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Interamerican Journal of Psychology

versão impressa ISSN 0034-9690

Interam. j. psychol. v.42 n.1 Porto Alegre abr. 2008

 

 

Inserção ecológica no contexto de uma comunidade ribeirinha amazônica

 

The ecological engagement in the context of an amazon river village

 

 

Leila Said Assef MendesI, 1, *; Fernando Augusto Ramos PontesI,**; Simone Souza da Costa SilvaI, ***; Julia S. N. F. Bucher-MaluschkeII, ****; Daniela Castro dos ReisI, *****; Sarah Danielle Baia da SilvaI, ******

I Universidade Federal do Pará, Belém, Brasil
II Universidade de Fortaleza, Brasil

 

 


RESUMO

A inserção ecológica pressupõe um envolvimento contínuo do pesquisador com os participantes no contexto em que a investigação ocorre. Contudo, em algumas pesquisas de campo há problemas operacionais inerentes que dificultam o contato ininterrupto do pesquisador e que se configuram como um desafio metodológico. O presente artigo apresenta as estratégias utilizadas para a "inserção ecológica" de um grupo de pesquisadores em um contexto ribeirinho amazônico na ilha do Marajó. Serão especialmente discutidos os seguintes aspectos: a) a formação da equipe de pesquisadores e a construção coletiva do conhecimento; b) o contato com informante, o seu papel e a descrição de uma estratégia de coleta de dados através da técnica de fotografias e c) a utilização do inventário sociodemográfico (ISD) como elemento de coleta e de inserção ecológica.

Palavras-chave: Modelo Bioecológico, Contexto, Comunidade Ribeirinha.


ABSTRACT

The ecological engagement presupposes a continuous involvement between researchers and the participants in the context where the investigation occurs. However, in some field researchers there are inherent operational problems that complicate the ceaseless contact of the researchers and that configure themselves as a methodological challenge. This article presents the strategies used for ecological engagement of a researchers team in an Amazon river context at Marajó island. It will be discussed the following aspects: a) the formation of the researchers team and the collective construction of knowledge; b) the contact with the informer, his role and the description of one strategy for a data collection through the techniques of photographies and c) the use of the sociodemographic inventory (SDI) as an element of collection and ecological engagement.

Keywords: Biotechnological Model, Context, River Village.


 

 

Modelos teóricos têm sido desenvolvidos procurando contemplar um conjunto de variáveis que atuam sobre o modo de ser dos indivíduos. Entre os diferentes modelos teóricos disponíveis na literatura, destacam-se as idéias apresentadas pelo pesquisador russo Urie Bronfenbrenner. Em termos gerais, o modelo bioecológico apresenta-se enquanto uma alternativa viável que permite pensar e desenvolver metodologias adequadas para o estudo do desenvolvimento humano como um fenômeno multideterminado, dinâmico, sujeito à ação de fatores biológicos e culturais. Tomando como base este modelo, o desafio contemporâneo con siste em planejar estratégias de investigação em que não se perca de vista as suas bases conceituais. É nesse sentido, que diversas etapas tradicionais da pesquisa podem ser reorganizadas de modo a criar um procedimento inovador.

Considerando que o processo de produção do conhecimento implica, como observa Brandão (2000), em uma "construção do objeto", as decisões metodológicas redundam, entre outros aspectos, na capacidade de optar pela alternativa metodológica mais adequada à análise. Desse modo, a descrição do caminho epistêmico cumpre uma tarefa que vai além da mera enumeração dos procedimentos utilizados, procura acima de tudo, explicar, justificar, sistematizar as relações estabelecidas, esclarecer os seus vínculos, e avaliar os seus resultados e aplicações. Deste modo, a enumeração dos procedimentos de pesquisa utilizados, mais do que uma formalidade, oferece a outros pares (pesquisadores ou leitores de uma forma geral) a possibilidade de refazer o caminho e, desse modo, avaliar com mais segurança as afirmações feitas (Duarte, 2002).

A proposta de Bronfenbrenner é caracterizada por uma perspectiva ecológica do desenvolvimento humano (Bronfenbrenner, 1979/1996). Uma concepção ecológica demanda a compreensão de contexto em vários níveis que não estão restritos somente ao que a pessoa mantém relações. Em termos metodológicos, tal concepção salienta o conceito de "validade ecológica", a qual implica, para pesquisa do desenvolvimento em contexto, em uma atenção para o quanto as suposições feitas pelos pesquisadores refletem a forma que os sujeitos experienciam determinado ambiente. Como forma de operacionalizar este conceito, Cecconello e Koller (2003) propuseram o procedimento de "Inserção Ecológica" dos pesquisadores no contexto de investigação.

Cecconello e Koller (2003) entendem que a base de toda a investigação que adota a Inserção Ecológica é possibilitada a partir de uma interação recíproca, complexa e com base regular de pesquisadores, participantes, objetos e símbolos presentes no contexto imediato. As pesquisas desenvolvidas no Brasil que têm por base este conceito foram desenvolvidas em contextos em que foi possível a presença contínua do investigador, pois realizaram-se, em sua maioria, em áreas urbanas de acesso facilitado (ver Cecconello, 2003; De Antoni, 2005; De Antoni & Koller, 2000, 2001; Morais, 2005; Neiva-Silva, 2003).

Contudo, o envolvimento mútuo requerido apresenta desafios a serem superados em pesquisas de campo realizadas em contextos que apresentam dificuldades operacionais para um contato contínuo entre os envolvidos, face a distância geográfica do lócus da pesquisa, aliada à carência de meios de transporte e comunicação na região. Considerando que tal proposta encontra-se em pleno desenvolvimento e que cada contexto, tipos de investigação e questões de operacionalização demandam adaptações peculiares, o presente artigo discute o processo de inserção de um grupo de pesquisadores no contexto de uma comunidade ribeirinha amazônica cujos impedimentos operacionais envolvidos poderiam dificultar o processo de inserção ecológica dos pesquisadores, o que foi solucionado pela utilização de estratégias inovadoras, como também pela consideração de novas posturas em procedimentos usuais.

