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Boletim de Psicologia

versão impressa ISSN 0006-5943

Bol. psicol vol.65 no.142 São Paulo jan. 2015

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

 

Evidência de validade do diagnóstico da leitura e escrita (DLE) em relação ao WISC-III em deficientes intelectuais1

 

Evidence of validity of reading and writing diagnosis in relation do WISC-III in intellectual disabilities

 

 

Priscila Benitez*; Máyra Laís de Carvalho Gomes*; Patrícia Waltz Schelini*; Camila Domeniconi*

Departamento de Psicologia da Universidade Federal de São Carlos - SP - Brasil

 

 


RESUMO

A aplicação de duas ou mais técnicas de avaliação pode contribuir para o estabelecimento de um diagnóstico, como o de deficiência intelectual (DI). O objetivo foi indicar possíveis relações entre o instrumento Diagnóstico de Leitura e Escrita (DLE), que avalia o desempenho em leitura e escrita, e os quocientes de inteligência e índices fatoriais do WISC-III em participantes com DI, para buscar evidências de validade para o primeiro. Os dois testes foram aplicados em 16 crianças diagnosticadas anteriormente com DI. Para esse objetivo foram correlacionadas as pontuações de cada prova do DLE com os QIs e Índices Fatoriais do WISC-III. Os resultados indicaram correlações moderadas ou baixas, com tendência a não serem significativas, entre as pontuações do DLE e do WISC-III. São discutidas as relações entre o comportamento de ler e escrever e as habilidades que integram a inteligência, avaliadas pelo WISC-III. São propostas sugestões para estudos futuros e apontadas as devidas limitações do presente trabalho.

Palavras-chave: Deficiência intelectual, inteligência, escrita, leitura.


ABSTRACT

The use of two or more assessments techniques may contribute to establish one diagnosis, such as intellectual disabilities (ID). The purpose was to indicate possible relationships between the test Diagnóstico de Leitura e Escrita (DLE) (Reading and Writing Diagnosis), that assess the reading and writing performance, and the intelligence quotients (IQs) of the WISC-III in participants with ID, to find evidences of validity to the first test.. Both tests were applied in 16 children diagnosed with ID. To accomplish the objective, the scores of each task of the DLE and the IQs and Factor Indexes of WISC-III were correlated. Results indicated moderates or low correlations between the WISC-III results and DLE scores that tended to be not significant. Relationships between reading and writing behaviors and abilities that integrate intelligence, assessed by WISC-III, were discussed. Suggestions for future studies are proposed and indicated the limitations of this study.

Key-words: Intellectual disabilities, intelligence, reading, writing.


 

 

INTRODUÇÃO

A deficiência intelectual (DI) é conceituada, atualmente, como uma espécie de incapacidade originada por limitações no funcionamento intelectual do indivíduo e no comportamento adaptativo expresso pelas habilidades conceituais, sociais e práticas. Nesse escopo, a American Association on Intellectual and Developmental Disabilities (AAIDD) advoga e recomenda a mudança do uso da terminologia retardo mental para deficiência intelectual (Almeida, 2004; Veltrone & Mendes, 2011).

A mudança na terminologia perpassou os termos característicos da incurabilidade, incapacidade e insuficiência, para as habilidades adaptativas, demandas sociais e ambientais, e necessidades de suportes individualizados (Almeida, 2004; Silveira, 2013). O Manual da AAIDD (2010) defende que, para fins de diagnóstico, o funcionamento intelectual está conceituado por um fator geral de inteligência, incluindo raciocínio, planejamento, resolução de problemas, pensamento abstrato, compreensão simples de ideias, apreensão rápida e a partir da experiência. Essa variabilidade de comportamentos que caracterizam o diagnóstico de DI, em geral, é avaliada por uma equipe multidisciplinar, com base em avaliações psicológicas e médicas, com o uso de instrumentos e recursos que geram dados confiáveis (Carvalho & Maciel, 2003; Wechsler, 2002).

