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Boletim de Psicologia

versão impressa ISSN 0006-5943

Bol. psicol vol.65 no.143 São Paulo jul. 2015

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

 

Avaliação da psicoterapia breve de adulto: contribuição do teste de apercepção temática T.A.T.

 

Brief adult psychoterapy evaluation: the Thematic Apperception Test contribution

 

 

Rosa Maria Lopes AffonsoI,*; Anne Prado de FariaII,*

IDepartamento de Psicologia Clínica do Centro Universitário UNIFMU - SP - Brasil
IIConsultório particular - SP - Brasil

 

 


RESUMO

O objetivo do trabalho foi demonstrar a análise da evolução de um caso clínico de psicoterapia breve de adulto por meio da aplicação do Teste de Apercepção Temática - T.A.T. Trata-se de uma mulher de 47 anos, encaminhada por seu médico, por apresentar sintomas como insônia e diversas fobias, com suspeita de Transtorno de Pânico. O método consistiu na aplicação do T.A.T. antes do início da psicoterapia breve e após 40 sessões psicoterápicas. A análise da evolução terapêutica da cliente em psicoterapia breve foi realizada comparando os resultados das duas aplicações do T.A.T. Verificou-se que a cliente ampliou seu campo de percepção, diminuindo alterações na senso-percepção; melhorando seu discurso qualitativamente, ampliando a representação simbólica dos conflitos e a possibilidade de resolução dos mesmos. Concluiu-se que o procedimento realizado favoreceu a análise comparativa das funções mentais antes e depois da psicoterapia breve.

Palavras-chave: Avaliação da psicoterapia breve; T.A.T. ; avaliação da evolução da psicoterapia; Psicologia Clínica.


ABSTRACT

The article's objective was to analyse the development of an adult clinical case, using the brief psychodynamic psychotherapy technique by applying the Thematic Apperception Test - T.A.T. This clinical case is about a 47 years old woman that was referred by her doctor due to her symptoms such as insomnia and several phobias, diagnosed temporarily as panic disorder. The method consisted in applying a T.A.T. projective test, in the beginning and at the end of treatment, after 40 psychotherapy sessions. The analysis of client's therapeutic development was performed by comparing the results of the two T.A.T. administrations. Based on the T.A.T results, it was possible to observe that the client had extended her perception, decreasing variation in sense-perception; improving her speech qualitatively, ameliorating her symbolic conflict representation and a possible resolution of them. The conclusion about the procedure performed is that it favors the comparative analysis of mental functions before and after the client's psychotherapeutic process.

Key words: Brief psychotherapy evaluation; T.A T; psychotherapeutic evolution evaluation; Clinical Psychology.


 

 

INTRODUÇÃO

A avaliação da prática psicoterapêutica tem ocupado muitos pesquisadores ao longo de várias décadas, principalmente, aqueles que utilizam o método breve de psicoterapia, pois além de críticas sobre a delimitação da duração, tipos de intervenções, desaparecimento e retorno de sintomas, o psicoterapeuta necessitou desenvolver instrumentos de avaliação dos efeitos terapêuticos do método (Simon, 1997). Atualmente, pode-se dizer que a ciência psicológica tem contribuído significativamente para extrapolar os muros do senso comum, como por exemplo: "eu melhorei muito quando fiz psicoterapia, pois já consigo dormir" ou "já consigo conversar com meu marido." Estes são exemplos de afirmações, que dependem fundamentalmente de um discurso verbal do cliente em relação aos seus sintomas. Hoje é possível encontrar um arcabouço de pesquisas sobre escalas de avaliação do processo psicoterapêutico, no qual se investiga não só os efeitos de melhora na remissão dos sintomas, mas também vários outros aspectos, tais como: melhora nas funções cognitivas, na qualidade das relações pessoais e tipos de vínculos, na produtividade, na capacidade de assumir responsabilidades, de perceber a si mesmo e aos outros de maneira mais realista. São estudos que apontam a melhora ou não do cliente, no sentido mais abrangente e também específico, do campo da avaliação dos efeitos do método psicoterapêutico, e tem fundamentado os seus resultados positivos e negativos.

Cordioli et al. (1998) na obra "Psicoterapias: Abordagens atuais", Gabbard, et al. (2006) em "Psiquiatria psicodinâmica na prática clínica" e Malan (1981) em "As fronteiras da psicoterapia breve: Um exemplo de convergência entre pesquisa e prática", reuniram uma extensa lista de pesquisas relativas ao aprofundamento do diagnóstico e à avaliação dinâmica do processo psicoterapêutico. Eles são considerados alguns dos estudiosos de maior relevância no campo da pesquisa psicoterapêutica na atualidade. São autores que discutem, além das indicações e contraindicações do uso da psicoterapia breve, a sistematização do diagnóstico, envolvendo a motivação do cliente, seu estado produtivo ou a influência das condições das funções egóicas psicodinâmicas para a submissão terapêutica. Também pesquisaram os fundamentos dos conceitos técnicos da Psicoterapia Breve, tais como o de foco, da utilização da aliança terapêutica, da necessidade do planejamento e da especificidade da intervenção breve terapêutica.