Nesse sentido, tomando por base as peculiaridades do contexto ribeirinho investigado, o programa de pesquisa aqui considerado estabeleceu como principal estratégia de pesquisa, a seleção de alguns contextos considerados relevantes para o estudo deste tipo de população. Tais contextos assumiram o caráter de subprojetos por temáticas assim divididas: contexto familiar (relações conjugais, parentais, fraternais); contexto escolar (relação professora-aluno, família-escola) e o contexto de relação entre coetâneos (a relação entre pares e as brincadeiras infantis). Contudo, o processo de escolha desses focos de investigação não foi dado a priori, foi decidido e construído a partir da interação da equipe de investigação com a comunidade e o contexto, onde as relações sistêmicas entre os fatores investigados foram reveladas paulatinamente, ao longo do processo de conhecimento da comunidade. A compreensão da especificidade de cada contexto e de influência mútua consiste em uma árdua tarefa, principalmente no que se refere às tomadas de decisões que precisam ser feitas em termos metodológicos. Desse modo, a compreensão desse contexto de desenvolvimento não poderia ser dada sem uma imersão nessa realidade.

O relato que se segue procura descrever o processo de "inserção ecológica" dos pesquisadores no contexto; assim, inicialmente serão apresentados os conceitos que sustentam o modelo bioecológico e em seguida, estes serão articulados com a estratégia metodológica utilizada no contexto investigado. Serão especialmente focalizados os seguintes elementos: a) a formação da equipe de pesquisadores e a construção coletiva do conhecimento, b) o contato com informante, o seu papel e a descrição de uma estratégia de coleta de informação utilizada (técnica de fotografias) e c) a utilização do inventário sociodemográfico (ISD) como elemento de coleta e de inserção ecológica.

 

O Modelo Bioecológico: Conceitos Fundamentais

O modelo bioecológico pode ser entendido considerando duas grandes dimensões que mantém entre si uma estreita relação de interdependência. Na primeira, são encontrados os elementos referentes aos aspectos teórico-conceituais explicativos do desenvolvimento enquanto um fenômeno complexo, não linear e sujeito a mudanças no decorrer do tempo. Sustentado em sua estrutura conceitual, na segunda dimensão, Bronfenbrenner (1976/1996) destaca as possibilidades empíricas de produção do conhecimento acerca do desenvolvimento humano.

Para Bronfenbrenner (1976/1996) o desenvolvimento é um processo que se dá ao longo do tempo, na medida em que o sujeito interage com o seu ambiente. Todavia, a noção de ambiente no modelo bioecológico vai além do espaço imediato no qual o sujeito está inserido, sendo distinguido em função do nível de proximidade/distanciamento do indivíduo com o contexto.

Ao especificar o fenômeno do desenvolvimento, Bronfenbrenner e Morris (1998) consideram que este se dá em função da pessoa, dos múltiplos contextos, das relações estabelecidas entre os indivíduos e seus contextos ao longo do tempo. Assim, propõe que a compreensão do desenvolvimento humano depende da análise sinérgica de quatro aspectos fundamentais: Pessoa-Processo-Contexto-Tempo (PPCT).

A perspectiva de Bronfenbrenner (1976/1996) acerca do desenvolvimento tem representado para esta área de pesquisa, a necessidade de reavaliação do modo como as investigações têm sido conduzidas. Nesse sentido, a natureza processual, isto é, o desenvolvimento como um fenômeno que ocorre ao longo do tempo sustentado pelos processos proximais3, tem demandado a necessidade de se compreender como ocorrem estas relações.

Bronfenbrenner (1979/1996) e Bronfenbrenner e Crouter (1983) consideram que os métodos utilizados pela psicologia do desenvolvimento explicitados em um grande conjunto de pesquisas, não têm considerado o processo de interação da pessoa com o ambiente. No entender destes autores, a maioria das pesquisas tem oscilado entre considerar unicamente a pessoa ou destacar somente as características do ambiente. No primeiro caso, o desenvolvimento é compreendido exclusivamente como função das características individuais, modelo denominado de "atributos pessoais". Neste, não é conferido ao ambiente um papel adequado, há uma ênfase demasiada nas propriedades da pessoa e, somente, uma breve caracterização do ambiente onde ela é encontrada. Por outro lado, Bronfenbrenner e Crouter (1983) criticaram duramente a perspectiva que vê o desenvolvimento somente como um produto de fatores do ambiente, onde o processo ou processos não são especificados; esses autores referem-se a esse delineamento de pesquisa como "modelo de endereço social". Revendo os estudos que adotaram essa perspectiva, Bronfenbrenner e Crouter destacam aqueles mais comuns, como por exemplo, a classe social, tamanho e ordem de nascimento, contextos rurais e urbanos, etc. Estes autores também enfatizam o que mais recentemente tem sido nomeado de nova demografia, como por exemplo: famílias monoparentais versus famílias constituídas pelo casal; cuidado oferecido pela família versus cuidado oferecido por creche; contexto de escola pública versus contexto de escola particular, etc.

Para Bronfenbrenner e Crouter (1983) o principal problema do modelo de endereço social consiste no fato deste ser apenas uma nomeação que diz pouco a respeito das pessoas investigadas. A depender das estratégias de investigação utilizadas, o uso deste modelo pode reduzir o olhar do pesquisador de modo que pouco se torne conhecido a respeito do modo de vida das pessoas que são objeto de seu interesse, ou das atividades que estas executam, ou do modo como estas atividades afetam as crianças em desenvolvimento.

De fato, Bronfenbrenner (1976/1996) não construiu uma teoria acerca das relações nem tampouco, como se pode pensar, sobre o contexto. No entanto, destaca ser impossível compreender o desenvolvimento de modo descontextualizado. Portanto, para conhecer a pessoa em processo de mudança é necessário entender suas relações e onde elas acontecem. Nesse sentido, propõe o uso da observação naturalística enquanto a técnica mais eficaz que permite o acesso direto do pesquisador aos indivíduos (Bronfenbrenner, 1979/1996; Bronfenbrenner & Evans, 2000).

