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Interamerican Journal of Psychology

versión impresa ISSN 0034-9690

Interam. j. psychol. vol.43 no.2 Porto Alegre ago. 2009

 

 

Envelhecer com Aids: representações, crenças e atitudes de idosos soropositivos para o HIV

 

To age with AIDS: representations, beliefs and attitudes of aged soropositivos for the HIV

 

 

Ana Alayde Werba SaldanhaI,1; Ludgleydson Fernandes de AraújoII; Valdiléia Carvalho de SousaI

IUniversidade Federal da Paraíba, João Pessoa, Brasil
IIUniversidade Federal do Piauí, Parnaíba, Brasil

 

 


RESUMO

Com o objetivo de identificar as representações emergentes face à infecção pelo HIV em pessoas idosas, explorando questões de enfrentamento e suporte social, participaram deste estudo 21 idosos soropositivos na faixa etária de 50 a 72 anos, de ambos os sexos, escolhidos de forma não-probabilística, intencional e acidental, no ambulatório de um Hospital de Referência em Aids, na cidade de João Pessoa/BR. Para a coleta dos dados foi utilizada a Técnica de Associação Livre de Palavras, processado pelo software Tri- Deux-Mots através da análise fatorial de correspondência; e, Entrevistas Abertas, analisadas por Categorias Temáticas. Emergiram cinco categorias temáticas: Diagnóstico, Vivendo com Aids, Enfrentamento, Tratamento e Perspectivas. Os resultados apontam diferenças nas representações a partir do grau de escolaridade e tempo de diagnóstico.

Palavras-chave: Aids; Velhice; Psicossocial.


ABSTRACT

With the objective to identify to the emergent representations face to the infection for the HIV in aged people, exploring questions of confrontation and social support, they had participated of this study 21 aged seropositivos with age between 50 and 72 years, of both the sexs, chosen of not-probabilist, intentional and accidental form, in the clinic of a Hospital of Reference in AIDS, the city of João Pessoa/BR. For the collection of the data the Free Technique of Association of Words was used, processed for Tri-Deux- Mots software through the factorial analysis of correspondence; and, e, Interviews Opened, analyzed for Thematic Categories. Five thematic categories had emerged: Diagnosis, Living with AIDS, Confrontation, Treatment and Perspectives. The results point differences in the representations from the education degree and time of diagnosis.

Keywords: SIDA; Oldness; Psychosocial.


 

 

Desde seu surgimento, a Aids vem assumindo um paradigma de doença orgânica que requer uma abordagem biopsicossocial, determinando uma crise multidimensional que afeta não apenas as pessoas contaminadas, mas também seus parceiros sexuais, familiares, profissionais de saúde, comunidades.

Atualmente têm-se percebido mudanças no curso da epidemia da Aids, tornando-se cada vez mais freqüente o número de casos na faixa etária acima de 50 anos. As estatísticas nacionais apontam um total de 32.167 casos de Aids em maiores de 50 anos no Brasil, dos quais 9918 em pessoas com idade de 60 anos e mais (Ministério da Saúde, 2006). Considerando que a subnotificação de casos no Brasil, principalmente na região Nordeste varia de 24 a 65%, pode-se concluir que este número pode ser bem maior (Oliveira, Barreira, Santos, & Latorre, 2004). Feitoza, Souza e Araújo (2004), ressaltam que a doença nesta população específica apresenta grande relevância epidemiológica, não pelos números absolutos, mas pelas taxas de incidência (7,6 casos p/ 1000.000), prevalência (224,9 p/ 1000.000 hab. no sexo masculino), letalidade (43,9%) e anos potenciais de vida perdidos (em até 15 anos).

Estudos têm observado que a atividade sexual vem se tornando a principal via de contágio da Aids em idosos (Wooten-Bielski, 1999), cuja vulnerabilidade é agravada em conseqüência da recorrência maior aos serviços de profissionais do sexo e recursos farmacológicos permitindo aumentar a atividade sexual nos idosos masculinos e, nas mulheres, ausência do risco de gravidez levando à relações sexuais desprotegidas, mudanças fisiológicas femininas em função da menopausa, além da terapêutica de reposição hormonal (Lieberman, 2000).

Além disso, a falta de campanhas destinadas aos idosos faz com que esta população esteja geralmente menos informada sobre o HIV e menos consciente de como se proteger; ignoram ainda que, além de terem atividade sexual, é real o número de idosos que usa drogas injetáveis (Feitoza et al., 2004). O fato da sexualidade nesta faixa etária ser tratada como tabu, tanto pelos idosos como pela sociedade em geral, faz com que a Aids não se configure como ameaça, fazendo com que os profissionais de saúde não solicitem o teste HIV nos exames de rotina, ocasionando diagnóstico tardio, atrasando o tratamento com antiretrovirais e diminuindo a sobrevida dessas pessoas (Vieira, 2004). E ainda, o fato de alguns sintomas do HIV/Aids ou de infecções oportunistas ser facilmente confundidos com doenças que comumente acometem os idosos, dificulta o diagnóstico diferencial.

