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Estudos de Psicanálise

versão impressa ISSN 0100-3437

Estud. psicanal.  no.35 Belo Horizonte jul. 2011

 

 

Fragmentos clínicos sobre uma dita parentalidade tóxica

 

Clinical fragments of a toxic parentality

 

 

Marília Etienne Arreguy

Universidade Federal Fluminense
Círculo Psicanalítico do Rio de Janeiro

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Proponho nesse artigo falar de algumas vivências clínicas com pacientes grávidas, parturientes e puérperas envolvidas em relações adictas, dependentes e passionais com o uso direto ou indireto de substâncias tóxicas. Apresentarei um pouco da realidade cotidiana de famílias de baixa renda atendidas numa maternidade pública de alto-risco de referência no Estado do Rio de Janeiro. Selecionei situações em que o vício, o tráfico e a violência estiveram presentes nas narrativas de mães e de pais, trazendo efeitos deletérios no casal, na relação de parentalidade e na própria relação que a equipe de saúde estabelecia com essas famílias. Nesses conflitos, o bebê recém-nascido era sempre a vítima em maior evidência. Usarei fragmentos de casos clínicos, compondo histórias e enfatizando alguns momentos que interpreto como sendo representativos de uma dinâmica tóxica no casal e no âmbito familiar. Também serão feitas observações a respeito dos efeitos contratransferenciais de uma certa "toxicidade" para além do uso de substâncias psicoativas, produtora de uma forma de agir passional e dependente, cujas consequências são refletidas tanto numa relação de adicção terapêutica, quanto na forma como algumas pacientes, puérperas, gestantes e suas famílias, são vistas, cuidadas ou mesmo estigmatizadas pela equipe de saúde.

Palavras-chave: Parentalidade, Maternidade, Casal tóxico, Adicção, Escuta psicanalítica em hospitais.


ABSTRACT

In this paper I intend to talk about some clinical evidences obtained in a high-risk maternity with some patients, who are involved in addictive, dependent and passionate relationships, and with direct or indirect drugs use in their families. I will show some examples from the daily reality of low economic level families cared for in a model public hospital (high risk maternity) in the State of Rio de Janeiro. I selected some situations in which the addiction, the drug dealing and the violence were shown in the narrative of mothers and fathers, bringing some harmful effects upon the couple, the parental relationship and even in the form in which staff deals with these families. In these conflicts, the newborn was the main victim in case. I will take fragments of clinical cases, composing short histories to emphasize some moments that I interpret as representative of a toxic dynamic in the parent couple as the same in the family. I will also make observations in respect to the counter transference effects of certain toxicity beyond the use of psychoactive substances. This produces a passionate and dependent way of been, of which the consequences are reflected in a addictive therapeutic relation and, also, in the way of some patients - pregnant or recent mothers and their families - are seen, cared for or even stigmatized by medical staff.

Keywords: Parentality, Maternity, Toxical couple, Addiction, Psychoanalytical technique in hospitals.


 

 

Urgência perinatal, drogas e estigmatização

A instituição a que me refiro nos casos a que faço menção neste artigo oferece atenção à saúde perinatal, recebendo grávidas, parturientes, puérperas e bebês considerados de alto risco. Há psicólogas em praticamente todos os setores, desde o pré-natal até o acompanhamento pediátrico (follow up) dos bebês que passaram pela UTI Neonatal. A equipe de psicologia atua acolhendo e ouvindo as mães e as famílias, bem como ofertando intervenções com o bebê, que vão desde a observação, passando por um suporte de voz1 (Szejer, 1999; Mathelin, 1999), até o apoio na aproximação das famílias e na intermediação da comunicação destas com a equipe multiprofissional. Na UTI Neonatal, o clima institucional é, em geral, tenso e acelerado, determinado pela própria urgência médica. Há casos muito graves, de extrema prematuridade, de malformações, mas também, de bebês que passam por longos períodos de internação, muitas vezes sem contar com a presença dos pais, logo, em condição de privação psicossocial de extrema gravidade (Winnicott, 2005; 2000). Nesses casos, é possível constatar certa correlação entre a atitude de algumas mães que não acompanham de perto seus bebês durante o período de internação e a adicção de algum membro da família, seja da mãe, do pai, ou de ambos, ao uso de tabaco, álcool ou outras drogas lícitas e ilícitas.

