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Boletim de Psicologia

versão impressa ISSN 0006-5943

Bol. psicol vol.65 no.142 São Paulo jan. 2015

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

 

Adolescência, drogas e religiosidade no município de São Paulo - Brasil

 

Adolescence, drugs and religiosity in the municipality of Sao Paulo - Brazil

 

 

Miria Benincasa GomesI,*; Manuel Morgado RezendeI; Eda Marconi CustódioII,*; Maria Geralda Viana HelenoI; Antonio de Pádua SerafimI; Vinícius Frayze DavidIII

IUniversidade Metodista de São Paulo - SP - Brasil
IIUniversidade Metodista de São Paulo e Universidade de São Paulo - SP - Brasil
IIIUniversidade de São Paulo - SP - Brasil

 

 


RESUMO

O objetivo deste estudo foi avaliar o uso de drogas em uma amostra representativa de 2.434 estudantes do Município de São Paulo, relacionando o consumo às religiões mais praticadas. Para isso aplicou-se o "Questionário sobre uso de drogas" para avaliar o consumo dessas substâncias. Os resultados revelaram que a maior parte da amostra é católica; os estudantes que menos consumiram drogas se intitulam protestantes. Os que se classificam como não tendo religião estão entre os que mais consomem drogas nesta amostra. Aqueles que se denominam praticantes, seja qual for a religião, tenderam a apresentar menor consumo de drogas.

Palavras-chave: Drogas, religião, adolescência, uso de drogas.


ABSTRACT

The Aim of this study was to evaluate drug use amongst a representative sample of 2,434 students in the municipality of Sao Paulo, linking consumption to the most practiced religions. For this, the "Survey on Drug Use" was implemented to assess the consumption of these substances. The results were: the majority of the sample is Catholic; students who consumed fewer drugs identify themselves Protestant; those who classify themselves as having no religion are amongst those who consumed most drugs in this sample; Those who call themselves practicing, whatever religion it may be, tended to exhibit lower drug use.

Key words: Drugs, religion, adolescence, drugs usage.


 

 

 

Várias pesquisas nacionais e estrangeiras têm avaliado a relação entre fatores psicológicos, sociais e culturais e o uso de drogas por adolescentes (Sanchez & Nappo, 2008; Sengik & Scortegana, 2008). Estes estudos revelam, por exemplo, que variáveis específicas como gênero, idade, prática de esportes, trabalho, estrutura familiar e pratica religiosa estão relacionados a um maior ou menor uso de drogas por estudantes nos mais diversos contextos, assim como a uma maior ou menor qualidade de vida (Sanchez & Nappo, 2008; Sengik & Scortegana, 2008).

Panzini, Rocha, Bandeira e Fleck (2007) relatam que, apesar da falta de um consenso sobre os conceitos, a literatura científica internacional e nacional tem mostrado a existência de relação entre espiritualidade ou religiosidade e qualidade de vida. Vários pesquisadores vêm demonstrando o quanto à prática de uma religião interfere positivamente na vida das pessoas e, inclusive, previne algumas doenças. Contudo, será que a religião é também fator de proteção para o uso de drogas? Apesar de haver no senso comum a ideia de que a religião afasta o jovem das drogas (Brasil, 2004; Jill, Ram & Richard, 2007; Michalak, Trocki & Bond, 2007; Kulis, Hodge, Ayers, Brown & Marsiglia, 2012), as pesquisas vêm mostrando divergências a esse respeito, indicando que novos estudos devem ser feitos.

Dalgalarrondo, Soldera, Correa Filho e Silva (2004) apontam que, de maneira geral, muitas são as variáveis relacionadas à religião estudadas em pesquisas sobre o uso de álcool e de drogas entre adolescentes. Sanchez e Nappo (2008) acrescentam que, em seus estudos, os resultados mostram que quanto mais religioso o subgrupo de estudantes menor a frequência de uso pesado de droga. Além disso, ter tido uma educação religiosa na infância foi a resposta que mais frequentemente relacionou-se a um menor uso no mês, ou ao uso pesado das mais diferentes drogas (Dalgalarrondo et al., 2004; Edlung, et al., 2010).

