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Interamerican Journal of Psychology

versão impressa ISSN 0034-9690

Interam. j. psychol. v.42 n.1 Porto Alegre abr. 2008

 

 

O desenvolvimento de valores humanos dos cinco aos 14 anos de idade: um estudo exploratório

 

The development of human values from 5 to 14 years old: an exploratory study

 

 

Maria Waleska Camboim Lopes de AndradeI, *, 1, 2; Cleonice Camino**, II; Maria da Graça Bompastor Borges Dias***, III

I Unidade Acadêmica de Serra Talhada, Pernambuco, Brasil
II Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, Brasil
III Universidade Federal de Pernambuco, Recife, Brasil

 

 


RESUMO

Pesquisas nas ciências sociais e humanas têm notificado a existência de valores, culturais e individuais. Como tais valores surgem no curso do desenvolvimento mental das pessoas? Na presente pesquisa, observou-se o desenvolvimento de quatro valores: Obediência; Cooperação; Responsabilidade e Criatividade, tomando como base para análise o referencial teórico de Jean Piaget. Três etapas do desenvolvimento foram enfocadas: a primeira e a segunda infância e o início da adolescência. Pediu-se a 116 crianças e adolescentes nas idades de 5 a 8; 9 a 11 e 12 a 14 anos, de ambos os sexos, estudantes de três escolas particulares da cidade de João Pessoa, Paraíba, para que apresentassem uma definição de cada valor. Suas respostas foram analisadas procurando-se encontrar características específicas da formação dos valores mencionados, em cada uma das etapas. Dentre essas características, a descentração ocupou um lugar de destaque. Assim, as respostas foram categorizadas considerando-se os níveis de descentração - do mais baixo para o mais alto -, na seguinte ordem: Indefinido, Intrapessoal, Interpessoal e Impessoal. Os resultados indicaram que ocorriam diferenças significativas, entre três faixas etárias, na forma como as crianças e adolescentes definiam os valores. As crianças com menos de 9 anos apresentaram para todos os valores definições da categoria Intrapessoal. Já aquelas entre 9 e 11 anos de idade alternaram suas respostas entre as categorias Intrapessoal, Interpessoal e Impessoal e os adolescentes dificilmente se valeram de definições relativas à categoria Intrapessoal. Assim, de uma forma geral, pode-se concluir que o desenvolvimento dos valores acompanha a descentração.

Palavras-chave: Valores, Escentração, Desenvolvimento.


ABSTRACT

Many Social and Human Sciences researchers have been investigating the existence of individual and cultural values. How those values emerge during the mental development? On present research, one observes the development of the human values, based on Jean Piaget's theory. It focuses on the following three crucial moments of personality development: (1) First childhood; (2) Second childhood, and (3) Adolescence, considering four values: Obedience; Cooperation; Responsibility and Creativity. 116 children and adolescents, both gender, students of three privates schools from the city of João Pessoa, Brazil have participated. They defined some values as names. Their answers were analyzed in order to find particular characteristics on each one of three developmental segments - 5 to 8 years old; 9 to 11 years old and 12 to 14 years old. Categories were organized from lower to higher level of descentration, and named as: (1) Undefined; (2) Intrapersonal; (3) Interpersonal, and (4) Impersonal ones. The results indicated significant differences between the ways participants defined values. Children under 9 years old gave Intrapersonal answers to all values. Those who were between 9 to 11 years old presented Interpersonal answers tending alternatively to Intrapersonal and Impersonal categories. The adolescents hardly used Intrapersonal resources on values definitions.

Keywords: Values, Descentration, Development.


 

 

Pesquisas nas ciências sociais e, especificamente, na psicologia social têm sido empreendidas para compreender os valores humanos. Pouco se conhece ainda, sobre como estes valores se desenvolvem e se organizam em um sistema relativamente estável (Brown, 1996; Piaget, 1964). O presente estudo é o primeiro de um conjunto de investigações sobre o processo de desenvolvimento de alguns dos valores humanos considerando a teoria de Jean Piaget.

Na pesquisa ora em questão, procurou-se observar o desenvolvimento dos valores em três etapas cruciais (a 1a. infância; a 2a. infância e o início da adolescência) existentes no decorrer da formação da personalidade individual. Considera-se que durante estas etapas ocorrem transformações marcantes, que já foram detectadas por muitos autores: Baldwin, em Valsiner e Van der Veer (2000); Erikson (1950); Freud, em Schultz e Schultz (2001); Werner e Kaplan (1964) no campo da psicologia do desenvolvimento.