A associação de duas ou mais formas de avaliação pode aumentar a probabilidade de obter dados que caracterizem mais especificamente o indivíduo com DI, no sentido de conhecer suas particularidades e com isso, favorecer o planejamento de condições que possam ajudá-lo a lidar e superar suas respectivas limitações, e não apenas rotulá-lo como incapaz. Um exemplo disso pode ser retratado na escola inclusiva, que enfrenta diversos desafios, principalmente, em relação à promoção de habilidades acadêmicas básicas, como o ensino de leitura e escrita para essa demanda. Ao caracterizar o aprendiz com DI é possível planejar, desenvolver e aplicar atividades mais direcionadas para as suas necessidades específicas, de modo a maximizar oportunidades de aprendizagem para diversos conteúdos acadêmicos, bem como a promoção de interações sociais que favoreçam a autonomia (Brasil, 2008; Sanches & Oliveira, 2011).

Dentre os testes psicológicos mais utilizados na avaliação da DI, destacam-se as Escalas Wechsler, usadas em várias situações ou condições clínicas, dentre elas a DI. É importante destacar que as Escalas Wechsler não estabelecem o diagnóstico de deficiência intelectual, uma vez que tal diagnóstico deve ser realizado por uma equipe multidisciplinar e não apenas pela obtenção de dados de um único teste.

A terceira edição da Escala de Inteligência Wechsler para Crianças - WISC-III (Wechsler, 2002) tem como objetivo investigar diversas habilidades relativas à inteligência, ou seja, um conjunto de habilidades que juntas retratam a capacidade intelectual geral do indivíduo. Os dados analisados à luz do WISC-III proporcionam, dentre outros aspectos, a avaliação da compreensão verbal (pelos subtestes informação, semelhanças, vocabulário e compreensão) e de habilidades de memória e atenção (dígitos, código e procurar símbolos) presentes na compreensão em leitura. Ademais, as tarefas avaliadas pelo WISC-III são preditivas de comportamento inteligente necessário para o processo de aprendizagem (Joly & Istome, 2008).

O estudo de Watkins e Glutting (2000) parte do pressuposto de que os pontos fortes e fracos na aprendizagem das crianças estariam implicitamente interligados a seus perfis em testes cognitivos, como preditivos de seu desempenho acadêmico. Nesse sentido, Joly e Istome (2008) encontraram correlações altas e significantes entre todos os quocientes de inteligência (QIs) do WISC-III com o desempenho em compreensão em leitura, o que, inclusive, indicou uma evidência de validade para o Teste Cloze Básico. Os autores também identificaram evidências de validade convergente para o Teste Dinâmico de Leitura (TDL - instrumento informatizado) em relação ao WISC-III.

Em estudos experimentais, Medeiros e Teixeira (2000) aplicaram o WISC-III, no início e no final do estudo (intervalo de 11 meses entre as duas aplicações), em dois grupos (G1 e G2) de três crianças repetentes em séries escolares. Apenas o G1 foi submetido a uma intervenção no ensino, treino de discriminações condicionais, com palavras ditadas como modelos e palavras impressas como comparação. Todas as crianças do G1 aprenderam a ler (100% de leitura correta das palavras ensinadas e de palavras aprendidas por generalização) e aumentaram o seu QI, quando comparadas às crianças do G2. Desta forma, os resultados indicaram a existência de uma relação entre a emergência de leitura a partir de generalização e o aumento de QI, avaliado pelo WISC (Medeiros & Teixeira, 2000). De maneira semelhante, Saraiva e Hübner (2001) realizaram uma análise comparativa de testes de inteligência (Teste Peabody e subtestes verbais do WISC) de 12 crianças de 4 e 5 anos, antes e após a aquisição e generalização de leitura, indicando que os resultados de testes de inteligência podem mudar a partir de um treinamento.

Considerando, por um lado, o WISC-III como um teste padronizado confiável, em termos psicométricos e, por outro, o desafio de ensinar comportamentos acadêmicos básicos (como leitura e escrita), de acordo com o contexto atual referente ao processo inclusivo de crianças com DI nas escolas comuns (Sanches & Oliveira, 2011), o Diagnóstico de Leitura e Escrita - DLE (Fonseca, 1997), desenvolvido na década de 90, pode contribuir no mapeamento dos comportamentos rudimentares de leitura e escrita.