No plano da assistência aos soropositivos para o HIV, os Serviços de Saúde passam a lidar com uma população específica com demandas diferenciadas que exigem um manejo de características peculiares. A falta de recursos da população mais atingida, a precariedade do sistema de saúde brasileiro, o alto custo dos medicamentos, a debilitação progressiva da doença, os estigma, as tensões existenciais provocadas por uma doença incurável são algumas das dificuldades vivenciadas por aqueles que convivem como o HIV/Aids, inclusive os profissionais desta área. Com o impressionante impacto dos medicamentos anti-retrovirais na sobrevida e na qualidade de vida dos pacientes, a adesão ao tratamento centraliza as finalidades das intervenções e freqüentemente reduz tudo, vivencias sociais, culturais, psicológicas, emocionais de viver com a Aids, a fatores que favoreçam ou dificultam a adesão ao tratamento (L. S. S. Silva, Paiva, & Santiago, 2005).

Embora já se evidencie uma maior preocupação quanto aos aspectos clínicos e epidemiológicos da Aids na terceira idade, o apoio emocional ao paciente, que o ajuda a lidar com questões de ordem afetiva, fundamentais para a adoção de práticas voltadas para o auto-cuidado, ainda sofre conseqüências do despreparo que envolve o trato psicossocial da doença (Saldanha, Araújo, & Felix, 2006). Desta forma, o objetivo deste estudo é identificar as representações emergentes face à infecção pelo HIV em pessoas idosas, explorando questões de enfrentamento e suporte social, visando intervenções que possibilitem a melhoria da qualidade de vida deste grupo populacional.

 

Método

Campo de Investigação

A presente pesquisa foi desenvolvida em um Ambulatório de referência no tratamento da Aids, localizado na cidade de João Pessoa/BR.

Participantes

Participaram deste estudo 21 pessoas soropositivas para o HIV, escolhidas de forma não-probabilística, intencional e acidental, com idade variando de 50 a 72 anos, sendo 76% de 50 a 59 anos e 24% entre 60 e 72 anos. Em virtude da dificuldade da amostra, optou-se por operacionalizar a idade dos participantes a partir dos 50 anos. A maioria dos participantes é do sexo masculino (71%) e 67% dos participantes constituem-se por solteiros, viúvos ou separados e 33% casados. Quanto ao local de moradia, 48% residem na Capital, enquanto 52% moram no interior do Estado.

Os índices de escolaridade apresentam-se baixos, com 62% dos participantes analfabetos ou com nível de escolaridade até a 4ª série do ensino fundamental; 33% cursaram o ensino médio e apenas um participante possui o ensino superior. Quanto à situação funcional, a maioria é aposentada (76%), com renda de um salário mínimo – correspondendo a R$ 350,00 – (61%), até três salários mínimos (29%) e acima de quatro salários mínimos (9%), dos quais 81% são provedores econômicos únicos da família.

Em relação aos aspectos clínicos da Aids, o tempo de diagnóstico variou de 1 a 12 anos, sendo 62% com diagnóstico entre 2 e 5 anos e 32 % de 6 a 12 anos. A forma de transmissão do HIV para 81% dos participantes foi através de relações heterossexuais e 9% relações homossexuais. Um participante refere ter se contaminado através de transfusão sanguínea e outro refere não ter conhecimento. Todos os participantes são sintomáticos para o vírus, já tendo apresentado alguma infecção oportunista.

Instrumentos

Os dados foram coletados através da Técnica de Associação Livre de Palavras e Entrevistas Abertas.

A Técnica de Associação Livre de Palavras (TALP), adaptado por Di Gíacomo (1981) para pesquisas no campo da Psicologia Social, é um instrumento de investigação aberta que consiste na evocação de respostas dadas a partir de estímulos indutores (neste estudo: Aids na Velhice, Prevenção e Risco). Tal instrumento possibilita a apreensão dos conteúdos e universos semânticos de palavras que agrupam determinadas populações, além de permitir a evocação de elementos inconscientes relacionados aos aspectos afetivo-emocionais que poderiam estar mascarados ou perdidos nas produções discursivas (Abric, 1994).

As Entrevistas foram conduzidas individualmente, a partir da seguinte questão norteadora: “Para o(a) senhor(a) o que representa a Aids?” A partir daí discorreu- se sobre os conteúdos significativos para cada participante.

A aplicação dos instrumentos foi feita de forma individual, porém administrada e preenchida pela pesquisadora devido ao baixo nível de escolaridade dos participantes, na seguinte ordem: Técnica de Associação Livre de Palavras (TALP) e Entrevistas Individuais.

Para delimitação do número de entrevistados utilizou- se o critério de saturação de Sá (1998) que postula que “quando os temas e/ou argumentos começam a se repetir isto significaria que entrevistar uma maior quantidade de outros participantes pouco acrescentaria de significativo; pode-se então realizar mais umas poucas entrevistas e parar” (p. 92). Realizaram-se, então, 21 entrevistas individuais, as quais foram gravadas e transcritas.

O tempo de aplicação dos instrumentos foi, em média, de 45 minutos para cada participante. Não houve recusa por parte de nenhum idoso.