Considerou-se que, ao adotar valores desde as primeiras fases da vida, o indivíduo está tentando, de uma maneira geral, adaptar-se ao mundo, (Piaget, 1964, 1981). Dessa maneira, a formação dos valores seria não apenas a incorporação de elementos culturais, mas também o desenvolvimento de estruturas, cognitivas e afetivas (tomar os valores como estruturas mentais foi sugerido por Braithwite & Scott, 1991 e referendado por Gouveia, 1998). O desenvolvimento dos valores humanos ocorreria, assim, num movimento que é inerente ao desenvolvimento cognitivo e afetivo do funcionamento mental durante o curso da vida de uma pessoa e se caracterizaria por ser, ao mesmo tempo, individual e social; interno e externo; dependente do temperamento do indivíduo e do contexto no qual está inserido (ver Bakhtin, 2002; Baldwin, 1992 e Piaget, 1981).

Em uma perspectiva diferente do cognitivismo construtivista, na psicologia social os valores têm sido estudados, principalmente, em populações de adultos, tendo-se em menor número os estudos com adolescentes como, por exemplo, os de Molpeceres (1994), Tamayo (1988) e com crianças, Schneider (2001) e Viana (2000). Nenhum destes autores se preocupou, diretamente, com o desenvolvimento dos valores no sentido de como estes começariam a ser inicialmente utilizados pelas pessoas. Schwartz (2000), em declaração pessoal verbal, afirmou também não haver encontrado estudos com este direcionamento.

Já outros autores apontaram, respectivamente, para o desenvolvimento dos valores como sendo concomitante ao processo de socialização e, mais ainda, indicaram o período da infância como crucial na formação dos sistemas de valores. Tal é o exemplo de Rokeach (1973), considerado um dos principais codificadores das idéias sobre a natureza dos valores, e de Inglehart (1991), detentor de um acervo relevante de pesquisas sobre a evolução dos sistemas de valores em nível social, desde a segunda guerra mundial. No entanto, estes autores não chegaram a elaborar uma teoria sobre o desenvolvimento dos valores.

Também Schwartz e Bilsky (1990) não elaboraram uma teoria sobre o desenvolvimento dos valores, mesmo julgando que seria preciso um desenvolvimento cognitivo suficiente para tornar o indivíduo capaz de pensar, reconhecer e planejar respostas a três requerimentos universais (necessidades: biológicas, interacionais e institucionais), além de ser capaz de falar ou de se comunicar com base nestes requerimentos.

Diante da constatação de que os teóricos na área de Psicologia Social não estudaram os valores do ponto de vista do desenvolvimento e estabelecendo o objetivo de identificar o desenvolvimento dos valores desde a infância, buscou-se respaldo na teoria de Piaget (1932/1973a, 1947/1987, 1956/1973b, 1962, 1963/1970, 1964,1965/1995, 1967, 1976, 1981), a qual aborda a gênese dos valores.

Estudando o período inicial da vida humana, Piaget (1956/1973b, 1964, 1981) observou a "centração" do bebê em suas próprias ações. Verificou que, aos poucos, a percepção do bebê vai se "descentrando" à medida que desenvolve estruturas mentais. Neste ínterim, um sistema de valores, baseado, inicialmente, no interesse próprio do bebê, vai se formando.

Os valores estariam então ligados, inicialmente, a um sistema regulador de energia e funcionariam como avaliadores da qualidade da ação própria do sujeito ou de seus efeitos (Piaget, 1981), traduzindo trocas afetivas com o mundo. A organização inicial de um sistema de valores, conforme a teoria piagetiana, dar-se-ia quando o bebê começa a valorizar objetos que lhe são externos (dentre os quais, os mais importantes, para eles, seriam as outras pessoas). Tal valorização ocorreria sempre em relação às ações próprias: o que agradaria ou o que implicaria, para o bebê, um sucesso ou um insucesso. A hierarquia deste sistema de valores inicial tem como base a diferenciação entre os meios para alcançar algo interessante e os objetivos ou fins que os motivariam. Os bebês distinguiriam o que lhe interessa do que não lhe interessa comparando sua ação na situação presente com uma ação semelhante vivida numa situação anterior. (Piaget, 1981).

