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Interamerican Journal of Psychology

versão impressa ISSN 0034-9690

Interam. j. psychol. v.42 n.2 Porto Alegre ago. 2008

 

 

Atitudes sobre a aprovação da psicoterapia online na perspectiva da teoria da ação racional

 

Attitudes towards the approval of psychotherapy online in the light of reasoned action theory

 

 

Rodrigo Sá Vicente Marot; Maria Cristina Ferreira1

Universidade Salgado de Oliveira, Rio de Janeiro, Brasil

 

 


RESUMO

Investigaram-se as atitudes sobre a aprovação da psicoterapia online, em uma amostra composta por 161 pessoas, que responderam a um questionário acessado por meio de um site da internet dedicado à saúde mental. Os resultados evidenciaram que: (a) as atitudes sobre a aprovação da psicoterapia online consistiam em uma função positiva do produto das crenças sobre a aprovação desse tipo de terapia por suas respectivas avaliações; (b) a norma subjetiva associada à aprovação da terapia online constituía uma função positiva dos produtos das crenças normativas sobre a aprovação desse tipo de terapia pelas motivações em aderir a essas crenças; (c) tanto a atitude quanto a norma subjetiva contribuíram para a predição da intenção de comportamentos de voto favoráveis à aprovação da terapia online, embora a atitude tivesse exercido maior influência nessa predição. Tais resultados são discutidos à luz de achados anteriores e dos pressupostos da teoria da ação racional.

Palavra-chave: Atitudes, Psicoterapia online, Teoria da ação racional, Pesquisa pela internet.


ABSTRACT

The aim of this study was to investigate the attitudes towards the approval of psychotherapy online in the light of reasoned action theory. The sample consisted of 167 participants (67% were females) who completed an online questionnaire through a mental health website. The results indicated that the attitudes towards the approval of psychotherapy online were a positive function of the product of beliefs regarding this matter by its evaluations. On the other hand, the subjective norm concerning the approval of psychotherapy was a positive function of the product of normative beliefs regarding this matter by the motivation to adhere to them. In addition, the attitudes and the subjective norm contributed to the intentions to vote for online psychotherapy, but the most important influence on this prediction came from the attitudes. Such results are discussed in the light of the previous research findings that also confirmed the main suppositions of reasoned action theory.

Keywords: Attitudes, online psychotherapy, Reasoned action theory, Internet research.


 

 

Nas últimas décadas, as tecnologias de comunicação sofreram um grande avanço. Inicialmente, o telefone permitiu, pela primeira vez, a comunicação à distância. Posteriormente, outros aparelhos, como o rádio e a televisão, introduziram a possibilidade de transmissão de sons e imagens sem fio. Em seguida, novidades associadas a melhorias nos sistemas de comunicação já existentes, como a TV colorida, a transmissão via satélite e a digitalização da transmissão do rádio e da televisão, passaram a fazer parte do cotidiano. Mais recentemente, surgiu no cenário mundial uma forma de comunicação até então inédita, qual seja a comunicação entre computadores, viabilizada por meio da internet.

Em virtude de a internet ser um meio de comunicação relativamente novo, sua utilização em pesquisa ainda é recente, embora venha se desenvolvendo rapidamente (Gore & Leuwerke, 2000). Nesse sentido, diversos estudos vêm se dedicando a comparar os resultados obtidos em populações equivalentes, mediante a aplicação de instrumentos e procedimentos por meio da internet e por meios convencionais. Algumas dessas pesquisas têm concluído pela não existência de diferenças entre os resultados obtidos nas duas condições (Ball, Scott, McLaren & Watson, 1993; Epstein, Klinkenberg, Wiley & McKinley, 2001), porém outras têm evidenciado a presença de diferenças significativas entre ambas, associadas, por exemplo, ao fato de a internet suscitar atitudes mais severas (Eaton & Struthers, 2002) ou respostas mais eficazes a determinados tipos de tratamentos preventivos (Celio et al., 2000).

O advento da internet intensificou também as discussões acerca da psicoterapia online, fazendo com que o tema venha sendo cada vez mais debatido nos meios acadêmicos e profissionais ligados à psicologia. Independentemente, porém, das vantagens e desvantagens que tal modalidade psicoterápica possa ter, Suler (2002) assinala que vários aspectos associados à implementação de tais práticas ainda precisam ser discutidos e aprofundados, antes que sua adoção em larga escala se torne lugar comum. No Brasil, por exemplo, a terapia online ainda é proibida, estando autorizada apenas para estudos científicos, razão pela qual ela não pode ser exercida sob a cobrança de honorários, além de que o usuário deve estar previamente ciente de que estará apenas participando de uma pesquisa (Conselho Federal de Psicologia, 2000).