Análise dos Dados

Para análise dos dados obtidos através da TALP, inicialmente, utilizando-se critérios de freqüência e similaridade semântica, preparou-se um dicionário de palavras constituído a partir as respostas evocadas pelos participantes em relação a cada estímulo indutor visando categorizar os conteúdos emergentes. Em seguida, a partir deste dicionário, foi organizado o banco de dados, processado através do software Tri-Deux-Mots (Cibois, 1998), versão 6.1, e interpretados por meio da Análise Fatorial de Correspondência (AFC). O principio básico da AFC consiste em destacar eixos que explicam as modalidades de respostas, mostrando estruturas constituídas de elementos do campo representacional, ou seja, os conteúdos apreendidos nos discursos dos idosos soropositivos para o HIV frente aos estímulos indutores.

A análise dos conteúdos das entrevistas foi realizada com base em Categorias Temáticas, determinadas a partir dos temas suscitados nas entrevistas e processadas de acordo com a proposta de Figueiredo (1993), que consiste em duas fases. Na primeira, as entrevistas foram analisadas individualmente e a junção concentrou conteúdos comuns dentro de cada discurso. Assim, cada discussão foi transcrita e estudada em função de cada entrevista realizada, devendo se referir às questões particulares de cada indivíduo. Na segunda etapa, a junção se referiu a conteúdos comuns a todas as entrevistas, agrupadas e estudadas em função da equivalência de conteúdos, referindo-se às questões comuns, dentro de cada categoria.

Procedimentos Éticos

Este estudo foi realizado considerando-se os aspectos éticos pertinentes a pesquisas envolvendo seres humanos, tendo sido submetido à avaliação e aprovado pelo Comitê de Ética do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Paraíba/BR (CCS-UFPB).

Foi solicitado o Consentimento Informado dos participantes, cujo modelo foi elaborado de acordo com a “Resolução no 196/96 sobre pesquisa envolvendo seres humanos” (Ministério da Saúde & Conselho Nacional de Saúde, 1996). Este documento constituiu de solicitação aos participantes para colaboração no estudo, após serem informados sobre os objetivos e procedimentos da pesquisa e obtida a aquiescência – escrita e assinada – para participação e gravação da entrevista, além de ser assegurado o anonimato. Foram informados ainda que este consentimento garantia ao entrevistado o direito de interromper sua colaboração na pesquisa a qualquer momento, caso julgasse necessário, sem que isso implicasse em prejuízo em seu atendimento no serviço.

 

Resultados e Discussão

Técnica de Associação Livre de Palavras

Os dados coletados por meio da técnica de associação livre de palavras, enquanto instrumento de apreensão de significados do conhecimento prático, possibilitaram, juntamente com as variáveis fixas (sexo, idade, tempo de infecção e situação conjugal), a emersão de campos semânticos sobre a representação acerca da Aids, da prevenção e do risco no contexto da terceira idade, conforme pôde ser observado no plano fatorial (Figura 1), através dos dois fatores contemplados (F1 e F2). O fator 1 (F1), na linha horizontal na representação gráfica, apresenta-se com maior poder explicativo com 38,3% da variância total das respostas, enquanto o fator 2 (F2), na linha vertical na representação gráfica, possui 28,3% da variância total das respostas. Na totalidade, os dois fatores têm poder explicativo de 66,6% de significância, possuindo assim, parâmetros estatísticos com consistência interna e fidedignidade (Nóbrega & Coutinho, 2003).

O primeiro fator (F1) revelou à esquerda, o campo semântico das representações elaboradas pelos idosos soropositivos casados e com grau de escolaridade até a 4ª série do ensino fundamental e, em oposição, à direita, as representações elaboradas pelos idosos de maior escolaridade, que concluíram o ensino fundamental. Para o primeiro grupo o estímulo 1 fez emergir representações que associam a Aids na velhice à vergonha, ancorada na figura de Deus como forma de enfrentamento. A prevenção é vista por eles como algo que necessita de cuidado. O risco (terceiro estímulo) foi associado às mulheres casadas. Em oposição, para os idosos com maior escolaridade, a Aids na velhice é ancorada na esperança, na necessidade de lutar, de manter a alimentação correta e de seguir o tratamento prescrito. Em relação à prevenção, esta foi concebida como sendo importante, enquanto o risco foi descrito como relacionado ao sangue, ao beijo e aos usuários de droga, estando, ainda, associado com a prevenção.

 

 

A descrição dos dados acima revela que as representações da Aids são diferenciadas em conseqüência do nível de escolaridade dos participantes. Para os idosos com menor escolaridade emergem representações negativas e ainda atreladas ás primeiras concepções da Aids, quando de seu surgimento. Segundo Jodelet (2002), em seus primórdios, a Aids predominava no imaginário das pessoas como um castigo de Deus, devido ao fato de a pessoa ter se comportado de maneira “não-digna”. De forma consoante, pesquisa realizada por C. G. M. Silva (2002) também aponta a Aids e outras doenças sexualmente transmissíveis como um castigo, visando deter comportamentos excessivos fora do casamento, bem como uma punição para a sociedade.

Observa-se ainda a busca da figura de Deus, prevalente em pessoas com apenas o nível básico de escolaridade (Seidl, 2005), como forma de enfrentamento para superar problemas, frustrações e dificuldades em idosos portadores de doenças crônicas, como é o caso da Aids. (Freire & Tavares, 2005; Neri, 2001).

A associação do risco às mulheres casadas pode estar associada às campanhas atuais veiculadas na mídia que reforçam a vulnerabilidade desta população ou ainda como decorrência da existência na amostra de participantes do sexo feminino que foram infectadas pelo marido ou de maridos que infectaram suas esposas.