No campo dos instrumentos de avaliação do processo psicoterapêutico são encontradas pesquisas com o uso de escalas e questionários, tais como as de Malan, (1963); Holmes e Rahe (1967); Jung, Nunes e Eizirik (2007); Hoglend, Sorbye, Sorlie, Fossum e Engelstad (1992). São escalas e questionários aplicados ao cliente e que avaliam a indicação ou não da psicoterapia breve, as funções do ego, o estresse emocional, sendo a maioria centrada ou não na indicação psicoterapêutica breve. Alguns desses pesquisadores também se preocuparam com a avaliação de resultados psicoterapêuticos e novos instrumentos foram adaptados ou desenvolvidos, como por exemplo, Sifneos (1989). Gastaud e Bastos (2012) realizaram uma investigação, reunindo pesquisadores preocupados com os resultados psicoterapêuticos de 1930 até 2012, em que foi mencionada com frequência a utilização da Escala de Avaliação Global do Funcionamento (GAF), descrita no eixo V do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais IV (2002, p. 64) para rastrear o progresso clínico do paciente, por meio de uma escala que reflete o nível de funcionamento ou gravidade dos sintomas. Esta escala se destina ao planejamento do tratamento, colaborando no prognóstico do mesmo. Mencionaram também o Questionário de Efetividade (EQ), composto por perguntas, que investigam o motivo da busca de tratamento, estado emocional e físico, aplicado no início do tratamento e durante os atendimentos, em que é investigada a percepção do paciente quanto à satisfação e aos benefícios do tratamento psicoterápico. No Brasil, uma escala muito usada para fins diagnósticos, que avalia a eficácia adaptativa do cliente, é a Escala Diagnóstica Adaptativa Operacionalizada (EDAO), desenvolvida por Simon (1997), que investiga pela análise de entrevistas psicológicas as soluções dadas pelo cliente, ao responder a quatro setores adaptativos: afetivo-relacional, produtividade, orgânico e sócio-cultural. Vale também mencionar um dos recentes trabalhos desenvolvidos no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, na tese de doutorado de Sonia Maria da Silva (2013), a padronização da escala para a avaliação de resultados terapêuticos, o Outcome Questionnaire - OQ-45.2, que é um dos instrumentos para avaliar os ganhos obtidos pelo paciente na psicoterapia. Portanto, pode-se verificar, que a preocupação com pesquisas sobre instrumentos para avaliar a psicoterapia, visa qualificar o uso da psicoterapia breve, tanto no seu aprofundamento técnico como teórico, o que justifica a sua aplicabilidade.

Wallerstein (1998, 2000) dividiu em quatro gerações os pesquisadores do método psicoterapêutico: a primeira geração (de 1917 a 1960) se preocupou com a frequência estatística dos resultados da psicoterapia de acordo com as patologias; a segunda geração (1950 até 1980) empregou medidas específicas, por meio de escalas ou testes, antes e após os tratamentos. A terceira geração, também contemporânea, de 1950 a 1970, pesquisou, além dos resultados, o processo psicoterapêutico: "como os pacientes melhoram? por que melhoram?". Esta geração introduziu as investigações pós-tratamento. Finalmente, a quarta geração, que vai de 1980 até a presente data, tem demonstrado a complexidade das medidas dos resultados psicoterapêuticos, exigindo aperfeiçoamento constante da técnica, construindo instrumentos psicométricos ou aperfeiçoando as análises do processo. Convém lembrar também as pesquisas que demonstraram a ausência de evidências da superioridade de uma abordagem sobre a outra (Gaston & Marmar, 1994). Muitas pesquisas foram apresentadas em vários encontros científicos, realizados em vários países, mas se ressalta aqui, O Congresso Mundial da Sociedade de Pesquisa em Psicoterapia, que existe há 50 anos e que exemplifica a ampla história de pesquisas nesta área. Trata-se de um evento, geralmente realizado nos países do Norte (Europa ou Estados Unidos), e que reúne vários pesquisadores de diferentes abordagens teóricas, tais como a comportamental, a psicanalítica, a existencial ou a psicodinâmica, no qual o profissional pode atualizar e integrar os conhecimentos sobre as pesquisas relativas à Psicoterapia Breve ou de longo prazo. Por exemplo, no Congresso realizado na Dinamarca, em 2014, a preocupação de alguns pesquisadores era avaliar, por meio de escalas ou da análise dos registros terapêuticos, os efeitos terapêuticos a cada encontro com o cliente (Constantino, Bernecker, Pazzaglia, Ametrano & McVicar (2014); Constantino, Westra, & Antony (2015); Boswell & Gallagher (2014); Penedo, Ryberg & Roussos (2014); Altenstein, Zimmermann, Krieger, Doerig & Holtforth, 2014).

Na América do Sul destacam-se as pesquisas de Braier (1997), psicanalista e estudioso incansável da psicoterapia breve na Argentina, e de Lemgruber (1997), Simon (1997) e Yoshida (2004), no Brasil. Braier iniciou seus trabalhos a partir de atendimentos em seu consultório e em Centros de Psicologia Médica na década de 1970 e, com as colaborações de Fiorini (1973) e de outros, se tornou referência na didática do ensino e no atendimento em Psicoterapia Breve (PB), a partir de sua revisão minuciosa dos conceitos de Malan (1963, 1981) sobre a terapia focal. Segundo Braier (1997, p.16)

deve-se ser cauteloso ao se conceituar as Psicoterapia Breves (PB), ou seja, elas não são um tipo de ‘psicanálise breve'. Além da questão do tempo, fundamental para a técnica, embutida em seu próprio nome ‘Breve', a técnica da PB é delimitada temporalmente de modo circunscrito, mas também deve responder a outros critérios, como: estabelecimento do ‘foco' a ser trabalhado, ‘objetivos' a serem atingidos e a exigência de um planejamento estratégico.

Trad (1997, p. 55), outro estudioso do assunto, conceitua a PB da seguinte forma: "A psicoterapia breve, ao contrário da psicoterapia de tempo indeterminado, trata-se de um esforço pragmático, cujo objetivo específico é operar uma mudança ou modificação perceptível nos padrões interpessoais". Este pragmatismo é muitas vezes imposto por questões sociais, por exemplo: maior rapidez na ‘cura', e institucionais, pois se espera que o tempo seja um fator de limitação das demandas do cliente, bem como das demandas econômicas, que circunscrevem o contexto psicoterapêutico. Trad (1997) acentua, por sua vez,

que tal procedimento tende a ser um catalisador de motivações para mudanças, do ponto de vista do cliente, mas também de busca de uma aliança terapêutica por parte do terapeuta, tendo como consequência o desafio do cliente para superar seus conflitos (p. 59).