Tal situação torna evidente a necessidade de se desenvolverem estudos adicionais a respeito da psicoterapia online, capazes de dar respaldo científico a tais procedimentos e dirimir as dúvidas que ainda existem a respeito de sua implementação. Sob esse prisma, uma possibilidade que se revela promissora diz respeito à abordagem da psicoterapia online por meio do estudo das crenças e atitudes associadas à sua aprovação, em face das evidências já disponíveis na literatura sobre o fato de as atitudes, em determinadas condições, constituírem- se em preditoras adequadas do comportamento (Ajzen, 2001). Apoiando-se nessas considerações, o presente trabalho teve como objetivo investigar as atitudes sobre a aprovação da psicoterapia online no Brasil, sob a ótica da teoria da ação racional (Fishbein & Ajzen, 1975), em virtude de ser ela uma das teorias mais utilizadas atualmente na abordagem das atitudes.

A Psicoterapia online

De acordo com Kaplan (1997), a psicoterapia online não se propõe a ser uma nova modalidade de psicoterapia, mas um novo meio de realizá-la, em virtude de consistir em um tipo de terapia na qual o terapeuta encontra-se em um local diferente daquele em que o paciente está, sendo portanto viabilizada pela comunicação bidirecional, que pode se realizar por meio de áudio, audiovisual ou texto, ou ainda por intermédio de e-mails, fitas K-7 e vídeo. Um terapeuta cibernético assemelha-se, assim, a um terapeuta cego que, por não contar com os recursos visuais, direciona sua atenção para a forma e o conteúdo das mensagens que chegam até ele, obtendo também informações “não verbais” por meio dos textos. A experiência e o conhecimento individual que ele vai adquirindo de seus clientes acabam por permitir a apreensão de outras modalidades de informação que muitas vezes não são percebidas no contato pessoal, como o estilo de escrita, por exemplo. Desse modo, a transposição da relação face-a-face para o mundo virtual não representa uma perda completa, mas tão somente a substituição da forma de avaliação da linguagem não verbal, em função de ela deixar de ser avaliada pela expressividade corporal e passar a ser avaliada pela expressividade estilística da escrita (Kaplan, 1997).

Como qualquer outra relação via internet, a psicoterapia online pode se dar na forma sincrônica ou assincrônica (Suler, 2002). A primeira envolve a comunicação em tempo real, o que pressupõe a marcação de um horário limitado de atendimento, como em um consultório. Ela possibilita que se crie, portanto, a sensação de que o terapeuta, apesar de não se encontrar visível, está, naquele momento, presente e disponível exclusivamente para o cliente. Ela se caracteriza, ainda, por promover maior espontaneidade por parte do cliente, especialmente no que diz respeito à revelação de idéias censuradas e à emissão de relatos difíceis ou embaraçosos de serem feitos, motivadas em grande parte pela não presença do terapeuta.

Já na terapia assincrônica, o terapeuta e o cliente não precisam estar se comunicando simultaneamente, o que faz com que a percepção temporal desapareça, pois o cliente passa a se ver como se estivesse constantemente sob terapia, podendo manifestar-se na hora em que os acontecimentos ocorrem ou na hora que lhe for mais adequada, sem ter de esperar a hora da sessão. Isto vale também para o terapeuta, que conta com uma ampla margem de tempo para pensar ou até pesquisar a resposta a ser dada a seu cliente. Ela não sofre, portanto, influência dos fusos horários, além de viabilizar o armazenamento de todas as mensagens trocadas, permitindo, assim, uma análise detalhada e fidedigna do passado (Suler, 2002).

Uma das questões que permeia a discussão acerca da implementação da psicoterapia online diz respeito ao aspecto ético. Em princípio, toda e qualquer prática psicoterápica exercida sem embasamento científico ou implementada por pessoas incompetentes no assunto é considerada antiética, o que torna necessária a supervisão de um conselho de ética que possa coibir tais práticas (Suler, 2002).