O DLE é um instrumento não padronizado, não validado e sem estudos que evidenciem sua precisão, sendo que ainda não foi correlacionado com outros testes da área. O seu objetivo é avaliar os repertórios de leitura e escrita de crianças com histórico de fracasso escolar, que tinha como objetivo mapear desde habilidades mais básicas, consideradas como habilidades elementares (tarefas de identidade entre figura-figura e palavra impressa-palavra impressa, nomeação de figuras) até tarefas mais complexas como a nomeação de palavras impressas e a escrita sob controle de ditado. Ademais, esse instrumento tem como propósito avaliar as habilidades básicas que compõem tais repertórios, por intermédio de tarefas de emparelhamento entre figuras, palavras ditadas e palavras impressas correspondentes a partir dos processos de discriminação.

Inicialmente, o DLE era aplicado por meio de tarefas manuais e atualmente encontra-se incorporado no software "Aprendendo a ler e a escrever em pequenos passos" (Rosa Filho, Rose, Souza, Hanna & Fonseca, 1998; Sousa & Rose, 2006) por meio de tarefas computadorizadas, nas quais o aprendiz realiza seleção ou execução da resposta considerada correta. Em tarefas de seleção, um estímulo modelo condiciona a escolha dentre estímulos de comparação (geralmente três, por exemplo: diante da palavra impressa CASA, o aprendiz escolhe a figura CASA na presença de outras figuras). Em tarefas de execução, pode-se tanto nomear o estímulo figura ou palavra impressa (por exemplo, diante da palavra impressa CASA, o aprendiz deve ler CASA), quanto um estímulo modelo condicionar a escolha dentre estímulos de composição (por exemplo, diante da palavra ditada CASA, o aprendiz escolhe as letras que compõem a palavra impressa CASA na presença de outras letras).

Considerando a avaliação proporcionada pelo WISC-III e o papel das habilidades cognitivas avaliadas por meio deste teste e relacionadas ao comportamento de ler e escrever, o presente estudo teve como objetivo indicar possíveis relações entre os QIs do WISC-III e o desempenho em tarefas destinadas à avaliação da leitura e escrita, avaliadas com a aplicação do Diagnóstico de Leitura e Escrita (DLE) em participantes com DI.

 

MÉTODO

Participantes

A amostra foi composta por 16 participantes com diagnóstico de DI. O diagnóstico de DI apresentado pelos pais dos aprendizes matriculados na escola regular foi fornecido por instituição especializada e realizado por uma equipe de profissionais composta por psicólogo, médico-psiquiatra, fonoaudiólogo, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional e psicopedagogo. Este diagnóstico, para os alunos matriculados apenas na escola especial, foi obtido por laudo médico que era armazenado em pastas individuais na própria escola. A pesquisa foi conduzida em três escolas municipais e uma escola especial (local em que foram recrutados os participantes). As escolas tinham uma sala com computadores e fones de ouvido. A Tabela 1 caracteriza os participantes, com informações sobre idade cronológica, sexo, tipo de instituição de ensino e ano escolar em que estavam matriculados.

Os participantes matriculados na escola especial não cursavam um ano escolar específico, diferentemente da escola regular, pois eles eram agrupados de acordo com a idade e a dificuldade de aprendizagem apresentada. Desta forma, esta escola continha duas salas de aula para as crianças com faixa etária de seis a 15 anos de idade, que se dividiam entre os aprendizes caracterizados com maior dificuldade de aprendizagem (Grupo de Alfabetização 1) e aqueles que estavam mais adaptados às exigências acadêmicas (Grupo de Alfabetização 2), e mais duas salas para as pessoas acima de 15 anos de idade treinarem atividades de vida diária e socialização.

Instrumentos

O WISC-III (Wechsler, 2002), que tem como objetivo avaliar a inteligência entre seis anos e 16 anos e 11 meses, é composto por uma bateria de 13 subtestes, sendo que deste total, 12 foram validados para amostra brasileira. Seus dados são apresentados em termos de Quociente de Inteligência Verbal (QI Verbal), a partir da aplicação da Escala Verbal, QI de execução, a partir da Escala de Execução e QI total, composto pelos escores derivados dos desempenhos nas Escalas Verbal e de Execução.

