como a mãe da família 2A, que disse que a filha é sua "companheirinha", porque passeia com ela, faz compras e conversa sobre suas questões. Pôde-se também verificar neste grupo sentimentos de culpa, dúvidas e insegurança proeminentes, intensos ou vividos com maior angústia. A mãe da família 1A diz, por exemplo, que se sentia culpada de deixar o filho na escola para ir trabalhar e que sentia que sempre que estava com ele procurava compensá-lo por isso. Em comparação, pôde-se notar que no grupo B, as mães não relatavam sentir a mesma culpa quanto a deixar os filhos na escola o dia todo: "Eu acho bom assim, porque se não trabalhasse, eu ia ficar meio maluca! Eu não seria mãe 24 horas! Então eu acho que tem um lado bom, porque daí enquanto eu trabalho, eu descanso! ... Eu acho uma parceria ótima!" (Mãe da família 1B).

Funções Parentais na Contemporaneidade

Na comparação entre os grupos ressalta-se a presença de um alto grau de consistência entre concepções e práticas educacionais nos casais do grupo B, em comparação com os do grupo A. No grupo B os discursos dos pais conferiam com o posicionamento diante do filho e, portanto, realmente serviam de norteadores para a prática educacional, o que proporcionava também um posicionamento seguro e isento de ambivalências.

No grupo A percebeu-se justamente o oposto: teorias educacionais que não condiziam com as práticas dos pais. As teorias não serviam de norteadores, porque os princípios e fundamentos da educação não estavam claros e isentos de dúvidas para os pais ou, porque simplesmente não podiam ser seguidos por eles. Nestes casos, uma das explicações possíveis é a de que as interferências provenientes dos "discursos especializados" associavam-se às dificuldades dos pais e serviam de suporte para a ausência de postura consistente, porque não suportavam ver o filho frustrado. Estes "discursos" eram, então, "comprados" somente quando não conseguiam impor um castigo e diziam que, atualmente, o comportamento de indisciplina das crianças deveria ser tratado por meio de diálogo, conforme tal revista ou profissional assinalou.

Ao serem questionados se achavam correto impor limites na educação de seu filho, o pai da família 1A, por exemplo, respondeu que acha que é complicado e a mãe complementa: "Não, eu acho que é sim, mas o problema é assim... eu tento impor limite, acho importante, ele também tenta, só que assim... às vezes a gente acaba voltando atrás destes limites! Por que..? Por uma série de situações, que a gente acaba vendo."

Desta forma, os resultados estão de acordo com os estudos de Silva (2000), que verificou que os pais de crianças, que apresentavam maior repertório socialmente adequado, e menores indicativos de problemas de comportamento, possuíam maior concordância quanto às práticas educativas. No grupo B, nota-se pais que transpareciam muita clareza e que compartilhavam de um conhecimento sobre seus próprios princípios e fundamentos educacionais de forma que, como resultado, a prática adquiria consistência e transmitia segurança e confiança à criança. Estes pais conseguiam valorizar a construção de pensamentos e valores conjuntos acerca do que podia ser o melhor para as crianças, independentemente do método em que seus pais se basearam e equidistante do que leram nos livros: "É aquilo que você vai conversando: 'olha, eu fiz isso e deu certo'... e o outro também ajuda..., e a gente vai conversando e vai se ajeitando... Um cobra o outro." (Mãe da família 1B). Consideraram os acertos e erros pessoais com seus filhos de grande importância, porque justamente compreenderam, que neste processo é mais válido entender as necessidades e capacidades do filho, do que impor regras sem sentido ou com rigidez.

Os pais do grupo A revelaram que o modo como eles procuraram educar os filhos não foi planejado: afirmaram que simplesmente não conseguiram educá-los de outra maneira. Como a mãe da família 2A, que dizia precisar colocar limites na filha, mas que com o tempo não conseguiram e acabaram desistindo. Neste grupo, portanto, a incorporação de novas teorias educacionais ocorreu sem critérios bem definidos e considerou-se que isto se articulava com as dificuldades de construção de concepções educativas concordantes entre o casal diante dos novos valores educacionais.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ainda que os pais participantes fizessem parte do mesmo ambiente sociocultural e estivessem expostos ao mesmo tipo de interferência contemporânea, alguns deles se mostraram perpassados por este tipo de influência e outros não. Portanto, compreende-se que a existência dos "discursos especializados" pode influenciar a dinâmica das famílias contemporâneas, mas não é fator que por si só irá interferir na construção do fenômeno da fragilização das funções parentais, porque, se os valores forem assimilados e articulados com coerência pelo casal, e não somente por um dos pais, o posicionamento consistente, seguro e não ambivalente prevalecerá e permanecerá.