Para os idosos com maior escolaridade, a Aids é associada a aspectos mais positivos como a esperança, possibilidade de tratamento e seguimento das prescrições, relacionados ao conhecimento da existência dos medicamentos anti-retrovirais, que transformaram a Aids, de uma infecção agudamente letal, para uma doença crônica e controlável, sendo responsável por uma vida mais digna e produtiva para os indivíduos HIV positivos, reduzindo a mortalidade (Carvalho, Duarte, Merchan-Humann, Bicudo, & Laguardia, 2003). Estes dados apontam que o nível de escolaridade pode interferir na aderência aos anti-retrovirais, á medida em que influi na compreensão da importância e no acesso ao tratamento.

A concepção de risco para este grupo de maior escolaridade, está relacionada aos usuários de drogas e à transmissão sanguínea e ao beijo. Ao mencionarem que o risco está associado ao beijo, referem à concepção biológica inicial que permeava o imaginário das pessoas de que o contágio podia ocorrer por outros líquidos corporais, tais como a saliva (Jodelet, 2002), evidenciando a presença de falsas crenças acerca da transmissão da Aids, dentre elas a da possibilidade de contágio pelo contato direto com portadores soropositivos (como pelo beijo), com os líquidos de seus corpos ou com objetos por ele tocados. Segundo esta autora, essas falsas crenças coexistem com informações corretas acerca da transmissão (transmissão sexual e sanguínea) tanto na Aids como em outras doenças contagiosas.

No fator 2 (linha vertical), verifica-se, na parte superior, a representação dos participantes com diagnóstico entre 9 e 12 anos, as quais relacionaram a Aids na velhice como um problema. A prevenção foi assinalada por eles como estando ligada à orientação e o risco foi associado ao sexo e à conformação. Nesse mesmo fator na parte inferior, encontra-se a representação da Aids apreendida por pessoas com tempo de diagnóstico de 1 a 4 anos, as quais relacionaram a prevenção a algo importante, e como relacionado à não-promiscuidade. O risco foi associado por eles à prostituição.

A interpretação da doença tem uma dimensão temporal, não apenas porque a doença em si muda no decorrer do tempo, mas também porque a sua compreensão é continuamente confrontada por diferentes diagnósticos e situações construídas pela família, amigos, vizinhos, médicos. Assim, o conhecimento e o sentido dado à Aids estão continuamente sendo reformulados e reconstruídos em decorrência dos processos interativos (Saldanha, 2003). Este fato evidencia-se nas representações emergentes a partir dos diferentes momentos do diagnóstico. Para o grupo com diagnóstico mais recente, as representações da Aids estão associadas a promiscuidade tanto para a prevenção quanto para o risco, trazendo consigo o preconceito e culpabilização, tanto interna como externa, que acompanham esta doença. O grupo com maior tempo de diagnóstico, embora veja a doença como um problema, traz elementos ligados à orientação e conformação.

Esta situação advinda pela convivência com o HIV, corrobora os estudos conduzidos por Herzlich (1991) que concluiu que a luta do sujeito contra a doença é sustentada por dois fundamentos essenciais: a aceitação do fato e o domínio que o indivíduo procura exercer sobre ele. Assim, a doença é tomada como uma situação de aprendizagem, a cura é esperada e a adaptação considerada possível. É observada, também, a necessidade do homem em produzir respostas e sentido, de atribuir causas concebidas em termos não orgânicos, independente de a medicina oferecer ou não uma explicação científica.

Entrevistas

A partir do discurso dos participantes acerca da Aids na velhice, emergiram as seguintes categorias: Diagnóstico, Vivendo com o HIV, Enfrentamento, Tratamento e Perspectivas.

Diagnóstico. A soropositividade rompe com o silêncio, revela segredos, levando ao confronto de situações que abalam o sistema de valores das pessoas em questão. Assim, assumir a condição soropositiva para o HIV significa ter várias perdas, inclusive da identidade construída durante toda a vida (Saldanha, 2003). O recebimento do diagnóstico soropositivo para o HIV acarreta, no primeiro momento, uma destruição significativa em todos os aspectos da vida do indivíduo, modificando a estrutura de sua personalidade, seus contatos com o mundo e seus valores. Em um primeiro momento surgem os sentimentos de desespero e incredulidade:

“O mundo caiu na hora: caiu um trem na minha cabeça. Eu fiquei triste e... só passava coisa ruim, só passava coisa ruim” (Part. 15).

“. . . eu pensei: ‘quando esse vigilante cochilar, eu tiro o revólver dele e me mato’” (Part. 13).

“Eu pensava que essa doença só pegava em quem usava droga. Eu até falava para um colega meu: ‘eu não vou pegar nunca porque eu não uso droga’. Mas, foi o contrário!” (Part. 1).

Entretanto, observa-se que o diagnostico na velhice pode ser encarado com conformismo diante do tempo de vida já vivido ou da missão cumprida:

Eu não achei ruim não porque eu aproveitei muito. Aproveitei muito e outra coisa também: a gente se cuida melhor porque a gente tem a cabeça mais no lugar. Se eu fosse mais novo, talvez eu não me cuidasse tanto porque a gente mais novo não liga nem de passar pros outros, nem tampouco de deixar aquela vida que se tinha de gostar de farra, de bebida, de sair com quem a gente queria, então, a gente com mais idade é melhor. (Part. 19).