Outra questão que merece ser considerada diz respeito às regras a serem adotadas para se autorizar um psicoterapeuta a praticar a psicoterapia online. Autorizálo desde já significaria assumir que a terapia online equivale à terapia presencial. Contudo, impedir que isso seja feito significa dificultar o acesso à terapia de pessoas que dela necessitam para o restabelecimento de sua saúde mental, como, por exemplo, aquelas que moram em locais onde não há psicólogos ou que não possuem meios de se locomover até o consultório de seus terapeutas. O que seria mais antiético, então: impedir que os profissionais realizem desde já a psicoterapia cibernética por falta de embasamento científico ou privar as pessoas que necessitam de apoio psicológico de serem a ela submetidas? (Suler, 2002).

As dúvidas e debates acerca da psicoterapia online têm despertado o interesse crescente de pesquisadores desejosos de coletar evidências acerca de sua validade e confiabilidade. A análise dessas investigações revela que a maioria delas tem se focado predominantemente na eficácia da terapia online de base cognitivo-comportamental (Anderson, Stromgren, Strom & Lyttkens, 2002; Christiensen, Griffiths & Korten, 2002; Cook & Doyle, 2002; Lange, Vem, Schrieken & Emmelkamp, 2001; Tate, Wing & Winett, 2001), sem que haja a preocupação de se investigarem os demais fatores que se encontram imbricados na adoção de tais práticas. Nesse sentido, o estudo das atitudes dirigidas a essa modalidade de psicoterapia, na perspectiva da teria da ação racional, apresenta-se como uma possibilidade de se adotar uma vertente sócio-psicológica que permanece ainda praticamente inexplorada nesse contexto.

A Teoria da Ação Racional e as Atitudes sobre a Psicoterapia online

A teoria da ação racional (Fishbein & Ajzen, 1975) tem sido usada na explicação de comportamentos associados às mais variadas situações, em virtude de vir se mostrando capaz de predizer “quando e em que condições o conhecimento da atitude permite inferir a manifestação de um comportamento” (Channouf, Py & Somat, 1996, p. 56). Assim é que, nas últimas décadas, diferentes estudos, focados na prevenção de comportamentos de saúde (Albarracin, Johnson, Fishbein & Muellerleile, 2001; Fisher, Fisher & Rye, 1995; Stockler, 2000; Sutton, McVey & Glanz, 1999) e na implantação de programas de ação afirmativa (Bell, Harrison, & McLaughlin, 2000) vêm sendo orientados por tal referencial teórico.

De acordo com o modelo em questão, os indivíduos desenvolvem crenças comportamentais, isto é, um conjunto de informações sobre os objetos, constituindo-se as mesmas na base cognitiva das atitudes. Cada crença, por outro lado, pode ser avaliada de forma favorável ou não e, conseqüentemente, as atitudes sobre um determinado objeto (AT) resultam do somatório dos produtos das crenças sobre um objeto (CC) por suas respectivas avaliações (AC) (D’Amorim & Vera, 1996). Desse modo, formulou-se a seguinte hipótese:

Hipótese 1: As atitudes sobre a aprovação da psicoterapia online consistem em uma função positiva do produto das crenças sobre a aprovação desse tipo de terapia por suas respectivas avaliações.

O modelo pressupõe, ainda, a existência das crenças normativas, constituídas pelas cognições associadas ao que as pessoas importantes para o indivíduo (referentes) julgam que ele deva fazer, razão pela qual são isentas de carga afetiva. No entanto, os indivíduos podem se mostrar mais ou menos motivados a atender às expectativas emanadas de tais crenças e, assim, o somatório dos produtos das crenças normativas (CN), multiplicadas pelas respectivas motivações (M) em cumpri- las, dará origem à norma subjetiva (NS) (D’Amorim, 1995). Desse modo, foi formulada a seguinte hipótese:

Hipótese 2: A norma subjetiva referente à aprovação da terapia online é uma função positiva das crenças normativas associadas à aprovação de tal modalidade de terapia multiplicadas pela motivação em atender a tais crenças.

