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Boletim de Psicologia

versão impressa ISSN 0006-5943

Bol. psicol vol.65 no.142 São Paulo jan. 2015

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

 

Semelhanças e diferenças no desenho da figura humana como técnica projetiva entre meninos e meninas de 4 a 15 anos

 

Similarities and differences in human figure drawing as a projective technique between boys and grls from 4 to 15 years of age

 

 

Audrey Setton Lopes de Souza*; Sandra Aparecida Serra Zanetti

Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo - SP - Brasil

 

 


RESUMO

O objetivo deste trabalho é identificar, no desenho, parâmetros de análise que permitam destacar como se manifestam as características conflitivas típicas do desenvolvimento psicossexual de crianças em grupos específicos de faixa etária e etapa de desenvolvimento psíquico. Foram analisados 173 Desenhos da Figura Humana de crianças e adolescentes de ambos os sexos com idade variando de 4 a 15 anos. A análise dos desenhos permitiu dividi-los em seis grupos etários característicos. Em cada grupo foi possível identificar aspectos relevantes do desenho que permitiram alcançar as angústias predominantes nas diferentes etapas do desenvolvimento. Além disso, foram identificadas diferenças entre os desenhos de meninos e meninas. Estas observações permitem apontar a importância do desenho no diagnóstico e sua riqueza para discriminar as angústias predominantes em cada faixa etária.

Palavras-chave: Desenho da Figura Humana; técnicas projetivas; desenvolvimento psicológico em crianças; desenvolvimento da sexualidade infantil.


ABSTRACT

The purpose of this work is to identify through children's drawings, elements that can be used, as an analyses parameter to highlight how typical conflicting characteristics of psychosexual development, of specific groups of children, of specific age range and psychic development stage, emerge in their drawings. We analyzed the "Draw a Person Test" of 173 children and adolescents, of both sexes, ranging from 4 to 15 years of age. The analysis of their drawings allowed to divide them into six age groups. It was possible to identify in each group relevant drawing aspects which allowed us to recognize the predominant anxiety at different developmental stages. It was also possible to observe differences between boys' and girl's drawings. These observations allow to indicate the relevance of drawing in psychodiagnosis, and its potential to distinguish anxieties in each age stage.

Key words: Draw a Person Test; projective techniques; psychological development; children; sexuality in children development.


 

 

INTRODUÇÃO

A avaliação psicológica é uma área importante de trabalho do psicólogo e a utilização de técnicas projetivas, um elemento essencial dentro deste processo. No contexto mundial e brasileiro, muito se tem discutido sobre a polêmica referente à validade do uso de técnicas projetivas e, muitas das críticas dirigem-se à justificativa de que a validade destes instrumentos é, primordialmente, obtida a partir da prática clínica (Borsa, 2010; Tavares, 2003).

Para fundamentar cientificamente, a validade do uso de técnicas projetivas como instrumento primordial no processo psicodiagnóstico, é imprescindível incrementar a realização e divulgação de pesquisas que demonstrem, porque aqueles que as utilizam, têm tanta confiança nos dados que estas permitem obter.

O desenho é uma das técnicas projetivas mais usadas e as razões para isto se apoiam na facilidade de sua utilização e no fato de ser uma forma importante de aproximação inicial, principalmente com crianças. Além disso, é fundamental destacar que o desenho revela ser um excelente auxiliar para o acesso aos processos psíquicos primários e secundários, como também na pesquisa das relações entre as instâncias psíquicas, nos estudos sobre processos identificatórios e sobre as constituições edípicas (Gomes, 2012; Souza, 2011).

Como estímulos projetivos, os desenhos são ótimos para "provocar o inconsciente, de fazê-lo falar, fazendo falar o texto" (Sigal, 2000, p. 37), permitindo que emerjam, sentidos próprios do sujeito, que facilitarão a compreensão da sua organização psíquica específica e o modo como ele se insere no mundo. Da mesma forma que o sonho, o desenho, como elemento pictórico, favorece a manifestação do inconsciente, apresentando-se ambos como elementos aparentemente insignificantes, e assim sendo, como facilitadores do desarme da censura, mas também, como engates para manifestação dos desejos e conflitos inconscientes (Souza, 2011).