Sanchez (2006) identificou que a religião não promove apenas a abstinência do uso de substâncias psicoativas, mas, particularmente, oferece recursos sociais de reorganização: nova rede social de amizades, ocupação do tempo, prática de trabalhos voluntários, valorização das potencialidades individuais, coesão do grupo, apoio incondicional dos líderes religiosos e, em especial entre evangélicos, a formação de uma "nova família". O autor acrescenta, ainda, que é inegável o papel positivo da fé desenvolvida através da religião no tratamento de drogas, porém não afirma que esse papel tem a mesma intensidade na inibição do consumo experimental.

Continuando a investigação sobre as religiões e sua influência preventiva ao uso de drogas, Dalgalarrondo et al., (2005) afirmam que o conjunto de normas e valores dos meios social, cultural e religioso de jovens protestantes tem um efeito inibidor sobre o uso de álcool e outras drogas. Também chama a atenção para a menor frequência de casos psiquiátricos entre eles. É possível justificar este resultado através das características comuns a estas famílias de religiosidade marcante, ou seja, normas de conduta e estrutura de valores e comportamentos suficientemente claros para que possam ser seguidas. Em relação aos espíritas, a interpretação é um tanto mais difícil. Um estudo realizado pelos autores, com 101 jovens espíritas de classe socioeconômica notadamente maior que a média, com predomínio moderado de mulheres, revelou maior uso de álcool, tabaco e drogas ilícitas e uma pontuação mais alta na escala de sintomas psicopatológicos. No estudo houve tendência a afirmar menor apoio familiar. Estes dados, segundo os próprios autores, afastam a possibilidade de explicar os resultados como decorrentes apenas de fatores socioeconômicos e de gênero. Acreditam ser lícito supor que algo no universo cultural desses jovens, como por exemplo, a religião, pode estar relacionada a esses achados. O melhor desempenho escolar, por exemplo, dos jovens espíritas provavelmente relaciona-se a serem oriundos de famílias com maior escolaridade e classes socioeconômicas mais altas.

Sanchez e Nappo (2008) também verificaram a importância da dimensão religiosa em seus estudos. Os resultados revelaram um menor uso de drogas por aqueles que tiveram uma educação religiosa na infância. Os autores confirmam também neste estudo a relação de códigos morais implícitos nas religiões ao baixo consumo da maioria das drogas.

Soldera (2001) aponta que o consumo de quem teve pouca educação religiosa na infância supera em 1,7 vezes o dos que tiveram muita educação religiosa. Pires (2002) verificou que entre os que não consomem drogas, mais de 90% da população revelou ter recebido orientação religiosa e, neste estudo, a religião católica foi a mais professada tanto na amostra total como nas escolas separadamente, seguida pela evangélica, principalmente na escola pública. Sanchez e Nappo (2008) também verificaram que a participação em atividades religiosas está relacionada a um menor uso de álcool e drogas. Dessa forma, é legítimo supor que tal resultado se justifique, não pela ocupação de tempo que tais atividades demandam, mas pelo código moral subjacente a grupos religiosos.

Estudos envolvendo uso drogas e religiosidade entre adolescentes não são raros em bibliografias tanto brasileiras quanto internacionais. Os resultados, porém, são controversos em muitos aspectos. O objetivo do presente estudo foi verificar o uso ou não de drogas e sua relação com a prática das religiões mais frequentes entre adolescentes do Município de São Paulo.

 

MÉTODO

Foram selecionados 2434 estudantes em 22 escolas (públicas e privadas) sorteadas no Município de São Paulo. Em cada escola foram sorteadas três salas, uma de cada ano do ensino médio. Foi realizado um encontro com cada sala para a coleta deste material.