Ou seja, Trad, assim como outros estudiosos do modelo breve de atuação, defende o estudo minucioso dos critérios de uso da técnica breve e de sua adequação aos diagnósticos clínicos.

No Brasil, a PB tem se expandido nas últimas décadas como forma de estender os atendimentos psicológicos a uma parcela mais ampla da população. Além de se expandir nas instituições, tem aumentado seu uso em consultórios particulares. Isso ocorre, porque os pacientes estão cada vez mais procurando uma psicoterapia que trabalhe com problemas específicos e, muitas vezes, não têm condições ou motivação para se envolverem em um processo psicoterápico prolongado (Oliveira, 1999). Segundo Braier (1997, p. 251) essa proposta breve de atendimento exige, por parte dos clínicos e pesquisadores, maior aprofundamento, seja no diagnóstico seja no estudo do processo e de sua avaliação, o que requer uma visão epistemológica de todo o processo. Os objetivos da técnica da PB podem ser colocados em termos de superação de sintomas e problemas atuais da realidade do paciente, para que este possa enfrentar situações conflitivas de forma mais adequada e recuperar sua capacidade de desenvolvimento. Entretanto, a resolução destes ‘problemas imediatos' e o alívio sintomático devem corresponder à obtenção de um princípio de insight do paciente a respeito de conflitos subjacentes, o que significa, segundo Braier (1997, p. 188), propor que os conteúdos inconscientes se tornem conscientes. Porém, esta não deve ser a meta principal da PB, isto é, a de exploração do inconsciente, tal como na psicanálise.

A PB é, portanto, uma intervenção terapêutica com tempo e objetivos limitados. Deve-se delimitar um foco baseado, muitas vezes, em uma avaliação diagnóstica, buscando-se objetivos a serem alcançados em um determinado tempo, que pode ou não ser preestabelecido por meio de estratégias clínicas específicas. Desta maneira, verifica-se que, nas pesquisas, a PB se alicerçou na avaliação, que envolve o estudo do foco, das estratégias, da motivação e dos seus objetivos.

A partir de um planejamento para a psicoterapia, no qual o profissional se torna muito mais ativo e criativo, torna-se importante também o olhar sobre a técnica. Muitos estudiosos da área (Braier, 1997; Gillièron, 1990; Oliveira, 1999; Santeiro, 2005; Yoshida & Enéas, 2004) começaram a questionar e avaliar os resultados da PB, bem como a evolução dos pacientes durante o processo e, além disso, se estes seriam duradouros, apesar de circunscritos.

Braier (1997) afirma que a experiência clínica tem demonstrado que, pela psicoterapia breve, pode-se obter efeitos terapêuticos benéficos e duradouros, que podem ser verificados por acompanhamento após o término do processo. Entretanto, os resultados positivos devem ser investigados a partir de critérios dinâmicos, ou seja, indagando-se sobre sua natureza íntima, alcance e estabilidade. Entre os resultados favoráveis registrados, é possível mencionar: alívio ou supressão dos sintomas; mudanças em relação à situação-problema; consciência da enfermidade psíquica; elevação, recuperação ou auto-regulação da auto-estima; modificações favoráveis em diversas áreas da vida do sujeito; projetos para o futuro, modificações na estrutura da personalidade. Independente de quais seriam os ganhos da PB, para Braier (1997) a avaliação do processo terapêutico é muito importante, pois tem a finalidade primordial de verificar, se estão sendo cumpridos os objetivos traçados no início. Com base nesta avaliação são estabelecidos os caminhos a serem seguidos, tais como: 1) renovação de objetivos e foco, quando estes já foram solucionados ou, quando não são mais relevantes ao paciente; 2) encerramento do processo; 3) encaminhamento para outro tipo de psicoterapia, considerando as limitações da técnica da PB. Levando em conta que este processo de avaliação é muito subjetivo, pois envolve sempre o relacionamento entre paciente e profissional e aspectos da personalidade de ambos, Braier propôs alguns itens no processo de avaliação da evolução do paciente: "1) Insight da problemática focal (I.P.F.), 2) Resolução da problemática focal (R.P.F.), 3) Melhoria sintomática (M.S.), 4) Consciência da enfermidade, 5) Autoestima, 6) Outras modificações favoráveis (vida sexual, relações interpessoais, estudo, trabalho e lazer), 7) Projetos para o futuro" (Braier, 1997, p. 194).

Braier menciona a importância do uso de testes psicológicos e sugere a reaplicação de um, ou dos instrumentos utilizados, no psicodiagnóstico, pois acredita que tal procedimento permite ampliar a observação das modificações obtidas, antes e após a psicoterapia. Observa-se que este processo é pouco comentado na literatura e pouco empregado na prática clínica, seja por razões de tempo ou, porque nem sempre é o mesmo profissional que realiza o psicodiagnóstico ou, ainda, porque nem sempre os clientes são submetidos a testes psicológicos. Arango e Travieso (1948), Silva (1965) e Herzberg (2000) publicaram trabalhos utilizando o Teste de Apercepção Temática (T.A.T.) como instrumento da investigação do funcionamento mental e como instrumento de intervenção no processo psicoterapêutico.

Vale lembrar que a expressão ‘métodos projetivos', criada por Frank em 1939, é utilizada até hoje para designar um conjunto de instrumentos que procuram avaliar o indivíduo naquilo que ele tem de singular. Desta maneira, se diferencia das técnicas psicométricas, de tradição quantitativa e normativa (Silva, 1989). Ao aplicar um teste projetivo, busca-se favorecer ao máximo o aparecimento de conteúdos de significação interna do sujeito, daí a utilização de estímulos pouco estruturados e que, comumente, compõem o material dos testes projetivos, como por exemplo, o T.A.T..