Avançando em suas formulações, Fishbein e Ajzen (1975) propõem também que a intenção de comportamento caracteriza-se pelo resultado da interação entre a atitude comportamental e a norma subjetiva. Desse modo, a atitude mostra o que o indivíduo faria se seu ato não tivesse nenhum conhecimento ou repercussão social, porém, quando combinada à norma subjetiva, irá resultar no ato mais adequado para cada pessoa em dada circunstância. Conseqüentemente, a intenção de comportamento poderá seguir uma ou outra direção, dependendo da intensidade da atitude e da norma subjetiva, ou seja, ela representará o que for predominante no binômio atitude/norma subjetiva (D’Amorim & Vera, 1996). Nesse sentido, formulou-se a seguinte hipótese:

Hipótese 3: As atitudes sobre a aprovação da terapia online e a norma subjetiva a ela associada constituemse em preditoras da intenção de comportamentos de voto favoráveis à aprovação desse tipo de terapia

 

Estudo Preliminar

Fishbein e Ajzen (1975) criaram um método próprio para a realização de pesquisas fundamentadas na teoria da ação racional, composto de uma fase preliminar, na qual são levantadas as crenças e referentes modais relativas ao objeto de estudo, e do estudo definitivo, em que os pressupostos do modelo são testados. Tal procedimento foi adotado nessa investigação, que se divide assim em duas etapas a serem descritas na seqüência.

 

Método

Participantes

De acordo com Fishbein e Ajzen (1975), o número de participantes nessa fase é determinado empiricamente, isto é, tendo-se realizado cinco entrevistas seguidas sem acréscimo de novidades, o levantamento é considerado completo. O pressuposto subjacente é o de que a partir desse ponto, todas as crenças e referentes modais mais importantes já terão sido identificados, podendo, então, ser usados no instrumento.

Adotando-se tais critérios, a amostra dessa primeira fase compôs-se de 33 indivíduos (39% do sexo masculino), com idades variando de 15 a 60 anos (média de 28,40 anos e desvio padrão igual a 11,60 anos). A maioria dos participantes (91%) apresentou nível de escolaridade médio ou superior, sendo que nenhum tipo de seleção por sexo, idade, escolaridade ou experiência profissional foi realizada entre os que responderam ao questionário, tendo sido, entretanto, descartados os instrumentos cujas respostas não se relacionavam diretamente ao conteúdo das perguntas propostas.

Instrumento

O questionário utilizado nessa etapa da pesquisa compunha-se de três perguntas abertas e indagava o que o participante considerava como vantajoso e desvantajoso na terapia online, assim como as pessoas que ele julgava importante ouvir sobre esse assunto. Além das perguntas abertas, foram levantadas também informações sobre o sexo, idade, escolaridade e ocupação do participante.

Procedimento

Os participantes chegavam à página em que eram coletadas as informações por meio de um link com os dizeres “Psicoterapia pela Internet”, situado na página principal do Psicosite (http://www.psicosite.com.br), que se encontra em atividade desde 2000 e tem como temática principal a saúde mental. Nela, o visitante encontrava um breve texto de três linhas, em que era explicada a finalidade da pesquisa, seguido das perguntas do instrumento. O formulário preenchido era enviado pelo próprio visitante e recebido no e-mail do referido site. Este questionário ficou disponível por dois meses, prazo que se revelou suficiente à obtenção do número de respostas preconizado pela teoria da ação racional.

 

Resultados

As respostas coletadas foram submetidas a uma análise de conteúdo, de modo a se extraírem os principais temas associados às crenças e aos referentes modais. Em seguida, foi levantada a freqüência de cada um deles. Posteriormente, foram selecionados os temas que apresentavam freqüências maiores ou iguais a 2/3 do total das respostas, no que tange às crenças e aos referentes, os quais foram usados na formulação dos itens que compuseram o questionário utilizado na segunda etapa do estudo.

 

Estudo Definitivo

Método

Participantes

A coleta de dados foi realizada durante três meses, período em que o Psicosite recebeu 94.153 visitantes. Desse total, apenas 210 participaram da pesquisa, sendo que somente 161 questionários estavam completos. O interesse na participação foi predominantemente feminino (67% eram mulheres) e a idade média foi de 31,4 anos, com desvio padrão de 10,4. Somente 16% desse total eram profissionais especializados, com os 84% restantes classificando-se como estudantes em geral, pessoas que estavam realizando psicoterapia ou leigos no assunto. Quanto à localização, 17% habitavam nas regiões norte, nordeste e centro-oeste e 83%, nas regiões sul e sudeste. A individualização dos participantes foi feita pelo seu número de IP (número recebido junto com o questionário, que identifica o provedor de origem), já que com este procedimento é possível saber quantas pessoas distintas participaram, sem invadir suas privacidades. O uso de tal recurso evidenciou que não houve repetição deste número em nenhum dos questionários válidos.