Para Bronfenbrenner (1979/1996), algumas abordagens que incluem investigações do ambiente estão longe de atingir os requisitos de um modelo ecológico de pesquisa por delimitarem o conceito de ambiente a um único ambiente imediato onde a pessoa está presente: o microssistema. Estas abordagens não consideram que os eventos fora do ambiente imediato influenciam o comportamento e desenvolvimento da pessoa dentro daquele ambiente, ou seja, não atentam para os acontecimentos que ocorrem nos diferentes e igualmente relevantes níveis de análise de contexto (micro, meso, exo e macro). Esses níveis de análise deveriam ser descritos objetivamente, além de serem consideradas as percepções dos próprios sujeitos envolvidos sobre seu ambiente. Assim, o estudo teria "validade ecológica", construto proposto por Bronfenbrenner (1979/1996), que implica na importância de considerar a maneira pela qual a situação de investigação foi percebida e interpretada pelo grupo de pesquisadores e da percepção e a interpretação que os participantes do estudo têm sobre seu próprio ambiente (ver Cecconello & Koller, 2003; Copetti, & Krebs, 2004; De Antoni & Koller, 2004).

De acordo com Bronfenbrenner (1976/1996), as observações em contexto devem se apropriar de forma ampliada dos elementos que estão em jogo no processo de desenvolvimento e para isso é necessário que o pesquisador obtenha, através das observações naturalísticas, informações referentes à, no mínimo, dois contextos onde o indivíduo está inserido e em dois momentos distintos no tempo. Por ter como objetivo capturar os processos proximais que dão conta de explicar o desenvolvimento do indivíduo em um dado ambiente, a observação naturalística requer do pesquisador mais do que o simples registro das situações e fatos observados, mas demanda deste uma mudança de postura, pois este tipo de pesquisa pressupõe a interação com os participantes, os objetos e os símbolos existentes no ambiente de pesquisa que constituem os processos proximais, possibilitando a investigação e, conseqüentemente, a inserção ecológica (Cecconello & Koller, 2003).

O conceito de inserção ecológica procura romper com a tradicional separação positivista entre sujeito e objeto e sugere que ao entrar no contexto de investigação, a equipe de pesquisa integre-se a este ambiente tornando-se o mais próximo possível daqueles que o constituem. O desafio de usar a proposta de Bronfenbrenner nas pesquisas em desenvolvimento tem demandado uma aproximação maior a trabalhos que, tradicionalmente, têm utilizado modelos qualitativos e considerado o pesquisador como um sujeito participativo do processo de coleta de dados. Como observado por Ceconello e Koller (2003), especialmente na pesquisa qualitativa, pode-se dizer que a interação do investigador com os participantes produz processos proximais em ambos. Destaca-se aí, a necessidade da investigação não ser efêmera nem ocasional,

"...ocorrer em uma base estável, através de períodos de tempo.... Assim, em determinados delineamentos, o processo proximal, além de constituir o foco da pesquisa, adquire uma função de viabilizar a sua realização, revelando-se um procedimento através do qual o pesquisador conduz a investigação" (p. 512).

É nesse sentido que a observação participante pode ser descrita como um dos elementos que compõem a inserção ecológica. Desenvolvida principalmente no contexto da pesquisa antropológica, a observação participante busca estabelecer uma adequada participação dos pesquisadores dentro dos grupos observados de modo a reduzir a estranheza recíproca (Martins, 1996). De acordo com este autor, neste tipo de pesquisa, "os pesquisadores são levados a compartilhar os papéis e os hábitos dos grupos observados para estarem em condição de observar fatos, situações e comportamentos que não ocorreriam ou que seriam alterados na presença de estranhos..." (p.269). Pressupõe-se que a experiência direta do observador com a vida cotidiana do outro, seja ele indivíduo ou grupo, possibilita a revelação na sua significação mais profunda de ações, atitudes e episódios, os quais, de um ponto de vista exterior, poderiam permanecer obscurecidas ou até mesmo pouco reveladas. Desse modo, os pesquisadores precisam se inserir no contexto pesquisado e conquistar a empatia de seus informantes, a fim de que seja criada uma relação harmônica entre observadores e observados (Spradley, 1979). Silva (2000) propõe a metáfora do "tornar-se nativo" como uma forma de destacar a "inserção social" do observador na cultura observada. No nosso entender, a observação participante apresenta-se enquanto uma alternativa de viabilizar a validade e conseqüente inserção ecológica. É nesse sentido que os dois conceitos nunca devem ser entendidos enquanto sinônimos; a inserção ecológica mais do que uma perspectiva metodológica, define o olhar do pesquisador e o objeto da pesquisa. O conceito de inserção ecológica nasce assim como uma forma de viabilizar a utilização do modelo bioecológico e somente nele faz sentido. A inserção ecológica não somente aproxima o pesquisador de seu objeto de estudo, mas por propor uma sistematização dos quatro aspectos do modelo PPCT (Cecconello & Koller, 2003), define seu objeto e suas relações pretendidas de análise.

 

Parâmetros para a investigação em um contexto ribeirinho

Baseados nessas reflexões inspiradas no modelo bioecológico e o reconhecimento da escassez de trabalhos na área com populações com características peculiares amazônicas, um conjunto de pesquisadores ligados à Universidade Federal do Pará elegeu um contexto ribeirinho para foco de estudo. Trata-se de um amplo projeto denominado "Contextos de desenvolvimento em uma comunidade ribeirinha do Marajó: família, pares e escola" cujo objetivo era investigar as interinfluências existentes entre os sistemas a serem analisados. Para uma maior compreensão deste contexto é necessário inicialmente expor o que a literatura tem discutido sobre a singularidade desta população.

Diferente do caboclo da terra firme, os ribeirinhos vivem, em sua maioria, à beira dos rios, igarapés, igapós e lagos que compõem o vasto e complexo estuário amazônico, ecossistema que define grande parte de seu modo de vida. Como o fenômeno da enchente e da vazante regula grande parte de seu cotidiano, o mundo do trabalho e das relações obedece ao ciclo sazonal (Scherer, 2004a). As preocupações diárias dos ribeirinhos são determinadas pelas cheias/vazantes dos rios, pelo sol e chuva, pelos dias e noites. A temporalidade é própria de quem vive nas várzeas (Scherer, 2003, 2004b) e o tempo é definido pela natureza e pela cultura, pelos mitos e tradições. A crença em diversos seres sobrenaturais tem influência sobre as atividades de caça e da pesca ribeirinha (Wagley, 1952). A reprodução dos modos de vida dessa população é assegurada por meio da história oral (Fraxe, 1998).