O T.A.T. foi desenvolvido por Murray (2005) e possibilita investigar a personalidade do examinando por meio de figuras em cenas, que podem representar diversas situações, para as quais o sujeito deve criar uma história a partir de seus próprios referenciais, daí ser considerado um teste temático, como por exemplo, a partir de uma cena, onde há um menino olhando um violino. A partir da história é possível avaliar sua relação parental, conflitos, superação dos mesmos, defesas, capacidade de insight e de percepção da realidade. Murray (2005) partiu do pressuposto, de que cada sujeito iria experimentar uma mesma situação de maneira diferente, de acordo com sua perspectiva pessoal. Esta maneira pessoal de elaborar uma experiência revelaria a atitude e a estrutura do indivíduo frente à realidade, na qual ele poderia expressar sentimentos, lembranças, idéias. Assim, o terapeuta teria acesso à personalidade subjacente deste indivíduo. Para Murray, a personalidade é vista como um compromisso entre os impulsos e as demandas do ambiente.

Na abordagem psicodinâmica, é conhecida a importância dos testes psicológicos para o Psicodiagnóstico, mas ainda é pouco conhecida ou estudada a importância da sua utilização para a avaliação do processo psicoterápico, principalmente em relação à PB. Refletindo sobre estes aspectos, o presente trabalho avaliou a evolução de uma paciente, antes e ao final de um atendimento em Psicoterapia Breve, utilizando o T.A.T. Logo, a presente pesquisa é uma tentativa de integrar a prática da avaliação projetiva com os pressupostos da PB.

 

OBJETIVOS

Este estudo pretendeu analisar a evolução do processo terapêutico da PB a partir do atendimento de um caso clínico e discutir a importância da avaliação do processo psicoterápico para o paciente e o terapeuta.

Outro objetivo foi demonstrar como a aplicação de um teste projetivo no processo de Psicodiagnóstico, neste caso o T.A.T., pode ser comparada a sua reaplicação no processo de avaliação da psicoterapia, para evidenciar seus efeitos e eventuais mudanças favoráveis ocorridas durante o processo no paciente.

 

MÉTODO

Sujeito

A pesquisa foi constituída por um estudo de caso e de registros das sessões terapêuticas e do T.AT. de uma paciente que procurou atendimento clínico psicológico, realizado segundo uma abordagem técnica psicodinâmica psicanalítica, cujos dados serão apresentado a seguir.

Caso Clínico

A paciente era uma mulher de 48 anos, com ensino médio completo, que trabalhava de maneira autônoma como esteticista. Era solteira, mas tinha uma relação estável há 25 anos com um senhor bem mais velho que ela, ou seja, com 74 anos. Mantinha também uma relação com um "amante" há 6 anos, com um homem casado. Sua única filha, de 28 anos, cometeu suicídio um ano antes da paciente vir a procurar atendimento psicológico. Esta filha foi criada pela avó materna, desde o seu nascimento, quando a paciente saiu de sua cidade e veio para São Paulo. Sua mãe sempre a culpou pelo abandono e pela morte da filha. Após o nascimento de sua filha, já em São Paulo, teve nove abortos espontâneos, sem causa específica, com o atual companheiro.

Foi encaminhada pelo médico por causa de seus sintomas: insônia, diversas fobias e suspeita de Transtorno do Pânico. Estes sintomas, segundo a própria paciente, ficaram mais evidentes depois da morte de sua filha. Apesar de seus sintomas somáticos exacerbados, de um possível luto não elaborado pela perda da filha e de seus inúmeros abortos, ela trouxe como prioridade para a psicoterapia sua dificuldade nos relacionamentos amorosos. O foco inicial foi a representação e responsabilidade no exercício de seus papéis femininos, com o objetivo de estabelecer relações entre seus sintomas psicossomáticos e seus relacionamentos afetivos.

É importante mencionar que no primeiro ano de psicoterapia, seus sintomas psicossomáticos desapareceram quase completamente, conforme ela pôde entrar em contato com sua afetividade. Este processo foi fundamental para seu desenvolvimento no processo psicoterápico seguinte, que teve duração de mais um ano, com restabelecimento do foco e dos objetivos.

Na segunda etapa da psicoterapia breve (segundo ano) o foco inicial foi mantido em sua essência, porém direcionado para a reavaliação de sua imagem, enquanto esposa, mãe e filha, já que o grande desejo da cliente, naquele momento, era o de constituir uma família, com um casamento e filhos. Ela negou este desejo, por não ter entrado em contato com ele, durante todo o primeiro ano de psicoterapia, e que, no entender do terapeuta, esteve relacionado à culpa pelo suicídio da filha.

Material

Foi aplicado o T.A.T., que consiste em 31 pranchas, com cenas temáticas representando "situações humanas clássicas", e que, segundo Murray (2005), possibilitam uma certa "distância psicológica" para favorecer a projeção de desejos e tensões do cliente, sem que essa distância seja tão acentuada e inviabilize a identificação com o personagem. O terapeuta no Psicodiagnóstico, comumente, escolhe de oito a 20 pranchas, solicitando que o cliente conte uma história com "começo, meio e fim".

Neste trabalho foram utilizadas apenas quatro pranchas do TAT: 2; 4; 7 e 10. A escolha das pranchas foi baseada no foco psicoterapêutico estabelecido e que norteia a Técnica de Psicoterapia breve. Definiu-se como "foco o material consciente e inconsciente do paciente, delimitado como área a ser trabalhada no processo psicoterapêutico e que é estabelecido por meio de avaliação e planejamento prévio." (Lemgruber, 1997, p. 39). As pranchas escolhidas foram as que investigam os papéis femininos, segundo a problemática da cliente. "Esta escolha do foco é, comumente, realizada pelo terapeuta que busca na história de sofrimento do cliente o conflito crônico e que aparece em muitos dos eventos narrados durante as sessões." (Cordioli et al., 1998, p. 148). Na apresentação do estudo de caso da cliente essa problemática é, também, esclarecida.

Procedimento

É importante mencionar, que antes da aplicação da pesquisa o termo de consentimento livre e esclarecido foi autorizado e assinado pela cliente para a utilização de seus relatos.