Os instrumentos utilizados foram um questionário de identificação e o questionário sobre uso de drogas. No primeiro foram solicitados os seguintes dados: nome, idade, sexo, série, duas questões propostas pela Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP, 2007) para classificação econômica no Brasil e informações gerais de saúde. O segundo foi proposto pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e desenvolvido pela World Health Organization (WHO) - Research and Reporting Project on the Epidemiology of Drug Dependence, adaptado, no Brasil por Carlini-Cotrim, Carlini, Silva-Filho e Barbosa (1989), que não contém questões sobre religião e sua prática.

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (protocolo no 1807/CEPH-IP/23/04/07) e os estudantes, bem como um responsável, assinaram termo de consentimento livre e esclarecido.

Os resultados apresentados nas tabelas estão na forma de porcentagem de usuários nas orientações religiosas, acompanhadas de seu intervalo de confiança. Optou-se por essa apresentação de dados para facilitar a discussão com autores nacionais e internacionais, que usualmente apresentam seus resultados dessa forma. Para realizar as comparações entre as diferentes religiões, foi utilizado um modelo linear geral com distribuição binomial e função de ligação logito, tendo como referência o uso de cada uma das drogas em suas diferentes utilizações (na vida, no mês e uso pesado). O teste usa uma distribuição qui quadrado de Wald e, nestas análises, com quatro graus de liberdade. Além da religião, foram incluídos no modelo as variáveis: idade, classe socioeconômica e sexo. Como seus efeitos foram incluídos apenas para controle, os resultados dessas variáveis não serão apresentados neste trabalho. Quando observado um efeito da religião para as diferentes variáveis de interesse, foram realizados testes de comparação aos pares. Como o interesse primário era o efeito de ter uma religião para minimizar os riscos de erro tipo II, primeiro foram comparados os não religiosos com os demais grupos e, em seguida, as diferentes religiões entre si. Foi adotado o nível de significância de 5% para todas as comparações e, para as comparações dos múltiplos grupos, foi realizada a correção sequencial de Sidak. Todos os testes foram conduzidos no SPSS v20.0 versão para Windows.

 

RESULTADOS

Na caracterização da amostra geral de adolescentes observou-se maior freqüência de idades foi entre 15 e 18 anos, conforme esperado para este nível de escolaridade. A distribuição entre gêneros e séries foi equivalente. A classificação socioeconômica da amostra, no entanto, não coincide com as condições, nem do país, nem da cidade. No Brasil, a maior concentração de pessoas está nas classes D (25,4%), C2 (21,8%), C1 (20,7%) e B2 (15,7%), respectivamente. Em São Paulo a distribuição das classes são melhores que no Brasil, C1 (22,4%), C2 (21,5%), D (20,7%) e B2 (19%) (ABEP, 22000077)). No preesente estudo observou-se que a amostra é privilegiada por ser uma população que teve oportunidade de chegar ao ensino médio dentro da faixa etária adequada. Pelas pesquisas no Brasil (Brasil, 2004; Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE], 1999) (Tabela 1), sabe-se que é grande o número de adolescentes que abandonam os estudos por vários motivos como, por exemplo, para trabalhar e ajudar a família; por se envolver com drogas e/ou delitos, engravidar precocemente, entre outros.

Serão apresentadas, a seguir, as tabelas relacionando o uso de drogas por religião. Este consumo será discutido a partir de cada freqüência de uso: "uso na vida", "uso no mês" e "uso pesado. A linha "outras" refere-se aos que relataram praticar religiões que foram pouco frequentes, como Judeus, Muçulmanos, Wicca, Xamanismo, Budistas, Espiritualistas sem religião, crentes em Deus, Rosa Cruz, Seicho no Ie, Hare Krishna, Messiânica, etc. As religiões mais frequentes entre os estudantes foram: católica (1009 = 41,4%); sem religião (673 = 27,6%); evangélicos / protestantes (408 = 16,8%) e; espíritas (100 = 4,1%).