Estes "discursos" podem realmente prejudicar a qualidade da interação com a criança, quando os pais não conseguem discernir e se colocar com critérios diante da interferência dos mesmos. Nesses casos, passam a assimilar esses novos conhecimentos de forma indiscriminada, tornando, muitas vezes, o exercício das funções parentais frágil, isto é, com pouca coerência e consistência. O posicionamento ambivalente destes pais surge como consequência da utilização destes novos conhecimentos sem critérios claros ou definidos, que passam a adotá-los da maneira que melhor lhes convier, valorizando uns em detrimento de outros, dependendo do momento e da circunstância.

Os valores educacionais contemporâneos parecem realmente ter sido incorporados pelos seguimentos médios urbanos da população brasileira. A criança já nasce em meio a um contexto sociocultural que lhe reserva um lugar de maior liberdade para exploração e conhecimento do mundo e do ambiente familiar. Parece que os pais do grupo B se apropriam disto de um modo adequado, ou seja, conseguem proporcionar uma educação que não é rígida, que dá maior espaço para a participação da criança na família, promovendo formas de relações mais compreensivas e próximas da criança, ao mesmo tempo em que compreendem que a criança em idade precoce precisa ser orientada e respeitada dentro de suas possibilidades e capacidades características.

Concluindo, os valores tradicionais que embasavam o processo educacional passaram a ser amplamente questionados e os modelos novos ainda não estão totalmente estabelecidos. Neste contexto atual, portanto, torna-se necessário que os pais construam uma teoria de apoio consistente para suas práticas, de um modo particular. Percebeu-se que conflitos ou dificuldades maiores podem aparecer neste processo, quando questões de ordem conjugal interferem nesta construção, pois tais questões perpassam a construção da parentalidade, impossibilitando um posicionamento parental consistente e coerente, necessário à educação de crianças em idade pré-escolar.

 

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Recebido em 7/05/13
Revisto em 23/06/14
Aceito em 25/06/14

 

 

* Endereço para correspondência: Av. Professor Mello Moraes, 1721. Bloco F. Cidade Universitária. CEP: 05508-900. São Paulo- SP, Brasil. E-mail: sandra.zanetti@gmail.com.
1 Dissertação de mestrado, defendida no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, apoio da FAPESP - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.

 

 

ANEXO A

ROTEIRO DE ENTREVISTAS SOBRE DINâMICAS E PAPÉIS PARENTAIS

Instruções

O roteiro é composto por questões que se referem à forma como os pais se relacionam com seu filho e entre si, enquanto pais. Caso os pais tenham mais de um filho (a), apenas será considerada a criança na faixa etária de 2 a 4 anos. O roteiro de entrevista está dividido em três partes: dados gerais sobre a criança e seus pais, informações sobre a dinâmica familiar e informações sobre a dinâmica parental. As questões serão feitas pela pesquisadora e os pais poderão responder livremente. A entrevista será gravada e os dados pessoais serão mantidos em sigilo. Antes de iniciar esta entrevista, será necessário que ambos os pais assinem o termo de consentimento.

Primeira Parte: Dados Gerais

I) Informações sobre a criança

Data de aplicação do questionário: 1) _____/____/_____ 2) _____/_____/_____.

1) Horário de início: ___________ 2) Horário de início: ___________

1) Horário de término: _________ 2) Horário de término: _________

Endereço: ________________________________________________________________

Nome dos pais: ____________________________________________________________

Nome da Criança: __________________________________________________________

Data de nascimento da Criança: ____/_____/_____.

Idade: ____ anos ____ meses.

Sexo:____________

Número total de crianças que vivem em casa: ___________________________________

Nome da Escola: ___________________________________________________________

II) Informações sobre os Pais

Idade do Pai: __________

Idade da Mãe: _________

Grau de Escolaridade do Pai:__________________________________________________

Profissão: ____________________________________________ Empregado? _________

Trabalha fora? ( ) sim ( ) não

Se sim: ( ) dia todo ( ) manhã ( ) tarde ( ) noite ( ) finais de semana

Grau de Escolaridade da Mãe: ________________________________________________

Profissão: ____________________________________________ Empregado? _________

Trabalha fora? ( ) sim ( ) não

Se sim: ( ) dia todo ( ) manhã ( ) tarde ( ) noite ( ) finais de semana

Estado civil: __________________Tempo de casados: _____________________________

Segunda Parte: A Dinâmica Familiar

1. História do casal:

a) Gostaria que me contassem a respeito da história de vocês, desde que se conheceram.

2. História de vida da criança (serão investigados aqui problemas orgânicos ou se a criança toma algum tipo de medicamento)

a) Vocês poderiam me contar um pouco da história do filho de vocês, desde o nascimento?

b) Ela toma algum tipo de medicamento?

