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Boletim de Psicologia

versão impressa ISSN 0006-5943

Bol. psicol vol.64 no.140 São Paulo jun. 2014

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

Metamemória em idosos: comparação entre desempenhos reais e estimados

 

Metamemory in the elderly: comparison between actual and estimated performances

 

 

Patrícia Waltz ScheliniI,*; Francielle Barbosa PradoI; Alex Bacadini FrançaI; Evely BoruchovitchII

IUniversidade Federal de São Carlos - SP - Brasil
IIUniversidade Estadual de Campinas - Unicamp - SP - Brasil

 

 


RESUMO

O estudo visou identificar relações entre o desempenho estimado e o real desempenho de idosos em tarefas que avaliam o fator de memória operacional, bem como verificar a semelhança das crenças de pessoas próximas aos idosos quanto ao desempenho demonstrado por eles em tais tarefas. Foram utilizados os subtestes Aritmética, Dígitos e Sequências de Números e Letras do WAISIII, apresentados aos idosos junto com uma folha com questões sobre a sua percepção de acerto ou não dos itens. Os participantes estimaram seus resultados acima do que realmente obtiveram, em todos os subtestes. O subteste Sequência de Números e Letras foi o que apresentou maior disparidade e o Dígitos Ordem Direta, a menor. Todas as correlações entre os resultados brutos dos subtestes e os desempenhos estimados pelos idosos foram significativas e acima de 0,77. Foi obtida uma correlação significativa de 0,51 entre o real desempenho dos idosos na somatória de pontos dos subtestes Aritmética, Dígitos e Sequência de Números e Letras e a estimativa de desempenho das pessoas próximas aos idosos.

Palavras chave: Metamemória; envelhecimento; desempenho estimado.


ABSTRACT

The study aimed to identify relationships between the predicted performance and the actual performance of elderly people on tasks that assess working memory factor, as well as evaluating the similarity between their real performances with the beliefs of people close to the elderly concerning their performance on such tasks. The subtests Arithmetic, Digit Span and Sequence of Numbers and Letters from the WAISIII were used. Following each subtest was presented a sheet containing questions about the accuracy of the subtests applied. In all subtests elderly participants estimated results above what was actually obtained. The subtest Sequence of Numbers and Letters was the one that showed greater disparity, whereas the Digit Span subtest - Order Direct - was the lowest. All correlations between the raw scores of the subtests and performance estimated by the elderly were significant and above 0.77. It was obtained a significant correlation of 0.51 between the actual performance of the elderly in the total score of the subtests of Arithmetic, Digit Span and Sequence of Numbers and Letters and the performance estimated by the companions of them.

Key words: Metamemory; aging; estimated performance.


 

 

INTRODUÇÃO

Flavell (1976, 1979) foi o precursor ao citar a palavra metacognição e defini-la como o "conhecimento e cognição sobre o fenômeno cognitivo" (Flavell, 1979, p.906), referindo-se ao conhecimento que uma pessoa tem sobre os próprios processos e produtos cognitivos.

As investigações sobre a metacognição partiram de estudos sobre a memória, sendo que, ao relatar os fenômenos relacionados a tal capacidade cognitiva, Flavell e Wellman (1975) expõem quatro categorias que devem ser compreendidas. A primeira delas corresponde às operações e processos básicos da memória, que incluem os processos relativos a como os objetos são reconhecidos, e os de representação sem que o objeto esteja presente. A segunda diz respeito ao desenvolvimento cognitivo geral que um indivíduo atingiu em relação ao armazenamento, retenção e recuperação das informações. A terceira categoria assume uma variedade grande de comportamentos conscientes com fins estratégicos, que podem ser observados no dia a dia, como por exemplo, quando uma pessoa marca no calendário um lembrete de que deve fazer uma ligação no dia seguinte ou quando ensaia mentalmente um número de telefone até encontrar um papel ou agenda telefônica para anotá-lo. A quarta categoria envolve o conhecimento que se tem sobre a própria memória em relação ao armazenamento e recuperação das informações, que foi denominada de metamemória, sendo caracterizada pelo fato de abranger habilidades individuais como, por exemplo, saber que determinadas coisas são mais fáceis de serem lembradas do que outras.