A partir dos trabalhos de Goodenough, que utilizou o Desenho da Figura Humana como uma referência para a construção de uma escala de medida da inteligência, Hammer (1989) mostra como a atividade clínica tem demonstrado que este desenho põe em jogo não só fatores intelectuais, mas também os da personalidade. Assim o Desenho da Figura Humana tem se revelado um valioso instrumento para a compreensão da subjetividade.

A escala elaborada por Goodenough (1926), além de fornecer um instrumento de avaliação da inteligência, revela que o desenho da criança evolui paralelamente ao desenvolvimento intelectual. Contudo, a compreensão de que, além dos fatores intelectivos estão presentes no desenho aspectos de personalidade, permitiu a criação dos testes projetivos gráficos que muito têm contribuído para a área da avaliação psicológica.

A questão que se pretende abordar neste trabalho diz respeito a como o desenvolvimento psíquico, com seus conflitos e conquistas, tal qual mostrado por Freud (1905/1980), pode afetar os desenhos das crianças. Desta forma considera-se possível encontrar neles alguns traços que sejam reveladores dos conflitos significativos de cada faixa etária. Freud (1905/1980) aponta que o desenvolvimento psíquico das crianças envolve o amadurecimento da sexualidade e apresenta este desenvolvimento em cinco fases: a fase oral (de 0 a 18 meses), em que a zona erógena é a boca; a fase anal (12/18 meses a 2/3 anos), em que a zona erógena é o ânus; a fase fálica (2/3 anos a 5/6 anos), quando as crianças descobrem a diferença entre os genitais e passam a vivenciar os conflitos edípicos; a fase de latência (5/6 anos a 12 anos), em que a libido entrará em estado de repouso em função da vivência edípica; e a fase genital (12 anos em diante), quando a energia sexual será direcionada para membros fora da família.

A psicanálise oferece vários elementos para fundamentar o uso do desenho como instrumento projetivo, tais como: o estudo do simbolismo (Formiga & Mello, 2000), a evidência da determinação psíquica do inconsciente (Souza, 2011), ou a tendência a uma visão antropomórfica do mundo fundamentada na projeção e no conceito de "imagem corporal" (Almeida, Loureiro & Santos, 2002; Campagna & Souza, 2006; Peres & Santos, 2006). Cariola (2006), por exemplo, se dedicou a estudar o bruxismo, um hábito de ranger os dentes, a partir da análise do Desenho da Figura Humana, referendando-se na psicanálise para compreender os indicadores dos desenhos. Esta pesquisa compreendia esta doença como uma manifestação do inconsciente e de distúrbios emocionais. Por meio de 22 desenhos, a autora concluiu que há uma dificuldade emocional latente em crianças de ambos os sexos, nesta faixa etária. Foi possível observar que a maioria das crianças possuía indicadores em seus desenhos que sugeriam a presença de problemas emocionais não resolvidos (como figura pequena, ausência de mãos e omissão do nariz). A autora sugere que essas crianças poderiam estar passando por problemas emocionais vinculados à realidade externa e ter uma estrutura de personalidade rígida ou fixada em alguma das fases anteriores do desenvolvimento infantil.

A pesquisa bibliográfica na área de técnicas projetivas aponta trabalhos que ressaltam a importância de elementos expressivos, adaptativos e de conteúdo como forma de análise dos desenhos (Van Kolck, 1968; Hammer, 1989; Buck, 2003). Nunca é demais lembrar que estes elementos só adquirem sentido, quando interpretados por um psicólogo, que seja capaz de inserir estes dados em uma rede de significações próprias de cada sujeito e obtidas a partir de vários elementos, em um processo psicodiagnóstico. Relacionar estes dados com a teoria do desenvolvimento psíquico é também uma tarefa importante neste processo, permitindo relativizar os elementos que se destacam, inserindo-os em determinados sentidos, próprios dos conflitos específicos de cada etapa do desenvolvimento.