Eu acho que, no caso, pra velhice é melhor. Porque a juventude é jovem, precisa viver. A gente como já passou de meio século, já tem experiência devido ali, morre com 60, 70 anos: pouco tempo, não perdeu tanto... É mais difícil pra juventude porque tá começando uma vida: não desfrutou de nada, não teve experiência de vida... (Part. 17).

. . . o que eu mais amo na vida são as minhas filhas, os meus filhos, os meus netinhos... Aí eu vi que a perda pra mim não era tão grande, eu me conscientizei que eu já deixei tudo grande. Eu ia sofrer mais se eu tivesse deixado tudo pequenininho. Se Deus me deu [a Aids] já passando do quarenta e poucos anos, eu muito agradeço, também eu já vivi. (Part. 20).

Na maturidade e a velhice, as pessoas examinam sua vida como um todo e agem com integridade do ego (quando aceitam o seu lugar e o seu passado, pois o passado é visto com sentimento de realização e satisfação) ou com desespero (revisa-se a vida com um senso de frustração e a pessoa fica desgostosa consigo mesma e amarga em relação ao que poderia ter sido) (Schultz & Schultz, 2004). Sendo assim, ao se defrontarem com o diagnóstico soropositivo, os idosos deste estudo recorreram à comparação com os jovens na busca de uma conformação frente à Aids.

Vivendo com o HIV. O discurso referente à Aids na velhice traz conteúdos referentes a constrangimento, sofrimento e restrições. Ao serem questionados sobre a vivência da Aids na velhice, o embaraço dos idosos soropositivos para o HIV fica evidente, associado aos estereótipos criados para os velhos que buscam a vida sexual ativa ou para a própria doença, associada à promiscuidade ou comportamentos inadequados.

“Eu acho, eu sei lá: a gente fica até sem jeito de falar A gente não vai pedir pra ter essa doença, né!” (Part. 1).

“Rapaz, é meio chato estar com Aids. Porque diz que o velho é sem vergonha demais. Diz que o caba [homem] é sem-vergonha, velho enxerido” (Part. 6).

“Ave Maria, é muito difícil. Porque o povo rejeita, né. Rejeita porque fala assim: ‘um homem daquela idade com Aids’. Quando eu fui internado tinha tanto senhor de idade. A gente nunca tá livre dessas coisas” (Part. 13).

Ao contrair o HIV, os idosos falam menos sobre sua situação com familiares ou amigos, sabem menos sobre os progressos da doença, da importância e eficácia dos tratamentos atuais e, conseqüentemente, menor adesão a eles (Strombeck & Levy, 1998). A Aids na velhice também é associada ao sofrimento causado pela incerteza da sobrevivência, medo e desprezo.

Deus me ajude a continuar vivo porque a gente já tem e não tem mais jeito. Tenho sofrido, mas... È uma doença que a gente tá bom, bom, tomando a medicação, tudinho. Agora se a gente passar 2 dias sem tomar a medicação, já sente a diferença no corpo. (Part. 2).

“Eu me sinto mais enrolado, mais desprezado, a gente fica desprezado” (Part. 21).

Nunca é normal: não é normal como as outras pessoas que não tem esse problema. Quem não tem sintoma de Aids, levanta cedo, chega tarde..., brinca, se cansa, mas não tem o corpo esmorecido. Se for pra trabalhar, você não tem mais aquele ânimo de lutar, de trabalhar como antes: não tem. Se sente o corpo esmorecido. Não tem não, não tem não. Você acha mais esmorecido, sem disposição. (Part. 16).

. . . olha, eu me vejo ainda jovem com 55 anos... me vejo talvez ainda mais jovem do que era antes... eu estou mudando pra melhor.. .me vejo uma pessoa capaz ainda de trabalhar, mas não trabalho pesado... ainda tenho sonhos ainda de alguma coisa, me vejo bem. A única coisa que me falta agora ainda é completar esse vazio... Eu tenho muito medo da solidão na velhice, de eu cair numa depressão, como muitos já caíram, o que me preocupa é isso aí. Tendo isso aí já me completa, mas tem essa barreira no meio: é essa barreira da pessoa- como é que uma pessoa vai casar. . . (Part. 20).

A Aids, desde o começo, foi apresentada como uma doença incurável e fatal, sem esperança de cura, que caminhava para um único destino: a morte. Além disso, em decorrência dessa “morte anunciada”, o portador do vírus da Aids está sujeito também à “morte civil”, representada pela redução de seus direitos de cidadania, motivada por demissão do emprego, discriminação, isolamento e preconceito. Esses fatores geram associações simbólicas com a doença, o que atinge profundamente os indivíduos, influenciando-os na percepção de sua doença e no comportamento de outras pessoas frente a ela, fato que provoca no portador do HIV sentimentos de ansiedade, motivados pelo medo da rejeição social (Saldanha, 2003). Para os participantes desta pesquisa, o preconceito emerge em duas subcategorias: Social e Auto-Preconceito.