A intenção de discutir a hipótese de que famílias envolvidas com drogas possuem uma relação ambivalente com a equipe de saúde – ora adicta, ora desligada – associada a uma posição sui generis com seus bebês, muitas vezes se afastando deles, mas não os abandonando totalmente, visa justamente evitar um processo de estigmatização das mães, dos bebês e de suas famílias. Buscarei, então, refletir sobre políticas de saúde coletiva que possam gerar uma atitude mais compreensiva para com esses casos, que vá além do investimento numa dimensão preventiva ou curativa. Nesse sentido, a escuta psicanalítica, o oferecimento de um "holding" e a supervisão clínica da efêmera transferência inerente ao atendimento em uma maternidade de alto risco apontariam para uma condição diferencial no tratamento.

 

Algumas dimensões éticas da clínica psicanalítica em instituições de saúde

Antes de apresentar a dinâmica de alguns desses casos, esclareço que parto de uma perspectiva crítica em psicanálise, signatária da ressalva de que a interpretação pode ser extremamente ineficaz nesses casos. Não obstante, a interpretação não pode ser desprezada enquanto ferramenta clínica que pode vir a ter, muitas vezes, a função de alinhavar hipóteses e realçar certas dúvidas, na medida em que promove uma abertura para a análise da contratransferência. A interpretação só tem seu lugar no hospital na medida em que permite o trabalho das fantasias do próprio terapeuta quando discute com seus pares, ao invés de crer num suposto poder terapêutico de desvendar enigmas e dissolver conflitos. Essa pretensão só levaria à possível subjugação das já tão sofridas pacientes daquela instituição hospitalar.

O trabalho clínico nessa unidade perinatal era norteado por essa relativização do uso da interpretação, focando os atendimentos no oferecimento de um holding para as mães, ou seja, buscando dar paragem e auxiliar na produção de contornos para o sofrimento inerente às suas vivências em relação às falácias da sua saúde ou de seus bebês. Fazíamos longas reuniões semanais para discutir os casos mais graves, e não era nada fácil abordar algumas situações sem apelar para evidências psíquicas descritas no modelo freudiano, ou seja, era muito difícil deixar de interpretar. O alerta dado nas supervisões clínicas semanais era sempre escutar e escutar sem apelar diretamente à interpretação. Nesse sentido, a interpretação aparecerá aqui neste ensaio muito mais como um instrumento propulsor de elaboração, usado nos encontros de supervisão clínica e na escrita que visa uma compreensão teórica, do que como se pudesse portar um poder de revelação para o próprio paciente. De alguma maneira, na fluidez e brevidade da abordagem psicanalítica em hospitais, insistir numa intervenção interpretativa diante do sujeito em sofrimento pode levar a uma postura onipotente e forçosamente desigual, que poderíamos entender como uma espécie de "violência da interpretação", como alertou Aulagnier (1975) acerca das hierarquias de poder fundadas na linguagem, algo determinante das relações intersubjetivas.

Em busca de vias alternativas, porém com bases sólidas para o aprimoramento de uma escuta com nuances tão específicas, buscamos no trabalho cotidiano com essas mulheres criar um espaço de "reserva" (Figueiredo & Coelho, 2008), fundado numa escuta empática e, ao mesmo tempo, atenta àquilo que concerne às delicadas manifestações do inconsciente no enlace do nascimento com o fracasso da saúde. Conforme a orientação de Winnicott (1999), fazia-se condição sine qua non priorizar a relação transferencial nos moldes do "holding", suporte de maternagem, criando uma atmosfera segura e permeável (Balint, 1993) na relação com as pacientes. A maternidade problemática - momento propício para a eclosão de manifestações inconscientes arcaicas - convocava-nos transferencialmente a esse lugar de apoio e contenção, muito mais do que à função de se estabelecer limites, prescrições e fixar normas de saúde, típicas do saber médico. Desse modo, todo esforço analítico visava evitar uma tendência interpretativa selvagem, convite fácil ao qual estamos sempre sujeitos, mesmo que, por medida dialética, em construções de casos seja necessário concordar que interpretar e salientar certas expressões afetivas a partir de constructos metapsicológicos possa ajudar a dar sentido ao que observamos, analisamos e, de alguma maneira, sentimos, na relação com os pacientes. Eis aqui a dimensão ética enquanto princípio de toda intervenção de psicanalistas em hospitais.