O T.A.T foi aplicado no psicodiagnóstico e ao término do atendimento em PB. Após a apresentação das instruções do teste, o psicoterapeuta anotou a latência e o tempo total, bem como as pausas na narração da história. Após o registro da história, o terapeuta realizou o Inquérito para esclarecer a história e colaborar para a expressão das representações do cliente. Não foram analisados nesta pesquisa a latência e o tempo total, uma vez que o foco da pesquisa foi a da análise das histórias. Com relação às pausas, foram consideradas como significativas, aquelas acima de cinco segundos (Murray, 2005).

O T.A.T. foi escolhido para a avaliação da evolução do processo psicoterapêutico, pois, entre diversas avaliações das relações e da estrutura da personalidade, ele tem também, "como principal função, a avaliação do grau de percepção da realidade do paciente" (Murray, 2005, p. 9). Assim, as histórias narradas pela cliente foram analisadas segundo o método psicodinâmico, proposto por Braier (1997, p. 49), no qual se avaliam alguns aspectos principais, tais como: "Insigth da problemática focal, resolução da problemática focal, melhoria sintomática, consciência da enfermidade, auto-estima, modificações favoráveis (relações interpessoais, trabalho, lazer, vida sexual, estudo), e projetos para o futuro".

Para apresentação dos resultados foi utilizado um método comparativo dos registros de trechos das histórias das quatro pranchas do T.A.T., que foram aplicadas no psicodiagnóstico, no início do tratamento, e reaplicadas ao término do processo terapêutico, após 40 sessões (período de dois anos). Além disso, foram utilizados recortes de sessões a respeito dos atendimentos e da realização do teste, sempre com o objetivo principal de mostrar a evolução do caso.

A análise comparativa foi realizada, tendo as pranchas como estímulo desencadeador de expressão e os comentários da própria paciente durante o processo de aplicação do T.A.T.. A análise interpretativa referida é uma avaliação com abordagem psicanalítica, em que são valorizadas as associações livres do cliente diante do estímulo-prancha do T.A.T. e nas quais se procura identificar, pela narração, as conexões possíveis com o foco da cliente, segundo a técnica da PB.

 

RESULTADOS

Os resultados serão apresentados de maneira comparativa das histórias narradas e registradas pelo terapeuta das quatro pranchas do T.A.T. aplicadas durante o psicodiagnóstico e ao término da PB. Depois será feita a análise interpretativa e a comparação entre as duas fases de aplicação, sendo evidenciadas as mudanças significativas. Para facilidade da redação os dados do TAT do psicodiagnósticos serão indicados como aplicação e o do término da PB, como reaplicação ou reteste.

Para o registro serão usados os seguintes símbolos:

(-) = Pausa menor do que cinco segundos.

T = Pergunta ou intervenção do Terapeuta.

P= Resposta ou comentário do Cliente.

Prancha 2: avalia as relações familiares, percepção do ambiente, nível de aspiração e atitude frente aos pais; pode evocar relações heterossexuais e aos papéis femininos (maternidade x realização profissional) (Murray, 2005).

Resultados do T.A.T na aplicação

História: "Ah, eu vejo uma moça como se estivesse reprimida, (-) como se estivesse sendo obrigada a ir à escola ou como se não estivesse feliz de fazer isso. A moça (se referindo à mulher grávida) não ligando para ela. Não sei o que é dela, é como se estivesse forçada. É um lugar sombrio (-) essa senhora (se referindo à mulher grávida) fez alguma coisa para ela, como se estivesse olhando para o horizonte e não estivesse nem aí pelo que a outra estivesse pensando".

Inquérito: (T) Qual é o título da história? (P) Temporal.

(T) O que aconteceu antes? (P) Ela não estava querendo obedecer a essa senhora, ou por ter mentido; desapontou ela (-) é como se ela não desse importância ao que a moça estava falando.

(T) Como era o relacionamento entre elas? (P) Não é bom, não se entendem.

(T) O que estava pensando? (P) A moça, pensando que a senhora poderia ser mais paciente e atenciosa com ela, talvez por algum problema que não desse atenção.

(T) Como é o desfecho? (P) A filha ficando chateada por falta de atenção.

Resultados do T.A.T. na reaplicação

História: "Eu acho que é uma pessoa resolvendo algum aspecto de crescimento. Prosperar no seu crescimento, tanto de trabalho (-) mostrando responsabilidade".

Inquérito: (T) Quem é essa pessoa? (P) Pode ser eu ou minha irmã (aponta para a jovem com livros); a senhora (se referindo à grávida) é minha mãe... resolvendo, ou pensando, ou esperando pelos filhos, ou pela filha.

(T) Esperando pelo que? (P) Pela volta de um desses quatro filhos, que estão ausentes muitos anos.

(T) Qual a relação entre as duas? (P) Uma relação não tão próxima, mas uma relação que pode acontecer.

(T) Você consegue contar uma historia sobre a imagem? (P) Vejo uma família... um pai, um trabalhador, prosperando com seu campo (-) a companheira auxiliando (se referindo à grávida), ela é a mãe (-) uma relação familiar muito boa.

(T) O que eles pensam e sentem? (P) A moça deve estar feliz; a senhora argumentando algo e parabenizando seu marido pela terra; o marido aceitando a opinião.

(T) Pode dar um título? (P) Família.

Interpretação

Na análise comparativa das histórias, os mecanismos de defesa projeção e identificação projetiva ficaram mais evidentes na segunda aplicação do T.A.T, pois a cliente se colocou na história: "Pode ser eu ou minha irmã". Talvez por isto, a cliente encontrou maior dificuldade para elaborar uma história na 1ª aplicação, quando usou expressões: "talvez"; "como se estivesse". Deve-se levar em consideração que esta foi a primeira prancha aplicada na reaplicação, mas foi a segunda no Psicodiagnóstico, em que foi aplicado o T.A.T. com outras pranchas. Portanto, pode-se dizer que a cliente no psicodiagnóstico estava mais resistente ao conflito.