Instrumento

O instrumento de coleta de dados consistiu em uma escala de 31 itens tipo Likert de sete pontos, variando de -3 (improvável ou ruim) a +3 (provável ou bom). Desse total, três itens relacionavam-se à mensuração direta da atitude (AT) sobre a aprovação da psicoterapia online no Brasil; nove, à mensuração das crenças comportamentais (CC) sobre tal objeto; outros nove, à aferição da avaliação (AC) que as pessoas faziam dessas crenças; um, à mensuração da norma subjetiva (NS); quatro, à mensuração das crenças normativas (CN) associadas à aprovação da terapia online; outros quatro, à avaliação da motivação (M) em aderir a essas crenças e um item final investigava a intenção de comportamento referente à declaração de voto favorável à aprovação da terapia online. Foram incluídas, ainda, perguntas de natureza sócio-demográfica, destinadas a obter informações sobre sexo, idade, ocupação e local de habitação.

Procedimento

A pesquisa foi realizada em um diretório do Psicosite criado especialmente para este fim e doravante denominado siteTOL. Ao chegar à página principal do Psicosite, os participantes encontravam um link com os dizeres “Influencie o destino da Terapia online no Brasil”, o qual remetia à página inicial do siteTOL. Nela, o visitante deparava-se com as instruções gerais sobre a pesquisa e sobre o preenchimento dos questionários. Ao final das instruções, encontrava-se o link que dava acesso ao consentimento informado. Ao preenchê-lo e enviálo, o visitante tinha então acesso ao instrumento de coleta de dados da pesquisa, que devia também ser preenchido e enviado online.

 

Resultados

Inicialmente, os participantes da pesquisa receberam um escore em cada uma das escalas que integraram o estudo, mediante a soma dos pontos obtidos nos itens que as compunham, ocasião em que os itens negativos foram invertidos, de modo a que, em cada escala, um maior escore correspondesse a um maior grau na característica que estava sendo avaliada. Em seguida, foram calculadas os coeficientes Alfas de Cronbach das escalas assim formadas, podendo-se verificar, na Tabela 1, que todas apresentaram bons índices de precisão, à exceção da escala de avaliação das crenças comportamentais.

 

 

Posteriormente, foram calculadas as estatísticas descritivas das principais variáveis do modelo da teoria da ação racional (atitude, norma subjetiva e intenção de comportamento), assim como as correlações bivariadas entre elas (Tabela 2). O exame dessas correlações denota que todas foram significativas, destacando-se, como a mais alta, a correlação entre as atitudes e a intenção de voto favorável à terapia online. Tais resultados podem ser assim tomados como uma demonstração inicial dos principais pressupostos da teoria da ação racional.

 

 

Para testar a hipótese 1, segundo a qual as atitudes sobre a aprovação da terapia online consistiam em uma função positiva das crenças associadas a tal aprovação multiplicadas pela avaliação dessas crenças, cada crença comportamental (CC) sobre a aprovação da terapia online foi multiplicada por sua respectiva avaliação (AC), gerando um termo CC x AC para cada uma das crenças (que podia variar de &9 a +9). Tais termos foram, em seguida, correlacionados com o escore obtido na medida direta da atitude (AT). A Tabela 3 indica que todas as correlações, sem exceção, foram significativas (p<0,001), variando de 0,20 a 0,48. Além disso, a correlação da atitude com a soma dos produtos das crenças por suas avaliações (que podia variar de &81 a +81), também foi significativa (rxy = 0,59; p<0,000). Tais resultados permitem, assim, a confirmação da primeira hipótese da pesquisa. Por outro lado, denotam que as crenças sobre a possibilidade de não interromper a terapia por causa de viagens foram as que mais fortemente se correlacionaram com a atitude favorável à aprovação da terapia online. Já a facilidade de deslocamento até o consultório, embora tenha sido a crença mais citada na primeira etapa da pesquisa, foi, surpreendentemente, a que apresentou menor correlação com a atitude favorável à aprovação da terapia online, no conjunto das crenças avaliadas.

