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Interamerican Journal of Psychology

versão impressa ISSN 0034-9690

Interam. j. psychol. vol.43 no.2 Porto Alegre ago. 2009

 

RESEÑA

 

A ciência da mente: a Psicologia em busca de seu objeto

 

 

Vicente Cassepp-Borges1

Universidade de Brasília, DF, Brasil

 

 

A ciência da mente (Pasquali, 2008) aborda a problemática da ciência psicológica, mostrando atributos da mente humana com o intuito de delimitar uma área de estudo. A Psicologia é uma ciência que evoluiu muito pouco se comparada à Física ou à Biologia. A humanidade está longe de criar um modelo de psicoterapia que funcione com a eficácia dos equipamentos eletrônicos ou de manipulações genéticas nos organismos. Isso se deve em parte ao pouco tempo de existência da Psicologia, mas também à confusão teórica da área. A Psicologia possui diversas teorias, que trazem diversas explicações diferentes para os mesmos fenômenos e nomes diferentes para os mesmos objetos de estudo. Embora o livro defenda a ideia de que a mente deve ser o objeto de estudo da Psicologia, dificilmente deixarão de existir aqueles que chamarão seu objeto de estudo de comportamento (Skinner, 1990) ou inconsciente (Freud, 1940/1987). Mesmo assim, a reflexão a respeito de que devemos ter um objeto de estudo em comum é pertinente, pois é necessário que todos se entendam para que uma área avance. Este entendimento é facilitado quando todos sabem qual parte do objeto estão compreendendo, conhecendo as limitações e potencialidades do conhecimento que estão produzindo.

Nos três primeiros capítulos, Pasquali (2008) faz uma viagem aos campos da Física e da Biologia. São discutidos temas não corriqueiros para psicólogos(as), como o big bang, a estrutura da matéria, dos cromossomos, do DNA e do cérebro. Na empreitada de descobrir qual é o lugar da Psicologia no mundo das ciências, é fácil concordar que conhecer o avanço da outras áreas é um trabalho que deve ser feito. Todavia, dada a complexidade destes temas, poucos o fazem. O livro traz estes conceitos de uma maneira objetiva e agradável, sem perder o foco de que está falando de ciências bastante diferentes da Psicologia para psicólogos(as).

O primeiro capítulo (a Psicologia como ciência: Filosofia e estratégia) começa descrevendo a singularidade, um estado no qual uma massa infinita de temperatura infinita está situada em um espaço igual a zero, onde as leis da física como conhecemos não existiam. Embora não se tenha noção de como este ponto surgiu no espaço, este é o ponto de partida para o surgimento do universo. O capítulo ainda traz alguns conceitos sobre evolução, tanto no sentido físico quanto químico, biológico, cultural e espiritual. Ela se dá através da complexificação, organização e mutação da matéria, dos seres, das sociedades, etc. Por fim, a seleção natural também é abordada como um mecanismo de evolução. É fundamental que a Psicologia compreenda os mecanismos da evolução, pois a mente humana é constante afetada por ela. O conhecimento que se tem sobre a evolução da matéria, do universo e dos organismos deve ajudar na compreensão da evolução da mente humana.

Após definir a singularidade e evolução, o segundo capítulo trata de como a matéria evoluiu a partir da singularidade. A primeira parte dele trata do surgimento da matéria. Descreve o que se sabe sobre o big bang e sobre a expansão do universo. A segunda parte discute o que é a matéria, mostrando o átomo e comentando a respeito das partículas subatômicas, além de abordar os estados da matéria (sólido, líquido, gasoso e plasma). Para facilitar a compreensão de leigos, é apresentado um glossário de termos da Física. Embora este capítulo aborde uma discussão pertinente à Física, a compreensão dela ajuda na compreensão de sistemas no qual várias parte formam um todo em comum. Este tipo de compreensão também é necessário na Psicologia.