O sistema de valores assim formado continuaria se organizando, tornando-se mais estável, mais equilibrado. A linguagem e a representação do afeto levariam à habilidade em conservar sentimentos, fazendo surgir sentimentos morais e esquemas interpessoais de trocas afetivas. Permanece, contudo, um egocentrismo característico dos primeiros anos de vida. Segundo Piaget (1960/1995) a linguagem forneceria um sistema completo de sinais coletivos às crianças pequenas, porém estes símbolos ainda não estariam completamente compreendidos, de imediato, por elas. Os pontos de vista da criança com relação aos dos outros ainda não estariam diferenciados, existiria uma centração intuitiva que daria primazia ao ponto de vista imediato (perceptual).

Com o passar do tempo o indivíduo se submete, voluntariamente, a normas de reciprocidade e universalidade. A criança não deixaria de considerar seu próprio ponto de vista como absoluto, mas passaria a notar que este possui um caráter específico. Nessa nova condição, em que a criança já se encontraria mais descentrada, o "eu adquire consciência de si próprio, pelo menos em sua ação prática e como objeto sujeito às mesmas leis que os demais" (Piaget, 1963/1970, p.335). Os sentimentos passariam então a serem morais ou normativos.

Por volta dos sete anos de idade, a criança já faria suas próprias avaliações morais e praticaria atos de vontade livremente decididos. Seu sentimento moral por vezes pode entrar em conflito com o da moral heterônoma. Entretanto, uma nova atitude apareceria, a reciprocidade moral, que é normativa e que acarreta o sentido de dever, expressando-se nos sentimentos de justiça e de respeito mútuo.

No curso do desenvolvimento, tais sentimentos continuam se organizando, constituindo regulações ou formas finais de equilíbrio que seriam expressas pela vontade. Esta é considerada por Piaget (1981) como a única força mental necessária para o comportamento. Não se trataria de uma simples manifestação da energia à disposição de uma tendência, mas de um regulador da energia.

Ao desenvolver estruturas operacionais, a criança torna-se-ia capaz de exercer a vontade como um regulador de energia, constituindo o que Piaget (1981) chamou de estruturas afetivas, as quais seriam análogas às estruturas operacionais. Assim, o ato de vontade recairia na mesma questão colocada para a inteligência, um problema cuja resolução só ocorreria pela descentração: a superação de pontos de vista centrados em uma perspectiva individual. Por exemplo, no ato inteligente, o sujeito teria de ir além da configuração perceptual imediata (mas sem rejeitá-la) para fazer surgir relações que não foram dadas à percepção desde o início; no ato de vontade (um impulso fraco vencendo um mais forte), o indivíduo subordinaria uma dada situação a uma escala de valores relativamente estável.

Em concomitância com a descentração, a personalidade envolveria uma realização consciente da relatividade da perspectiva individual. A personalidade se consolidaria no final da infância com a organização autônoma das regras e dos valores, com a afirmação da vontade, enquanto reguladora, e com a hierarquização moral das tendências (Piaget, 1964, p. 81). Poder-se-ia mesmo dizer que a personalidade expressaria o eu descentrado.

Apesar de Piaget (1967; 1948) ter enfatizado a importância da descentração social, este autor não se deteve em estudos empíricos relativos a esta forma de descentração. Piaget considerou nesta categoria pesquisas que poderiam ser mais bem classificadas como de descentração espacial. Por exemplo, Piaget (1967) verificou se a criança seria capaz de perceber que a posição de um objeto é relativa à posição daquele que o observa; Piaget (1948) relatou, também, uma pesquisa em que avaliou se uma criança seria capaz de indicar, olhando uma das perspectivas em que se encontravam três montanhas, por meio de uma fotografia, como uma boneca, colocada em outra posição, estaria vendo as três montanhas.