 

 

Com o intuito de testar a hipótese 2, cuja previsão era a de que a norma subjetiva referente à aprovação da terapia online consistia em uma função positiva das crenças normativas associadas à aprovação de tal modalidade de terapia multiplicadas pela motivação em atender a tais crenças, a medida direta da norma subjetiva (NS) foi correlacionada com os produtos de cada crença normativa (CN) por sua respectiva motivação (M). Conforme se pode verificar na Tabela 4, todos esses resultados foram significativos (p<0,001), tendo variado de 0,33 a 0,44. Foi constatado, ainda, que o somatório dos produtos das crenças normativas pelas motivações também se apresentou significativa e positivamente associado à medida direta da crença normativa (rxy = 0,46; p<0,000). Tais achados corroboram, portanto, a segunda hipótese da pesquisa e revelam que a opinião do próprio terapeuta foi a crença normativa que demonstrou maior influência na norma subjetiva. Já os sites especializados foram os que demonstraram menor influência a esse respeito.

 

 

A terceira hipótese da pesquisa previa que as atitudes sobre a aprovação da terapia online e a norma subjetiva a ela associada constituíam-se em preditoras da intenção de comportamentos direcionados à aprovação desse tipo de terapia e seu teste implicou a realização de uma análise de regressão múltipla hierárquica, na qual a intenção entrou como variável dependente e, as atitudes e a norma subjetiva, como variáveis preditoras. O exame da Tabela 5 evidencia que a primeira equação, na qual somente as atitudes e a norma subjetiva entraram como preditoras, explicou 74% (R²=0,74; p<0,001) da variância da intenção. Cumpre assinalar, contudo, que a atitude (β = 0,71; p<0,000) demonstrou possuir capacidade preditiva bem maior que a norma subjetiva (β=0,21; p<0,000). A entrada das variáveis sexo, idade, profissão e região geográfica não se reverteu em um acréscimo significativo da variância explicada. Tais resultados confirmam, portanto, totalmente a hipótese 3 da pesquisa e indicam que quanto mais forte a atitude e maior o peso da norma subjetiva na tomada de decisão do indivíduo, maior a sua intenção de votar a favor da aprovação da terapia online, muito embora a atitude exerça maior influência nessa decisão.

 

 

Discussão

Foi objetivo principal do presente trabalho investigar as atitudes sobre a aprovação da psicoterapia online no Brasil, sob a ótica da teoria da ação racional (Fishbein & Ajzen, 1975). Com essa finalidade, foram testadas as hipóteses de que as atitudes sobre a aprovação da psicoterapia online consistiam em uma função positiva do produto das crenças sobre a aprovação desse tipo de terapia por suas respectivas avaliações, e de que a norma subjetiva associada à aprovação da terapia online constituía uma função positiva dos produtos das crenças normativas sobre a aprovação desse tipo de terapia pelas motivações em aderir a essas crenças. Os achados reunidos forneceram evidências que permitiram a corroboração de ambas as hipóteses.

Por outro lado, eles se mostram coerentes com os resultados anteriormente obtidos por Fisher et al. (1995), que trabalharam com as atitudes e a norma subjetiva relacionada à prevenção da AIDS; por Bell et al. (2000), cujo interesse centrou-se nas atitudes e norma subjetiva dirigidas a programas de ação afirmativa e por Albarracin et al. (2001), que revisaram as investigações voltadas para as atitudes e normas sobre o uso de preservativos. Todos esses autores, embora investigando objetos atitudinais substancialmente diferentes do aqui abordado, também reuniram evidências favoráveis à confirmação dos pressupostos da teoria da ação racional.

Um outro objetivo do presente trabalho foi averiguar a hipótese de que as atitudes sobre a aprovação da terapia online e a norma subjetiva a ela associada constituíam- se em preditoras da intenção de comportamentos direcionados à aprovação desse tipo de terapia. Os achados obtidos também confirmaram integralmente essas predições, muito embora as atitudes tenham se revelado melhores preditoras da intenção que a norma subjetiva. Tais dados demonstram, portanto, que a intenção de se adotar comportamentos que possam propiciar a futura aprovação da terapia online está condicionada principalmente pelas atitudes que os indivíduos mantêm sobre essa temática. Contudo, as opiniões das pessoas importantes para esses indivíduos podem também influenciar suas intenções de se comportarem de forma favorável ou não à aprovação da terapia online.

