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Interamerican Journal of Psychology

versão impressa ISSN 0034-9690

Interam. j. psychol. v.42 n.3 Porto Alegre dez. 2008

 

RESENÃ

 

Cristina Mendes Gomes Ribeiro1

Instituto Superior Politécnico de Gaya, Porto, Portugal

 

 

Mayring, P., Huber, G L., Gürtler, L., & Kiegelmann, M. (2007). Mixed methodology in psychological research. Rotterdan, Holanda: Sense.

No âmbito da investigação em ciências sociais, humanas e do comportamento, os temas relacionados com o debate quantitativo-qualitativo têm merecido especial atenção dos investigadores ao longo dos últimos anos. A partir de uma diversidade de fontes, a obra objecto desta recensão tem como principal objectivo despertar novas reflexões sobre a complexa coabitação no campo da investigação, entre o método quantitativo e o qualitativo, fenómeno de acesas paixões e de visões paradigmáticas distintas. São lançados diferentes olhares sobre a problemática do interface entre o método de investigação único e o multimétodo.

Numa herança recente, palco da emergência de um novo paradigma, regista-se que do ponto de vista epistemológico, nenhuma das duas abordagens é mais científica do que a outra. Ou seja, uma investigação exclusivamente quantitativa, cuja fronteira seja a objectividade, não constitui garantia de maior conhecimento, tanto mais que o universo social, banhado pela complexidade, não é susceptível de ser captado por um quadro de mensurabilidade. Da mesma forma, uma abordagem qualitativa emersa nos valores, crenças, hábitos e atitudes, quadro de representações e opiniões, que dão especial colorido à tela da subjectividade humana, não assegura, por completo, uma compreensão holística e em profundidade de um determinado fenómeno. É no quadro dos limites de cada um dos métodos utilizados isoladamente, que deve ser entendido o alcance da sua ligação, gravitando sob uma atmosfera de multi-métodos.

Sendo ambas de natureza metodológica diferenciada, os autores procuram reforçar o entendimento de que elas não se contradizem, podendo antes complementarem-se. Com essa proposta de abordagem banhada pelo paradigma da complementaridade, os autores desafiam os investigadores a serem capazes de aproveitar as sinergias que brotam das duas metodologias, de forma a completar o quadro de compreensão de uma dada realidade. Se é certo que a relação entre elas não é de continuidade, também é claro que elas não se opõem nem tão pouco se anulam. Tal como acontece com as leis da física, as forças contrárias tendencialmente se atraem, gerando a partir daí, novas formas de energia. Por conseguinte, verifica-se que quando utilizadas dentro dos limites do seu constructo teórico, as duas abordagens dão uma contribuição efectiva para a apropriação do conhecimento.

O trabalho analítico e interpretativo realizado pelos autores desta obra constitui uma contribuição teórica relevante para a compreensão dos desafios que se apresentam ao campo da investigação em ciências sociais, humanas e do comportamento. Embora esteja presente a defesa por um quadro conceptual favorável à utilização de multi-métodos, os autores, numa clara preocupação com o respeito pela diversidade, resgatam contributos favoráveis à utilização de um único método de investigação, deixando ao leitor o desafio de decidir.

Ao longo dos dezassete estudos apresentados nesta obra é assumida uma perspectiva analitico-reflexiva sobre o objecto de estudo a investigação, numa busca incessante por novos entendimentos que brotam da dialéctica entre a teoria e a praxis. Estamos perante uma obra que cumpre o propósito de um trabalho intelectual: pesquisar, interrogar criticamente, reconhecer novos problemas, questionar as evidências, sugerir diferentes formas de pensar e ajudar a construir novos entendimentos. Assinale-se que é um livro indispensável para a leitura e reflexão de psicólogos, pedagogos, sociólogos e em geral, para todos os actores psico-sociais que, pela sua inquietação, continuam na senda por novos conhecimentos.

Editado por P. Mayring, G. Huber, L. Gürtler e M. Kiegelmann, esta obra apresenta-se organizada em seis partes, sendo a primeira dedicada à introdução, onde P. Mayring apresenta uma leitura histórico-teórica de argumentos favoráveis à investigação em forma de triangulação, fruto da metodologia combinada de multi-métodos.

No segundo bloco da obra, são apresentados dois textos onde a importância da combinação de métodos qualitativos sai reforçada. No primeiro contributo, estando subjacente o propósito maximizar as virtudes da pesquisa qualitativa, o autor G. Shank faz uma aproximação conceptual, apontando seis formas de recolher, organizar e analisar informação sob perspectiva da utilização combinada de diferentes métodos qualitativos, suportando-se em interessantes exemplos do seu trabalho. No segundo texto, G. Boulton-Lewis e L. Wilss, abordam a necessidade de contextualizar e potencializar o uso da informação recolhida, socorrendo-se da combinação de diferentes métodos qualitativos: marco teórico fenomenográfico com a análise interpretativa-descritiva. É feito referência a um estudo relativo ao conceito de aprendizagem num grupo de estudantes universitários australianos. Em ambos os textos, a triangulação obedece a um corte qualitativo.