Machover (1966) fez um amplo estudo normativo com 100 crianças de classe média, metade de cada sexo, de 5 a 12 anos de idade, dos Desenhos da Figura Humana (masculinos e femininos), que foram classificados em 45 características gráficas principais, incluindo aspectos estruturais e do conteúdo das figuras. Na análise dos desenhos descobriu que as diferenças entre os sexos são tão importantes quanto às diferenças em relação à idade. Utilizando estas características gráficas, a autora fez uma comparação entre os sexos, articulando os elementos com a teoria de desenvolvimento oferecida pela psicanálise, mostrando o árduo trabalho realizado pelo aparelho psíquico, para consolidar as conquistas resultantes da conflitiva edípica e da identificação com as figuras parentais, bem como a sensibilidade do desenho para captar estas nuances.

Van Kolck (1966), Campagna (2003) e Campagna e Souza (2006) realizaram estudos com adolescentes e pré-adolescentes, oferecendo interessante material para subsidiar àqueles que realizam diagnósticos utilizando material gráfico. Também Urribarri (2012) em seu estudo sobre o trabalho psíquico da latência dedica um capítulo especial para a expressão gráfica neste período. Pretende-se verificar neste estudo, se aparecem resultados comparáveis aos encontrados por estes autores.

O objetivo deste trabalho foi contribuir com os psicólogos que trabalham na área da avaliação psicológica, para articular os conhecimentos psicanalíticos a respeito do desenvolvimento psicossexual do indivíduo (Freud, 1905/1980) com os dados oferecidos pela análise projetiva do Desenho da Figura Humana. Partiu-se da hipótese que este tipo de trabalho, que confronta aspectos da teoria psicanalítica de desenvolvimento psicossexual com elementos observáveis na análise projetiva dos desenhos pode ser mais um elemento para a validação das técnicas projetivas, além de fornecer mais dados para aqueles que trabalham com psicodiagnóstico, na medida em que serão destacados parâmetros de análise do desenho, específicos de cada faixa etária e etapa do desenvolvimento psíquico.

 

MÉTODO

Participantes

A amostra foi composta por 173 crianças e adolescentes, de ambos os sexos (não foi possível obter uma amostra igualitária entre as idades e entre os sexos), com idades variando de 4 a 15 anos, assim distribuídos: 4 anos (3); 5 anos (8); 6 anos (18); 7 anos (15); 8 anos (15); 9 anos (21); 10 anos (20); 11 anos (20); 12 anos (16); 13 anos (9); 14 anos (9) e 15 anos (19). Os participantes eram provenientes em parte de amostra clínica e em parte de uma amostra obtida a partir do treinamento de estudantes na disciplina de "Técnicas Projetivas Gráficas" no curso da graduação de Psicologia.

Instrumento

Foi utilizado o Desenho da Figura Humana, aplicado segundo a técnica de Machover (1966), que solicita ao examinando o "Desenho de uma pessoa" e depois de terminado, o "Desenho de uma pessoa do outro sexo". O inquérito posterior ao desenho foi realizado, porém não foi considerado para efeito desta análise.

Procedimento

Os desenhos foram coletados em situação individual e tomadas as precauções para o estabelecimento de um rapport inicial e da manutenção de boas condições de aplicação. Para efeito de análise, estes desenhos foram divididos em relação ao sexo da criança que desenhou e agrupados em faixas etárias, usando inicialmente como critério a existência de características gráficas semelhantes, para posteriormente, verificar o significado simbólico destes aspectos observados. A partir desta divisão inicial, tentou-se relacionar tais significados com os conflitos significativos, apontados por Freud (1905/1980) como marcantes, em cada etapa do desenvolvimento psíquico.