A principal função que poderíamos atribuir ao terapeuta na relação com as mães, bebês, pais, enfim, com as famílias que possuem uma dinâmica adicta e vêm a ter seus bebês em uma maternidade de alto-risco, seria a de "estar ao lado", escutando e intermediando suas relações com a equipe de saúde. Sem dúvida, o intuito primordial da escuta clínica é promover vias de elaboração dos conflitos intersubjetivos ali presentes na estridência de sua relação com condições somáticas adversas vivenciadas pelas mães e seus bebês. Tal perspectiva, ao mesmo tempo simples e multifacetada, já fora descrita por Freud no Projeto, ao postular o conceito de Nebenmensch, ou seja, o "ser humano que está ao lado", próximo do bebê, no momento de amparo de suas angústias primordiais. É sabido que esse ser ao lado, a mãe no sentido básico do termo Nebenmensch, também pode ser altamente faltante e intrusiva, agindo como "autora" não só do "trauma", como também propulsora das condições essenciais para o processo de subjetivação (cf. Schneider, 2008). Assim, estávamos lá, psicólogas, ao lado de: mães, pais, familiares, equipe de saúde, ouvindo terríveis agruras, dando amparo na iminência da morte, suportando minimamente o mal-estar que advinha tanto de doenças físicas quanto do sofrimento psíquico.

Era notório que muitas famílias tinham envolvimento com drogas e, ainda mais, apresentavam um contexto de precariedade social estridente. Na maternagem dessas mães desamparadas, figurávamos também, de algum modo, como o único "ser humano ao lado", que se configuraria simultaneamente como locusde projeção de um potencial de resgate do "objeto perdido", signo de angústia, mas, também, como alguém capaz de propiciar o encontro e dar vazão ao "mal-estar", na medida em que o terapeuta na maternidade, às vezes, cuida como aquele que "berça um bebê", sinalizando seus contornos e provendo-o de um afeto compassivo. Exercíamos, assim, em parte, a função inconsciente de maternagem, tateando um ideal de relação "suficientemente boa" no sentido de escutar aquelas mães, sem escamotear o conflito ali presente, castrados que somos. Os limites, função tradicionalmente paterna, eram dados pela própria realidade da saúde precária e, também, eram veiculados pela equipe médica, por vezes de forma tirânica.

 

Das adicções à toxidade intersubjetiva

Um dos primeiros casos que atendi no hospital chamou muito minha atenção. Tratava-se de uma mãe bastante obesa, que acabara de ter seu quarto filho prematuro. Ela havia perdido os três primeiros filhos em condições semelhantes e esse quarto estava em vias de vir a óbito. Fui, então, atendê-la no alojamento conjunto (em que ficavam duas puérperas internadas simultaneamente). Isaura, como a chamarei, chorava muito e, ao mesmo tempo, não parava de falar. Contou sobre sua história amorosa, pois vivia com um homem, intenso alcoolista, a quem sustentava e, de quem frequentemente apanhava. Naquele momento, ela atribuía a precipitação do parto ao recente episódio de agressão que sofrera desse marido e, sofrendo muito, dizia que não conseguia ver seu bebê na UTI, pois era algo muito além do que podia suportar. Pediu-me, então, que eu pudesse vê-lo, trazer notícias e, de alguma maneira, "levar seu carinho, suas palavras" a ele. Realmente, a imagem desse bebê era fortemente marcante: sua cor estava bastante acinzentada, a prematuridade era extrema e a dificuldade de respiração enorme. Os médicos a sua volta pareciam tensos e juntavam-se em torno da incubadora buscando todas as alternativas de manutenção daquela pequena vida, tão desejada pela mãe. Mas era a mim a quem ela delegava e confiava esse olhar, demandando o relato sobre a vida agonizante. Minha fala era recoberta por uma sorte de atenuação da realidade, na tentativa de dar suporte ao que eu não podia negar: a criança estava em um estado muito grave, morrendo. O bebê veio a óbito dois dias depois de nascer, sem ter sido conhecido por Isaura.

Nessa história de vida tão curta, meu papel foi de servir como uma espécie ligação entre a mãe e o bebê, ouvindo-a e falando com o bebê, tentando trazer um sopro de vida para aquela pequena criatura prestes a perecer. Lugar de angústia, função impossível e falha, por princípio. No entanto, durante o atendimento à mãe, Isaura segurava em minhas mãos e me agradecia profusamente. Era uma mulher falante e extremamente amorosa. Ela fazia questão de minha presença e mal me deixava sair de perto. Não se incomodava que a puérpera vizinha de leito ouvisse trechos da sua história. Seu sofrimento era ruidoso.