Ainda que exista um grande esforço do meio científico para dar ao conceito de transmissão da Aids um sentido mais racional, através da elucidação dos seus meios, não se conseguiu substituir o conjunto das representações e imagens simbólicas provenientes de antigas epidemias. Além disso, as significações culturais ligadas à noção de contágio associadas à ocorrência da doença ao sentido do tato (contato) e olfato (pelo ar), permanecem nas representações que os indivíduos fazem do adoecimento (Saldanha, 2003). Estas representações carregam a soropositividade de estigmas, atualizando vivências de medo, exasperação, negação e rejeição ao outro, os quais estão presentes no discurso destes idosos, configurando a subcategoria “Social”:

. . . a gente foi para uma novena e quando eu cheguei lá numa casa bem pertinho, me deu sede, e, ao invés de eu deixar para beber água em casa, eu pedi água. Aí o dono da casa não me falou nada. Foi depois que eu soube que ele tinha quebrado o copo que eu bebi. (Part. 6).

“. . . a minha mãe comia lá em casa. Aí depois que soube que eu estava com essa doença, não comeu mais nunca” (Part. 7).

“. . . ela separou os copos, os pratos... Aí eu fui embora morar sozinho” (Part. 16).

Preconceito, é direto, direto mesmo, é triste a coisa lá. Ninguém entra na minha casa. Moro sozinho. Ninguém entra em minha casa, tinha só um ex-combatente que morava lá perto que ele sempre entrava lá em casa, mas ele morreu. Minha prima que lavava a minha roupa e não lava mais. (Part. 10).

O preconceito existente em torno da doença faz com que os portadores se tornem carregados de medo diante da percepção do outro, induzindo-os a um mundo de meias verdades, evitamentos e disfarces. Assim, na tentativa de proteger-se e proteger os que preza, o medo os leva muito mais a se esconderem do que a se revelarem, conforme os discursos da subcategoria “Auto-Preconceito”:

. . . só que, fiquei, o preconceito é comigo mesmo e de lá para cá tudo que era bom, assim, pra mim acabou, morreu. Eu era uma pessoa muito alegre, feliz, só que hoje eu me escondo dentro de mim mesmo, eu não gosto de falar dessa doença. (Part. 4).

Não, ninguém sabe. Ninguém sabe porque eu sei que se eu falar eu vou ter problema porque vão me jogar na cara... fica dizendo: ‘ah, fulano tem isso, fulano fez aquilo....’ Eu digo que tô me tratando . . . eu digo que ‘é de hepatite’, eu digo que ‘é dos rins’ . . . Minha nora veio morar comigo tem 4 anos... Eu digo ‘meu caneco é esse’, eu não posso mais pegar minha netinha, eu não posso mais jogar bola, não posso mais beijar. Isso eu digo a ela. Eu que tenho que me conscientizar... (Part. 17).

“Eu não deixo ninguém usar o meu talher, eu não deixo ninguém usar” (Part. 18).

Não revelar a condição de portador é uma saída diante dos problemas emergentes da situação da soropositividade. Entretanto, concordando com Saldanha (2003) e Tunala (2002), este silêncio em relação à infecção, além de impedir o seu compartilhamento com outras pessoas que poderiam ajudar no enfrentamento à doença, prejudica a adesão ao tratamento pela dificuldade de ingerir os medicamentos quando estão na presença de outros. Todos estes aspectos – manter o sigilo, não ter com quem compartilhar, esconder o medicamento – constituem-se em mais fontes estressoras no seu cotidiano.

Enfrentamento. Ainda que, conforme Strombeck e Levy (1998), ao contraírem o vírus HIV, os idosos falem menos sobre sua situação com familiares ou amigos, o apoio social (percepção de que outras pessoas são sensíveis e receptivas às nossas necessidades) é uma estratégia de enfrentamento importante (Aronson, Wilson, & Akert, 2002), contribuindo inclusive para a aderência ao tratamento (Garcia, Schooley, & Badaró, 2003). Neste estudo observou-se a formação de dois tipos de rede de apoio: a restrita e a extensa. A rede restrita, mencionada pela maioria dos entrevistados, é formada pelos discursos dos idosos soropositivos para o HIV que possuem uma rede de apoio limitada, geralmente, a um familiar, a um amigo mais íntimo.

. . . Mas, meus meninos nenhum sabe: nenhum sabe disso. Não, ninguém sabe: só quem sabe é minha menina. É com medo do meu menino, do rapaz que eu tenho, porque ele disse a mim que se ele souber que eu tenho isso, ele morre enforcado ou envenenado. Nem ele [marido] sabe também. (Part. 8).

“até hoje é comigo esse segredo, é comigo. Eu não falo nada que eu tenho. Só quem sabe é eu e o pai da menina” (Part. 14).

“Só tem dois vizinhos meus que sabem... eles me deram a maior força porque é dessas pessoas que entendem, agora o pessoal que nunca estudaram são ignorante demais” (Part. 1).

A rede extensa diz respeito aos participantes que possuem uma rede de apoio mais ampla, já que não escondem sua soropositividade. No entanto, esta atitude é referente a uma minoria de idosos soropositivos para o HIV estudada.

Todo mundo sabe que eu não escondo não . . . Se ninguém quiser me receber na sua casa, não me receba. Mas, eu não vou esconder que eu estou doente. Todo mundo num sabe que eu venho pro hospital. Aí eu esconder uma coisa que é verdade, eu tá escondendo: eu não, eu nunca escondi não. Toda vida eu disse... (Part. 6).