O conceito de metamemória é definido por Flavell e Wellman (1975) como o conhecimento que as pessoas têm de sua própria memória e de tudo o que é relevante para a retenção, armazenamento e recuperação de informações. Os estudos sobre a metamemória forneceram os primeiros resultados no desenvolvimento de um caminho para estudar a metacognição (Weinert & Kluwe, 1987). Flavell e Wellman foram pioneiros ao conceberem o termo metamemória, conceitualizando e explanando sobre essa capacidade. Atualmente, o conceito engloba outros aspectos que complementam aqueles evidenciados inicialmente. Yassuda, Lasca e Neri (2005), por exemplo, apontam o monitoramento da memória, sentimentos, emoções e a autoeficácia como aspectos a serem ressaltados, quando se tenta compreender a metamemória. No que se refere à autoeficácia, Aramaki e Yassuda (2011) destacam que pode ser entendida como uma habilidade percebida para realizar as tarefas que envolvem a memória, bem como as expectativas que afetam o desempenho em tais tarefas. As variáveis associadas à metamemória influenciariam, de acordo com as duas autoras, o desempenho em tarefas cognitivas. A metamemória parece ser mais exata, quando a tarefa é bem definida, o material é considerado bastante fácil ou conhecido pela pessoa e a aprendizagem é intencional (Friedman, 2007).

No que se refere ao monitoramento metacognitivo, de forma geral e não apenas à metamemória, seu produto é chamado de julgamento (Efklides, 2006; Nelson & Narens, 1994; Son & Schwartz, 2002; Zampieri & Schelini, 2013). Os julgamentos podem ser emitidos pelos indivíduos em três momentos distintos: antes, durante ou após a realização de uma tarefa. Julgamentos feitos antes da realização das tarefas (prospectivos) correspondem às estimativas sobre essa realização. Durante a realização de uma tarefa, o indivíduo pode estimar, se seu desempenho é satisfatório e adequado para atingir os objetivos pretendidos. Os que são feitos após a conclusão da tarefa são chamados de julgamentos de confiança e são designados como retrospectivos. Eles são assim chamados por refletirem a estimativa do indivíduo sobre a probabilidade de acerto de uma tarefa já realizada, ou seja, a probabilidade de ter alcançado o objetivo da mesma (Huff & Nietfeld, 2009; Son & Schwartz, 2002; Zampieri & Schelini, 2013). Para que o julgamento feito pelo indivíduo seja útil na avaliação do funcionamento metacognitivo, é necessário compará-lo com o desempenho de fato apresentado pelo indivíduo (Pieschl, 2009).

Estudos apontam que, em geral, os julgamentos tendem a ser mais acurados quanto melhor for o desempenho dos indivíduos nas tarefas que monitoram (Son & Schwartz, 2002; Vadhan & Stan-der, 1993). Além disso, alguns aspectos da tarefa exercem influência sobre a qualidade do monitoramento metacognitivo (Maki & McGuire, 2002). As atividades cujo monitoramento metacognitivo é avaliado por meio dos julgamentos devem conter um conjunto de itens, e não um item único, para garantir a confiabilidade do monitoramento. Além disso, uma distribuição dos itens em relação ao grau de dificuldade parece adequada para se obter informações sobre o desempenho metacognitivo do indivíduo, minimizando o risco de realizar uma avaliação parcial ou incompleta. Estas características, em geral, são encontradas em medidas padronizadas para a avaliação da inteligência.

Aventa-se a hipótese de que a metamemória pode representar uma chave para compreender tanto as mudanças de idade observadas em situações laboratoriais, por meio da avaliação do desempenho em tarefas, quanto em situações cotidianas (Hertzog, Hultsch & Dixon, 1989). Muitos idosos são suscetíveis a modificações em suas capacidades mnemônicas e, apesar disso, alguns podem não estar cientes de tais mudanças ou apresentam crenças inadequadas sobre suas capacidades e um baixo controle do desempenho, limitando a utilização eficiente de estratégias de memorização (Buckley, 2008; Buckley, Norton, Deberard, Welsh-Bohmer & Tschanz et al., 2010).