Após a perda do filho, pediu a mim e a outros profissionais, médicos e enfermeiros, que proibíssemos a entrada do marido no seu alojamento no hospital. Não queria vê-lo de modo algum, embora reconhecesse o direito paterno de ver o bebê, ainda que morto. Evidente que não cabia a nós, equipe de saúde, tal papel de interditar a entrada do pai na maternidade (por demanda de Isaura), mas apenas de esclarecer que a esposa não queria recebê-lo. Muito prolixamente, nos poucos atendimentos em que estive com ela, Isaura falou sobre a vida do casal, salientando o fato de sustentar o marido e, ainda plena de ressentimentos, relatou que apanhava dele com frequência, tendo, inclusive, levado uma surra naquela gravidez. Contudo, o que mais me intrigou nesse caso, e foi objeto senão de uma interpretação, mas de uma pontuação sobre a fala da paciente (na medida em que eu demonstrei meu estranhamento), foi o fato de que Isaura, ao mesmo tempo em que recobrava sua história amorosa frustrada, referia-se ao seu marido como "bebê", "filho", "filhinho". Continuei a acompanhá-la até a alta, e ofereci uma continuidade na escuta, caso Isaura se propusesse a iniciar um tratamento prolongado no enquadre de minha pesquisa2. Ela aceitou, mas nunca compareceu.

Para além da angústia da morte iminente, concretizada um dia após o primeiro atendimento, ocorreram outros fatos inusitados. O primeiro entrevero foi que Isaura queria exigir da equipe médica um laudo certificando que tinha perdido o bebê por causa da agressão paterna. O mais evidente a se pensar é que ela queria punir o pai. Mas parece que a relação entre ambos não era assim tão simples. Alguns meses depois, Isaura foi reinternada, novamente grávida do marido agressor. Ela passou o fim de semana em convalescença de um aborto espontâneo e já estava de alta na segunda feira, após mais uma perda fetal. Conversamos pouco, já não havia um enquadre preciso para o atendimento após a alta, mesmo porque ela parecia ter esvaziado de algum modo seu sofrimento, mostrando-se "naturalmente" recuperada. No mesmo dia, mais tarde, passei por ela saindo da maternidade e, para minha surpresa, ela mostrou-me sorrindo e orgulhosa seu amado "bebê": o marido. Não seria justo interrogar o que a faria tão ligada ao alcoolista agressor? Do mesmo modo que ela não desistia de tentar ter um filho, ela não desistia "ter" o marido. Uma dinâmica adicta que, de alguma maneira, se transferia para os encontros comigo, em que me segurava ao seu lado e não deixava que eu me afastasse...

Outro caso inquietante envolvendo um casal usuário de drogas foi o de Lucélia e Felipe. O casal gerou gêmeos que sobreviveram, seja pelos avanços da medicina e dedicação da equipe de saúde, seja por algum milagre divino ou, simplesmente, pela surpreendente potência de vida que portavam em si mesmos, já que Lucélia tentara abortar por duas vezes tomando CITOTEC. A mãe, uma jovem de 28 anos, mais parecia uma adolescente de 14. Ela quase falecera no parto, com intercorrências graves em sua saúde, já debilitada pelo uso intenso de drogas. Passou cerca de dois meses internada em um hospital de emergência antes de vir a conhecer seus filhos na incubadora da UTI neonatal de nossa Unidade. Em sua primeira visita, sua aparência era quase moribunda, após longo período em coma. Sua presença ali causava uma espécie de desconforto geral na equipe de saúde. Ela representava um mal-estar recorrente, dirigido inconscientemente às mães que possuem um histórico de adicção, mas também àquelas que tentam abortar, mas seus filhos sobrevivem, contrariando a sorte. Lucélia se encaixava nos dois critérios de potencial estigmatização e marginalização. Ela se dizia arrependida quanto às tentativas de aborto, mostrava-se disponível para a equipe, mas, comigo, a sós, falava de sua ambivalência em relação aos bebês, de seu desespero, contando sua história de vida e revelando detalhes de seu romance passional com o pai dos gêmeos. Ela confidenciou que se prostituíra desde muito cedo e que um "cara muito velho" a sustentava já há alguns anos, o que lhe permitia pagar aluguel numa comunidade da zona sul, consumir cocaína e, também, financiar a maconha do marido-amante, pai de sua primeira filha e também dos gêmeos. Durante algum tempo, ela mantivera certo "status" diante de seu antigo grupo social, com os lucros da prostituição. Mas seu "benfeitor", "gringo", recentemente enrolado com a justiça voltara para a Europa, o que reduzira, substancialmente, sua mesada. Felipe, o pai de seus bebês, acatava a situação, apesar de demonstrar não engolir bem a história de partager sa femme. Dentre a enormidade de informações que Lucélia me passava, ela assumia que já tinha sido agredida por Felipe, por ser muito ciumento, mas, também, ao caracterizar o pai dos gêmeos, fazia questão de reiterar que ele era "lindo", "um gato", e que o amava muito. De algum modo, além de ouvi-la e tentar ajudá-la em sua vacilante ambivalência acerca da maternidade, considerei necessário alertá-la sobre a possibilidade de adoção. Seus filhos, apesar de tudo que passaram para nascer e sobreviver, eram saudáveis e bonitos.