“Eu conto para todo mundo que sou soropositiva” (Part. 7).

A religião configura-se para estes idosos em uma das principais forma de enfrentamento às vicissitudes da Aids. Estudos afirmam que a espiritualidade, além de melhorar a saúde e a qualidade de vida dos idosos, é um importante apoio no enfrentamento de frustrações, sofrimentos e desafios, como também no prolongamento da vida, ajudando a compreender e elaborar suas perdas (Negreiros, 2003).

“. . . eu sem Deus não sou nada. Tudo com Deus na frente. Deus me ajuda, eu tenho fé em Deus. Primeiro Deus, segundo as amizades que eu tenho dos meus amigos e amigas” (Part. 2).

“Mas, se a gente tem fé e crê num Deus vivo, nada derruba a gente. A gente vence o mundo, vence tudo” (Part. 5).

Muitos estudos abordam as diferentes estratégias pelas quais as religiões reinterpretam a experiência da doença e modificam a maneira pela qual o doente e o meio social definem o problema. Para Lévi-Strauss (1967), as teorias religiosas curam ao impor ordem sobre a experiência caótica do doente e da família. Os depoimentos mostram que a maioria dos idosos se beneficia de sua crença religiosa, visto se tornarem fonte de esperança, uma forma de enfrentamento e alívio para o sofrimento, medo e angústia. Durkhein (em Lima Ferreira, 1978) considera que o indivíduo com crença religiosa sente em si mais força, seja para suportar as dificuldades da existência, seja para vencê-las, pois está como que elevado acima da sua condição humana.

A utilização de recursos internos, enquanto estratégias de enfrentamento diante das dificuldades impulsionam a manutenção e a reestruturação do bem-estar psicológico, indicando que formas de enfrentamento à doença são também preditos por fatores de diferenças individuais e experiências de vida.

“A cura também vai muito da sua cabeça, você vai levando o tempo, o dia-a-dia, desde que não ponha problema um em cima do outro, deixar se debater por certas coisas... energia forte: nada de coisa negativa...” (Part. 17).

“Eu tenho certeza que eu não baixei muito a cabeça... aqui morreram muitos na época que eu me internei, porque baixavam logo a cabeça” (Part. 10).

Estudos realizados por Aronson et al. (2002) com pessoas portadoras de doenças graves, dentre as quais a Aids, mostraram que, quando as pessoas acreditavam que podiam controlar as conseqüências da doença, mais ajustados esses indivíduos eram. Desta forma, acreditar e confiar na capacidade e eficácia para enfrentar o meio ambiente com efetividade e êxito (auto-eficácia) torna as pessoas menos ansiosas e deprimidas, como também mais saudáveis (Myers, 2000).

A naturalização da doença é outro tipo de enfrentamento utilizado pelos participantes, ou seja, tornar as coisas o mais normal possível, sem procurar informações ou situações que tornem a soropositividade presente no seu cotidiano. Suas energias são despendidas em fatores de resolução imediata do seu dia-a-dia, ocupando, assim, todos os seus pensamentos e relegando a soropositividade para segundo plano.

Eu não me envolvo em relação à questão da Aids. Andei participando de alguns Congressos... Eu acho que quanto mais eu me aproximar desse problema, ele me machuca. Então, eu procuro agir do meu lado: a minha vida, o meu trabalho, vou trabalhando e sem tempo pra pensar nisso, nem debater assim sobre isso. Eu gosto, às vezes, de contar as pessoas do meu problema pra ajudar as pessoas. Aí foi um medo muito grande ao longo de um ano, mas depois tudo mudou: eu comecei trabalhando, trabalhando, viajando, me envolvendo com as pessoas... Hoje eu me sinto até uma pessoa que acho que não tem esse problema... (Part. 20).

Tratamento. O cotidiano da pessoa soropositiva para o HIV em tratamento consiste no uso de medicamentos para o HIV, a terapia anti-retroviral. A “esperança”, inserida na fala dos participantes, denota a expectativa em relação ao prolongamento da vida decorrente da ingestão do medicamento evidenciando-se, assim, a importância do tratamento medicamentoso, não apenas quanto ao aspecto fisiológico, mas também em relação ao psicológico, pois gera esperança, trazendo mais vontade de querer viver e lutar.

“Antigamente, quando não tinha [anti-retrovirais], morria logo. Naquele tempo que o Cazuza teve aquela doença, num instante morreu” (Part. 1).

“Comecei a tomar o remédio, com três dias eu já estava me alimentando normalmente: no terceiro dia que eu comecei a tomar o remédio, eu já comecei a melhorar” (Part. 6).

Na época que eu contrai não havia esse tratamento de hoje não. Eu cheguei numa fase que morria todas as pessoas... a esperança na época era esse tal de coquetel que não tinha... Hoje eu acho que posso morrer de um infarto, mas de Aids mesmo... medo da morrer eu já não tenho mais... (Part. 20).

Entretanto, apesar dos benefícios, são relatadas dificuldades advindas da medicação, seja através dos efeitos colaterais ou pela dificuldade de ingerir uma grande quantidade de comprimidos em hora certa diariamente.