A terceira parte da publicação é preenchida com sete trabalhos que têm em comum o facto de relatarem estudos que potenciam a articulação entre métodos. Assente num paradigma emergente, mas não raras vezes controverso, este capítulo desafia o leitor a adoptar a utilização conjunta de diferentes métodos, contribuindo para a superação de polémicas. Embora cada vez mais investigadores salientem as desvantagens da relação dicotómica entre o qualitativo e o quantitativo, o certo é que ainda são poucos os modelos e práticas que se socorrem da combinação destas duas visões. Com o primeiro estudo apresentado nesta parte, P. Mayring analisa as controvérsias do paradigma que marcou a primeira metade do séc. XX e que alimenta a dicotomia qualitativo-quantitativo, suportado numa leitura positivista e unidireccional. São apresentados modelos concretos suportados no método qualitativo e quantitativo, de forma combinada (quantitativo-qualitativo ou vice-versa) ou de forma integrada (alternando os métodos qualitativo e quantitativo). No segundo texto, J. Bischkopf et al. apresentam um estudo com 117 pacientes com desordens psíquicas (por exemplo: depressão ou ansiedade). As informações foram codificadas e analisadas inicialmente segundo uma perspectiva qualitativa, sendo posteriormente utilizado uma recontagem das frequências, enriquecendo o estudo com a descoberta do grau de presença, intensidade ou ausência que se produz. As ameaças e oportunidades da combinação de métodos foram também alvo de discussão. Com o terceiro texto, S. Lehmann-Grube aponta para uma combinação de etapas qualitativas e quantitativas num estudo relativo a 143 entrevistas abertas realizadas a estudantes de Química sobre o seu processo de aprendizagem. A análise de conteúdos conduziu à definição de categorias gerais dando lugar à análise de factores comuns e a regressões múltiplas. As consequências metodológicas foram discutidas. No quarto estudo, E. Álvarez Arregui e R. Pérez Pérez apontam críticas à dicotomia entre o qualitativo-quantitativo, reclamando um modelo baseado na exploração da descrição, correlação e interpretação. Esta estratégia integradora de pesquisa é elaborada e discutida no estudo de instituições educacionais. Dentro do quinto trabalho, S. Gahleitner defende que no campo da pesquisa psicológica, nomeadamente no que se refere à recolha e análise de dados relativos a experiências subjectivas, a utilização de métodos mistos é necessária. É apresentado um projecto de pesquisa orientado segundo um processo de exploração, com entrevistas semi-estruturadas feitas a pacientes com traumas sexuais. Neste estudo foram utilizadas etapas qualitativas e quantitativas de análise. Com o sexto texto, L. Almazán Moreno e A. Ortiz Cólon apresentam um estudo sobre as necessidades de formação de adultos, integrando e combinando diferentes instrumentos de pesquisa: grupos de discussão, questionário e estudo de caso, numa estrutura cooperativa de pesquisa. As descrições qualitativas e quantitativas constituem o focus de análise. No último texto da terceira parte da obra, K. Schweizer, M. Paechter e B. Weidenmann analisam a aprendizagem colaborativa no contexto de um seminário universitário virtual. Optam por recolher os contributos dos membros do grupo (chat, videoconferências, conversas com proximidade física), procedendo à análise qualitativa de conteúdos. A partir das categorias definidas, realizam as análises quantitativas, permitindo comparar as diferentes formas de comunicação utilizadas.