Na primeira aplicação, nesta prancha ocorreu uma relação conflituosa e um ambiente desagradável de falta de atenção, além do título que indica algo "turbulento" e conflitante, como um temporal, talvez uma explosão e confusão de sentimentos e pensamentos. Não conseguiu distinguir papéis, "não sei o que a mulher é dela" (sic).

Na reaplicação, pela análise da história, parece uma busca individual e a outra personagem parece não interferir tanto na atitude da principal, ela apenas "espera". A relação não é tão próxima, mas pode ser estabelecida. Também indica planos para o futuro e possível investimento na relação. No inquérito, quando incentivada, ela conta outra história, que envolve a família e, pela primeira vez aparece a figura do homem, ocupando o lugar de pai na história. O título é família, que parece retratar uma relação um pouco idealizada, mas ao mesmo tempo demonstra o desejo de fazer parte deste ambiente de compreensão e apoio, o que mostra planos para o futuro.

Na aplicação a mulher (heroína da história) está reprimida, sendo obrigada a fazer algo, ou seja, aprisionada na sua realidade. Já na reaplicação, a mulher está resolvendo aspectos de crescimento e prosperando com responsabilidade, portanto, é percebida maior autonomia, maior capacidade de resolver problemas e deixa de se colocar no lugar de vítima, começa a perceber sua parcela de culpa e responsabilidade sobre os fatos de sua vida.

Prancha 4: Esta prancha avalia os conflitos nas relações heterossexuais; conflitos de controle x impulso e conflitos do triângulo amoroso, podendo sugerir dificuldades do sujeito na vida matrimonial, (Murray, 2005).

Resultados do T.AT. na aplicação

História: "Aqui para mim é uma cena de carinho, é como se ele estivesse sentindo algo e ela o consola, afaga por algum motivo (-), só"

Inquérito: (T) Qual o título da história? (P) Momento.

(T) O que aconteceu antes? (P) Acho que ele estava com problema pessoal, emocional, e que ela o aconselhou, dando apoio.

(T) Qual era o problema? (P) Ela não sabe.

(T) Explique melhor. (P) Ele não falou para ela; tentava descobrir, mas sem saber ela o apoiava.

(T) Como era o relacionamento entre eles? (P) Não é ruim e não é bom. Estável.

(T) O que estava pensando? (P) Que ele pudesse confiar e se abrir mais com ela.

(T) E como é o término? (P) Ele tendo mais conceito dela, mesmo sem saber ela dá força e tenta compreendê-lo.

Resultados do T.A.T. na reaplicação

História: "Aqui eu vejo um casal. O rapaz está um pouco rude... ela está tentando falar algo, mas ele não quer ouvi-la. Ela assim, tem um jeitinho muito meigo e dócil. É como se ela quisesse que ele observasse mais os sentimentos dela e desse importância ao que ela tem que falar. Como se ele não desse atenção ao que é importante para ela."

Inquérito: (T) O que é importante para ela? (P) Os sentimentos, pensamentos... o que pensa a respeito dela.

(T) O que dá a impressão de que ele não presta a atenção? (P) O olhar dele, pelo gesto. Pelo olhar dela, ela é muita apaixonada. Como se os interesses dela não fossem os mesmos que os dele.

(T) O que ela quer falar? (P) Quer falar a respeito dos projetos que ela tem, de como ela gostaria de ser feliz completamente.

(T) O que falta para ela? (P) De uma família.

(T) Esse homem não tem os mesmo interesses? Quais são os dele? (P) Não. Não sei.

(T) Qual o título da história? (P) Diálogo.

Interpretação

Na aplicação, o herói é masculino e está recebendo apoio da mulher. Parece que ele não confia nela para expor seus problemas. Esse apoio aparece de maneira superficial, pois o único resultado é que ele aumenta seu conceito sobre ela. Considera-se que neste momento ainda era muito difícil para a paciente expor seus problemas, mas busca ser compreendida e apoiada. Ela se coloca no papel masculino da história, porque não consegue se colocar neste papel de quem cuida e apoia e, para não se sentir culpada, se coloca como homem se distanciando da figura feminina.

Na segunda aplicação, o herói é feminino, o que já pode demonstrar maior contato com ela mesma. Há uma clareza maior de seus interesses e uma possibilidade de comunicação com o outro. Entretanto, parece que a figura masculina não corresponde afetivamente à figura feminina, não quer ouvir e não tem os mesmos interesses. A percepção de si e da situação, ou seja, sua percepção da realidade está muito melhor, mas ainda falta uma percepção e reconhecimento dos desejos e necessidades do outro. Este aspecto ainda pode estar atrapalhando seu modo de se relacionar com a figura masculina.

Enquanto no Psicodiagnóstico não é identificado na história o conflito manifesto na prancha, na reaplicação reconhece que lhe falta a família, ou seja, pode-se afirmar que a história remete ao conflito central da cliente. Narra que "para ser feliz completamente" (sic), necessita da família, que foi o foco dos atendimentos, quando procurou ajuda terapêutica. Reconhece na história, que este companheiro não tem os mesmos interesses que a mulher, ou seja, que ele não vai conseguir lhe proporcionar o que deseja. Há um julgamento na história, o que possibilita afirmar que há o reconhecimento dos desejos (princípio do prazer) e uma interação com a realidade (princípio da realidade), tal como são entendidos na teoria freudiana (Freud, 1911/1996). Vale ressaltar, que na PB esta capacidade de julgamento é um aspecto muito importante, inclusive como condição para a indicação da intervenção psicoterapêutica (Braier, 1997).

Prancha 7F: Esta prancha investiga a relação com a figura materna; problemática referente à maternidade (Murray, 2005).