Foram usadas como referencial para a análise dos significados simbólicos dos aspectos gráficos avaliados as propostas de Van Kolck (1968), Hammer (1989) e Buck (2003), além das contribuições de Grassano (1974, 1996). Dessa forma foram obtidas as principais características presentes em cada faixa etária e seu significado psicológico.

Empregando a psicanálise como substrato teórico, estes dados foram articulados com os principais conflitos e angústias que a criança ou adolescente tem que lidar, ao longo de seu desenvolvimento, e que estimulam os temas primordiais com os quais o sujeito tem que se haver para se constituir enquanto sujeito psíquico. Desta forma, destaca-se o papel do diagnóstico psicológico, não como "detector de doenças", mas como um "estudo dos processos que propiciam o funcionamento psíquico" (Sigal, 2000, p. 35).

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Para a análise, os desenhos foram divididos em seis grupos: 4 a 6 anos, 7 a 8 anos, 9 a 10 anos, 11 a 12 anos, 13 a 14 anos e 14 a 15 anos. No grupo de 4 a 6 anos, verificou-se que as crianças com quatro anos de idade da amostra ainda se mostravam muito instáveis quanto à aquisição da linguagem gráfica e da capacidade de desenhar a figura humana. Apesar do prazer de desenhar, muitas ainda não são capazes de representar a figura humana, utilizando garatujas organizadas ou círculos para representá-la. No entanto, são pródigas em oferecer associações verbais e histórias a respeito destes desenhos, o que oferece um rico material para a análise projetiva. É possível encontrar na literatura científica (Dolto, 1984; Rodulfo, 1992) referências, que destacam o elemento gráfico circular como representativo do corpo materno e das primeiras concepções sobre o próprio corpo e sua interioridade, além da noção de continente e contido, o que aponta para a importância de tal representação no processo de individuação da criança. Entretanto, é importante ressaltar a necessidade de articular tais elementos às associações verbais obtidas, para conhecer os conflitos associados a este processo.

A partir dos cinco anos, o Desenho da Figura Humana (DFH) já aparece mais constituído, porém é importante destacar, que ainda há instabilidade em tal aquisição, pois se verifica que, em situações de maior ansiedade, como por exemplo, quando o DFH era solicitado no Desenho de uma Família, ocorria uma regressão da qualidade gráfica, que aponta para o papel da ansiedade como potencionalizadora de regressões nos desenhos. Assim, o psicólogo, que trabalha com crianças desta faixa etária, deve, ao levantar hipóteses diagnósticas relacionadas à regressão, tomar cuidado para ficar atento à ansiedade que acompanha a situação de teste.

Também nesta faixa, a atividade de desenhar é altamente prazerosa, facilitando o contato e oferecendo a possibilidade de uma grande quantidade de associações verbais relacionadas ao desenho. De forma geral, como características gráficas significativas, são encontrados os desenhos de tamanhos pequenos ou médios, que apontam para um sentimento de inferioridade. Contudo, é importante relacionar tal sentimento ao reconhecimento de sua condição de criança em relação ao adulto significativo, o que não deve ser considerado como patológico em si, pois revela uma possibilidade de aceitação de sua condição de criança, renunciando à onipotência típica da criança pequena e possibilitando a escolha do adulto como modelo de identificação.

Tais resultados, quando comparados aos do trabalho de Machover (1966), apresentam algumas diferenças e semelhanças. A autora encontrou desenhos maiores em crianças de cinco anos, além de já observar maior habilidade gráfica a partir dos quatro anos, talvez esta diferença seja devido ao baixo número de crianças nesta faixa etária, incluídas na presente amostra. Já a partir dos seis anos de idade, Machover também destaca uma diminuição do tamanho do desenho, o que ela relaciona a uma diminuição da excitação edípica e como uma capitulação frente à supremacia feminina, representada pela figura materna, proporcionando uma maior capacidade de inserção social e nas suas regras. Assim pode-se concluir, que a diminuição do desenho a partir da faixa etária dos cinco anos pode estar relacionada a uma possibilidade de aceitação da castração e da renúncia edípica, o que, se por um lado indicaria um sentimento de inferioridade em relação ao adulto, por outro abriria o caminho para a identificação e a inserção no mundo compartilhado.