A literatura define o ribeirinho com base na forma de trabalho essencialmente extrativista e agrícola centrado na produção familiar (Noda, Noda, Pereira, & Martins, 2001). Contudo, de modo mais flexível, as práticas de sobrevivência variam, sendo possível encontrar comunidades essencialmente extrativistas e outras com práticas agrícolas. Os ribeirinhos tradicionais vivem em comunidades compostas em vários agrupamentos familiares de 20 a 40 casas de madeira construídas em palafitas - mais adequadas ao sistema de cheias dos rios -, que se encontram mais ou menos dispersas ao longo de seu percurso. Afora os modos de sobrevivência, a dinâmica de morar às margens do rio na Amazônia configura uma característica relevante da comunidade enfocada neste estudo. Os ribeirinhos estão isolados não apenas da cultura mais geral (nenhum acesso à mídia escrita e pouco ou restrito acesso à mídia televisiva e radiofônica), mas também dos próprios moradores da comunidade (a distância entre as residências está em torno de 200 metros). Em termos interacionais, o rio atua como constritor e fonte de contato, como barreira e ponte ambiental, criando e restringindo as possibilidades de interação, principalmente entre as crianças. Harris (2000) comentando sobre a relação de populações ribeirinhas com o rio amazonas entende que o rio é o que ao mesmo tempo cria vínculos e isolamentos entre as pessoas dessas populações. Assim, a peculiaridade dessa população constitui um aspecto que delineia a relevância deste estudo. Acredita-se que, comparativamente às famílias de comunidades urbanas, há uma maior freqüência de interação entre os membros familiares, o que pode redundar em estrutura familiar e trajetórias de desenvolvimento tipicamente adaptadas a este modo de vida.

Esquecidos pelas ações públicas e escondido na genérica denominação de trabalhador rural, os ribeirinhos enfrentam problemas de toda ordem. Em termos educacionais, o índice de analfabetismo é muito alto e as escolas das comunidades, em sua maioria, só funcionam até a 4ª série do ensino fundamental. Na saúde existem sérios problemas decorrentes, entre outros, da falta de saneamento básico. Em geral, não há programas de saúde dirigidos a essa população. Economicamente, há pouca possibilidade de ascensão social, visto o pouco domínio tecnológico embutido nos produtos que vendem. Relegados ao abandono, algumas comunidades apresentam um índice de Desenvolvimento Humano (IDH) baixíssimo. Todos esses fatores contribuem para uma condição de vulnerabilidade social que implica em invisibilidade política e os relega ao papel de massa de manobras em períodos eleitorais (Scherer, 2004b).

 

O contexto geográfico e sociodemográfico da pesquisa

A Ilha do Marajó, conhecida como a maior ilha fluviomarítima do mundo, está situada na região Amazônica e faz parte do Estado do Pará. É constituída por 13 municípios, sendo que Ponta de Pedras - município onde foi realizada a pesquisa - é um dos mais pobres desta região, pois apresenta um dos mais baixos níveis de renda per capita de toda a ilha. O Município de Ponta de Pedras faz parte da Mesoregião geopolítica do Marajó, sendo um dos municípios mais próximos da capital (Belém). A área deste município está em torno de 3.365,30 km2, com uma população de 20.067 habitantes, tendo, portanto, uma densidade demográfica de 5,96 hab/km2 (Grupo Executivo do Estado do Pará para o Plano Marajó, 2007). No município de Ponta de Pedras, é possível encontrar várias comunidades ribeirinhas, dentre as quais, a do rio Araraiana.

A comunidade investigada é composta de um total de 22 famílias, que se situa em torno de 125 pessoas, sendo 60 adultos e 65 crianças e adolescentes. Não existe transporte sistemático para essa comunidade, somente é possível o acesso por intermédio de fretamento de barco para o local. De Belém para o rio Araraiana são 32,7 milhas marítimas (equivalente a 60,570 km). De barco, a duração do deslocamento de Belém para a Ponta do Malato se dá em torno de cinco a seis horas de viagem. A população estudada caracteriza-se pelo modo de sobrevivência essencialmente extrativista, por seu isolamento geográfico e sociopolítico (pouco ou nenhum acesso aos serviços básicos de educação, saúde, saneamento e energia elétrica), além do pouco contato com as pessoas que se encontram no mesossistema da comunidade, como por exemplo, os vizinhos. Tais aspectos revelam um cotidiano de exclusão social e de relações essencialmente estabelecidas no interior da família.

 

Uma nova possibilidade de investigação naturalística a partir do modelo ecológico: relato de experiência

Considerando a distância desta comunidade da sede de Belém e em função da inexistência de linhas de transporte para o local, a operacionalização da pesquisa deve ponderar o tempo e os custos envolvidos no deslocamento e manutenção da equipe. Nessas condições, a única forma de viabilizar o empreendimento é por intermédio de equipes para coletas periódicas intensivas. Esta forma de investigação apresenta o desafio de suplantar a efemeridade que tais contatos possam representar. Nossa equipe era formada por alunos de graduação, em sua maioria de psicologia, alunos de pós (mestrado e doutorado) e um coordenador professor. Os subprojetos eram, em sua maioria, referentes aos projetos de dissertação e tese, que procuravam focalizar em problemas e contextos diferentes. Os alunos de graduação tinham seus planos de trabalho vinculados aos projetos de alunos de pós. Apesar de alguns já terem contatos com comunidades e/ou pessoas que têm tal modo de vida, para todos, aquele mundo não fazia parte de nossa rotina, o que poderia dificultar o desenvolvimento de processos proximais e conseqüente empreendimento de investigação.