Hertzog, Kidder, Powell-Moman e Dunloky (2002) e Hertzog, Sinclair e Dunloky (2010) enfatizam o grau em que os indivíduos podem avaliar com precisão o estado de suas competências cognitivas e se usam estas avaliações para direcionar a aprendizagem. Os autores também indicam que o monitoramento promove um feedback para o sistema de controle sobre o status do processamento dos resultados, permitindo a dinâmica da autorregulação e facilitando a aprendizagem. Neste senti-do, dificuldades no monitoramento cognitivo poderiam levar a níveis baixos de aprendizagem ou à realização mal sucedida de tarefas em idosos.

Connor, Dunlosky e Hertzog (1997) avaliaram, em três experimentos, a relação entre metamemória e envelhecimento por meio do grau em que participantes jovens e idosos prevêem a capacidade de se lembrar de itens recentemente estudados, partindo do pressuposto de que indivíduos com altos níveis de precisão nos julgamentos metacognitivos devem ser capazes de usar o monitoramento para controlar e regular as suas estratégias de aprendizagem e recuperar as informações da memória. Na realização dos três experimentos, os autores utilizaram dois tipos de preditores: os Global Predictors (Preditores Globais), em que a pessoa julga quantos itens de uma lista inteira ela irá se lembrar e os Judgments of Learning Itembyitem (JOLs - Julgamentos de Aprendizagem - Item por item), nos quais a pessoa prevê quantos itens, separadamente, ela se lembrará. Com os experimentos foram avaliados os efeitos do envelhecimento em relação à lembrança de itens por meio dos JOLs e dos Global Predictors. A acurácia metacognitiva foi analisada por meio de estudos correlacionais que demonstraram que os idosos monitoram a aprendizagem com eficácia, além de serem igualmente precisos, em relação aos jovens, nos JOLs.

Segundo West, Welch e Yassuda (2000), muitos pesquisadores reconhecem a importância das crenças sobre os déficits mnemônicos relacionados à idade. Para eles, as crenças negativas a respeito da memória, como baixa autoeficácia e sentimento de falta de controle, influenciam de algum modo o desempenho nas tarefas. Floyd e Scogim (1997) analisaram 27 estudos com participantes idosos, todos pautados em avaliações do funcionamento da memória subjetiva, e constataram que, participantes que recebiam um treino de memória combinado com uma modificação de expectativa (uma intervenção visando o desenvolvimento de crenças mais positivas acerca da memória), apresentavam uma memória subjetiva melhor. Isso mostra, pois, que a metamemória tende a afetar o desempenho em tarefas que avaliam capacidades mnemônicas. Um trabalho recente de Cosentino, Metcalfe, Holmes, Steffener e Stern (2011) demonstrou que indivíduos com doença de Alzheimer leve e que não sabem sobre sua perda de memória, obtêm pontuações mais baixas em testes de metamemória episódica do que aqueles que reconhecem sua perda de memória, sendo que os resultados do último grupo podem ser comparados aos de idosos saudáveis.

Uma pesquisa envolvendo 48 idosos buscou investigar a correlação existente entre autoestima, performance intelectual e de memória em idosos (Porto, Carvalho, Neves, Novo & Castelli, 2010). Na primeira etapa foi feito um levantamento de dados bio-sócio-demográficos dos participantes e avaliadas a autoestima, a memória e a inteligência, mais especificamente a fluida. Também foram verificadas as crenças que os idosos apresentavam acerca de sua memória. Os resultados indicaram que participantes com alto nível de autoestima e com relações amplas e positivas no contexto apresentaram melhores resultados em testes de memória e inteligência. Constatou-se também que os idosos tinham consciência de seus limites cognitivos, ou seja, as crenças acerca de seu desempenho mnemônico correspondem aos resultados obtidos nos testes. De acordo com Moraes (2000), parece perceptível que as crenças que os indivíduos têm acerca da própria memória podem afetar suas funções cognitivas, influenciando comportamentos cotidianos. As teorias implícitas, que são redes de conhecimento compartilhadas socialmente, também podem afetar a valorização e o tratamento do idoso na sociedade (Moraes, 2000). Bandura (1997) salienta que, além da avaliação do próprio desempenho na execução de uma tarefa, a persuasão verbal de outras pessoas pode afetar negativa ou positivamente a autoeficácia, ressaltando, assim, o papel do ambiente na percepção que a pessoa tem da sua capacidade de ter êxito.