A Escala Verbal analisa a capacidade para lidar com símbolos abstratos, a qualidade da estimulação do ambiente, a fluência verbal, a memória e a compreensão. Já a Escala de Execução avalia o contato não-verbal com o ambiente em que está inserido, a velocidade do trabalho e a capacidade para trabalhar em situações concretas.

A Escala Verbal é composta pelos subtestes: Informação, SSeemmeellhhaannççaass,, Aritmética, Vooccaabbuulário, Compreensão e Dígitos. A Escala de Execução agrega os subtestes: Completar Figuras, Código, Arranjo de Figuras, Cubos, Armar Objetos, Procurar Símbolos e Labirintos (Wechsler, 2002). Em adição, os dados também podem ser agrupados em quatro índices fatoriais: Compreensão Verbal, Organização Perceptual, Resistência à Distração e Velocidade de Processamento. O índice Compreensão Verbal tem como objetivo compreender: a) o conhecimento verbal adquirido pelo indivíduo durante a sua história de aprendizagem e, b) a capacidade de compreensão das perguntas realizadas (raciocínio verbal). O índice Organização Perceptual avalia o raciocínio não-verbal e a percepção para os detalhes. O índice Resistência à Distração apresenta habilidades de domínio verbal e depende da memória auditiva e sequencial. Finalmente, o índice Velocidade de Processamento permite compreender a velocidade cognitiva e psicomotora para resolução de questões não-verbais.

Como medida de avaliação das habilidades de leitura e escrita foi aplicado o DLE (Fonseca, 1997), o qual não é um teste validado e padronizado, nem apresenta dados normativos. Essa avaliação conta com uma versão informatizada, composta por 15 tipos de tarefas de emparelhamento entre figuras, palavras ditadas e palavras impressas correspondentes a partir dos processos de discriminação, e cujas tentativas não contêm consequências diferenciais para acerto ou erro em relação à resposta, pois não visam o ensino.

As tarefas2 foram divididas em seis relações de seleção (relações BB, CC, AB, AC, BC, CB) e nove relações de execução (CD - dividida em leitura de palavra inteira, de sílabas, de consoantes e de vogais, BD, AE, AF, CE, CF). Cada tarefa é composta por 10 itens, ou seja, se o aprendiz respondesse corretamente cada tarefa, seu desempenho recebia a pontuação 10. Com exceção da leitura de sílabas (n=20), leitura de vogais (n=25) e leitura de consoantes (n=18) que tinham quantidades diferentes de itens.

Procedimento

Esse trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da UFSCar (CAAE - 4918.0.000.135-10 - Parecer 081/2011) e as atividades iniciaram após assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pelos respectivos responsáveis dos participantes.

Primeiramente foi aplicado o WISC-III (Wechsler, 2002) e na sequência o Diagnóstico de Leitura e Escrita (Fonseca, 1997). O procedimento se constituiu em três fases, a destacar: primeiramente ocorreu (a) o recrutamento dos participantes, (b) a aplicação do WISC-III, (c) a avaliação do desempenho em leitura e escrita. A aplicação do WISC-III foi realizada em dois dias diferentes com cada participante, com duração de uma hora para cada dia. A aplicação do DLE foi realizada em um único dia, com duração média de uma hora com cada criança.

Análise dos dados

Para atender ao objetivo proposto pelo presente estudo, os resultados foram categorizados a partir de uma análise individual do desempenho dos aprendizes nas duas avaliações (WISC-III e DLE) e, posteriormente, a correlação entre essas variáveis foi estimada por meio do coeficiente de correlação de Spearman, uma vez que os escores nos instrumentos não apresentaram uma distribuição normal.