Considerando que o objetivo do programa de pesquisa era investigar as interinfluências existentes entre o sistema familiar, de pares e escolar, foi desenvolvido um conjunto de procedimentos que propiciasse a inserção ecológica da equipe de pesquisadores no conjunto da comunidade. O relato que se segue, discute tópicos que podem fazer parte qualquer processo de pesquisa. Contudo, entende-se que a perspectiva de inserção ecológica coloca um conjunto de questões a esse processo, possibilitando a abertura para novas perspectivas e técnicas. Salienta-se da experiência três momentos, respectivamente justificados: a) a necessidade de formação de uma equipe de pesquisa, que permitiu o compartilhamento e a construção coletiva de problemas, reflexões, hipóteses; b) contato com o informante, que proporcionou uma aproximação com a comunidade; e c) inventário sociodemográfico que possibilitou um contato com maior proximidade aos participantes para o conhecimento das famílias e conseqüentemente o acesso ao contexto investigado, seu modo de vida, e à lógica de funcionamento das pessoas que ali vivem.

 

A equipe de pesquisa e a construção coletiva do conhecimento

A coleta de informações em equipe de pesquisa, organizadas em subprojetos integrados, apresenta um conjunto de aspectos positivos que são ao mesmo tempo desafiadores. Um primeiro aspecto positivo que se pode destacar é a possibilidade de apreensão mais geral da realidade investigada. A base sistêmica que fundamenta o modelo de Bronfenbrenner (1976/1996) demanda o conhecimento da influência mútua entre vários contextos. Desse modo, pesquisas desenvolvidas em equipes, organizadas em projetos integrados, possibilitam um maior domínio dos vários contextos que pesquisas individuais focalizadas.

Contudo, este fator positivo é ao mesmo tempo desafiador, pois para que tal objetivo seja atingido, é necessária uma verdadeira integração da equipe, ou seja, domínio de todos os aspectos envolvidos, compartilhamento de experiências e informações e discussão abrangente. Todos esses aspectos levam à necessidade da formação de um grupo que, a despeito dos interesses individuais, estejam interessados e dominem todos os meandros da investigação. Foi nesse sentido que consideramos como primeiro passo fundamental para formação da equipe e conseqüente inserção ecológica, a discussão em conjunto de todos os aspectos dos subprojetos. Dessa forma, na situação de campo, para melhor compreender os "meus dados" deveria estar atento a informações que seriam de "maior interesse" de outros. Paludo e Koller (2004) já salientam a formação da equipe de pesquisa como um primeiro fator a ser considerado no processo de inserção ecológica. Ressalta-se aqui a necessidade de integração dos projetos para efetiva viabilização de tal inserção.

As discussões envolveram desde temas teóricos e artigos de pesquisa referentes a cada contexto investigado (relações familiares, relações de pares e sistema escolar), como também as questões de método, instrumentos e forma de abordar a população. Destaca-se, porém, que o conhecimento inicial do contexto indicou a necessidade da equipe de pesquisadores aproximarem-se de modelos etnográficos, em que o pesquisador deveria depreender parte dos desdobramentos investigatórios a partir do seu próprio envolvimento no seio da comunidade e dos subgrupos em análise.Vale destacar que a construção dos instrumentos metodológicos constituiu-se em uma difícil etapa do projeto, uma vez que as questões formuladas pelos pesquisadores estavam sustentadas em uma lógica diferente daquela experimentada pelas pessoas da comunidade. Os treinamentos, em forma de seminários, proporcionados à equipe de investigação foram fundamentais para a construção e adequação de instrumentos à população. Um bom exemplo, diz respeito à dificuldade das pessoas pensarem as questões que envolviam a noção de tempo, como horas e dias da semana já que naquele local com uma população de 128 moradores, somente duas pessoas possuíam relógio de pulso. Outro aspecto referia-se à dificuldade dos participantes no entendimento de aspectos qualitativos como ruim, regular, bom e ótimo. Tais fatores impediram o desenvolvimento de um inventário de rotina baseado no horário e no tradicional uso de escalas, como havíamos inicialmente pensado em aplicar, pois nossa experiência em população urbana de baixa renda não indicava problemas na compreensão de tais questões. Diante desses impedimentos, o grupo de trabalho precisou adaptar seus instrumentos não apenas ao modo de vida, mas também à forma de organização cognitiva do homem ribeirinho.

A formação da equipe foi somente o primeiro passo para possibilitar a inserção ecológica. Durante a inserção em campo, as apreensões deveriam ser compartilhadas pela equipe de pesquisa para fins de uma melhor apropriação da experiência conjunta. Foi nesse sentido que se desenvolveu a estratégia de "Construção Coletiva do Conhecimento" (CCC).

Esta metodologia permitiu o aprimoramento da técnica de coleta e da análise dos dados, o que possibilitou ampliar o olhar da equipe em torno da realidade. A CCC consiste na coleta de informações por intermédio de técnicas naturalistas e de observação participante e conseqüente discussão conjunta das impressões obtidas. A técnica de CCC foi inspirada na prática adotada por diferentes segmentos da terapia familiar, mas foi um dos pontos fortes da escola de Milão. Caracterizava-se esta prática pelo uso intenso do espelho unidirecional no cenário terapêutico, onde observadores participavam da sessão e posteriormente discutiam e estabeleciam os passos seguintes da intervenção (Boscolo, Cecchin, Hoffman, & Penn, 1993). No CCC os pesquisadores realizam observações naturalísticas e participantes, seguidas pelo registro pessoal de suas observações. Posteriormente, tais observações são discutidas no grupo maior e em função de tal discussão, são incorporadas novas reflexões às observações e planejadas posteriores coletas de dados para complementação das informações já obtidas.

Em termos operacionais o CCC configurou-se a partir da constituição da equipe. Antes de iniciar a pesquisa de campo, foram feitas discussões de temas teóricos e metodológicos relevantes à pesquisa. Dentre estes, destacam-se: a teoria sistêmica, o modelo bioecológico, metodologia qualitativa, uso do diário de campo e a pesquisa participante, entrevistas semidirigidas e a organização de categorias qualitativas (Bogdan & Biklen, 1994; Morgan, 1988).

Na casa sede, base da pesquisa, que ficava a uma distância de 40 minutos da comunidade, os pesquisadores eram divididos em subgrupos de díades ou tríades. A divisão dos grupos obedecia principalmente ao critério de experiência evitando-se assim formar subgrupos de inexperientes. Após um planejamento das atividades do dia, a equipe era orientada detalhadamente a respeito da rotina de trabalho.