Resultados do T.A.T. na aplicação

História: "Ah... aqui para mim é uma criança desconsolada, com uma boneca. A mãe está tentando consolá-la ou está lendo um livro aqui para ela. O jeitinho dela é como se ela estivesse triste ou que tivesse feito alguma coisa que não sei (-) e aqui a mãe está tentando distraí-la de alguma coisa, lendo um conto infantil, só".

Inquérito: (T) Qual o título da história? (P) Não sei dar um título a essa história.

(T) O que aconteceu antes? (P) Eu acho que essa menininha deveria estar, como é que se fala...sendo influenciada, ou a mãe tivesse falado sobre o que ela deveria fazer...

(T) Como é o relacionamento?(P) Pelo jeito ali não é muito bom, também não é muito ruim, é uma coisa despercebida, pela carinha da menina.

(T) O que estava pensando? (P) Mesmo a mãe falando, a menininha não está querendo ouvir.

(T) E como é o término? (P) Termina com a menina se ausentando, partindo.

Resultados do T.A.T. na reaplicação:

História: "Aqui eu vejo a mãe preocupada com sua filha ou talvez lendo uma história (-) contando sobre o bonequinho que ela finge ser uma criança. Explicando que ela tinha que deixar esse boneco por algum motivo que ela não possa levar (-) e já preparando a filha para algo que pode acontecer futuramente e ela possa estar preparada".

Inquérito: (T) Com o que a mãe está preocupada? (P) Preocupada com essa criança (-) de ela vir a ter um tropeço, uma decepção lá fora e de repente não poder protegê-la... então ela já está preocupada.

(T) O que pode acontecer? (P) Talvez um amiguinho machucá-la... o desapego do brinquedo... os altos e baixos da vida.

(T) Por que a filha tem que deixar o brinquedo? (P) Porque ela (-) não pudesse estar levando o boneco (-) para escola ou para algum passeio. A mãe conta uma história para ela, para que ela não se sinta triste. Com esse brinquedo ela se sente mais segura.

(T) Como termina? (P) Mesmo com todo esse cuidado não foi o suficiente para ela se sentir segura.

(T) O que faltou? (P) Talvez a compreensão.

(T) Qual o título? (P) Preocupação.

Interpretação

Na primeira aplicação, ela se identifica com o papel da criança (filha) desconsolada, indefesa e passiva aos desejos e decisões da mãe. Mais uma vez em uma posição de vítima ("sendo influenciada"-sic), com pouca ação e poder de decisão sobre a situação.

A relação despercebida pode indicar como elas não conseguem se perceber e se comunicar para avaliar os desejos e necessidades presentes, uma relação pouco investida. O final da história pode indicar que diante do conflito, ela se ausenta e foge do problema sem resolvê-lo.

Já na reaplicação, ela consegue se colocar no papel da figura materna e reavaliar a situação por outro ângulo, ou seja, entra em contato com o conflito central. A figura materna quer protegê-la e prepará-la para decepções futuras. Ainda assim, ela ainda está no papel da filha (criança) que não pode levar a boneca. A mãe, na história da prancha, tenta prepará-la para o "desapego do brinquedo", pois com o brinquedo ela se sente segura, mas não pode levá-lo. Parece que percebe os esforços e motivos da figura materna em não deixá-la "levar o brinquedo", ou na situação real de sua vida: sua mãe não deixou com que ela ficasse com sua filha. Parece que a partir desta parte da história da prancha ela percebe que talvez figura materna tenha tido esta atitude por considerá-la incapaz de ser mãe (ela vê a filha como um brinquedo). Consegue perceber que faltou compreensão, talvez dela em relação à mãe na época, mas, principalmente da mãe em relação a ela, na sua vida real, ao não perceber o quanto seria importante ela exercer esse papel de mãe também. A mãe real, por sua vez, como maneira de protegê-la, até pode ter lhe tirado a responsabilidade de ser mãe, mas o conflito se instaurou, sendo agravado com o suicídio da filha.

Prancha 10: Esta prancha evoca conflitos do casal e atitude frente à separação; favorece a projeção de relações heterossexuais satisfatória (Murray, 2005).

Resultados do T.A.T. na aplicação

História: "Aí eu vejo esse casal muito amorosos, carinhosos, matando a saudade por ter ficado ausente um do outro por algum tempo e se encontraram e ficaram trocando carícias. É isso".

Inquérito: (T) Qual o título da história? (P) Reencontro.

(T) O que aconteceu antes? (P) Talvez ele se ausentou por algum compromisso e demorou um pouco mais que deveria e estava sentindo saudade, talvez da mulher, namorada, até mesmo da filha. Termina com eles, sentindo a ausência um do outro.

(T) Como é o relacionamento? (P) Com a mulher é estável, não com tanto carinho... não é de demonstrar muito afeto. Com a filha é mais terno, mas não é aquela coisa constante, diária, são coisas raras. É difícil ele demonstrar carinho, expressar o que está sentindo realmente.

Resultados do T.A.T. na reaplicação

História: "Eu sinto como... meu pai e minha mãe. Não presenciei nenhuma dessas cenas, de carinho e afago entre os dois. É o que eu gostaria".

Inquérito: (T) Do que você gostaria? (P) De ter visto meu pai e minha mãe em uma cena assim.

(T) Consegue contar uma história? (P) Não consigo contar historia entre meu pai e minha mãe. Consigo contar histórias de desentendimento, brigas, dor, tristeza... infelicidade.

(T) Qual o título? (P) Amor.

Interpretação

Na aplicação, parece que se identifica novamente com o papel masculino e isso é facilmente compreendido, pois logo em seguida ela fica confusa para definir o papel da mulher da história, "talvez da mulher, namorada, até mesmo da filha" (sic). Coloca-se nesta condição confusa para não se posicionar como mulher ou se responsabilizar. Primeiro surge a dúvida de papéis e, depois, ela não consegue escolher e fica com os dois papéis: de filha e de mulher. Com a filha a relação é mais "terna", mas é "rara". Além disso, demonstra uma relação "erotizada" com a figura paterna, já que no começo da história se tratava de um casal, que se ausentou e estavam trocando carícias. Este fato pode indicar conflitos edípicos mal elaborados, uma competição com esta figura materna em disputa pelo amor de seu pai. Este é o conflito principal da paciente, identificado como foco da terapia, por isso a escolha de reaplicar essa prancha.