Observou-se diferença no número de estudantes de cada religião entre as freqüências de uso. Isso se deve ao fato de alguns estudantes não responderem a todas as questões. Essa variação, contudo, foi relativamente pequena, de forma que não deve ter interferido nos dados. As respostas apresentadas a seguir, referem-se, exclusivamente, à realidade dos que relataram cada freqüência de uso e, não, necessariamente, de todos os adolescentes. Na apresentação dos resultados foi usada a frequência de consumo de todas as drogas, em cada religião. Essa análise foi feita considerando-se estudos com essa característica, fornecendo parâmetros para discussão com os respectivos autores.

Os resultados referentes ao "uso na vida" de cada uma das sete drogas abordadas por este estudo (álcool, tabaco, maconha e cocaína), e relacionando-as com as religiões mais frequentes entre os estudantes da amostra são apresentados na Tabela 2. Embora inicialmente tenham sido pesquisadas sete drogas, a partir do tratamento estatístico foi decidido ficar com apenas quatro.

Conforme pode ser observado na Tabela 2, o álcool foi a droga com maior frequência de uso na vida entre os participantes. No total da amostra, independentemente da religião, 84% (IC: 80-86%) experimentaram em algum momento. O tabaco foi utilizado por 37% (IC: 34-41%) dos participantes, a maconha por 9% (IC: 7-12%) e a cocaína por 2% (IC: 1-3%). Quando os usos na vida de cada uma das drogas são comparados, foi possível verificar que houve diferença nas frequências de uso de acordo com a religião entre todas elas: álcool (λ2(4)=98,206 e p<001), tabaco ((λ2(4)=28,536 e p<001), maconha (λ2(4)=41,775 e p<001) e cocaína (λ2(4)=18,607 e p<001).

Nas comparações entre pares de religião, foi verificado que os evangélicos/protestantes e participantes da categoria "outras religiões" fizeram menor uso de álcool do que os não religiosos, católicos e espíritas (p<0,035 após as correções em todas as comparações). Não foram observadas diferenças significativas entre os não religiosos, católicos ou espíritas com relação ao uso de álcool na vida. Assim, é possível afirmar que o uso de álcool foi semelhante entre os grupos não religiosos, espíritas e católicos, que fizeram uso maior do que os grupos evangélico/protestantes e de outras religiões, que aparentaram semelhantes entre si.

Com relação ao tabaco, foi verificado que os protestantes fizeram menor uso do que os não religiosos (p<0,001), espíritas (p<0,001) e católicos (p=0,033). Os católicos fizeram menor uso do que os espíritas (p<0,001) e ficaram marginalmente abaixo dos não religiosos (p=0,062). Os não religiosos ficaram também marginalmente abaixo dos espíritas (p=0,062) e os participantes de "outras religiões" diferenciaram-se apenas por fazer menor uso de tabaco na vida do que os espíritas (p=0,001). Desta maneira, verifica-se que o maior uso do tabaco na vida se deu nos espíritas, seguidos dos não religiosos, católicos e protestantes/evangélicos. Os participantes de "outras religiões", apesar de apresentarem uma frequência de uso baixa, não se diferenciaram de algumas religiões possivelmente por ser um grupo menor, gerando um intervalo de confiança mais amplo.

Com relação ao uso de maconha, foi verificado que os evangélicos fizeram menos uso do que os não religiosos e também que os espíritas e católicos (p<0,01 em todas as comparações). Os cató- licos fizeram menor uso do que os não religiosos (p<0,001), mas não se diferenciaram dos espíritas (p=0,110) e os espíritas se diferenciaram apenas por fazer um uso maior que o dos protestantes (p<0,01). Os participantes de outras religiões não se diferenciaram dos demais, mais uma vez, provavelmente por ser um grupo menor. A mesma razão pode ter sido responsável pelos espíritas não terem se diferenciado dos católicos.

Finalmente, com relação ao uso de cocaína na vida, foi possível verificar uma diferença apenas no uso maior entre os não religiosos em relação aos evangélicos (p=0,007) e católicos (p=0,021). Não foram observadas diferenças significativas nas demais comparações. Vale lembrar que o baixo uso de cocaína na vida pelos participantes dificulta a identificação das diferenças pelo modelo esta- tístico utilizado.