Logo após o período de coleta, na base de pesquisa, eram feitas reuniões sobre os diários de campo, nas quais o coordenador ou qualquer pesquisador dirigia as discussões dos aspectos da pesquisa de seu interesse. A metodologia de discussão obedeceu à seguinte seqüência e pauta mínima: 1) relato objetivo de cada subgrupo das informações coletadas (tarefas cumpridas, pessoas entrevistadas, etc.); 2) relatos dos diários descritivos de campo; 3) relatos dos diários reflexivos de campo; 4) discussões acerca dos diários de campo. Na discussão todos podiam opinar sobre suas impressões, relacionadas ou não ao seu projeto de pesquisa. Os principais aspectos discutidos eram anotados pelo pesquisador responsável mais interessado pela temática em foco.

A partir das discussões desenvolvidas no grupo, os subgrupos reuniam-se para reorganizar o material da pesquisa, mais especificamente o diário de campo, o qual poderia incorporar as considerações feitas pelo grupo. Nesse mesmo momento, para fins de preparar a reunião do grupo, o coordenador fazia uma síntese dos principais elementos relatados na discussão. À noite, após o jantar, o grupo voltava a se reunir para fazer a avaliação das atividades e discussões do dia e planejamento do dia seguinte.

Essa sistematização possibilitou a configuração de uma equipe de pesquisa integrada, de modo que permitiu o compartilhamento de informações e o confronto de perspectivas, elemento essencial para derivação do objeto e problema de pesquisa como também das respectivas metodologias a serem utilizadas.

Nas reuniões da equipe eram avaliadas especialmente, as percepções acerca dos vínculos estabelecidos com os participantes, elemento essencial para captura das percepções dos envolvidos. Enfatizava-se a necessidade do engajamento nas atividades rotineiras, que apesar de ser intenso deveria possibilitar aos participantes falarem sobre suas experiências de vida e assim melhor captar unidades de sentido relevantes para a pesquisa. Discutia-se as relações entre os itens de análises propostos no modelo e incorporados nos subprojetos de pesquisa.

À medida que as propriedades supostas ou presumidas pelo investigador do meio ambiente experienciado pelos sujeitos são confrontadas com a visão de outros membros da equipe de pesquisa, em uma sistêmica integração, o CCC possibilita também uma maior "validade ecológica" para a pesquisa. Por outro lado, o compartilhamento de informações intensivo permite adaptações e ajustes rápidos, necessários em pesquisas de campo como essa, possibilitando por sua vez uma melhor inserção ecológica dos pesquisadores.

O CCC foi também muito útil para adequação da postura dos pesquisadores aos subgrupos. Nesse sentido foi percebido que a comunidade apesar de bastante pequena, era dividida em subgrupos sendo em alguns casos essencialmente familiares, outros em função de afinidades, tais como as religiosas ou de lazer. O CCC possibilitou um rápido ajuste dos pesquisadores às naturais formas de organizações da comunidade, tratando com precaução temas que poderiam causar constrangimentos como a questões de algumas relações familiares, religião e lazer. Destaca-se que o CCC atinge a função de possibilitar a inserção ecológica à medida que os subprojetos de pesquisa envolvidos estiverem integrados com base nas unidades de análises propostas pelo modelo bioecológico.

 

O informante e a técnica das fotografias

As estratégias com as quais o pesquisador estabelece contato com seus sujeitos determinam, em parte, o sucesso da pesquisa e configuram-se como parte integrante do material de análise. A forma como o(a) entrevistador(a) será recebido(a) pelo(a) entrevistado(a), o grau de disponibilidade para a concessão do depoimento e o envolvimento será fortemente marcada pelo modo que esse contato será estabelecido. Por outro lado, a postura adequada a ser adotada dependerá do domínio cada vez maior das particularidades do contexto. Portanto, discutir o modo como são estabelecidos esses contatos, fornece elementos significativos para compreensão das diversas dimensões do universo investigado. É nesse sentido que, em pesquisas de campo com visitas periódicas, o informante assume um papel fundamental no processo de aproximação com a população e de inserção ecológica.

O contato com a população foi estabelecido através de um informante que era um morador da região, nativo e com família residente no local há várias gerações. Profissionalmente, este informante assume a função de administrador do hotel-fazenda onde se situa a base que hospedou os pesquisadores. Trata-se de uma pessoa que conhece todos os moradores, possui liderança e dispõe de boas relações com a comunidade.

Salienta-se na literatura, que qualquer participante que forneça dados sobre o objeto investigado tende a ser denominado de informante. Contudo, com o objetivo de diferenciar o posto assumido por este do restante da comunidade, considerar-se-á somente este "informante". Nessa perspectiva, o informante assumiu o papel de mediador inicial com a comunidade. Por seu intermédio foi possível estabelecer tanto contatos como contrapontos com as impressões derivadas das conversas e diários de campo.

Os primeiros contatos com a comunidade foram intencionalmente não dirigidos por questionamentos por parte dos pesquisadores, ou seja, aconteceram de forma "natural", sem a mediação de qualquer instrumento de pesquisa como questionário, por exemplo. Boa parte dos participantes são bastante predispostos ao contato, o que facilitou o desenvolvimento de um canal de trocas de experiências.

A abertura para percepções da realidade local permitiu o cotejamento de um conjunto de questões que poderiam posteriormente ser selecionadas, discutidas e organizadas teoricamente de modo que proporcionasse um panorama mais geral de investigações a serem desenvolvidas. Nesse sentido, o informante assumiu um papel fundamental de interlocutor entre as impressões percebidas e a organização de um programa de investigação teórico e metodologicamente coerente.

Para possibilitar essa aproximação inicial destaca-se a Técnica de Fotografias (TF). Com o auxílio de uma máquina fotográfica digital, os contatos com a comunidade foram registrados. As fotografias arquivadas em um notebook eram visualizadas posteriormente pela equipe na presença do informante. As imagens serviam de ferramentas geradoras de dados à medida que o confronto com as fotos funcionava como elementos disparadores de informações sobre o contexto. Desse modo, foi possível ter acesso e compreender vários aspectos da realidade, desde o vocabulário, os nomes e codinomes dos moradores (a maioria dos moradores possuem codinomes aos quais são identificadas), o local de moradia, hábitos, histórias, até elementos da impressão subjetiva do informante sobre a rede de relações da comunidade. Dada a efetividade desta técnica, posteriormente foi introduzida nos estudos de caso das famílias estudadas.