Na segunda aplicação, a paciente já narra uma história com cena de pais, que nunca viu, mas que gostaria que existisse. Parece que ela fica paralisada diante dos conteúdos que esta prancha evocam, pois não consegue contar uma história sobre a cena. Mas comparando a segunda história com a primeira, parece que ela se coloca de expectadora no relacionamento da figura parental e não mais como rival da mãe e "mulher" do pai, ou seja, na primeira aplicação aparece uma condição mais regredida.

 

DISCUSSÃO

Percebe-se significativa evolução da paciente por meio da interpretação das pranchas do T.A.T., considerando-se os critérios para avaliação da evolução da psicoterapia, estabelecidos por Braier (1997). Mas é evidente que os conflitos dos papéis femininos ainda persistem. A principal alteração ocorreu na percepção e enfrentamento dos mesmos.

Dentre os critérios estabelecidos, mencionados anteriormente, destacam-se como maior grau de mudança: insight da problemática focal, melhoria sintomática, consciência da enfermidade e outras modificações favoráveis (vida sexual, relações interpessoais, estudo, trabalho e lazer) e projetos para o futuro.

A consciência da enfermidade pode ser observada durante o tratamento psicoterapêutico na primeira etapa da PB, no qual a paciente apresentava sintomas físicos e suspeita de Síndrome do Pânico. A melhoria sintomática é destacada, quando a cliente comenta durante a segunda aplicação: "Eu me sinto assim (-) como posso dizer (-) mais leve! Antes eu sentia um peso mesmo nos meus ombros, uma aflição, uma ansiedade..."

Outras modificações favoráveis também puderam ser melhor observadas durante os atendimentos, mas se refletem nos resultados do teste, nos quais se pode observar, principalmente, mudança no que diz respeito às relações interpessoais e ao trabalho.

Em relação a projetos para o futuro e autoestima, puderam ser observadas mudanças a partir dos resultados da prancha 2 (e também durante os atendimentos). Destaca-se um comentário da paciente: "o que eu queria mesmo, que é me aproximar da minha família, eu ainda não consegui, mas é estranho, porque agora eu vejo isso como uma coisa possível de acontecer".

E finalmente, o critério mais importante, segundo Braier (1997), o insight da problemática focal, pode ser evidenciado nos resultados do T.A.T., nos quais a paciente entrou em contato com o conflito central trabalhado em cada prancha e, principalmente, porque conseguiu relacionar as histórias contadas nas pranchas com sua própria vida, ressignificando situações traumáticas. Como, por exemplo, nesta fala: "Consegui ver coisas minhas lá de dentro mesmo, que eu não fazia idéia... Claro que eu sabia das mulheres do meu pai, mas não sabia como isso poderia influenciar na minha vida!".

Nos dois momentos de aplicação do T.A.T. as associações livres nas histórias foram pobres, requerendo um inquérito do terapeuta, com muitas perguntas para auxiliar na expressão do cliente, o que sugere que, mesmo após o término do tratamento, a cliente apresentava dificuldades na representação da sua problemática: sua condição feminina e materna. Tal como prevê a técnica de psicoterapia breve, este aspecto pode ser trabalhado em continuidade com uma psicoterapia de longo prazo, sem, no entanto, retirar o seu valor de análise no processo breve, daí a importância dos autores, Cordioli et al., (1998), Lemgruber, (1997) e da presente pesquisa no detalhamento evolutivo da mesma.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pode-se dizer que a importância da reaplicação de um teste projetivo, usado no psicodiagnóstico para avaliar a evolução do paciente no término do processo psicoterapêutico, serviu para fundamentar as mudanças psicoterapêuticas em relação a resultados ou níveis de mudança, mas, também, teve efeito positivo para o próprio paciente, pois possibilitou uma experiência com evidência de mudança efetiva.

A partir das análises comparativas, antes e depois do processo psicoterapêutico, verificou-se que: a cliente ampliou seu campo de percepção diminuindo alterações na senso-percepção; o discurso melhorou qualitativamente, pois houve melhora na representação de conflitos e possibilidades de solução, que, consequentemente, interferiu na representação da melhoria sintomática; a consciência da enfermidade foi expressa e este fato favoreceu a análise comparativa das funções mentais por meio de um instrumento de avaliação psicológica (T.A.T.). Assim, pode-se observar que a utilização de um instrumento projetivo, além de favorecer, possibilita fundamentar as exigências da análise evolutiva preconizadas pelo campo teórico da técnica da psicoterapia breve.

Além disso, a aplicação do teste projetivo possibilitou que o próprio cliente fizesse comparações entre a sua história pessoal e as histórias das pranchas, além de permitir elaborações sobre suas dificuldades de relacionamento com a figura materna e paterna e consequentemente sobre suas expectativas parentais.

Para evidenciar estes efeitos positivos do ponto de vista do paciente em relação às mudanças obtidas durante a psicoterapia, será destacado como finalização deste artigo um comentário da paciente em relação à aplicação do teste:

Da outra vez as imagens estavam embaçadas, difícil de ver. As historias eram muito tristes, de sofrimento. Agora não. Eu sei, que era porque, quando cheguei aqui, minha vida estava assim mesmo, bem triste e embaçada, agora consegui ver com mais clareza..."

 

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Recebido em 12/11/15
Revisto em 22/12/15
Aceito em 23/12/15

 

 

* Endereço para correspondência: Rosa: rosapsiaffonso@yahoo.com.br; rosa.affonso@fmu.br. Anne: psicoanneprado@gmail.com.

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