Considerando a relevância e a influência da metamemória na execução de tarefas cognitivas, bem como a importância de aprofundar conhecimentos sobre esses processos, em população idosa, em nosso meio, o presente estudo visou investigar o monitoramento metacognitivo por meio da análise de relações entre o desempenho estimado (via julgamentos) e o real desempenho de idosos em tarefas que avaliam o fator de memória operacional de uma escala destinada à compreensão da inteligência. Também se pretende verificar a semelhança das crenças de pessoas próximas aos idosos ao desempenho demonstrado por eles (idosos) em tais tarefas.

 

MÉTODO

Participantes

A amostra foi constituída por 15 idosos e por uma pessoa próxima a cada um deles totalizando, assim, 30 participantes. Em relação à amostra de idosos, ela foi composta por 15 participantes de ambos os gêneros (10 mulheres e cinco homens), com idades entre 65 e 85 anos (média de 70,6 anos), sem sinais relatados de demência, residentes em dois municípios localizados no interior dos Estados de São Paulo e de Minas Gerais. A amostra de pessoas próximas também foi constituída por 15 participantes, de ambos os gêneros (12 mulheres e três homens), com média etária de 46,2 anos. Em relação à chamada "proximidade", esse termo foi escolhido por descrever as relações entre os participantes desta amostra junto aos participantes idosos, uma vez que eram pessoas que conviviam diariamente com eles. Dentre as pessoas "próximas", 10 eram seus filhos, quatro eram sobrinhos e um era neto.

Materiais

Os materiais utilizados junto aos idosos foram lápis, borracha, um questionário e três sub-testes da Escala de Inteligência Wechsler para Adultos - Terceira Edição - WAIS-III (Wechsler, 2004): Aritmética, Dígitos e Sequência de Números e Letras. Estes três subtestes compõem o fator de Memória Operacional do WAIS-III e serão descritos a seguir.

A Escala de Inteligência Wechsler para Adultos - Terceira Edição, WAIS-III é composta por 14 subtestes que envolvem capacidades distintas e que, em conjunto, refletem a capacidade intelectual global. Entretanto, para o presente estudo foram utilizados apenas três subtestes: Aritmética, Dígitos e Sequência de Números e Letras. O subteste Aritmética engloba uma série de problemas de aritmética que o examinando deve resolver mentalmente e responder oralmente. O subteste Dígitos é constituído de uma série de números que são apresentados oralmente e que o examinando deve repetir literalmente, na ordem direta e na ordem inversa, avaliando, assim, a memória de curto prazo e também a memória de trabalho, no caso da ordem inversa. O subteste Sequência de Números e Letras requer que o examinando repita sequências de números e letras com os números em ordem crescente e as letras em ordem alfabética, sendo destinado a um tipo específico de memória de curto prazo: a memória de trabalho.

Junto à apresentação de cada subteste era entregue ao idoso uma folha impressa que continha a pergunta "O Sr. (a) considera que acertou este item? ( ) SIM ( ) NÃO", impressa em número igual ao de itens que compõem cada subteste.

Em relação às pessoas próximas aos idosos foi apresentado um questionário que visava avaliar as crenças que elas apresentavam a respeito do desempenho dos idosos em tarefas com objetivos semelhantes aos dos subtestes do WAIS-III apresentados. Tal questionário foi composto por 12 questões que mencionavam situações do dia a dia, sendo quatro questões referentes ao subteste Aritmética, quatro relativas ao Dígitos e quatro associadas ao Sequência de Números e Letras. Após a leitura de cada questão, uma alternativa deveria ser escolhida pela pessoa próxima ao idoso. Alguns exemplos de questões são:

- Como você acredita que o idoso se desempenha ao lidar com pagamentos que envolvem troco? (Exemplo: calcular quanto deve receber de troco ao fazer uma compra.).

(A) Muito bem: ele não apresenta dificuldades em realizar esse tipo de cálculo.

(B) De modo razoável: chega a se confundir em alguns momentos, necessitando de auxílio algumas vezes.

(C) Mal: apresenta grandes dificuldades em fazer esse tipo de cálculo.

-Como você avalia a capacidade do idoso em memorizar, e recordar logo em seguida, sequências de números no dia-a-dia? (Exemplo: encontrar um número na lista telefônica e memorizá-lo até realizar a ligação.)