Na realidade, os autores deste trabalho consideram que a descentração social foi mais bem estudada por Selman (1976). Este autor fez uma análise estrutural dos níveis de descentração, procurando encontrar a organização e a ordem que fundamentariam o pensamento ou o comportamento das pessoas. Selman, usando o raciocínio sobre dilemas morais como contexto, encontrou estágios do desenvolvimento da habilidade de tomar a perspectiva do outro (Social Role Taking, SRT) que foram descritos com base na abordagem de Piaget. Em suas pesquisas, Selman viu o progresso no desenvolvimento sócio cognitivo em termos de um acúmulo de mudanças qualitativas na estruturação da compreensão que a criança vai adquirindo sobre a relação entre sua perspectiva e a dos outros. Isto significando, então, saber, com o passar do tempo, como a criança diferenciaria sua perspectiva da perspectiva do outro; como a criança coordenaria ou relacionaria sua perspectiva com a perspectiva dos outros e de que forma as novas diferenciações e coordenações, em um dado estágio, seriam baseadas nas dos estágios anteriores, embora sendo mais avançadas. As respostas a estas questões definiram a estrutura de cada estágio sucessivo da descentração.

Selman (1976) analisou o conteúdo dos estágios, verificando qual a compreensão que a criança teria: das capacidades; dos atributos da personalidade; das expectativas e desejos; dos sentimentos e emoções; dos motivos; das reações potenciais e dos julgamentos sociais dos outros. Cada um destes atributos poderia ser tido como um conceito sobre categorias básicas da experiência social. O desenvolvimento da cognição social iniciar-se-ia em um estágio, estrutural, no qual a criança seria capaz de adotar apenas um ponto de vista de cada vez (inicialmente, reconheceria apenas o ponto de vista próprio, em seguida o do outro, mas apenas um ponto de vista de cada vez) e seguiria para um estágio no qual a criança poderia ver o ponto de vista de outra pessoa como relacionado com o seu. Tal desenvolvimento seria paralelo a uma mudança nas concepções que a criança construiria sobre a personalidade, a motivação e outros elementos das relações sociais.

No presente trabalho, as constatações de Selman (1976) sobre a descentração guiaram, sobretudo, a análise dos dados, enquanto as explicações teóricas de Piaget sobre como se processava a formação de valores, orientaram o delineamento da pesquisa e a compreensão dos resultados. Em outras palavras, a obra de Piaget fundamentou a compreensão de como poderiam evoluir os valores da infância para a adolescência ou a verificação de como a estrutura dos valores variava conforme a idade. Reconhece-se que teria sido mais informativo das transformações ao longo do tempo das escalas de valores se tivesse sido feita simultaneamente uma pesquisa longitudinal, entretanto as limitações de tempo e recursos levaram a que se elaborasse um desenho de corte transversal.

 

Método

Participantes: 116 crianças e adolescentes de 5 a 14 anos de idade, tendo pelo menos 10 crianças de cada faixa etária, 53% do sexo feminino, a maioria de classe média, estudantes de escolas particulares de João Pessoa, Paraíba.

Instrumento: Valores Como Nomes. Teste subjetivo que apresenta 56 conceitos ou expressões representando igual número de valores humanos, os quais foram retirados da tipologia composta por Schwartz e Sagiv (1995). Os autores do presente trabalho apresentaram uma lista com estes valores e pediram a crianças e adolescentes uma definição e/ou um exemplo de cada valor, em um estudo piloto. Este estudo demonstrou, entre outras coisas, que a tarefa de definir os valores exigia um grande esforço cognitivo. Optou-se, assim, por um número reduzido de valores individuais (27 dos 56 valores), cuidando para que houvesse pelo menos dois valores individuais representando cada um dos 10 valores tipos analisados por Schwartz e Sagiv.

Os 27 valores selecionados foram: Poder Social; Sucesso; Capacidade; Prazer; Estimulação; Criatividade; Proteger o Meio Ambiente; Tolerância; Cooperação; Honestidade; Responsabilidade; Devoção; Polidez; Honrar os Pais e os Mais Velhos; Segurança; Troca de Favores; Autoridade; Ambição; Audácia; Curiosidade; Beleza; Justiça Social; Indulgência; Lealdade; Resignação; Obediência e Ordem Social.

No presente estudo, foram destacados quatro dentre estes valores. Três destes valores possuem uma relevância especial dentro da teoria de Piaget: Obediência, Cooperação e Responsabilidade. O quarto valor, Criatividade, deveria servir como uma espécie de contrapartida aos três outros.

Procedimento para administração do instrumento: As escolas foram contatadas através de sua diretoria e de seus psicólogos educacionais. Com o auxílio destes, as crianças e adolescentes foram informados da pesquisa em sala de aula. Todos os participantes foram voluntários, selecionados pela idade e autorizados pelos pais que tiveram esclarecimento sobre a pesquisa e assinaram um termo de consentimento aprovado pelo Comitê de Ética da UFPB. Aqueles que tinham entre 10 e 14 anos de idade responderam aos questionários em aplicação coletiva. As crianças entre 5 e 9 anos foram entrevistadas individualmente. Pedia-se que dissessem o que entendiam por aquele nome e dessem exemplos, se quisessem.