 

RESULTADOS

Os resultados são apresentados, primeiramente, em termos de QIs e Índices Fatoriais dos participantes no WISC-III, em seguida, as pontuações individuais nas tarefas que integraram o Diagnóstico de Leitura e Escrita (DLE) e por último, as correlações entre tais resultados. A Tabela 2 indica os QIs e Índices Fatoriais (IF) dos participantes no WISC-III, em termos de mínimo e máximo, média e desvio padrão. Vale dizer que o QI Verbal representa os desempenhos nos subtestes verbais. O QI de Execução é representativo dos subtestes de execução. O Índice Fatorial de Compreensão Verbal inclui os subtestes Informação, Vocabulário, Semelhanças e Compreensão. O Índice Fatorial de Organização Perceptual compreende os subtestes Completar Figuras, Arranjo de Figuras, Cubos e Armar Objetos. Já o de Resistência à Distração é relativo aos subtestes Aritmética e Dígitos. Por fim, o Índice Fatorial de Velocidade do Processamento é composto pelos subtestes Código e Procurar Símbolos.

Por meio da Tabela 2 é possível observar que, em termos da média, todos os QIs e Índices Fatoriais do WISC-III foram classificados como abaixo da média, sendo que, segundo a normatização e classificação, apresentadas no manual do teste, a interpretação seria "intelectualmente deficientes". Dentre as médias, a maior foi obtida em relação ao Índice de Velocidade de Processamento e a menor em Resistência à Distração.

A Tabela 3 mostra a pontuação, em uma escala de zero a 10 para as tarefas de seleção e variando até um máximo de 25 nas tarefas de execução, de cada participante em cada uma das tarefas avaliadas pelo Diagnóstico de Leitura e Escrita. Na Tabela 3 é possível constatar que, em geral, os participantes apresentaram uma maior frequência de acertos nas tarefas de seleção do que nas tarefas de execução, talvez porque esta atividade envolva dificuldades em outros repertórios, como nomear e escrever palavras por meio de unidades menores.

Dentre as tarefas de seleção, os emparelhamentos BB e CC são tarefas de identidade (entre figuras e palavras impressas, respectivamente), em que o participante selecionava o estímulo de comparação idêntico ao estímulo modelo. Essas atividades, por sua vez, são consideradas habilidades rudimentares para o desenvolvimento de tarefas que envolvem discriminação auditivo-visual. Os participantes demonstraram desempenhos mais homogêneos para a tarefa de identidade com figuras, quando comparado aos desempenhos de identidade com palavras.

Em função da dificuldade em reconhecer a palavra impressa, os participantes apresentaram menor desempenho nas atividades de seleção AC, BC e CB, e as de execução CD, AE e AF. Em relação à leitura de palavras impressas (tarefa CD), com exceção do participante 12 que leu seis palavras e do 10 que leu cinco, os demais não leram qualquer palavra ou um número muito baixo (um ou três). Os pontos de escrita manuscrita (tarefa AF) foram maiores que os de escrita por composição (tarefa AE). De maneira geral, dentre os participantes do presente estudo, três foram caracterizados como intelectualmente limítrofes (A4, A12 e A14) e foram os três que apresentaram maior frequência de acertos nas tarefas de seleção, o que pode ser considerado um indício de relação entre os resultados do DLE e do WISC-III.

A Tabela 4 apresenta as correlações entre os QIs do WISC-III com os pontos obtidos com o DLE. Embora não tenham sido encontradas correlações fortes entre as tarefas, foram identificadas correlações moderadas e significantes. Pode-se observar que, quanto ao QI Verbal, as correlações mais fracas e estatisticamente não significantes foram obtidas em relação às tarefas BB (emparelhamento por identidade entre figura-figura) e CD (nomeação de palavra); já as maiores correlações (moderadas e significantes) foram obtidas com as tarefas CDv (nomeação de vogais), CDc (nomeação de consoantes) e cópia manuscrita (CF). Os valores das correlações devem ser interpretados da seguinte forma: fortes entre 0,7 e 0,9; moderadas entre 0,4 e 0,6; e fracas entre 0,1 e 0,3 (Dancey & Reidy, 2006).

Para o QI de Execução, a correlação mais fraca e não significante foi relacionada com a tarefa BB (emparelhamento por identidade entre figuras) e a moderada, mas não significante, com a tarefa CE (ditado por composição). Em relação ao QI Total, as correlações mais fracas e não significantes foram referentes às tarefas BB (emparelhamento por identidade entre figura-figura), AB (emparelhamento palavra ditada-figura), BD (nomeação de figuras) e AE (ditado por composição), enquanto a maior correlação (moderada e significante) foi para a tarefa CE (ditado por composição).