No tocante ao uso na vida das drogas levantadas, a religião foi um fator diferenciador em todas elas. Os não religiosos se distinguem por terem feito maior uso do que os evangélicos/protestantes em todas as drogas e uso maior do que os católicos em três delas, excetuando apenas o álcool. Entre os religiosos, os espíritas têm uma tendência a fazer uso de drogas parecido com o de não religiosos, chegando a fazer uso maior do que estes de tabaco; no entanto, talvez por serem um grupo menor na amostra, acabam se confundindo com outras religiões em algumas das comparações após a correção para comparações múltiplas. O grupo "outras religiões", também pequeno, tem um comportamento menos definido, diferenciando-se dos demais apenas em algumas comparações. A maconha parece ter sido a droga com maior diferença relativa entre as religiões, quando considerado o uso na vida. Os evangélicos/protestantes da amostra fizeram uso cerca de três vezes menor do que o encontrado no geral e, não religiosos e espíritas, quase duas vezes maior.

As comparações múltiplas dos participantes das diferentes religiões indicaram diferenças entre todos os grupos para uso de álcool no mês após as correções dos níveis de significância (o maior valor p foi de 0,044 para a comparação entre espíritas e não religiosos e o menor foi abaixo de 0,001, quando comparados espíritas e evangélicos). Conforme pode ser percebido na Tabela 3, avaliadas as diferenças estimadas e os intervalos de confiança, o maior uso de álcool no mês foi entre os espíritas, seguidos dos não religiosos, depois católicos, membros de outras religiões e, por fim, os evangélicos/ protestantes. Os evangélicos/protestantes são também os únicos em que todo o intervalo de confiança estimado indica um uso de álcool no mês por menos da metade dos indivíduos.

Com relação ao tabaco no último mês, foi verificado que os evangélicos/protestantes usaram menos do que os não religiosos (p<0,001), espíritas (p<0,004) e católicos (p=0,005) e, os católicos usaram menos do que os não religiosos (p<0,010). Apesar da alta frequência de uso entre espíritas, não foi possível verificar diferenças entre este grupo em relação aos demais, a não ser evangélicos/ protestantes; mais uma vez provavelmente pelo menor número de indivíduos neste grupo. O grupo pertencente a outras religiões também não mostrou diferença em relação a nenhum outro. Dessa maneira, observa-se que o uso do tabaco no mês foi menor entre os evangélicos/protestante, dos quais só não foi possível diferenciar os membros de outras religiões. Os católicos vêm em seguida e depois os não religiosos. Embora não tenha sido possível diferenciar os espíritas destes dois últimos grupos, é razoável imaginar pelos intervalos de confiança, que uma amostra maior se comportaria de forma mais parecida com os não religiosos do que com os católicos, embora não se possa afirmar isso com segurança a partir deste estudo. Quanto aos membros de outras religiões, grupo menor e mais heterogêneo, não foi possível diferenciá-los dos demais.

Com relação ao uso de maconha, observa-se que o uso mais frequente no mês foi entre os não religiosos (6% dos participantes) e foi possível constatar diferenças destes em relação aos 2% de evangélicos/protestantes (p=0,001) e 3% dos católicos (p=0,009). Os participantes das demais religiões não diferiram dos demais. Dessa maneira, foram observadas tendências do uso menor de acordo com a religião, sendo que os não religiosos tiveram um uso um pouco superior, ainda que os espíritas e os participantes de outras religiões não tenham se diferenciado.

Quanto ao uso pesado das drogas (Tabela 4), o álcool foi mais uma vez a droga com maior frequência de uso entre os participantes. Na amostra geral, independentemente da religião, 19% (IC: 16-22%) fazem uso pesado desta substância. O tabaco foi utilizado de forma pesada por apenas 2% (IC: 1-3%) dos participantes e a maconha por 2% (IC: 1-3%). Em função da baixa freqüência de usuários pesados de cocaína não foi possível fazer uma estimativa de uso pelo modelo utilizado, mas foi identificado um total de aproximadamente 0,2% da amostra utilizando essa substância de forma pesada. Na comparação do uso pesado de cada uma das drogas, constatou-se diferença nas frequências de acordo com a religião para o álcool (λ2(4)=32,291 e p<001), tabaco (λ2(4)=10,391 e p=0,016) e maconha (λ2(4)=15,247 e p=0,004).