Na quarta parte da publicação, organizada por quatro estudos, resgata-se o sujeito nas suas dimensões cognitivas e emotivas, constituindo o acesso às experiências individuais, verdadeiras pontes para um conhecimento mais profundo. Nesta descoberta do eu são utilizados métodos combinados. A importância do sujeito, no seu universo cognitivo e emocional ocupa especial atenção dos investigadores, contudo a mensurabilidade dos factores cognitivos e emocionais constitui um obstáculo à leitura quantitativa. Com o primeiro texto, M. Glaeser-Zikuda analisa o quadro das emoções de estudantes, experienciadas em ambiente escolar: interesse, ansiedade, alegria, aborrecimento e raiva. Não sendo suficiente limitar-se à observação da emoção, realizam-se relatórios sobre entrevistas e diários de aprendizagem enquanto instrumentos de recolha de informação adicional. A autora apresenta resultados qualitativos e quantitativos de um estudo feito a 931 estudantes do 8º ano do ensino secundário na Alemanha. Com o segundo texto, L. Gürtler e G. L. Huber analisam teorias subjectivas sobre o papel dos professores bem-humorados nas interacções educacionais. Foram usados, de forma combinada, procedimentos qualitativos e quantitativos, recorrendo a suporte informático considerado essencial. No terceiro texto, D. M. L. Verstegen tem como objectivos descobrir e definir formas de ajudar jovens designers no seu processo de criação. A interacção e a produção criativa são processos difíceis de observar e medir, sendo daí necessário a utilização de uma metodologia mista. No quarto e último estudo desta parte da obra, N. Torka debruça-se sobre a satisfação profissional nas organizações enquanto variável central no campo da psicologia do trabalho. À semelhança de outras posições já relatadas, esta variável também não é de fácil mensurabilidade, requerendo uma análise profunda e delicada das experiências subjectivas, possível com a combinação de técnicas qualitativas e quantitativas.

No quinto bloco desta obra e a partir do contributo de quatro estudos, evidenciam-se as vantagens da utilização de métodos mistos. Os estudos qualitativos podem contribuir para uma melhor compreensão e mais profunda interpretação sobre os resultados dos estudos quantitativos. Isto é especialmente verdade para os estudos de correlação onde existe a necessidade de interpretar as relações entre as variáveis. No primeiro texto, A. Huber apresenta um estudo com estudantes do 7º e 8º do ensino secundário na Alemanha, onde combina a profundidade qualitativa com os resultados quantitativos de um estudo sobre aprendizagem cooperativa. Defende que os estudos de intervenção educacional necessitam de amostras maiores e projectos práticos para que se provem os seus efeitos. Segundo a autora, perguntas abertas ajudam a compreender os resultados. No decorrer do segundo contributo, M. C. Ricoy e T. Feliz apresentam um estudo sobre a imprensa enquanto recurso pedagógico utilizado na educação de adultos. Foi utilizado uma perspectiva metodológica quantitativa-qualitativa. Foram passados questionários a 512 alunos adultos, sendo aprofundado com entrevistas estruturadas a um subgrupo de 16 pessoas. Verifica-se que quando se contemplam os indivíduos chaves a partir de métodos qualitativos consegue-se uma informação e conhecimento mais profundo sobre os processos de aprendizagem. Com o terceiro estudo, os autores T. Feliz e M. C. Ricoy fazem uma análise qualitativa aos espaços educacionais a partir de fotografias de salas de aula retiradas da Internet. Foram seleccionadas fotografias típicas que permitiram desenhar um mapa com as dimensões e categorias mais importantes para apresentar os espaços presentes nos processos educacionais. As fotografias foram analisadas com o auxílio de um programa de computador (AQUAD). Na última contribuição deste capítulo, K. E. Sauer e J. Held apresentam um projecto de integração de crianças imigrantes na Califórnia como um exemplo de um estudo multi-método. Os instrumentos utilizados para a recolha de informação foram o questionário, o sociograma, o áudio e os vídeos de crianças com um passado de migração, com idades compreendidas entre os 9 e os 14 anos. A partir da investigação etnográfica são comparados dados com os de outros países. Os resultados quantitativos foram complementados com o método qualitativo, resultando num melhor entendimento da temática (abordagem multi-método).

Com a sexta e última parte do livro, os autores L. Gürtler, G. L. Huber e Kiegelmann apresentam conclusões sobre a combinação de métodos, como forma de se alcançar uma visão mais profunda e holística. Em qualquer investigação, a escolha dos métodos de trabalho dependerá do objectivo final do mesmo e da questão inicial que se coloca. Os investigadores incorrem em erro se definirem o tema do estudo em função do método que pretendem utilizar. O recurso combinado de métodos qualitativos e quantitativos dá mais contributos para a investigação psicológica, social e educativa, deslocando-se da actual rivalidade entre paradigmas. Espera-se que no futuro esta discussão já não se coloque, resultado evidente de que estas duas perspectivas estarão a caminhar lado a lado, superando as limitações que têm quando caminham isoladas.

 

 

Received 01/02/2008
Accepted 09/08/2008

 

 

Cristina Mendes Gomes Ribeiro. Licenciada em Gestão de Recursos Humanos e Psicologia do Trabalho. Mestre em Ciências da Educação. Professora adjunta do Instituto Superior Politécnico de Gaya
1 Endereço: Instituto Superior Politécnico Gaya, Av. dos Descobrimentos, 333, Vila Nova de Gaya, Porto, Portugal, 4400-103. E-mail: cribeiro@ispgaya.pt