O terceiro capítulo (da matéria à vida) mostra que um organismo é composto de sistemas, formados por órgãos, que são constituídos por tecidos, que são conjuntos de células, conjugadas por moléculas, abordadas no capítulo anterior. Depois de definir características dos seres vivos de acordo com a Biologia, são apresentadas algumas teorias sobre a origem da vida, desde as mais primitivas, como a intervenção divina e o surgimento espontâneo até teorias como a da evolução química e orgânica. Daí, segue a discussão sobre as teorias da natureza da vida, que trazem implicações na maneira como estudamos os organismos. Existem posturas (organicismo) que vem o organismo como um todo indivisível, e outras (mecanicismo) que vem o organismo como uma soma das partes. Depois, é apresentada a evolução dos organismos a partir de seus ancestrais, além da divisão dos mesmos em reinos. O capítulo ainda apresenta a estrutura da célula e da molécula do DNA. Por fim, a viagem no campo da Biologia se encerra com uma breve descrição do neurônio e do sistema nervoso. O estudo da Biologia auxilia no entendimento do hardware no qual o software da mente humana está instalado. Este, este hardware não é apenas um sistema nervoso, mas um organismo inteiro que possui vida.

No quarto e no quinto capítulo, o livro apresenta alguns avanços da Psicologia como ciência. Depois de discutir como andam as outras ciências, é discutido o conhecimento disponível na nossa área. Algumas áreas do conhecimento avançaram mais do que a Psicologia, suscitando a questão sobre se é bom para a humanidade que o conhecimento evolua de maneira desigual nas diferentes áreas. Embora a clareza metodológica da Biologia nos traga a tentação de estudarmos fenômenos psicológicos como se fossemos biólo- gos(as), temos o dever de buscar explicações psicológicas. Claro que a Biologia deve ser estudada com profundidade, por ser um excelente ponto de partida, mas temos que desenvolver os nossos métodos. A redução dos fenômenos psicológicos à Biologia desvia nosso foco de estudo.

O quarto capítulo (da vida à autoconsciência) traz algumas discussões filosóficas e científicas sobre a mente. Inicialmente, apresenta a controvérsia da existência (dualismo) ou não (monismo) de uma separação entre o corpo e a mente. Sempre mencionando alguns estudos com outros animais, a autoconsciência é descrita como uma capacidade exclusiva dos seres humanos. De acordo com o livro, mesmo outros primatas não possuem a capacidade de crítica e auto-crítica, testar hipóteses, colocar-se na posição do outro, reconhecer a si mesmo e diferente do outro e de utilizar a linguagem como auto-referência. A outra parte do capítulo faz um paralelo entre a linguagem e a cultura, abordando teorias a respeito do surgimento da linguagem, o substrato biológico por traz dela e seu papel na cultura.

O quinto capítulo (características da mente) discute como a mente é preenchida, ou seja, quais são os objetos que a constituem. Estes objetos seriam a imagem mental, as idéias, os sentimentos (do estético, ético, sublime e cômico) e as decisões. E, para manipular estes objetos, a mente possui algumas faculdades, que se dividem em cognitivas (pensamento, memória, percepção imaginação, intuição e raciocínio) afetivas (sensos do estético, ético, sublime e cômico) e conativas (atenção, vontade e sentido da vida). São diversos mecanismos que fazem a mente funcionar de maneira harmônica. Este capítulo é um esboço do funcionamento da mente, pois pouco conhecimento se desenvolveu sobre cada objeto e as suas faculdades. Todavia, o fato de que existe pouco conhecimento sobre isso é um forte argumento de por que a mente deve ser o objeto de estudo da Psicologia.

O sexto capítulo pode ser considerado o principal da obra. Nele é que o objetivo de descrever o objeto de estudo da Psicologia é abordado de maneira propositiva. A idéia, um tanto arrojada, foi criar um guia a ser observado na elaboração de teorias psicológicas. Isto foi feito para evitar que teorias da moda, que explicam uma pequena parcela do objeto de estudo da Psicologia, sejam tratadas como teorias que explicam todo o ser humano. Independentemente de o autor ter ou não atingido este objetivo, este capítulo em especial é uma excelente indicação para quem deseja construir uma teoria psicológica ou simplesmente olhar para elas de maneira mais crítica.