Procedimento de Análises dos Dados

Considerando as teorias de Piaget (1981) e de Selman (1976) e uma análise do conteúdo das respostas das crianças e adolescentes participantes desta pesquisa estabeleceu-se, depois de reiteradas discussões entre os juizes, quatro grandes categorias para classificar as respostas dos participantes. Estas categorias corresponderiam a níveis diferentes da descentração social e da construção dos valores. Segue uma descrição dos atributos que caracterizam tais categorias.

(a) Impessoal, incluiu respostas que: são expressões de sentimentos idealistas; revelam o uso da vontade como diretiva do comportamento e do julgamento; apresentam mutualidade nas relações sociais e uma visão sistêmica, o que implica maior generalização quanto à forma de julgamento e de percepção do mundo; mostram enfim diferentes perspectivas e o uso de linguagem com expressões meta-cognitivas.

(b) Interpessoal, nesta categoria constam respostas que demonstram: sentimentos autônomos, por exemplo, os de reciprocidade e de justiça; o reconhecimento da perspectiva do outro como diferente da própria perspectiva, como dotada de psicologia e intenções particulares; o início da auto-reflexão, na qual o indivíduo se torna capaz de se por no lugar do outro refletindo sobre as questões sociais de uma perspectiva privilegiada.

(c) Intrapessoal, foram classificadas nesta categoria as respostas caracterizadas pelo uso de termos que expressam o julgamento do sentido do valor através do uso da percepção imediata, intuitiva ou associada a situações concretas recentemente vividas. Tais respostas são identificadas na primeira fase de socialização e no início do uso da linguagem simbólica coletiva e demonstram a adoção exclusiva da própria perspectiva na interação com o mundo social e ainda os sentimentos de respeito unilateral, de justiça imanente e de obediência.

(d) Indefinido, nesta categoria foram classificadas as respostas em branco. As quais, em geral, indicam que a criança não sabe falar sobre o valor mencionado e nem mesmo o reconhece.

 

 

A necessidade de padronização no processo de categorização levou a elaboração de uma gama de critérios (Tabela 1) que caracterizariam, em termos de expressões lingüísticas, cada uma das categorias elaboradas, permitindo considerá-las como níveis de desenvolvimento dos valores. A classificação das respostas nestas categorias foi feita por três diferentes juizes, separadamente, e contou com índices de concordância igual ou superior a 66,6%.

 

Resultados

A análise dos valores aqui estudados, Obediência, Cooperação, Responsabilidade e Criatividade permitiu que se identificasse algumas características do desenvolvimento dos valores humanos nos primeiros anos de vida.

- Definições do Valor Obediência

O resultado da análise de conteúdo possibilitou destacar algumas expressões utilizadas pelos participantes da pesquisa e alguns exemplos das respostas classificadas em cada categoria (Tabela 2).

- Definições de Obediência por Idade

Apresentou-se uma diferença significativa (X2= 39,6; gl= 3, p= .00) na comparação entre os três grupos de idade. De fato, a análise dos dados da Tabela 6, indicou que: as crianças da faixa etária de 5 a 8 anos apresentaram freqüências de respostas significativamente mais altas na categoria Intrapessoal; entre 9 e 11 anos de idade, as crianças deram mais respostas na categoria Intrapessoal, embora tivessem apresentado também respostas nas categorias Interpessoal e Impessoal (neste caso, estas crianças estariam mais próximas do grupo de adolescentes do que as crianças de 5 a 8 anos de idade); os adolescentes, entre 12 e 14 anos de idade, ultrapassaram, no geral, as respostas classificadas como Intrapessoal, para o valor Obediência, e apresentaram mais respostas nas categorias Interpessoal e Impessoal. A Tabela 6 mostra como as freqüências das respostas se distribuíram pelas três distintas faixas etárias e os resultados dos Qui-quadrados em cada faixa etária.

 

 

 

- Definições do Valor Cooperação

Com base na análise de conteúdo, algumas expressões utilizadas pelos participantes da pesquisa e alguns exemplos das respostas classificadas em cada categoria foram reunidos e estão apresentados no Tabela 3.