Quanto ao uso pesado de álcool, verificou-se que todos os grupos tiveram taxas de uso semelhantes em média, com exceção dos evangélicos/protestantes. A análise dos pares confirma essa tendência, com o grupo que inclui evangélicos se diferenciando dos não religiosos (p<0,001), católicos (p<0,001) e espíritas (p=0,022). Quando se compara evangélicos/protestantes com os participantes de outras religiões, não foi detectada diferença a um nível de significância de 5%, após as correções de SIDAK sequencial para comparações múltiplas (p=0,096).

Com relação ao uso pesado de tabaco, os participantes de outras religiões foram retirados da análise por não apresentarem nenhum fumante pesado. Embora tenha sido verificado um efeito da religião, a comparação entre pares indicou apenas uma tendência de diferença entre os grupos não religioso e evangélicos/protestantes (p=0,055). Vale ressaltar o baixo uso pesado dessa substância independentemente dos grupos (2% no geral).

A maconha também teve baixa frequência de uso pesado entre os participantes e, após as correções, foram observadas diferenças do grupo não religioso em relação aos evangélicos/protestantes (p=0,005) e católicos (p=0,004). Não se identificaram diferenças a um nível de 5% entre os demais grupos.

Finalmente, não foi possível realizar uma comparação com relação ao uso pesado de cocaína entre os grupos devido à baixíssima frequência dessa categoria. No total, apenas seis participantes relataram uso pesado dessa substância, dos quais quatro eram não religiosos e dois católicos.

De forma geral, pode-se verificar que as diferenças no uso pesado das substâncias são menos evidentes que nas outras categorias, possivelmente pela frequência menor de usuários. Ainda assim, foram identificadas algumas diferenças, principalmente quanto ao grupo evangélico/protestante. Este grupo teve o menor uso pesado de álcool e de tabaco (diferença marginal) e de maconha do que os não religiosos. Os católicos também fizeram menos uso pesado de maconha do que os não religiosos. No uso pesado, destacam-se ainda os altos índices de usuários pesados de álcool (19% da amostra geral), sendo que apenas o grupo de evangélicos/protestantes se afasta desse valor, com média de uso de 10% na amostra.

 

DISCUSSÃO

Dalgalarrondo et al. (2004) realizaram uma vasta revisão na literatura internacional, principalmente dos Estados Unidos, relacionando uso de drogas, religiosidade e jovens. Verificaram que, em vários estudos com adolescentes e jovens de contextos socioculturais diferentes, não ter religião (ou pertencer a denominações mais liberais), ter pouca crença religiosa ou não frequentar cultos ou sessões religiosas, está associado ao maior consumo de drogas. Optou-se por realizar este estudo e estas relações para observar, se em São Paulo, isso acontece e quais religiões tendem a agir como fatores de proteção ao consumo de drogas.

Os resultados apresentados reforçam a evidência constatada pela literatura nacional e internacional, de que jovens de religiões diferentes, com hábitos, valores e práticas diferentes, tendem, também, a se comportar de maneira diferente no consumo de drogas. Vários estudos nacionais (Sanchez, Oliveira & Nappo, 2004; Dalgalarrondo et al., 2004) e internacionais (Dusenbury, Kerner, Barker, Botvin, 1992; Jill et al., 2007; Edlung et al., 2010) mostram que os protestantes mais fundamentalistas tendem a retardar o início do consumo de álcool ou até evitar este consumo durante toda a vida. Por outro lado, os católicos mais liberais tendem a ter um consumo mais intenso, tanto de álcool como de outras drogas, como foi verificado no presente estudo.