Outro elemento de destaque a partir dos cinco e seis anos, tanto nesta amostra como nas de Machover (1966) e de Urribarri (2012), foi o destaque dado às mãos e sua falta de proporção, o que pode indicar uma tentativa de obter um maior controle sobre o mundo, às vezes com traços de agressividade, como também podendo representar tentativas de perceber-se como mais potente, além da relação com a problemática masturbatória. Nesta amostra, em consonância com os achados de Urribarri (2012), o pescoço apareceu com frequência significativa a partir dos seis anos, o que leva a pensar, quando associado à diminuição do tamanho do desenho, em uma tentativa de maior controle dos impulsos, relacionada a uma elaboração das tendências edípicas e consequente introjeção de referências superegóicas.

Como características mais gerais desta faixa etária (infelizmente reduzida na presente amostra), podem-se destacar: o prazer produzido pela estimulação gráfica e a riqueza das associações verbais, obtidas a partir dos desenhos, o que mostra a sua importância como facilitador do contato e do aparecimento de histórias e associações verbais, imprescindíveis para a elaboração de um diagnóstico psicológico.

A partir dos sete e oito anos, o Desenho da Figura Humana parece introjetado com mais segurança e, tanto o menino quanto a menina parecem se apropriar do corpo e de seu significado simbólico e vivencial, como fonte instintiva e de angústias. Assim, os desenhos são graficamente mais elaborados e é possível constatar que as angústias em relação à sexualidade aparecem representadas, interferindo no tratamento dado às partes do desenho, como as áreas genitais e as mãos, além de um cuidado com as roupas e uma preocupação com o pescoço. A impressão causada por estes desenhos é de que um grande esforço psíquico é requerido para a repressão da sexualidade. Há um predomínio de cabeças grandes, como uma tentativa do jovem latente de valorizar a racionalidade como defesa e para tentar banir as fantasias edípicas. Fantasias de inferioridade em relação ao adulto aparecem representadas por desenhos, quer muito pequenos, quer muito grandes. Não apareceram, na amostra, as evidências referidas por Machover (1966), de uma marcada diferença entre os desenhos masculinos e femininos, com uma maior tranquilidade nos desenhos das meninas, que segundo ela, estariam mais satisfeitas consigo mesmas. Nos meninos, essa autora já encontrou indícios da rivalidade com a figura feminina e um início de preocupação em demonstrar a virilidade, com o uso de símbolos fálicos e com manifestações de hostilidade em relação à superioridade materna, principalmente em suas verbalizações e associações aos desenhos.

As características descritas por Machover (1966) como se iniciando a partir dos sete ou oito anos, aparecem nesta amostra, mais tarde, na faixa dos nove e dez anos e são, agora, mais intensamente destacados. Pode-se notar que os desenhos dos meninos tornam-se significativamente diferentes dos das meninas. Os meninos se preocupam em destacar a superioridade e a masculinidade dos personagens desenhados, reforçando músculos, corpos grandes e valorização das características masculinas secundárias como barba, por exemplo. Segundo Machover, a partir dos nove anos, o menino faz uma exploração mais ativa de sua força corporal e seu desejo de independência é mais ruidoso.

Estes desenhos parecem representar, com clareza, o que se observa no comportamento das crianças desta idade: uma separação entre meninos e meninas, uma tentativa de depreciação do sexo oposto e uma aproximação dos iguais, nos meninos uma prevalência de um comportamento excitado e ativo com uma preocupação em valorizar a força física do sexo masculino; e nas meninas, um comportamento mais contido e uma maior preocupação com atributos de feminilidade, acentuando-se os detalhes no desenho, tais como: fitas, maquiagem, vestidos, pulseiras, etc.