- Definições do Valor Cooperação por Idade

Não se constatou uma diferença significativa (X2= 1,86; gl= 3, p= .60) em relação à comparação entre os três grupos de idade, para este valor. Entretanto, foi possível observar diferenças significativas no interior de cada grupo de idade em relação à freqüência das respostas dos participantes (Tabela 7). Mais especificamente, verificou-se que: as crianças pequenas, entre 5 e 8 anos de idade, tenderam a não reconhecer o valor Cooperativo e apresentaram explicações classificadas, sobretudo, nas categorias Indefinido e Intrapessoal, apesar de que algumas de suas respostas chegaram a ser classificadas também como Interpessoal e até mesmo como Impessoal; o grupo das crianças que estão entre 9 e 11 anos de idade apresentou respostas cuja classificação não corresponde a uma categoria específica. Embora tenha se verificado uma ordem decrescente na freqüência de respostas classificadas da categoria Impessoal para a Indefinida; os adolescentes entre 12 e 14 anos tenderam a apresentar respostas classificadas, principalmente, nas categorias Impessoal e Interpessoal, apesar de alguns deles terem mesmo deixado de definir o valor Cooperativo.

- Definições do Valor Responsabilidade

Com base na análise de conteúdo das definições apresentadas pelos participantes para o conceito Responsabilidade, reuniu-se no Tabela 4 algumas das expressões utilizadas, em geral, pelos participantes da pesquisa e alguns exemplos das respostas classificadas em cada categoria.

- Definições do Valor Responsabilidade por Idade

Observou-se que existe uma diferença significativa (X2= 26,97; gl= 3, p= .00) na comparação entre os três grupos de idade. De fato, verificou-se que: várias crianças pequenas, entre 5 e 8 anos de idade, não conseguiam definir o valor Responsabilidade e apresentaram suas respostas na categoria Indefinido (Tabela 8). Algumas chegaram a reconhecer o termo, mas tiveram dificuldade em exprimir o seu sentido, suas respostas não chegando a serem incluídas na categoria Intrapessoal. Já as crianças entre 9 e 11 anos de idade não apresentaram respostas classificadas na categoria Indefinido, a maioria das suas respostas foram classificadas nas categorias Impessoal e Intrapessoal. Já a maioria das crianças entre 12 e 14 anos de idade apresentou respostas na categoria Impessoal.

- Definições do Valor Criatividade

A análise de conteúdo das definições apresentadas pelos participantes para o valor Criatividade permitiu reunir no Tabela 5 algumas das expressões utilizadas, em geral, pelos participantes da pesquisa e alguns exemplos das respostas classificadas em cada categoria.

- Definições do Valor Criatividade por Idade

Uma comparação entre as freqüências de respostas por categoria, considerando os três grupos de idade, mostrou uma diferença significativa (X2= 16,97; gl= 3, p= .00) entre os grupos. A Tabela 9 apresenta a freqüência de respostas para as diferentes categorias segundo as três faixas etárias e os valores dos Qui-quadrados para cada uma destas. Através da análise desta tabela observou-se que: entre 5 e 8 anos de idade as crianças apresentaram respostas classificadas, sobretudo, na categoria Intrapessoal; acima dos 9 anos de idade, as crianças deram respostas que foram classificadas principalmente nas categorias Impessoal e Interpessoal.

 

 

 

 

 

 

 

Discussão

Existem variações nas definições dos valores conforme a idade? Como se desenvolvem os valores da infância à adolescência? Estas foram as principais questões que nortearam este estudo. Buscou-se as teorias de Jean Piaget sobre o desenvolvimento dos valores e de Robert Selman sobre a descentração social e, com base nestes enfoques, pesquisou-se as respostas de 116 crianças e adolescentes sobre quatro valores.

Os resultados indicaram variações estatisticamente significativas nas formas como crianças e adolescentes, em três faixas etárias (5 a 8; 9 a 11 e 12 a 14), definiram os valores. De fato, de uma maneira geral, as crianças pequenas, com menos de 9 anos, prenderam-se a definições classificadas principalmente como Intrapessoais para todos os valores. Já o grupo de crianças entre 9 e 11 anos de idade não apresentou uma tendência tão definida, tendendo para a categoria Interpessoal, mas ora contrabalançada pela categoria Intrapessoal, ora pela Impessoal. Os adolescentes, por sua vez, dificilmente usaram definições classificadas na categoria Intrapessoal. Suas respostas tenderam a ser classificadas sempre mais como Impessoais do que como Interpessoais.