Já a equipe multidisciplinar sofria a seu modo, sem poder se esquivar das indagações em torno do destino dos bebês, ou de quais seriam as garantias de qualidade de vida após a vitória de sua sobrevivência à revelia de todas as probabilidades e expectativas. Não sabíamos ao certo o que fazer. Lucélia, por sua vez, assumira os filhos, mas me pedia mais tempo para, de fato, se apropriar da função de mãe, já que, mesmo com sua primeira filha não tinha conseguido tal façanha. A filha primogênita do casal, Camila, vinha sendo criada por uma amiga, transposta na figura de madrinha-babá, paga por Lucélia. A "babá", justo naquele momento em que Lucélia precisava se decidir se assumia ou não a maternidade dos bebês gêmeos, deu, então, um ultimato: ou a mãe abriria mão da guarda da filha mais velha, ou a babá-madrinha desistiria de cuidar dela, ou seja, a devolveria. Lucélia não cedeu e buscou a filha, para reassumi-la e assumir os gêmeos simultaneamente. Ela dizia, contundentemente, que amava a filha, que a menina de dois aninhos era "o ar que respirava", chorando muito ao relembrar as crises de intoxicação em que ficava paranóica, agarrada à filha pequena atrás da geladeira, apavorada, tentando protegê-la, com muito medo que algo de ruim lhe acontecesse. Fazia também questão de asseverar que não sentia a mesma coisa pelos gêmeos e dizia, aliás, que gostava mais de um do que do outro...

O pai vinha ao hospital poucas vezes, uma vez por semana. Finalmente o conheci, quando Lucélia retornou para ver os bebês, já mais recuperada, exibindo-se muito arrumada, com roupas brilhantes e chamativas, tipo adolescente. Fui recebê-los conjuntamente e, sem dar brechas, Lucélia tentou me cooptar, de modo que eu pudesse ficar ao seu lado, contra o marido. Felipe, por sua vez, reclamava dela, dizia que ela era louca. Ela olhava para mim e perguntava: "a senhora acha que sou louca doutora?" Evidentemente, não respondi, retornei-lhe a pergunta e procurei trabalhar isso com ela posteriormente, a sós. Voltei então a perguntar, diante do pai, se ambos assumiriam sua responsabilidade enquanto pais, ou se pensavam em adoção, algo que Felipe recusou peremptoriamente. Durante o encontro, ele insistia em acusar Lucélia de tê-lo traído com outros homens e ela reclamava que Felipe não ajudava na criação da filha mais velha, dizendo: "como é que vou fazer com mais dois doutora?" Cortei a tentativa de ambos de fazerem do encontro comigo uma "arena conjugal", direcionando aquele atendimento para a questão da análise dos rumos da parentalidade no casal, haja vista a demanda de ajuda advinda da própria equipe de saúde, imersa em sua angústia diante da necessidade de dar alta aos bebês. Para onde iriam? Seria aquele "casal tóxico" (Toubiana, 2009; Bento, 2007) capaz de criar os bebês? Seria um caso para encaminhar para o Juizado, à revelia do desejo (extremamente ambivalente) dos pais? O que fazer diante do imponderável: um pai que não abria mão dos filhos, mas, supostamente, não cuidava deles; uma mãe que não tinha certeza do desejo de ser mãe e, tampouco, potência para a maternidade... viciada em cocaína, ele em maconha... Não obstante, de alguma maneira, bem ou mal, ambos estavam lá, minimamente presentes, fazendo o que podiam, imersos na precariedade de suas vidas e na onipotência de seus sonhos, buscando algum fôlego para continuar, e mudar.