3. O "lugar" que a criança ocupa na família.

a) Como consideram a relação que possuem com seu filho? E dele com vocês e com o meio familiar?

Terceira Parte: A Dinâmica dos Papéis Parentais

1. Informações sobre a autoavaliação do papel de pais que exercem:

a) Onde vocês se baseiam para educar seu (s) filho (s)?

b) O que acham que cabe aos pais na educação de um filho?

c) Possuem alguma autocrítica em relação à educação que dão?

d) Acham que possuem algum modelo de como deveriam ser?

e) Como comparam a educação que tiveram, com a que procuram passar para seu filho?

2. Informações em relação a forma de relacionar com o filho:

a) Vocês costumam conversar com seu filho (a)?

b) Acham que conseguem expressar o sentimento para a criança? De que forma?

c) Consideram que expressam opiniões à criança?

d) Costumam brincar com ele (a)?

3. Informações sobre a relação que estabelecem enquanto casal parental:

a) Como costumam dividir as tarefas domésticas? Vocês conversam sobre isso?

b) Percebem se há diferença no modo de cada um se relacionar com o (s) filho (s)?

c) Possuem diferentes concepções de como educar um filho? Como administram isso?

d) Conversam a respeito da educação do filho?

e) Sentem o apoio um do outro em relação à educação que dão?

4. Informações sobre a relação que estabelecem com o princípio de autoridade:

a) Vocês acham correto impor limites na educação dos filhos? Por que?

b) Acham que uma família deve ser democrática ou hierarquizada?

c) Como costumam agir, quando o filho demonstra sinal de agressividade, teimosia, birra e/ou manha?

d) Consideram o princípio de autoridade como algo importante para uma criança? Por que?

e) Acham que se baseiam neste princípio para educar o (s) filho (s)? Por que?

f) Acham que o que impõem como regra tem valor de lei para o filho?

g) Sentem dificuldade de impor regras e limites ao filho?

h) Como costumam agir para colocar limite no filho?

5. Informações sobre o sentimento que o posicionamento de pais proporciona:

a) Se, por acaso, sentem que a educação que dão não está dando conta, quando, por exemplo, o filho não atende as regras, como se sentem?

b) O que o filho (em questão) significa para vocês?

c) Dar limites, por de castigo, causa algum sentimento de culpa ou arrependimento? Por que?

d) Sentem dúvida ou insegurança, quando precisam colocar um limite, dar um castigo?

6. Informações sobre a relação que estabelecem com os paradigmas pós-modernos:

a) Acessam sites da Internet para obter informações a respeito da educação?

b) Costumam ler artigos de revistas sobre como educar os filhos?

c) Já assistiram algum programa de televisão sobre este tema?

d) Já procuraram conselhos de especialistas, ou de qualquer outra pessoa, sobre como educar os filhos? Por que? Como se sentiram?

e) Acham que a educação de antigamente era melhor ou pior? Por que?

f) Houve algum tipo de mudança que procuraram instaurar na educação do filho em relação à educação que tiveram? Qual? Por que?

g) Se ambos trabalham: Acham que isto pode atrapalhar na educação? Por que?

 

ANEXO B

ROTEIRO DE ENTREVISTA COM OS PROFESSORES

Instruções

Este roteiro é composto por questões que se referem à forma como as crianças se relacionam com os professores.

Caso o professor indique mais de uma criança para compor a pesquisa, esta entrevista será feita para cada criança.

As questões serão feitas pela pesquisadora e os professores poderão responder livremente. A entrevista será anotada e os dados pessoais serão mantidos em sigilo.

Antes de iniciar esta entrevista, será necessário que o professor assine o termo de consentimento.

Questões

1. Como você avalia a qualidade da interação desta criança com os colegas de sala de aula?

2. E com você? Ele (a) faz pedidos? Costuma ajudá-la?

3. Costuma brincar com os colegas?

4. Como costuma se comportar normalmente?

5. Quando fazem atividades conjuntas em grupos, consegue realizar a tarefa?

6. Quando precisa entrar em acordo com colegas ou negociar algo, como costuma reagir?

7. Quando algo o aborrece ou se sente frustrado, como costuma reagir?

8. Você percebe, se esta criança procura chamar atenção? Com que frequência faz isso?

9. Acha que tem dificuldades de lidar com as outras crianças?

10. Quando é necessário cumprir uma ordem ou regra, reage de que forma?

11. Quando sente necessidade de impor um limite, como costuma reagir?

12. Você sente que esta criança faz birras ou apresenta manha quando não quer fazer algo?

13. Percebe alguma forma de comportamento agressivo nele (a)?

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