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Estudos de Psicanálise

versão impressa ISSN 0100-3437

Estud. psicanal.  no.36 Belo Horizonte dez. 2011

 

 

Neurose Obsessiva: Tabu do Contato X Pulsão de Morte

 

Obsessive Neurosis: Contact Taboo X Death Instinct

 

 

Natalia Gonçalves Galucio Sedeu

Fundação Oswaldo Cruz
Círculo Brasileiro de Psicanálise - Seção RJ

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Neste artigo, com base nas idéias de Sigmund Freud, Karl Abraham, Melanie Klein, Maurice Bouvet e André Green sobre a neurose obsessiva, buscaremos compreender a relação entre a pulsão de morte e o tabu de contato, traço característico dessa patologia. Apresentaremos, ainda, um caso clínico que ilustra diversos aspectos relacionados ao tema.

Palavras-chave: Neurose obsessiva, Tabu de contato, Pulsão de morte.


ABSTRACT

This article, based on Sigmund Freud’s, Karl Abraham’s, Melanie Klein’s, Maurice Bouvet’s and André Green’s ideas about obsessive neurosis, seek to understand the conection between death instinct and the contact taboo characteristic of this pathology. It is also presented a clinic case that ilustrates several aspects related to the subject.

Keywords: Obsessive neurosis, Contact taboo, Death instinct.


 

 

O ódio, e não o amor, é a relação emocional primária entre os homens.
STEKEL, CITADO POR FREUD (1913, p.408)

 

Introdução

Em 1920, no livro Além do Princípio de Prazer, Sigmund Freud introduz um novo dualismo na teoria psicanalítica: “pulsão de vida” X “pulsão de morte”. A pulsão de morte tendia à redução completa das tensões, um retorno ao estado anorgânico. Freud aponta, no mesmo livro, a compulsão à repetição como uma forma de provar a existência da pulsão de morte; ele afirma que “a compulsão à repetição também rememora do passado experiências que não incluem possibilidade alguma de prazer” (FREUD, 1920, p.34). Freud postula a hipótese de que, na compulsão à repetição, existe “algo que parece mais primitivo, mais elementar e mais instintual do que o princípio de prazer” (Idem, p.37). Essa compulsão à repetição é um dos traços marcantes da neurose obsessiva, que possui outro traço marcante: o tabu do contato. Neste artigo, buscaremos fazer uma conexão entre o tabu de contato e a pulsão de morte, através da análise das idéias de Freud, Karl Abraham, Melanie Klein, Maurice Bouvet e André Green sobre a neurose obsessiva. Apresentaremos, ainda, um caso clínico que ilustra diversos aspectos relacionados ao tema.

 

As idéias de Sigmund Freud sobre a neurose obsessiva

Freud, no artigo “Sobre os Fundamentos para destacar da Neurastenia uma Síndrome Específica denominada ‘Neurose de Angústia’” (1895), cita, pela primeira vez numa publicação, o termo “neurose obsessiva”; sua primeira alusão ao termo, no entanto, data de 07 de fevereiro de 1894, numa carta a Fliess.

No artigo “As Neuropsicoses de Defesa”, de 1894, o autor já descrevera o que chamou de “representações obsessivas”: afirma que, quando aparece uma representação incompatível, ocorre uma defesa através da separação entre a representação e o afeto; a representação se mantém na consciência, enfraquecida e isolada, enquanto o afeto, “tornado livre, liga-se a outras representações que não são incompatíveis em si mesmas, e graças a essa ‘falsa ligação’, tais representações se transformam em representações obsessivas” (FREUD, 1894, p.58). No mesmo artigo, afirma que “a obsessão representa um substituto ou sucedâneo da representação sexual incompatível, tendo tomado seu lugar na consciência” (Idem, p.59).

No artigo “Observações Adicionais sobre as Neuropsicoses de Defesa”, de 1896, Freud classifica as idéias obsessivas como “auto-acusações transformadas que reemergiram do recalcamento e que sempre se relacionam com algum ato sexual praticado com prazer na infância” (FREUD, 1896, p.160) – o retorno do recalcado. Essas auto-acusações também são recalcadas através do sintoma primário de defesa (auto-desconfiança). Este acaba corroborando as auto-acusações: a auto-desconfiança e a auto-acusação se apóiam mutuamente. Outros sintomas primários de defesa apontados por Freud são a conscienciosidade e a vergonha.