Sem esgotar o caso, as alternativas que encontramos foram as mais elementares possíveis: ouvir a mãe; encaminhá-la para um tratamento em CAPS-AD (Centro de Atenção Psicossocial – Álcool e/ou Drogas) na expectativa de evitar recaídas; buscar implicar o pai nos cuidados com os bebês; e, finalmente, manter a família monitorada pelo Conselho Tutelar (que, desconfiávamos e temíamos, ser capaz de desfazer nosso trabalho psicossocial de vinculação e tratamento e apelar para a tutela do Estado). Todas intervenções tiveram um caráter provisório, atuando no que seria "menos pior" ou, simplesmente, plausível, embora não houvesse garantias. O caso foi longamente discutido em reuniões clínicas e em reuniões multiprofissionais. Ao nosso ver, não era adequado destituir o pátrio poder antes de dar uma chance para o casal. Apesar de tudo, era evidente a paixão entre ambos, homem e mulher, pai e mãe. O casal tinha um lado adesivo, adicto, algo presente em toda relação passional, mas também, continha a promessa de construção de uma família, salvo todas suspeitas em contrário.

Em todo caso, não-toda destituída da paixão3, a parentalidade se faz de ternura (cf. Freud, 1996; 1996) e do respeito à alteridade; função sublimatória por excelência, como atesta Mijolla-Mellor (2009). Afinal, não seria possível pensar na transformação daquela paixão tóxica do casal em amor terno a partir da barreira imposta pela tragédia vivida? Se era possível apostar nisso, também havia que se ponderar sobre os riscos...

Lucélia, assim como Isaura, sofria e falava. Ambas sustentavam os maridos e dependiam emocionalmente deles. Ambas já tinham sido agredidas por eles. Paradoxalmente, a necessidade consciente de uma (Isaura) era a aversão inconsciente da outra (Lucélia): ter e criar filhos. Além delas, muitas outras passaram e passam cotidianamente por essa unidade terciária perinatal, deixando marcas e incertezas nos profissionais que as atendem. A grande maioria vivendo em severas dificuldades familiares, tanto do ponto de vista afetivo, quanto sócio-econômico.

Além delas, lembro-me de Lolita, completamente sem rumo e sem paragem, adicta, moradora de rua, que teve seu bebê "apreendido" pelo Juizado, após denúncia de "maus-tratos" (leia-se "negligência grave") em relação aos outros três filhos maiores, já institucionalizados em abrigos para menores. Lolita tinha um companheiro, mas nunca o vimos no hospital. Ela também não permanecia com constância com seu bebê, pois vivia "sumindo" do hospital. Seria seu parceiro usuário de drogas como ela? Tudo indica que sim. O que mais marcou nesse caso, além da incompreensão geral que suscitava em quem a atendia, foi a dureza do relato da assistente social que acompanhou a mãe à primeira vara: "Quando ela percebeu que lhe tirariam mais um filho, ela correu muito, tentando fugir com ele nos braços, mas logo foi detida".

Outro caso relacionado a um contexto de recurso à adicção, foi o de uma adolescente linda, muito esperta e cheia de vida que, mesmo não tendo sido atendida individualmente por mim, confidenciou-me, talvez pelo fato de eu ser a psicóloga do grupo de mães da UTI, que queria matar seu marido (um traficante de drogas). Ela tentava terminar o relacionamento e ele a espancava. Ela contou-me assustada, numa mistura de desespero, ódio e riso nervoso, sobre aquela situação de submissão que não tolerava mais. Queria matá-lo, pois ele a agredia de modo recorrente. Quando perguntei por que ela simplesmente não se afastava dele, ela assumiu que, além das ameaças, era comum, após as disputas conjugais, tombarem num frenesi amoroso. Ela era apaixonada por ele, morria de ciúme e medo de perder seu amor. "Sabe, né doutora, às vezes depois da briga, ele pegava no meu pescoço e aí, já viu..."

Em todos esses casos, por mais singulares que fossem, havia a semelhança fenomenológica dada na formação de "casais tóxicos", seja quando ambos eram usuários de drogas, seja quando apenas um era dependente, como bem descreveu Toubiana (2009). A dinâmica vivida pelo casal podia ser sintetizada da seguinte maneira: 1) A relação de objeto era passional e sinônimo de uma necessidade psíquica vital (cf. Aulagnier, 1979); 2) O ciúme no casal era exacerbado e gerador de violência; 3) Os episódios de ódio cediam facilmente às cenas de um amor adesivo; 4) A paixão e adicção se misturavam (cf. Bento, 2007); 5) A relação intersubjetiva tinha uma característica adicta, expressando intensa ambivalência e dependência; 6) Os seus bebês ficavam sozinhos na incubadora ou no berçário (à mercê dos cuidados médicos e, sobretudo, da equipe de enfermagem) durante longos períodos.