(A) Muito bem: ele não apresenta dificuldades em memorizar esse tipo de informação.

(B) De modo razoável: em alguns momentos chega a se confundir, necessitando, por exemplo, recorrer à lista novamente.

(C) Mal: apresenta grandes dificuldades, sendo improvável que consiga memorizar esse tipo de informação.

-Como você avalia a capacidade do idoso de memorizar o passo a passo necessário para o manuseio de novos equipamentos? (Exemplo: aprender a ligar e a desligar uma TV nova, um DVD, um microondas).

(A) Muito bem: ele não apresenta dificuldades em aprender o manueseio de novos equipamentos.

(B) De modo razoável: ele consegue realizar o passo a passo para manusear o equipamento, mas em alguns momentos se confunde ou pede por ajuda.

(C) Mal: apresenta grandes dificuldades, quase nunca se lembrando de como manusear o equipamento, ainda que isso tenha sido explicado imediatamente antes.

- Como você avalia a capacidade do idoso de reproduzir com suas próprias palavras trechos de leitura ou de um vídeo? (Exemplo: falar sobre uma notícia que leu em uma revista ou assitiu em um telejornal).

(A) Muito bem: ele não apresenta dificuldades em reproduzir com suas próprias palavras trechos do que leu ou ouviu, realizando essa tarefa de maneira clara.

(B) De modo razoável: ele apresenta algumas dificuldades em reproduzir trechos do que leu ou ouviu de forma clara, muitas vezes se confundindo ou fazendo isso de forma confusa.

(C) Mal: apresenta grandes dificuldades em realizar essa tarefa, sendo muitas vezes incapaz, inclusive, de se recordar do que acabara de ler ou ouvir.

Procedimento

Primeiramente foram aplicados nos idosos os três subtestes da Escala de Inteligência Wechsler para Adultos - Terceira Edição, WAIS-III (Wechsler, 2004), na seguinte ordem: Aritmética, Dígitos e Sequência de Números e Letras. Cada subteste foi apresentado separadamente e individualmente e junto à apresentação de cada um deles era entregue a folha impressa que continha a pergunta:

"O Sr. (a) considera que acertou este item? ( ) SIM ( ) NÃO".

Vale dizer que o examinador era quem lia e assinalava as respostas dos idosos em relação à estimativa sobre o acerto ou não de cada item. Quanto à pontuação do desempenho estimado pelos idosos, quando afirmaram ter acertado um item era atribuído um ponto e quando disseram não ter acertado, era anotado o valor zero.

Em relação às pessoas próximas aos idosos foi apresentado individualmente o questionário que visava avaliar as crenças que elas apresentavam a respeito do desempenho dos idosos em tarefas com objetivos semelhantes aos dos subtestes do WAIS-III. Quanto à pontuação deste questionário, quando as pessoas próximas aos idosos indicaram a alternativa "a" eram atribuídos 3 pontos, quando escolheram a alternativa "b" eram atribuídos 2 pontos e um ponto para a escolha da alternativa "c".

As atividades foram realizadas nas residências dos participantes (idosos e pessoas próximas), tendo sido escolhido um local adequado em termos de silêncio, ventilação e luminosidade. Primeiramente as atividades eram apresentadas aos idosos e, logo em seguida, os questionários eram aplicados às pessoas próximas a eles. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de São Carlos e apenas após os participantes assinarem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido a coleta de dados era iniciada.

Os dados foram analisados por meio dos procedimentos da estatística descritiva e inferencial. Foram calculadas as médias e os desvios padrão relativos ao desempenho real e estimado dos participantes nas tarefas realizadas, bem como estimada a correlação entre essas variáveis por meio do coeficiente de correlação de Spearman.