Em 1907, no artigo “Atos Obsessivos e Práticas Religiosas”, Freud afirma que a pessoa que tem uma compulsão sabe que seus atos obsessivos têm um sentido, mas não consegue compreender esse sentido. Para o autor, “o ato obsessivo serve para expressar motivos e idéias inconscientes” (FREUD, 1907, p.126). Nos atos obsessivos existem compulsões e proibições, onde é possível perceber o sentimento inconsciente de culpa. Freud observa que “os atos cerimoniais e obsessivos surgem, em parte, como uma proteção contra a tentação1 e, em parte, como proteção contra o mal esperado” que irá acontecer se a pessoa não fizer esse cerimonial (Idem, p.128). Freud afirma que “essas medidas de proteção logo parecem tornar-se insuficientes contra a tentação, surgindo então as proibições, cuja finalidade é manter à distância as situações que podem originar tentações” (Idem, p.128). Para o autor, essas proibições acabarão por substituir os atos obsessivos.

No mesmo artigo, Freud descreve o deslocamento, mecanismo de defesa pelo qual ocorre uma “substituição do elemento real e importante por um trivial” (Idem, p.129). Segundo o autor, esse mecanismo de defesa “domina os processos mentais da neurose obsessiva” (Idem, p.129).

Em 1908, no artigo “Caráter e Erotismo Anal”, Freud relaciona três traços de caráter – ordem, parcimônia e obstinação – às pessoas que classifica como “anal-eróticas”, com um erotismo anal fortemente estabelecido. Observa-se, aqui, a identificação de traços de caráter que serão, posteriormente, associados à neurose obsessiva.

Em 1909, Freud publica o artigo “Notas sobre um Caso de Neurose Obsessiva”, onde descreve o tratamento do paciente que ficaria conhecido como “Homem dos Ratos”. O autor explica que as estruturas obsessivas “podem ser classificadas como desejos, tentações, impulsos, reflexões, dúvidas, ordens ou proibições” (FREUD, 1909, p.223). Segundo Freud, a repressão se dá através da ruptura das conexões causais por uma retirada da representação afetiva. Descreve, ainda, que o neurótico obsessivo sente necessidade de incerteza ou de dúvida; afirma que “a criação da incerteza é um dos métodos utilizados pela neurose a fim de atrair o paciente para fora da realidade e isolá-lo do mundo” (Idem, p.233). Outras características comuns do neurótico obsessivo, citadas pelo autor, são: a onipotência do pensamento, do sentimento e dos desejos (tanto bons quanto maus); e o conflito na relação de amor e ódio. Nesse conflito, amor e ódio existem juntos, com forte grau de intensidade, dirigidos à mesma pessoa – o ódio, contudo, fica reprimido no inconsciente, ali permanecendo e podendo aparecer como sadismo. Para Freud, em um período bem precoce do desenvolvimento do indivíduo, amor e ódio estavam ligados; depois, os opostos se separaram e o ódio foi reprimido. Para manter o ódio reprimido, o amor se torna de grande intensidade, como uma reação na tentativa de conter o ódio reprimido. Esse amor intenso e esse ódio (também intenso) reprimido conduzem a pessoa a “uma paralisia parcial da vontade e uma incapacidade de se chegar a uma decisão a respeito de qualquer uma das ações para as quais o amor deve suprir a força motivadora” (Idem, p.242). Essa paralisia vai-se alastrando para todo e qualquer comportamento da pessoa.

Freud ressalta o papel da compulsão e da dúvida no neurótico obsessivo. Afirma que “a dúvida corresponde à percepção interna que tem o paciente de sua própria indecisão, a qual em conseqüência da inibição de seu amor através de seu ódio, dele se apossa diante de qualquer ação intencionada” (Idem, p.242). A dúvida conduz à repetição das medidas protetoras, com a finalidade de expulsar a incerteza. A compulsão surge como uma forma de compensar a dúvida, tentando corrigir as “intoleráveis condições de inibição das quais a dúvida apresenta testemunho” (Idem, p.244). Outras duas características descritas pelo autor para o neurótico obsessivo são a substituição do agir pelo pensar e o pensamento sexualizado. Para Freud, o pensamento obsessivo representa um ato de forma regressiva.

Em 1913, Freud escreve o artigo “A Disposição à Neurose Obsessiva: uma Contribuição ao Problema da Escolha da Neurose”, no qual descreve a regressão de parte das funções psíquicas a um estádio anterior do desenvolvimento do indivíduo – o chamado “ponto de fixação”. O autor usa, pela primeira vez, a expressão “organização pré-genital”, identificando como seus impulsos componentes o anal-erótico e o sádico. Ao descrever um caso, explica que a compulsão por lavagem e limpeza do seu paciente era “uma formação reativa contra seus próprios impulsos anal-eróticos e sádicos” (FREUD, 1913, p.403).

Freud ressalta a importância dos impulsos de ódio e do erotismo anal na formação dos sintomas da neurose obsessiva. Para ele, o que disporia a pessoa a apresentar neurose obsessiva seria uma regressão a um estádio pré-genital, sádico e anal-erótico. Freud afirma que “os neuróticos obsessivos têm de desenvolver uma supermoralidade a fim de proteger seu amor objetal da hostilidade que espreita por trás dele”, sendo a origem dessa moralidade derivada “do fato de que, na ordem de desenvolvimento, o ódio é o precursor do amor” (Idem, p.408).