Pelo fato do informante possuir celular, o vínculo com o informante possibilitou também um elemento de contato entre visitas de campo, sendo um elo permanente entre o grupo de pesquisa e os participantes da comunidade, possibilitando a repassagem de mensagens e a captura dos sentidos percebidos de nossa inserção.

Considerando o impedimento de ter uma presença mais constante no local, o estabelecimento de vínculo dos pesquisadores com a comunidade via informante foi fundamental para o estabelecimento de processos proximais com os participantes, possibilitando o contínuo envolvimento dos participantes na pesquisa.

Como pôde ser verificado, o informante e a TF assumiram um papel fundamental na "inserção ecológica" dos pesquisadores, tornando a aproximação e o levantamento das questões relevantes do contexto, um processo mais eficaz.

 

O Inventário Sociodemográfico (ISD) como instrumento de coleta, contato e de construção de uma relação

A mediação do informante, que ocorreu no primeiro momento, permitiu o acesso aos membros da comunidade e o desenvolvimento de uma relação de confiança entre a equipe de pesquisa e os moradores. Sustentados por essa relação, foi possível a realização das visitas às casas dos ribeirinhos, independentes da presença do informante. Nesse momento, era necessário utilizar outros recursos que permitissem construir um vínculo mais estreito com os membros da comunidade, de modo que a equipe pudesse ser inserida naturalmente no contexto. Nos primeiros contatos com a comunidade foram realizadas conversas informais, geralmente em suas residências e/ou no desenrolar de atividades cotidianas desenvolvidas por seus moradores. Os pesquisadores procuraram estar envolvidos nos mais variados tipos de atividades, como as de trabalho, religiosas e de lazer. Percebeu-se que as atividades de trabalho eram aquelas nas quais a presença do pesquisador assumia um papel mais disruptivo.

Durante esse período, os tipos de registros desenvolvidos foram essencialmente notas de campo. Ressalta-se que a participação na rotina de atividades da comunidade se deu durante todo o período de coleta, aproximadamente dois anos, ocorrendo mesmo nos momentos em que foram utilizados procedimentos mais sistemáticos.

No decorrer do período de ambientação (por volta de seis meses), que consistiu desde o contato preliminar com o informante até a participação inicial nas atividades, foi possível recortar aspectos que indicavam a necessidade de se ter dados quantitativos mais gerais sobre a comunidade. Dessa forma, foi construído um Inventário Sociodemográfico (ISD) cujos aspec tos serviriam para pontuar não somente as características da comunidade nos contextos recortados, mas também particularidades das famílias que permitiram identificar os elementos que serviriam de critérios para a seleção de famílias focais, tais como características estruturais e organizacionais.

Os 88 itens que constituíram a versão final do ISD incluíam questões relativas aos seguintes aspectos: a) Identificação dos sujeitos pertencentes ao grupo familiar (nome, idade, gênero, parentesco, estado civil, etc.); b) Dados demográficos (renda, escolarização, religião, bens, tamanho da residência etc.); c) Aspectos referentes ao modo de vida familiar (modo de sobrevivência, redes de relação extrafamiliar, alimentação típica, atividade de lazer, atividades sociais, hábitos de saúde e higiene, etc,); d) Caracterização do sistema familiar (tempo de convivência, membros consangüíneos e não consangüíneos morando na residência, lembranças e aspectos do relacionamento do casal, perdas familiares, cuidados com os filhos e características da rede social de apoio).

De posse do ISD, todas as 22 famílias da comunidade foram visitadas. Por ter como objetivo tornar esta ocasião não apenas uma situação de coleta de dados, mas também de interação mútua entre pesquisador e participante, destaca-se neste momento a postura assumida pela equipe de investigação. Apesar da importância dos dados a serem coletados, o roteiro do ISD não deveria funcionar para o pesquisador como itens a serem preenchidos, e sim como um roteiro de uma conversa. Essa diretriz discutida no grupo de pesquisa evidenciou-se a partir do momento em que foram percebidos que, no geral, os participantes da comunidade ribeirinha colocavam-se mais à vontade, se fosse uma interlocução com idas e vindas do que uma entrevista unidirecional, com um entrevistador e um entrevistado. Pesquisadores que não tiveram perícia, e transformaram a entrevista em algo essencialmente formal, tiveram participantes pouco envolvidos e coletas pouco produtivas.

Esse contato inicial nos indicou que a abertura relacional com a comunidade só ocorria caso a postura do pesquisador permitisse o desenrolar de uma conversa entre amigos e não apenas de uma entrevista entre estranhos. Desse modo, o ISD assumiu o caráter de um roteiro de discussão de idéias, de opiniões e de conceitos. Contudo, os motivos da presença do pesquisador sempre foram adequadamente explicitados, permitindo assim a ocupação de determinado papel dentro do sistema ecológico investigado.

Os participantes demonstraram-se receptivos desde o início de nossa chegada ao rio, recebendo-nos em suas casas, pois como foi citado anteriormente, o fato do informante ser conhecido de todos os moradores foi um facilitador de nossa entrada. Entretanto, percebíamos que, em geral, a maioria mostrava-se reservada, parecendo desconfiados de nossa presença no rio e de nossos propósitos. Aos poucos fomos nos introduzindo no local, ganhando sua simpatia, nos aproximando das crianças, das mães, enfim das famílias em geral. Assistimos cultos, fizemos atividades na escola para as crianças, brincamos, andamos pelo mato, enfim tentamos participar ativamente das atividades rotineiras daquelas famílias. Nas visitas subseqüentes já éramos aguardados com ansiedade, principalmente pelas crianças, pois representávamos algo incomum no dia-a-dia da comunidade.

Para que isso se efetivasse o pesquisador deveria estar aberto à exposição de suas impressões, pois em um verdadeiro diálogo, existe a noção de troca. Contudo, há de se considerar que os participantes deste diálogo são movidos por motivos diferentes em que o ponto comum está na convergência da construção de uma relação. Como em uma conversa real, os pesquisadores têm de estar livre para a abertura de novas temáticas ou de uma seqüência diferente de assuntos não prevista no roteiro do ISD. É nesse sentido que, no geral, deve-se entender que a despeito das necessidades de obtenção de dados mais sistematizados sobre aspectos da realidade da comunidade, o ISD assumia, acima de tudo, a função de abrir um canal de comunicação. Para garantir a efetividade do envolvimento do pesquisador e sua despreocupação com a anotação de informações, a entrevista era gravada.