Alguns resultados obtidos nesta amostra coincidiram com os da literatura disponível. São eles: a maior parte da amostra é católica, os estudantes que menos consomem drogas são os protestantes / evangélicos, e os que se classificam como não tendo religião estão entre os que mais consomem drogas (Sanchez et al., 2004; Dalgalarrondo et al., 2004; Silva, Malbergier, Stempliuk & Andrade, 2006). O Ministério da Saúde (Brasil, 2004) aponta que 96% daqueles que nunca experimentaram nenhum tipo de drogas freqüentam igrejas, regularmente. Sanchez et al. (2004) acrescentam que os adolescentes religiosos tendem a ser menos propensos ao consumo e dependência de álcool e de outras drogas, mas, os protestantes / evangélicos costumam fazer um uso ainda menor. Dalgalarrondo et al. (2004) indicam que, entre as religiões mais frequentes em nosso meio, os protestantes históricos e pentecostais tendem a ter maior número de não usuários, enquanto os espíritas e católicos, tendem a ter maior número de usuários pesados.

Conforme relato da literatura, tanto a prática religiosa quanto o consumo de drogas interferem intensamente na saúde física e mental do adolescente e, além disso, têm grande impacto sobre seus comportamentos de risco e seu desenvolvimento psicossocial. Por estes motivos, vários estudos vêm sendo feitos, buscando conhecer com profundidade a relação entre estas práticas (Dalgalarrondo et al., 2004; Sanchez, et al., 2004; Jill et al., 2007; Kulis et al., 2012).

Durante a análise dos dados deste estudo, encontrou-se um resultado inesperado e que não está presente na literatura consultada, pelo menos como se evidenciou aqui. Trata-se do maior consumo de drogas, principalmente das lícitas, entre os espíritas. Em quase a totalidade das pesquisas investigadas neste estudo, o maior consumo está associado àqueles que relatam não ter religião. Nesta pesquisa obtiveram-se resultados similares quanto às drogas ilícitas. Ao avaliar o consumo de álcool e tabaco, por exemplo, os usos "frequente" e "no ano" mostraram-se maiores entre os que se denominam espíritas, quando comparados a todos os outros estudantes, inclusive aqueles que relataram não ter religião. Dalgalarrondo et al. (2005) também estudou separadamente o consumo de drogas por jovens pentecostais, espíritas e católicos; entretanto, seus resultados sugerem uso semelhante nas três religiões.

Neste mesmo estudo de Dalgalarrondo et al. (2005), os evangélicos / protestantes estavam mais presentes nas classes socioeconômicas C e D, enquanto os espíritas estão nas classes A e B. Os resultados desta pesquisa foram similares. Os evangélicos estão mais concentrados nas classes E, D e C2 e os espíritas, nas classes A2, B1, B2 e C1. Como vários estudos vêm mostrando o consumo mais elevado entre jovens de classes mais altas, principalmente de álcool (Benincasa, 2010), pode justificar o maior consumo desta substância entre os espíritas, pois eles estão concentrados nas classes mais altas.

Outra justificativa que os autores (Dalgalarrondo et al., 2005) deram, para esta diferença entre pentecostais e espíritas, foi que as análises multivariadas formaram dois grupos com características comuns. Os pentecostais tenderam a se classificar como muito religiosos, frequentam o culto por volta de quatro vezes por semana, estão localizados em escolas periféricas, consomem poucas drogas e estão entre as classes socioeconômicas mais desfavorecidas. Os espíritas consideram-se pouco religiosos, tendem a sentir-se pouco apoiados por pais e irmãos, não tiveram educação religiosa na infância e usam álcool com freqüência. O grupo de católicos no estudo de Dalgalarrondo et al. (2005) obteve uma posição intermediária, tendendo a estar mais próximo dos espíritas do que dos pentecostais. No presente estudo, a posição dos grupos não se confirma. Os espíritas apresentaram consumo consideravelmente maior do que os praticantes de outras religiões, estando, inclusive, acima dos que não têm religião, em todas as freqüências de consumo. O consumo dos católicos foi superior ao dos protestantes / evangélicos, mas esteve mais próximo destes do que dos espíritas.