 

RESULTADOS

Na Tabela 1 são apresentadas inicialmente as médias e desvios padrão relativos ao desempenho (desempenho real) dos 15 idosos nos subtestes do WAIS-III e ao desempenho estimado por eles em cada item dos mesmos subtestes

 

 

Como é possível notar na Tabela 1, no subteste Aritmética, a média dos resultados brutos (desempenho real - DR) dos 15 participantes foi de 11,33 e a média do desempenho estimado (DE) foi de 13,53. No subteste Dígitos Ordem Direta, a média dos resultados brutos, por sua vez, foi de 8,13, enquanto a do DE foi de 8,8. No subteste Dígitos Ordem Inversa, a média do escore bruto correspondeu a 5 pontos, ao passo que os idosos participantes estimaram em média 5,8 acertos para seus desempenhos. No subteste Sequência de Números e Letras, por sua vez, a média do resultado bruto foi de 6,73, enquanto os DE corresponderam a uma média de 8 pontos.

Assim, pode-se observar que em todos os subtestes os idosos participantes estimaram seus resultados acima do que realmente obtiveram, sendo o subteste Sequência de Números e Letras aquele que apresentou maior disparidade, ao passo que o subteste Dígitos Ordem Direta apresentou a menor.

Como forma de verificar a relação entre os desempenhos reais obtidos pelos 15 idosos nos subtestes (resultados brutos) e os desempenhos estimados por eles, foram calculadas as correlações de Spearman, que são apresentadas na Tabela 2.

 

 

Na Tabela 2, pode-se observar que todas as correlações foram positivas e significativas (p<0,01), com uma correlação positiva e significativa de 0,77 entre o desempenho dos idosos no subteste Aritmética do WAIS-III e o resultado que eles julgaram ter obtido neste subteste. Para Dígitos Ordem Direta e também para a Ordem Inversa as correlações obtidas foram de 0,78. No que se refere ao Sequência de Números e Letras a correlação foi de 0,89.

Foi encontrada uma correlação positiva e significativa de 0,51 entre o real desempenho dos idosos na somatória de pontos dos subtestes Aritmética, Dígitos e Sequência de Números e Letras do WAIS-III e a estimativa de desempenho dos acompanhantes desses idosos em relação a atividades do dia a dia próximas aos objetivos de avaliação de tais subtestes.

 

DISCUSSÃO

O presente trabalho objetivou identificar relações entre o desempenho estimado e o real desempenho de idosos em tarefas que avaliam o fator de memória operacional da Escala de Inteligência Wechsler para Adultos III (WAIS-III), bem como verificar a semelhança das crenças de pessoas próximas aos idosos com o desempenho demonstrado por eles (idosos) em tarefas que, descritas em um questionário, procuraram atender a objetivos semelhantes aos subtestes do WAIS-III relativos ao fator mencionado (memória operacional).

Quando comparadas as médias de pontuação obtidas pelos idosos nos subtestes do WAIS-III aplicados (Aritmética, Dígitos e Sequência de Números e Letras) à estimativa que forneceram sobre os próprios desempenhos, foi constatado que em todos os subtestes os idosos estimaram seus resultados acima daqueles que realmente obtiveram. Porém, quando os resultados obtidos (desempenho real nos subtestes) foram correlacionados aos resultados estimados foram observadas correlações positivas, fortes (superiores a 0,77) e significativas em todos os subtestes. Assim, em todos os sub-testes aplicados, o desempenho real dos idosos apresentou uma forte correspondência com o desempenho estimado por eles, indicando que seus julgamentos sobre o acerto ou erro do conjunto de itens tenderam a ser precisos. Esse resultado corresponde a uma das conclusões do estudo de Porto, Carvalho, Neves, Novo e Castelli (2010) de que as crenças dos 48 idosos pesquisados acerca de seus desempenhos mnemônicos corresponderam aos resultados obtidos nos testes.

Vale destacar que a maior correlação entre o desempenho dos idosos e o seu julgamento sobre esse desempenho se deu no subteste Sequência de Números e Letras e a menor correlação no subteste Aritmética. O conteúdo das tarefas talvez possa explicar a maior e a menor correlação. No subteste Aritmética, a memória é relevante porque os números contidos nos problemas (itens), quando corretamente e rapidamente evocados, ajudam a garantir a boa qualidade de execução. Porém, este subteste não envolve apenas o uso da memória, mas também da capacidade de conhecimento ou raciocínio quantitativo (McGrew & Flanagan, 1998; Woodcock, 1998). O subteste Sequência de Número e Letras, por outro lado, avalia basicamente um tipo específico de memória de curto prazo: a memória de trabalho. Apesar de ambas as correlações terem sido fortes e significativas, é possível que a maior correlação no Sequência de Número e Letras seja justificada pelo fato de seus itens exigirem o uso de uma capacidade específica e não de duas, como o Aritmética, o que poderia facilitar uma maior precisão no julgamento do desempenho. A familiaridade com a tarefa é uma das variáveis apontadas como facilitadora da emissão de julgamentos acurados (Maki & McGuire, 2002). Diante disso, pode-se supor que as tarefas compreendidas pelo subteste Aritmética não representam tamanha familiaridade, uma vez que os itens se assemelham muito aos exercícios escolares, tanto na sua forma de apresentação - os itens do subteste são redigidos na forma de problemas - quanto na sua resolução.