Os desenhos das meninas também reforçam estas observações, apesar de desenharem personagens menos erotizados que os meninos, o atributo de feminilidade aparece em personagens mais idealizados, como princesas, e uma preocupação maior no detalhamento dos enfeites femininos, como os relatados acima. Sabe-se que as meninas, de um modo geral, mostram-se mais sublimadas e adaptadas socialmente nesta fase. Pode-se dizer que, na busca de consolidar a identificação com o próprio sexo, obtida com a resolução edípica, há uma busca de objetos de identificação idealizados, para garantir a identidade de gênero. De um modo geral verifica-se, como Uribarri (2012), que nesta fase os desenhos se tornam mais complexos e elaborados, revelando uma maior discriminação entre fantasia e realidade e a expansão da relação consigo mesmo e com o outro.

Na faixa dos 11 aos 12 anos de idade, continuam presentes as diferenças entre os desenhos das meninas e dos meninos. Os meninos mantêm o padrão da faixa etária anterior, com desenhos de homens marcados por símbolos de potência e superioridade, que aparecem pela representação de corpos fortes, robustos, mas ocorre uma diminuição no tamanho dos desenhos. Nas meninas, o comportamento gráfico mais contido e com desenhos de figuras femininas idealizadas, vai sendo substituído por outras formas de representação, que incluem uma marcante presença de mãos escondidas e um início de erotização das figuras femininas, que começam a apresentar maior número de elementos (boca, olhos, seios, cabelos) desenhados de forma a revelar o desejo de ser sexualmente atraente para o sexo oposto, aspectos que também apareceram na amostra de Campagna (2003) e de Campagna e Souza (2006).

Estes dados permitem supor que, com o início da pré-adolescência e da puberdade nas meninas, quando a jovem é invadida por impulsos sexuais, há, por um lado, uma culpa em relação a estes aspectos (mãos para trás), e por outro, uma maior possibilidade de assumir uma identidade feminina adulta e a sexualidade. Tais dados, aparentemente paradoxais, corroboram a observação da intensa ambivalência e angústia presente nesta fase. Os estudos de Campagna (2003) e de Campagna e Souza (2006) também apontam para esta mesma linha, pois mostram uma oscilação nos desenhos de meninas desta faixa etária, entre um padrão mais infantilizado e outro, mais identificado com a mulher adulta. O fato de os meninos continuarem a apresentar, nesta faixa etária, o mesmo modelo da faixa anterior mostra que, para eles, este processo parece se iniciar mais tarde. Talvez a diminuição do tamanho do desenho possa revelar o início deste processo.

Na faixa dos 13 aos 14 anos, as meninas parecem solidificar sua identificação com uma figura feminina adulta, ainda marcada por um exagero de erotização das figuras das mulheres, como forma de garantir uma feminilidade emergente, porém ainda não tão seguramente instalada. Nos desenhos dos meninos, há uma diminuição da estereotipia das figuras masculinas, presentes nas faixas dos nove aos 12 anos, e uma possibilidade de identificação, mais segura, com um homem másculo, porém não necessariamente herói ou superior. Isto confirma as observações de Machover (1966), de que nesta faixa, o jovem rapaz já está mais livre da dependência libidinal de sua mãe e não precisa mais dos elementos de força corporal para marcar sua identidade frente à mulher. Tais características, encontradas nos desenhos de adolescentes e pré-adolescentes, levam a pensar como o comportamento atual, marcado por uma prematura incursão na atividade sexual destes jovens, não está acompanhada da concomitante maturidade em sua identidade psicossexual.