Essa dinâmica ambivalente e dependente era de alguma forma transposta, mesmo que atenuadamente, para a relação com a equipe de saúde. As mães queriam atendimento imediato, falavam prolixamente, buscavam nossa presença, se apegavam, mas desapareciam dali, gerando "raiva" e "represálias" da equipe que, por vezes, chegava a atingir inconsciente os bebês, através de certo sadismo escamoteado, mas transparente no cuidar e no falar sobre essas famílias. Tais mães geravam desconfiança e até algum ódio contratransferencial no outro (Winnicott, 2000), inconscientemente disfarçado pelos profissionais com a justificativa rasa dos estereótipos da toxicomania. De um lado, alguns desses bebês que ficavam por longos períodos sozinhos, recebiam alcunhas do tipo: favelado, aborto da natureza, abandonado, esfomeado, enjeitado. Lógico que tentávamos, a todo custo, silenciar essas brincadeirinhas de extremo mau-gosto, mas fugia à nossa alçada controlar o ódio contratransferencial de alguns profissionais, sobretudo da enfermagem...

Foi possível constatar que, inconscientemente, muitas pessoas da equipe queriam ser mães daqueles bebês semi-abandonados e tomavam-nos para si, num cuidado copiosamente dedicado. Já outras enfermeiras faziam um movimento diametralmente oposto, pois demonstravam certa raiva da mãe e, especularmente identificadas, também "abandonavam" o bebê a sua própria sorte. Ora, esses bebês demandavam muito trabalho e também pareciam ser um pouco adictos ao cuidado, pois não paravam de chorar. Alguns médicos chegavam a suspeitar de uma síndrome de abstinência neonatal. Aos olhos de muitos da equipe multidisciplinar, aquelas mães não tinham direito a seus filhos, numa concepção fortemente punitiva e discriminatória. As mães adictas representavam o sinônimo do anti-herói, pois provocavam o retorno do recalcado de toda maternidade. Materializavam o não-desejo por um filho; as ditas gravidezes indesejadas.

As mães, por sua vez, transferiam sua dinâmica tóxica para as mais diferentes figuras da equipe – de médicos a enfermeiros, de fonoaudiólogos a psicólogos, de nutricionistas a assistentes sociais – estabelecendo, ora uma relação de demasiada confiança e dependência, ora de ódio, ameaça e disputa de poder. No entanto, sua real posição era oposta: eram, em parte, alijadas de sua responsabilidade materna, diante da tutela médica (sustentada sobre a desconfiança acerca de sua capacidade de maternar). Lucélia, por exemplo, sempre procurava mostrar-se solicita, grata e submissa para, logo em seguida, desaparecer por mais uma semana, deixando os bebês gêmeos a serem alimentados por sonda.

Lolita, por sua vez, ficava longos períodos na Unidade, oferecia o seio, mas tinha enorme dificuldade em segurar seu bebê, no sentido de fornecer um "holding", conforme definido por Winnicott (1999). Não reclamava de amamentar (algo que muitas mães dedicadas e "normais" não conseguiam fazer), mas, de repente, sumia durante dias... Outra mãe adicta, Melissa, também causou muitos contratempos. Ela se retirava por vários dias da maternidade e sua bebê chorava e gritava sem parar, exasperando a todos. "Estaria o bebê em síndrome de abstinência?!" – perguntavam-se os médicos.  Eles não sabiam como proceder diante do caso, tinham receio de dar alta, pois, afinal, o risco psicossocial ao qual os bebês estavam submetidos era muito grande e iminente. A mãe, quando voltava, exigia a alta antes que a criança pudesse ser devidamente observada e examinada. Também gritava para se fazer presente, transgredindo regras da Unidade. Mais que isso, algo no inconsciente coletivo do hospital denunciava, aquele bebê não podia ter alta antes que a vida daquela família fosse minimamente auferida, investigada. Houve mães que chegaram a ameaçar a equipe de saúde, caso não recebessem logo a alta de seus bebês, apelando para o poder paralelo instituído no tráfico de drogas. Essas mães e pais tentavam burlar a ação de controle disciplinar. Afinal, estavam submetidas a uma espécie de "polícia das famílias", para usar o termo de Donzelot (1980), ao referir-se à constituição das políticas públicas preventivas no cerne da elaboração do estado moderno4.