No que concerne ao Índice Fatorial de Compreensão Verbal, as correlações mais fracas e não significantes foram paras as tarefas CB (emparelhamento palavra impressa-figura) e CD (nomeação de palavras) e a maior correlação (moderada e altamente significante) foi para a tarefa CDv (nomeação de vogais). Para o Índice Fatorial de Organização Perceptual a correlação mais fraca e não significante foi para a tarefa BB e não foram identificadas correlações moderadas ou significantes para qualquer tarefa.

O Índice Fatorial de Resistência à Distração obteve correlação mais fraca e não significante com a tarefa CB (emparelhamento palavra impressa-figura), CDv (nomeação de vogais) e AE (ditado por composição) e a maior correlação moderada e significante com a tarefa AC (emparelhamento de palavra ditada-impressa). Finalmente, o Índice Fatorial de Velocidade de Processamento teve correlação fraca com a tarefa CDs (nomeação de sílabas), em contraste, a maior correlação (moderada e significante) foi obtida em relação a CE (cópia por composição).

 

DISCUSSÃO

A proposta principal do presente estudo foi indicar possíveis relações entre os QIs e IFs do WISC-III e o desempenho em tarefas destinadas à avaliação da leitura e escrita, avaliadas pelo DLE em participantes com deficiência intelectual (DI). A escolha do DLE como instrumento avaliativo não validado foi oriunda da quantidade de dados acumulados produzidos com o seu respectivo uso (p. ex.: Souza & Rose, 2005; Fonseca, 1997; Reis, Souza & Rose, 2009), além da possibilidade de um detalhamento comportamental do repertório rudimentar de leitura e escrita, em contraste, com outros testes, como por exemplo, o Cloze (Joly & Istome, 2008; Taylor, 1953) que não apresenta tal detalhamento e o que também ocorre com as medidas aplicadas em larga escala (como, a Prova Brasil), pois mensuram a habilidade mais complexa: a compreensão de textos. Assim, o presente estudo pode ser considerado como um primeiro passo na direção da validação de critério do teste.

Destarte, a fim de complementar e corroborar as investigações sobre a provável relação entre o repertório de leitura e escrita e o QI, na avaliação de crianças com DI, o presente estudo verificou a correlação entre o DLE e o WISC-III em crianças já diagnosticadas com tal deficiência. Esses testes foram utilizados com a finalidade de caracterizar os aprendizes em relação aos aspectos do desenvolvimento cognitivo e especificamente o desempenho em leitura e nas tarefas de ditado (compreendidas no presente estudo como habilidades de escrita).

Deste modo, ao se verificar as possíveis correlações entre WISC-III e DLE, buscou-se uma avaliação mais fidedigna de indivíduos com limitações cognitivas, com a finalidade de mapear seus desempenhos e posteriormente ampliar as suas habilidades existentes e aquelas que precisam ser desenvolvidas. Com isso, aumentar-se-á a garantia de medida avaliativa e se proporcionará mais eficácia para a caracterização de crianças com DI, o que poderá auxiliar no planejamento de futuras intervenções que propiciem o desenvolvimento de habilidades básicas. O diagnóstico da DI, quando composto por múltiplos testes, fornece possibilidades de planejamento de intervenção e atividades específicas para ensino de habilidades rudimentares de leitura e escrita (Carvalho & Maciel, 2003). Assim, as duas técnicas (DLE e WISC-III) juntas favoreceram uma compreensão mais completa da DI.