Considerando novamente a faixa dos 14 anos em conjunto com a de 15, em um bom número de desenhos começa a aparecer uma atitude mais defensiva, com desenhos de figuras palitos, indicando como, a partir desta faixa, o desenho já se mostra mais reprimido e sugere uma maior utilização de técnicas que incluam o relato verbal para obtenção de mais dados sobre a personalidade.

 

CONCLUSÃO

Comparando a amostra desta pesquisa com os grupos estudados por Campagna (2003); Campagna e Souza (2006); Machover (1966); Uribarri (2012), percebe-se que estes pesquisadores usaram o desenho para trabalhar com faixas etárias diferentes, o que permitiu ampliar a gama de comparação desta amostra.

Foi observado, a partir do estudo realizado, que o Desenho da Figura Humana vai se modificando ao longo do desenvolvimento e que é possível discriminar em cada faixa etária características que aparecem com frequência, tanto nesta amostra quanto nos estudos realizados por outros pesquisadores. Estas características gráficas podem ser interpretadas à luz da Psicologia projetiva e da Psicanálise, como representativos dos principais conflitos a serem vividos nestas faixas etárias como tarefas para um desenvolvimento rumo à maturidade. Comparando nossos resultados com as pesquisas na área foi possível verificar muitas concordâncias e algumas pequenas diferenças.

Em relação à amostra de Machover (1966), foram verificados resultados bastante semelhantes, com exceção da melhor qualidade gráfica encontrada por essa autora nas crianças de quatro anos, o que pode ser justificado pelo baixo número de desenho de crianças nesta faixa etária incluídas na presente amostra. Outra diferença constatada foi que, nos desenhos de meninos as características descritas por Machover (1966) como se iniciando a partir dos sete ou oito anos, aparecem nesta amostra, mais tarde, na faixa dos nove e dez anos. Assim sendo, pode-se dizer que apesar da passagem do tempo entre a coleta destas duas amostras a forma, como os principais conflitos ligados ao desenvolvimento são representados graficamente, permanece a mesma.

O estudo de Urribari (2012) é mais centrado em crianças na fase da latência e usa desenhos provenientes de sua experiência clínica. Ainda assim, também foram encontrados nesta amostra os aspectos destacados por ele como característicos da latência, como o destaque dado às mãos e ao pescoço e que, nesta fase, os desenhos se tornam mais complexos e elaborados, revelando uma maior discriminação entre fantasia e realidade.

Campagna (2003) e Campagna e Souza (2006) usaram em seu estudo uma amostra de meninas pré-adolescentes com 12 anos de idade, sendo obtidos na presente amostra aspectos similares aos encontrados nas referidas pesquisas: a oscilação entre um padrão mais infantilizado e outro, mais identificado com a mulher adulta; e a marcante presença de mãos para trás, mostrando as dificuldades que a entrada na adolescência traz para estas jovens no início deste novo despertar da sexualidade.

Finalizando, este trabalho revelou que o desenho é um ótimo instrumento para abordagem do estudo das características conflitivas típicas do desenvolvimento psicossexual em crianças e adolescentes, principalmente no que se refere a aspectos de formação da identidade sexual e que é possível encontrar nos desenhos alguns traços reveladores dos conflitos significativos de cada faixa etária. Como os resultados foram bastante semelhantes aos obtidos pelos pesquisadores que estudaram este tema, fica reforçada a convicção sobre a eficácia do Desenho da Figura Humana como técnica projetiva com a finalidade de exploração de aspectos diagnósticos, quando incluído em um processo psicodiagnóstico mais amplo, que permitirá integrar os dados fornecidos por essa técnica a um dinâmica de personalidade e familiar.

 

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Recebido em 15/09/14
Revisto em 18/05/15
Aceito em 22/05/15

 

 

* Endereço para correspondência: Av. Prof. Mello Moraes 1721, Cidade Universitária. São Paulo - SP. CEP: 05508-030, Fone: 3813-2131, E-mail: asetton@uol.com.br

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