Todavia, muito além das querelas pontuais com as famílias, o atendimento naquela unidade levava a se repensar na lógica do cuidado hospitalar. As equipes careciam de mais informações, de mais abertura para partilhar mais estudos, enfim, de um verdadeiro trabalho transdisciplinar. Os profissionais certamente se beneficiariam de uma análise, pois a tensão vivida cotidiana com essas famílias requeria um estofo emocional bastante estendido. Um suporte terapêutico aos profissionais, ademais, poderia promover uma melhor relação com as pacientes e suas famílias. Nesses casais tóxicos, quando se consegue ver além dos estereótipos, é possível fazer muita diferença, trabalhando o papel de acolhimento da equipe. Aproveitando a expressão usada pelo filósofo Slavoj Zizek – looking awry –, quando se trata de zelar pelo nascimento de bebês filhos de mães adictas ou de casais tóxicos, é preciso um olhar na contramão das evidências. Um olhar que evite o julgamento tácito e ultrapasse a ambivalências inerentes à percepção da condição trágica tão evidente nessas famílias.

As unidades hospitalares de alto-risco, além de tratarem da saúde, são ambientes de aprendizagem, de troca afetiva e de convivência, para além da cura somática. Nesse sentido, é necessário cuidar da formação, falar sobre a sexualidade, desmistificar a idéia de uma "maternidade ideal", ampliar as vias de pesquisa, mas, sobretudo, abrir o debate diante do que não conseguimos isoladamente responder. Não é possível prever ou definir os rumos da parentalidade em situações subjetivas e sociais tão precárias envolvendo o uso de drogas. Contudo, certamente é possível, estando ao lado desses bebês, dessas mães e desses pais, inspirados por desejo de cuidado não pretensioso, abrir novas vias de elaboração de sentido e de ligação afetiva para essas famílias, de modo que, se não puderem mudar completamente, no mínimo, possam vir a se questionar sobre sua posição no mundo e sua relação com os filhos.

 

Referências

AULAGNIER, P. Violence de l’interprétation. Paris: PUF, 1975.         [ Links ]

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Endereço para correspondência
Rua do Russel, 496/510 - Glória
22210-010 – Rio de Janeiro/RJ
Tel.: (21)9811-7129
E-mail: mariliaetienne@iduff.br

Recebido: 20/03/2011
Aprovado: 08/05/2011

 

 

Sobre a Autora

Marília Etienne Arreguy
Professora Adjunta I – Faculdade de Educação – Universidade Federal Fluminense – UFF. Doutora em Saúde Coletiva IMS-UERJ. Doutora em Pesquisas em Psicanálise e Psicopatologia – Universidade de Paris 7. Mestre em Psicologia Clínica PUC-Rio. Especialista em Tradução de Língua Francesa – UFF. Psicóloga pela UFMG. Associada ao Fórum do Círculo Psicanalítico do Rio de Janeiro. Possui diversos artigos em revistas acadêmicas e textos na internet. Publicou em 2011 o livro Os crimes no triângulo amoroso: violenta emoção e paixão na interface da psicanálise com o direito penal. Curitiba: Juruá.

 

 

1Essa ideia de "falar" com os bebês muito pequenos evoca também o conceito de "porta-voz" (porte-parole), desenvolvido por Piera Aulagnier (1979).
2Projeto financiado pelo CNPq: Um Olhar sobre as Mulheres que se tornam Mães de Crianças em Necessidade de Cuidados Médicos Especiais – 2009-2010. Coordenado por mim, com prestação de serviços de Luciana Lucena Brasil de Oliveira, psicóloga, mestre em Saúde Coletiva pela UERJ, atuando em regime de pesquisa-intervenção em equipe multiprofissional do acompanhamento pediátrico da UTI Neonatal.
3Lacan (1920) fala da mulher não-toda no Seminário Encore, definindo a existência de um gozo "a mais" nas mulheres, um enigma, também remetido ao masoquismo feminino erógeno (Freud, 2004; 1996), para além do fator terno atribuído culturalmente às mães.
4A crítica foucaultiana ao modelo disciplinar junto às famílias em instituições de saúde e educacionais como um conjunto de estratégias ao mesmo tempo controladoras e normatizantes é de suma importância. Porém, por mais críticos que sejamos, a ordem médica atual, com seus programas de incentivo à amamentação e investimentos na saúde materno-filial, no contexto brasileiro atual representa um trabalho necessário que vem sendo desenvolvido em políticas de saúde pública, dado o enorme atraso no IDH brasileiro e a tentativa de diminuir as elevadas taxas de óbitos no parto e de mortalidade infantil.