Os resultados encontrados após a aplicação dos instrumentos de avaliação fornecem um panorama dos repertórios que indicam as dificuldades e as potencialidades dos participantes e servem como base para a programação de futuras intervenções educacionais. Apesar do WISC-III possuir finalidade distinta do DLE, ambos avaliam construtos relacionados e possuem tarefas padronizadas, que possibilitam avaliar o desempenho de um aprendiz sob um conjunto sistemático de condições. Segundo Wechsler (2002), o escore baixo em um teste de inteligência não significa necessariamente um funcionamento intelectual baixo e nem o estabelecimento de um diagnóstico de deficiência intelectual. Wechsler e Figueiredo (2002) apontam algumas variáveis que podem refletir sobre QIs baixos e que devem ser levadas em consideração, tais como: diferenças culturais ou linguísticas em relação ao grupo de padronização; suscetibilidade à distração ou ansiedade; condições limitantes como deficiência física, visual ou auditiva; recusa em cooperar com o examinador.

Assim, os testes utilizados se complementam para fornecer informações sobre os repertórios cognitivos presentes em cada indivíduo e sobre os comportamentos que ainda faltam ser adquiridos. O DLE, além de ampliar a avaliação proporcionada pelo WISC-III sobre o repertório verbal, auxilia nas limitações deste instrumento em testar crianças com algum tipo de deficiência física, visual ou auditiva; pois possibilita, a partir de uma aplicação informatizada e individualizada, uma interação alternativa da criança com o computador de modo a auxiliar na execução das tarefas programadas conforme a dificuldade particular de cada criança.

De acordo com Medeiros e Teixeira (2000), para que ocorram os processos comportamentais envolvidos na aprendizagem da leitura e da escrita, é necessária a estimulação adequada dos comportamentos do organismo e a ocorrência do reforçamento das suas respostas corretas, a fim de que o sujeito possa estabelecer as relações necessárias para o aprendizado. Para alcançar esse repertório mais complexo, é preciso garantir, primeiramente, o ensino de habilidades anteriores, isto é, ainda mais básicas e rudimentares, referentes à aprendizagem de leitura e escrita. Ainda que o WISC-III propicie um mapeamento cognitivo amplo, as médias obtidas no presente estudo, não foram superiores a 65, no QI total, que é classificado como intelectualmente deficiente (<69). Apesar deste resultado, todos os participantes obtiveram pontuação máxima na identidade entre figuras (BB), com exceção dos números 11, 3 e 15; média de 7,5 pontos na identidade entre palavras impressas (CC); média de 8,4 pontos na tarefa de seleção de figuras da palavra ditada (AB) e média de 6 em nomeação de figuras (BD), tais tarefas avaliam habilidades elementares importantes para o desenvolvimento da leitura e escrita e foram identificadas nos repertórios dos participantes com deficiência intelectual pelo DLE.

Esses dados demonstram o benefício de utilização de outros testes ou técnicas, além do WISC-III, que investiguem as habilidades que compõem os repertórios de leitura e escrita, em especial, as mais elementares. Nesse contexto, o DLE pode ser considerado como uma estratégia promissora para a avaliação do repertório mais detalhado na DI, em comparação ao WISC-III que não aferiu minuciosamente as habilidades elementares (habilidades rudimentares, anteriores à compreensão, como as relações de identidade) que os participantes apresentavam ao longo da avaliação.

Discutindo especificamente as correlações entre o DLE e o WISC-III, o QI Verbal e o IF de Compreensão Verbal tiveram maior número de correlações significantes. O QI Verbal teve correlação moderada e significante com a tarefa de seleção BC, de nomeação de figuras, sílabas, consoante e vogal (BD, CDs, CDc, CDv, respectivamente) e de escrita (AF, CE e CF). Para as demais tarefas o QI Verbal não teve correlações significantes. O IF de Compreensão Verbal mostrou correlação moderada e significante com a tarefa de seleção BC, as tarefas de nomeação BD, CDs, CDc, CDv e as tarefas de escrita AF, CE e CF. As demais tarefas tiveram correlações não significantes. Isso mostra que o QI Verbal e o IF de Compreensão Verbal tendem a se correlacionar com essas tarefas, ou melhor, quanto maior o desempenho nas tarefas verbais e de compreensão verbal no WISC-III, maiores os desempenhos nas tarefas de seleção CC e BC, nas tarefas de nomeação BD, CDs, CDc, CDv e nas tarefas de escrita AF, CE e CF do DLE.