Adicionalmente, os dados ora obtidos mostram-se condizentes com os resultados anteriormente obtidos por Albarracin et al. (2001), Bell et al. (2000), Fisher et al. (1995) e Sutton et al. (1999), além de poderem ser interpretados como uma extensão dos pressupostos da teoria da ação racional à área ainda pouco explorada, especialmente na literatura nacional, quais sejam as atitudes e intenções de comportamentos dirigidos à psicoterapia online. Em outras palavras, o presente estudo mostrou que a referida teoria pode ser também aplicada à explicação do comportamento dirigido à aprovação da psicoterapia online, de modo semelhante ao que vem sendo feito nos inúmeros estudos desenvolvidos nas áreas de prevenção de comportamentos de saúde, uso de drogas, programas de ação afirmativa, etc.

Vale enfatizar, porém, que, apesar de a atitude e a norma subjetiva terem se correlacionado com a intenção de comportamento, a atitude contribuiu em maior grau para essa predição. Uma possível explicação para tal resultado pode ser o fato de o objeto atitudinal em questão, isto é, a aprovação da psicoterapia online, constituir- se ainda em uma novidade entre nós. Dessa forma, os referentes apontados como mais importantes para a formação de opiniões a esse respeito (psicólogos, psiquiatras e terapeutas) poderiam ainda não ter tido tempo de desenvolver crenças cristalizadas (crenças normativas) e capazes, assim, de influenciar as opiniões de outras pessoas. Conseqüentemente, tais crenças não teriam condições de concorrer com as atitudes já formadas a esse respeito, que se baseiam em crenças de natureza individual e provavelmente se formam antes das crenças normativas.

Analisando-se as crenças que se mostraram mais significativamente relacionadas às atitudes, é possível verificar que as de maior destaque foram as crenças associadas à manutenção da terapia, mesmo no caso de viagens ou doença, e à possibilidade de se enviar mensagens ao terapeuta a qualquer hora. Em contrapartida, as crenças que menos se relacionaram às atitudes sobre a terapia online foram a facilidade de se dispensar o deslocamento até o consultório e a maior dificuldade de diagnóstico no contato feito pela internet. Parece, assim, que o contato face-a-face com o terapeuta, propiciado pelas terapias tradicionais, não foi algo prioritário para os participantes da pesquisa, que deram maior importância à possibilidade de a terapia não ser interrompida em nenhuma circunstância, ainda que isso implique um processo terapêutico conduzido de forma não presencial e em diagnósticos que podem conter imprecisões.

Tais achados trazem importantes implicações para todos os profissionais que venham a se mostrar interessados na aprovação dessa modalidade de terapia. Desse modo, a implementação de estratégias destinadas a mostrar à população os benefícios desse tipo de terapia, isto é, a adoção de intervenções destinadas a divulgar uma imagem positiva da terapia online deveria orientar- se para a modificação das crenças negativas e o reforço das crenças positivas acerca dessa temática.

Cumpre registrar, por fim, algumas das limitações do presente estudo. Uma delas diz respeito às possibilidades de generalização das evidências ora apresentadas. A amostra aqui utilizada não foi uma amostra probabilística e, embora o Psicosite tenha tido um grande número de visitantes nos meses em que a pesquisa foi disponibilizada, o índice de participação foi muito baixo, já que apenas 0,17% dos visitantes enviaram o questionário completo, o que constitui um viés amostral. Por outro lado, o fato de o Psicosite ser um site dedicado à saúde mental impõe também certos vieses na amostra final, na medida em que ele provavelmente é mais visitado por pessoas com um interesse específico nessa área.

Em que pesem tais limitações, o estudo em questão foi útil no sentido de mostrar que a teoria da ação racional pode ser usada como referencial de pesquisas voltadas à compreensão de alguns dos fatores psicossociais subjacentes à questão da aprovação da terapia online em nosso país. Adicionalmente, ele contribuiu para evidenciar que tal temática pode ser investigada por meio de pesquisas que se utilizem da internet para a coleta de dados, já que foi possível reunir, de forma fidedigna, os dados necessários à realização do estudo, em um curto espaço de tempo.

 

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Received 14/11/2006
Accepted 14/09/2007

 

 

Rodrigo Sá Vicente Marot. Diretor do Psicosite.
Maria Cristina Ferreira. Universidade Salgado de Oliveira, Rio de Janeiro, Brasil.

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