Apesar da flexibilidade desta etapa da pesquisa, a construção do ISD sempre esteve sustentada nas principais regras de construção de instrumentos encontradas na literatura (Bogdan & Biklen, 1994; Lüdke & André, 1986; Seidl de Moura, Ferreira, & Paine, 1998), como por exemplo, a coerência, a seqüência dos tópicos, o modo de formular as questões, etc. É importante destacar que o processo de construção da versão final do instrumento se deu à medida que os membros da equipe assimilaram o contexto simbólico do homem ribeirinho. Por outro lado, a compreensão pelos pesquisadores da lógica ribeirinha ocorreu ao longo da construção do instrumento. De fato, trata-se de um processo relacional que se caracteriza pela bidirecionalidade, ou seja, ao mesmo tempo em que a compreensão do mundo ribeirinho influenciava na construção do instrumento, este, por sua vez, possibilitava a apropriação, pelos pesquisadores, do funcionamento do contexto. Assim, pode-se dizer que a "inserção ecológica" resultou da aplicação do instrumento e a construção deste foi uma conseqüência da inserção. Vale dizer que esse momento também permitiu ao grupo de pesquisa perceber que a disponibilidade dos grupos familiares diante da presença do pesquisador constituía um elemento que deveria ser considerado durante o processo de seleção das famílias focais para etapa seguinte à aplicação do ISD.

A utilização da metodologia de "inserção ecológica" proposta por Ceconello e Koller (2003) baseada no modelo de Bronfenbrenner (1976/1996), foi extremamente útil, pois mais do que a simples caracterização da comunidade investigada, o principal objetivo do grupo de pesquisa era se apropriar do contexto físico e simbólico que se pretendia estudar, o que foi possibilitado à medida que os membros da equipe tornavam-se cada vez mais parte do mesmo. Nesse sentido, a "inserção ecológica" permitiu a aproximação da complexidade da realidade, e não apenas a simples descrição de elementos tais como, tamanho da população, número de habitantes por casa, modos de produção, religião predominante, etc., que pouco se diferenciam de outras comunidades. Foi nesse sentido que o ISD possibilitou processos proximais entre pesquisador e participantes que foram além dos itens por ele delineados.

 

Considerações finais

A perspectiva bioecológica adotada por Bronfenbrenner (1976/1996) pode ajudar a entender o jogo de relações entre os indivíduos e os níveis contextuais identificados no decorrer do tempo. Todavia, mais do que um modelo de análise, entende-se que suas diretrizes têm implicações metodológicas, pois como observam Ceconello e Koller (2003), o processo de construção da pesquisa é permeado por processos proximais que assumem o caráter duplo, tanto o de construir o foco da pesquisa, como também de viabilizar a sua realização. Neste artigo procurou-se indicar como tais repercussões se concretizam no processo de pesquisa com uma população ribeirinha cujo distanciamento geográfico dos centros acadêmicos coloca desafios para o desenvolvimento de pesquisas com base na metodologia da inserção ecológica.

Como foi relatado ao longo do artigo, as etapas tradicionais da pesquisa de campo foram reconcebidas, considerando aspectos propostos pela metodologia da inserção ecológica. Desse modo, o processo de construção e participação dos membros da equipe de pesquisa foi possibilitado pelo formato do CCC; o papel assumido pelo informante e a técnica de fotografias permitiram a apreensão das várias unidades de análises e uma continuidade dos processos proximais envolvidos na pesquisa; e finalmente, o inventário sociodemográfico, da maneira como foi aplicado, deixou os participantes (tanto o pesquisador quanto o pesquisado) livres para envolvimentos em relações cada vez mais complexas.

Podemos concluir, portanto, que os processos proximais estão em ação no desenrolar da pesquisa e que a consideração de tais processos é fundamental para o próprio sucesso da mesma. Assim, a análise dos quatro componentes do modelo bioecológico - processo, pessoa, contexto e tempo -, requer que o pesquisador considere que estes se revelam dinamicamente, ou seja, os aspectos referentes ao processo proximal estão na dependência das características da pessoa, do contexto, das mudanças e continuidades que ocorrem no decorrer do tempo (Ceconello & Koller, 2003). A revelação da dinâmica entre esses componentes, por sua vez, só é possível a partir da inserção dos pesquisadores no conjunto de interações e como parte das interações desenroladas no contexto de estudo.

 

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Received: 20/11/2007
Accepted 31/01/2008

 

 

* Leila Said Assef Mendes. Mestre em Educação: Políticas Públicas (UFPA), professora da Universidade Federal do Pará e doutoranda do Programa de Pós-graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento (UFPA).
** Fernando Augusto Ramos Pontes. Doutor em Psicologia Experimental (USP), professor da Universidade Federal do Pará e pesquisador bolsista do CNPq.
*** Simone Souza da Costa Silva. Doutora em Psicologia (UNB) e professora da Universidade Federal do Pará.
**** Julia S. N. F. Bucher-Maluschke. Doutora em Ciências familiares e sexológicas (Universite Catholique de Louvain (UCL/Bélgica), professora titular da Universidade de Fortaleza (UNIFOR), bolsista do CNPq e Pesquisadora Colaboradora da Universidade de Brasília/UnB.
***** Daniela Castro dos Reis. Psicóloga (UNAMA), Especialista em Gestão das Organizações (IBPEX) e Mestre em Psicologia (UFPA).
****** Sarah Danielle Baia da Silva. Mestre em Psicologia (UFPA).
1 Endereço: Rua Municipalidade, 1031/1300, Umarizal, 66050-350, Belém, Pará, Brasil. E-mail: leilassef@ufpa.br.
3 Os processos proximais são as interações estabelecidas entre organismo e ambiente que ocorrem ao longo do tempo. Segundo Bronfenbrenner e Morris (1998), os processos proximais são "os principais motores do desenvolvimento" (p. 996).