Estudos anteriores, que compararam os resultados de leitura aos dados do WISC-III, utilizaram o Teste Cloze (Taylor, 1953) para mensurar o desempenho em leitura (Joly & Istome, 2008). O Teste Cloze é composto por aproximadamente 200 vocábulos, com a omissão do quinto vocábulo. O participante é instruído a preencher a lacuna (ou seja, escrever) com a palavra que julgar mais apropriada para a constituição de uma mensagem coerente e compreensiva. Os dados do presente estudo corroboram parcialmente os obtidos no de Joly e Istome (2008), com o Teste Cloze, visto que no estudo em questão foram encontradas correlações altas e muito significantes para todos os QIs, enquanto no presente estudo foram encontradas poucas correlações moderadas e significantes.

No DLE é possível identificar como compreensão de leitura as tarefas BC e CB e de escrita AE, AF, CE e CF. Neste estudo verificou-se que a tarefa BC do DLE foi correlacionada de maneira moderada e significante com o QI Verbal e o IF de Compreensão Verbal, enquanto a tarefa CB não teve correlação estatisticamente significativa com o QI Verbal, os Índices Fatoriais de Compreensão Verbal e de Resistência à Distração. Para as tarefas de escrita, o QI Verbal não se correlacionou significantemente com a tarefa AE, mas mostrou correlação moderada e significante com as tarefas AF, CE e CF; o QI de Execução não se correlacionou significantemente com CF; o QI Total obteve correlação não significante com as tarefas AE e AF e moderada e significante com as tarefas CE e CF; o IF de Compreensão Verbal demonstrou correlação significante com AE, mas foi moderada e significante com AF, CE e CF;

os IFs de Organização Perceptual e Resistência à Distração apresentaram apenas correlações fracas, para o primeiro em relação às tarefas CE e CF e o segundo para todas as tarefas de escrita avaliadas; o IF de Velocidade de Processamento se correlacionou moderadamente com as tarefas CE (significante) e CF (não significante).

Uma limitação identificada no estudo se refere à descrição dos resultados dos subtestes, para que análise pudesse ser mais completa e permitir a identificação das forças e fraquezas dos participantes. Estudos posteriores podem realizar essas comparações.

 

CONCLUSÕES

As correlações entre os dados do DLE e do WISC-III podem fornecer subsídios para complementar uma avaliação tanto do desempenho cognitivo, em geral, como especificamente sobre o repertório de leitura e escrita. Foi constatado que as habilidades verbais (QIV) e de compreensão verbal (ICV) mostraram correlações significantes com nove e oito tarefas, respectivamente, o que pode indicar, ainda que introdutoriamente, que tais tarefas estão relacionadas ao comportamento de ler e escrever.

Sugere-se que estudos posteriores ampliem a amostra investigada, a fim de obter dados que corroborem os achados analisados no presente estudo, além de verificar outras variáveis de análise, como o ano escolar em que estão matriculados e a separação por gênero.

 

REFERÊNCIAS

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Recebido em 25/11/2014
Revisto em 23/04/2015
Aceito em 05/05/2015

 

 

* Endereço para correspondência: Rua dos Cravos, 600 - Ap. 08, São Carlos-SP, CEP: 13566-536. Fone: (16)88271426, Email: pribenitez@yahoo.com.br; mayra.lais@hotmail.com; patriciaws01@gmail.com; camila@ufscar.br
1 O presente trabalho recebeu financiamento da bolsa de estudos de Doutorado, concedido pela FAPESP (Processo no2010/16701-0), tal como da bolsa de estudos de Mestrado da CAPES e financiamento do Benefício Complementar, concedido pela FAPESP (Processo no 477068/2012-0).
2 Legenda: BB - emparelhamento por identidade com figuras, CC - emparelhamento por identidade com palavras impressas, AB - seleção de figura diante da palavra ditada, AC - seleção da palavra impressa diante da palavra ditada, BC - seleção da palavra impressa diante da figura, CB - seleção da figura diante da palavra impressa, BD - nomeação da figura, CDp - leitura da palavra impressa, CDs - nomeação de sílaba, CDc - nomeação de consoante, CDv - nomeação de vogal, AE - ditado por composição, AF - ditado manuscrito, CE - cópia por composição, CF - cópia manuscrita.

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