Tais características estão de acordo com a teoria de Piaget (1981), embora apenas em parte. Por um lado, está conforme esta teoria o fato de que o desenvolvimento da forma como os participantes da pesquisa definiram os valores tornou-se mais peculiar em dois momentos: durante a primeira infância, quando as crianças utilizaram, principalmente, recursos Intrapessoais em suas definições (estágio pré-operacional, segundo Piaget) e na adolescência, quando adotaram um padrão Impessoal para suas definições (estágio operacional formal, na teoria de Piaget). Por outro lado, a divisão das definições em duas etapas indicou apenas uma tendência e não uma regra absoluta.

As formas como as crianças até oito anos definiram os valores mostraram-se diferentes da maneira como o fizeram as crianças das faixas etárias acima dos nove anos. Verificou-se, porém, que mesmo as de 14 anos ainda poderiam apresentar respostas classificadas na categoria Intrapessoal. Uma explicação possível é a de que não existiriam mudanças completas nas estruturas mentais. Em nenhum momento se encontrou um grupo etário dando respostas classificáveis completamente em uma só categoria.

O que se verificou foi uma tendência para certo padrão de definição, conforme o valor e a faixa etária. Grosso modo, observa-se na teoria de Piaget a tendência dos participantes maiores apresentarem respostas mais elaboradas. Em pesquisa posterior será possível estabelecer se os adolescentes maiores de 15 anos de idade se concentram mais na categoria Impessoal.

 

Conclusão

Os resultados encontrados mostraram que sim, existe uma certa diferenciação na maneira como os participantes das diferentes faixas etárias definem os valores. As crianças menores, de 5 a 8 anos, tenderam a defini-los de maneira Intrapessoal, fazendo associações com as experiências que viveram e sem demonstrar atenção especial à perspectiva do outro. As crianças entre 9 e 11 anos de idade referiram-se ao outro de forma enfática, utilizando ainda, além da característica da interpessoalidade, recursos característicos das respostas Intrapessoais e Impessoais. Os adolescentes apresentaram características próprias semi-padronizadas nas formas como definiram os valores. Estas seriam diferentes daquelas apresentadas nos níveis anteriores, por seu cunho abstrato, evidenciando a noção de um nível social mais amplo.

Tais resultados sugerem ainda a influência do tipo de valor sendo analisado. O valor Cooperação, por exemplo, foi o único valor para o qual o número de respostas apresentadas pelas crianças pequenas e classificadas como Indefinidas superou o de respostas rotuladas como Intrapessoais, sugerindo um conceito que exige um maior esforço de entendimento. Piaget apontava a Cooperação como surgindo, mais tardiamente, na segunda infância. Considerando as respostas dos adolescentes, observou-se ainda que, no caso unicamente deste valor, o número de respostas Impessoais não ultrapassa o de respostas classificadas como Interpessoais, reforçando desta forma a dificuldade apresentada pela noção que implica este valor.

Já o valor Criatividade apresentou uma tendência a ser definido de maneira Interpessoal e Impessoal a partir dos 9 anos, sendo as respostas classificadas como Impessoais, dos adolescentes, significativamente maiores do que as Interpessoais. Tais características da influência do sentido de cada valor sobre as formas como estes se desenvolvem na infância e na adolescência poderão ser melhores compreendidas com a análise de um conjunto maior de valores.

 

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Received: 08/09/2006
Accepted: 07/08/2007

 

 

* Maria Waleska Camboim Lopes de Andrade. Professora doutora da Unidade Acadêmica de Serra Talhada. Doutorado pelo Programa de Pós-graduação em Psicologia Cognitiva -UFPE.
** Cleonice Camino. Professora Doutora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da UFPB.
*** Maria da Graça Bompastor Borges Dias. Professora Doutora do Programa de Pós-graduação em Psicologia Cognitiva da UFPE.
1 Endereço: R. Antonio Alves de Oliveira, no. 100. Bairro da AABB, Serra Talhada, PE. Fone: (83) 8770 7200 e (87) 8808 5573. E-mail: wcamboim@uol.com.br.
2 Financiado pela CAPES