O uso do medicamento, minha filha, pra mim é uma tortura usar. Porque junta os problemas uns com os outros: os medicamentos fortes: eu fico totalmente desorientada. Tem dia, que pra mim sair assim de noite, às vezes, eu nem tomo porque eu não consigo sair porque eu fico bêbada, desorientada. Eu fico bêbada, eu fico completamente sem saber o que que eu tô fazendo, sem saber agir nada. (Part. 5).

. . . por causa do medicamento, isso é normal: ou você sente tontura, dor de cabeça, ou você sente vômito ou você tem diarréia... Esse sintoma é normal quando você toma o coquetel, isso aí praticamente tem. È ruim assim porque deixa num estado, assim, desgastante porque é uma coisa, assim, explicar, uma gastura. Uma agonia, uma ânsia, você quer que termine logo aquela passagem do efeito do medicamento . . . Eu tenho horário certo de tomar... Isso é o que eu sei que me deixa, né, mais assim: eu nunca tive recaída de ficar internado... eu nunca tive uma internação. (Part. 17).

Perspectivas. Se por um lado a Aids é fonte de angústia, medo e dificuldades, os entrevistados neste estudo relatam um outro lado, aqui denominado de ganhos secundários. Estes ganhos, para os idosos, referem-se à presença mais próxima da família:

“Bom, de bom pra mim foi amor, foi afeto, foi o carinho da minha família, do pai da minha filha” (Part. 14).

“De bom, que eu vivo hoje mais pra minha família. Antes eu brincava demais e hoje eu vivo só pra minha família” (Part. 15).

O lado bom é que eu tô presente na vida da minha família e passivo de bar, daquela vida que eu levava assim porque eu era separado e eu ia sair final de semana: ia para as baladas, para essas coisas, tudo. Hoje eu tô vivendo mais, assim, vivendo mais sossegado, mesmo com a doença, mas vivendo mais dentro de casa e antigamente era mais afastado... (Part. 17).

O futuro para estes idosos é relatado num misto entre o medo da doença, do internamento, do sofrimento e a esperança da descoberta da cura.

“Penso: acho que é difícil. Depois vai ser difícil. Eu tenho medo do final. Sabe que é uma doença mais séria, né! O problema maior de HIV é infecção, né!” (Part. 15).

Eu queria que Deus iluminasse a ciência que resolvesse o problema, assim, uma injeção, uma vacina, que matasse esse vírus que existe no nosso corpo porque eliminando ele a gente estava com a vida garantida, embora que todos nós um dia vamos morrer, mas não breve. (Part. 4).

“Eu quero um dia morrer, mas não desse mal” (Part. 6).

 

Considerações Finais

Apesar de a velhice ser um fenômeno biológico, a forma como cada pessoa envelhece está determinada por questões subjetivas, condicionadas às questões da hereditariedade, do social e do cultural, incluindo-se aí a sua história de vida (Santos et al., 2003). Na realidade, segundo Motta (2004), coexistem as duas imagens da velhice: a tradicional, naturalizada, do velho inativo, mas “respeitável”; e a nova imagem, mais dinâmica e participante em determinadas situações sociais. Neste sentido, de acordo com Neri (1993), é o desconhecimento do que significa ser velho que induz a práticas com foco ideológico, que contribuem para a manutenção e propagação de mitos, estereótipos negativos e preconceitos acerca da velhice.

A concepção da velhice enquanto perdas e limitações ou a incapacidade de procriação, a morte do cônjuge, a inatividade sexual e abdicação compromete o entendimento de outras possibilidades de trajetórias, pautadas no reconhecimento do envelhecimento como experiência diversificada e sujeita à influência de diferentes contextos sociais, levando a velhice a um processo de fragilização e vulnerabilidade frente às vicissitudes de algumas doenças. Neste contexto emerge a questão da Aids na velhice. Mais do que uma doença, a Aids configura-se hoje como um fenômeno social de amplas proporções, impactando princípios morais, religiosos e éticos, procedimentos de saúde pública e de comportamento privado, questões relativas à sexualidade, ao uso de drogas e à moralidade conjugal, isto para ficar nas problemáticas mais evidentes.

Envelhecer sendo soropositivo para o HIV, ou contrair o vírus na velhice representam um desafio duplicado para quem enfrenta essa situação (Saldanha et al., 2006). Além de toda a carga sócio-moral que carrega a pessoa soropositiva para o HIV de qualquer faixa etária, na velhice algumas construções sociais contribuem para o aumento das dificuldades enfrentadas pelo idoso soropositivo. Neste sentido, as intervenções precisam ir além dos aspectos profiláticos, etiológicos e terapêuticos, se faz necessário também uma perspectiva psicossocial para que se possa intervir na melhoria da qualidade de vida destes idosos.

 

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Received 30/10/2007
Accepted 10/12/2008

 

 

Ana Alayde Werba Saldanha. Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, Paraíba, Brasil.
Ludgleydson Fernandes de Araújo. Universidade Federal do Piauí, Parnaíba, Piauí, Brasil.
Valdiléia Carvalho de Sousa. Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, Paraíba, Brasil.

1 Endereço para correspondência: Av. Gov. Argemiro de Figueiredo, 505, apto. 101C, Bessa, João Pessoa, PB, Brasil, CEP 58037-030. E-mail: analayde@terra.com.br