Sanchez (2006), estudando a recuperação de dependentes de drogas praticantes de religião encontrou resultados parecidos. Em seus estudos, os espíritas tendiam também a consumir mais drogas do que os católicos e evangélicos. Entre os espíritas o uso maior era de droga lícita, principalmente álcool e tabaco. No presente estudo, os resultados são similares, pois o consumo de álcool e tabaco entre os espíritas foi maior em todas as freqüências de uso, porém o consumo de drogas ilícitas, principalmente maconha e cocaína, apresentou-se baixo. As substancias ilícitas, particularmente a cocaína, foi mais consumida entre os evangélicos do que entre os espíritas tanto no "uso no mês" quanto no "uso frequente". Sanchez e Nappo (2008) também encontraram resultados semelhantes. Acrescentam que, se por um lado os espíritas tendem a apresentar consumo superior de algumas drogas, por outro, tendem a ter maior taxa de recuperação do que as outras religiões estudadas: católica e evangélica. Esta informação não foi verificada pelo presente estudo por não se pretender avaliar a recuperação dos estudantes envolvidos com drogas.

Outra curiosidade sobre os praticantes da religião espírita, mas que reflete resultados antagônicos aos apontados neste estudo, é o estudo sobre resiliência, realizado por Benincasa (2010), que indica que a maior concentração de adolescentes resilientes está entre os praticantes da religião espírita e a menor concentração entre os protestantes / evangélicos.

Por muitos anos a religião foi um tema esquecido na análise da qualidade de vida das pessoas (Panzini et al., 2007). Atualmente, sabe-se que ter alguma religião e, principalmente praticá-la, é um importante fator de proteção para riscos à saúde e à vida tanto na adolescência quanto na vida adulta (Jill et al., 2007; Michalak et al., 2007; Edlung et al., 2010).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo apresentou um resultado para o consumo de álcool superior àqueles indicados por outras fontes da literatura. Inclusive os estudantes evangélicos, que informaram menor consumo de todas as drogas, revelaram altos índices de consumo de álcool.

Estudos relacionados ao uso de drogas entre jovens vêm mostrando que existem fatores de proteção que, devidamente acionados, podem reduzir o consumo ou inibir o progresso do envolvimento com substâncias psicoativas. Alguns dos fatores de proteção conhecidos são: a prática de esporte, o bom relacionamento familiar, a autoestima elevada, entre outros. A prática religiosa vem sen- do vista, por diversos autores, como um dos fatores de proteção em relação ao consumo de drogas. Uma deficiência desta pesquisa foi não explorar a dedicação de cada jovem a sua religião: há quanto tempo optou por esta prática religiosa, quantas horas por semana se dedica a ela, se a família compartilha desta opção, etc. Explorar o envolvimento desse adolescente com sua religião poderia fornecer informações importantes sobre a relação com o consumo de droga.

Estudar o uso de droga já é um tema complexo que envolve questões biológicas, psicológicas, econômicas, sociais e culturais. Os estudos sobre fatores de risco e fatores de proteção para esta prática ainda são incipientes no Brasil e no mundo. Este estudo buscou investigar apenas um destes fatores, a prática religiosa. A partir destes resultados constatou-se que outros estudos quantitativos e qualitativos devem ser feitos para se chegar a conclusões mais precisas.

 

REFERÊNCIAS

ABEP (Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa, 2007). Critério de classificação econômica no Brasil. Recuperado em 18/05/2010 em: http://www.abep.org/codigosguias/ABEP_CCEB.pdf        [ Links ]

Benincasa, M. (2010). Avaliação da qualidade de vida e uso de drogas em adolescentes do Município de São Paulo. Tese de Doutorado. Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, São Paulo.         [ Links ]

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Recebido em 21/01/15
Revisto em 22/05/15
Aceito em 15/05/15

 

 

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