Primeiramente, é apresentada uma compreensão do ser humano nas dimensões do Físico (Φ), Psíquico (ψ) e Espiritual (Π), salientando que o espiritual não deve ser objeto de estudo da Psicologia. Junto a isso, o livro propõe a divisão das faculdades do ser humano nas funções Conhecer (C), Sentir (S) e Agir (A). Cruzando as dimensões do ser humano com as funções, o livro descreve 9 fatores geradores do comportamento humano. Para cada um deles, Pasquali (2008) propõe os pólos de energização ativa e passiva, uma espécie de pólo normal e pólo patológico. O livro não esquece do contexto em que vive o ser humano, tanto no espaço quanto no tempo, o que de certa forma poderiam representar os sistemas ecológicos de Bronfenbrenner (1996). Assim, A ciência da mente apresenta uma teoria de personalidade bastante plausível, inclusive comparando a teorias como a do big five. Esta teoria ainda traz a idéia de instrumentos de medida de personalidade que a enfo-quem. A tarefa, no entanto, é bastante árdua, pois algumas faculdades são difíceis de ser mensuradas. Porém, assim como a teoria do big bang ganhou notoriedade por existir aparato tecnológico (telescópios potentes) que corroboram as suas hipóteses, esta visão de ser humano também necessita de alguma tecnologia como apoio.

As visões da espiritualidade do autor permeiam todo o livro. A própria discussão a respeito do determinismo X livre arbítrio (quinto capítulo) é feita apresentando mais argumentos favoráveis ao o segundo, dando menor ênfase a argumentos contrários ao livre arbítrio como os de Skinner (1972). O capítulo final (Da consciência ao espírito: a alma – o pneuma) foi reservado para discutir a alma e a existência de um ser superior. Todavia, esta discussão é feita sem a utilização da fé, procurando evidências dos fatos religiosos e baseando-se em argumentos. Assim, na compreensão do ser humano, o livro defende que a Teologia também é uma área que teria a contribuir, apesar de precisar evoluir muito.

Resumindo, é uma obra ampla, que começa no surgimento do universo e vai até a eternidade, tendo uma seqüência lógica. Trata-se de uma leitura a ser feita por pessoas que amam a Psicologia, independente do conhecimento que possuem da área. As pessoas que estão começando a estudar têm nesse livro uma boa oportunidade de entender o que é a Psicologia. Um estudante do primeiro semestre terá uma oportunidade de vincular o conhecimento adquirido no ensino médio com a Psicologia. As pessoas com conhecimento mais avançado na área irão refletir sobre que tipo de Psicologia estamos fazendo. Esta obra ainda faz refletir sobre alguns cuidados teóricos que devemos tomar para fazer uma investigação científica em Psicologia, principalmente o de saber o que estamos estudando.

 

Referências

Bronfenbrenner, U. (1996). A ecologia do desenvolvimento humano: Experimentos naturais e planejados. Porto Alegre, RS: Artes Médicas.         [ Links ]

Freud, S. (1987). Esboço de psicanálise. In S. Freud, Edição standard brasileira das Obras Psicológicas Completas (Vol. XXIII). Rio de Janeiro, RJ: Imago. (Original publicado em 1940)        [ Links ]

Pasquali, L. (2008). A ciência da mente: a Psicologia à procura do objeto. Brasília, DF: Autor.         [ Links ]

Skinner, B. F. (1972). O mito da liberdade. São Paulo, SP: Summus.         [ Links ]

Skinner, B. F. (1990). Can psychology be a science of mind? American Psychologist, 45(11), 1206-1210.         [ Links ]

 

 

Received 30/11/2008
Accepted 12/02/2009

 

 

Vicente Cassepp-Borges. Psicólogo. Doutorando em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações (PSTO) pela Universidade de Brasília (UnB).

1 Endereço para correspondência: Universidade de Brasília, LabPAM, Campus Universitário Darcy Ribeiro, ICC ala Sul, Brasília, DF, Brasil, CEP 70910-900. Tel.: (61) 3307 1114; Fax: (61) 3307 1114. E-mail: cassepp@gmail.com