Foi obtida uma correlação positiva, moderada e significativa entre o real desempenho dos idosos na somatória de pontos dos subtestes Aritmética, Dígitos e Sequência de Números e Letras e a estimativa de desempenho das pessoas próximas aos idosos em relação às atividades do dia a dia próximas aos objetivos de avaliação dos subtestes. Era esperado que esta correlação não fosse tão forte quanto às obtidas entre o desempenho real e o desempenho estimado pelos idosos nos três subtestes do WAIS-III, sobretudo porque as pessoas próximas aos idosos estimaram o desempenho deles (idosos) por meio de um questionário que não reproduzia as tarefas contidas nos subtestes. Mesmo com uma divergência entre o que foi exigido dos idosos e as questões voltadas ao dia a dia deles, que tentaram representar os objetivos dos subtestes, a correlação foi moderada e significativa. Esse foi um dado interessante e promissor, pois revela que as pessoas próximas dos idosos parecem estar conseguindo ter uma percepção realista das suas capacidades e limitações, já que, a partir do delineamento proposto no presente estudo, tenderam a estimar adequadamente o desempenho deles. A relação que existe entre uma pessoa próxima ao idoso em um momento específico pode ser entendida como resultado de um processo no qual cada participante afeta e é afetado pelo outro (Gayle & Preiss, 2002). Caso os idosos tenham suas capacidades cognitivas subestimadas por outros significativos, a repercussão em relação ao estímulo no uso das mesmas poderia ser negativa, de modo que quanto mais acurada a percepção daquilo que o idoso é capaz de fazer, possivelmente maior o aproveitamento das habilidades cognitivas do idoso.

 

CONCLUSÕES

Este estudo pode contribuir para o entendimento da metamemória de idosos, em nosso meio, bem como para a compreensão de que pessoas que convivam de forma próxima a eles tendem a atuar como boas indicadoras da facilidade ou dificuldade com que realizarão tarefas cognitivas. No entanto, a quantidade de participantes foi muito pequena, dificultando generalizações. Ao lado isso, seria importante dividir os idosos em faixas etárias, com diferenças de cinco anos de intervalo, de modo a tentar compreender se, de fato, com o passar dos anos, ocorre um declínio na precisão dos julgamentos sobre o desempenho.

Outra limitação evidente recai sobre o material (questionário) que, aplicado às pessoas próximas aos idosos, objetivou gerar estimativas sobre o desempenho deles (idosos). Como dito anterior-mente, o questionário foi um instrumento formulado para possibilitar estimativas sobre o desempenho em tarefas do dia a dia que se assemelhassem ou envolvessem os objetivos dos três subtestes do WAIS-III associados ao fator de memória operacional. A discrepância entre o que era solicitado no questionário e os itens do WAIS-III pode ter interferido na interpretação da correlação (moderada e significativa) obtida.

Tendo em vista a relevância do tema e os dados positivos encontrados no presente estudo, espera-se contribuir para que novas investigações sejam conduzidas em amostras maiores e mais representativas e que se preocupem também em examinar tendências desenvolvimentais na precisão de julgamento de idosos. Certamente, esforços nessa direção serão valiosos para a melhoria da qualidade de vida do idoso no nosso país.

 

REFERÊNCIAS

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Recebido em 19/11/13
Revisto em 28/06/14
Aceito em 30/06/14

 

 

* Endereço para correspondência: Patrícia W. Schelini. Av. Diogo Álvares, 1876, Parque São Quirino. Campinas - SP. CEP: 13088221, Telefone: (19) 3256-1028; e-mail: patriciaws01@gmail.com

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