No livro “Totem e Tabu”, publicado em 1913, Freud estabelece pontos de concordância entre as proibições dos neuróticos obsessivos e os tabus dos povos primitivos. Para Freud, “o tabu é uma proibição primeva forçosamente imposta (por alguma autoridade) de fora, e dirigida contra os anseios a que estão sujeitos os seres humanos” (FREUD, 1913, p.55). O tabu é composto por proibições e restrições relacionadas ao que é “sagrado”, “impuro”, “perigoso” e/ou “misterioso”, algo não explicado. Assim, um dos pontos de concordância com a neurose obsessiva é que, tanto as proibições obsessivas, quanto os tabus, são (aparentemente) destituídos de motivo. Na fonte das proibições (tanto no neurótico obsessivo, quanto nos tabus dos povos primitivos) está uma hostilidade inconsciente, um impulso hostil contra alguém (possivelmente, um ser amado), que aparece como uma satisfação pela morte desse alguém.

Para Freud, a sensação de culpa do neurótico obsessivo “tem uma justificativa: está fundada nos intensos e freqüentes desejos de morte contra os seus semelhantes que [se] estão inconscientemente em ação dentro dele” (Idem, p.109/110). Esses impulsos hostis reprimidos pela proibição se relacionam a qualquer ato que possa, por deslocamento, representar um ato hostil. A possibilidade de realização desse ato hostil conduz a um medo de uma ameaça de morte contra o outro; assim, o desejo dá lugar ao medo.

Segundo Freud, o neurótico obsessivo apresenta, em sua forma de existir no mundo, traços de ambivalência – outro ponto de concordância com o tabu. Freud afirma que os sintomas, os atos obsessivos e as medidas defensivas são derivados de impulsos ambivalentes. Na ambivalência, existe um sentimento intenso de afeição e uma intensa hostilidade inconsciente. Essa afeição excessiva, que busca reprimir a hostilidade inconsciente, apresenta-se no neurótico obsessivo como uma solicitude que se repete compulsivamente.

O autor declara que a principal proibição na neurose obsessiva é a de tocar (“fobia de contato”). Essa proibição de tocar vai além do mero contato físico, abrange a expressão “estar em contato com”. Freud afirma que “qualquer coisa que dirija o pensamento para o objeto proibido, qualquer coisa que o coloque em contato intelectual com ele, é tão proibida quanto o contato físico direto”; complementa que “essa mesma extensão também ocorre no caso do tabu” (Idem, p.47). A proibição é consciente, já o desejo oculto (de fazer o que é proibido) é inconsciente.

Freud relaciona o tabu com essa “fobia de contato”: no neurótico, a proibição se reveste de um caráter sexual; no tabu “o contato proibido obviamente não deve ser entendido num sentido exclusivamente sexual, mas sim no sentido mais geral de atacar, de obter o controle, de afirmar-se” (Idem, p.95). Ao longo do texto, Freud termina por concluir que os obsessivos acabam se impondo um tabu – o tabu do contato. Os neuróticos obsessivos gostariam de violar esse tabu, mas sentem medo de fazê-lo; violar o tabu significaria “entrar em contato”.

No livro “Inibições, Sintomas e Ansiedade”, publicado em 1926, Freud divide os sintomas da neurose obsessiva em 2 grupos: um grupo mais defensivo, “negativo dos sintomas”, composto por proibições, precauções e expiações; e outro grupo composto por satisfações substitutivas. Explica que:

A organização genital da libido vem a ser débil e insuficientemente resistente, de modo que, quando o ego começa seus esforços defensivos, a primeira coisa que ele consegue fazer é lançar de volta a organização genital (da fase fálica), no todo ou em parte, ao nível anal-sádico mais antigo. (FREUD, 1926, p.136)

Freud chamou a isso de “regressão”, classificando-a (e à formação reativa) entre os “mecanismos de defesa”. Segundo ele, os neuróticos obsessivos têm um superego excessivamente severo e rude; o ego, que é forçado a se submeter ao superego, apresenta fortes formações reativas como consciência, piedade e asseio. Para Freud, o impulso agressivo está inconsciente para o ego, que só o percebe como “um ‘pensamento’ que não desperta qualquer sentimento” (Idem, p.140). O afeto surge em lugar diferente e separado do pensamento. Segundo Freud, o superego não percebe que ocorreu a repressão, não percebe que a idéia e o afeto foram separados, acreditando estar em contato com “a verdadeira enunciação e o pleno caráter afetivo do impulso agressivo, e trata o ego em conformidade com isso”; já o ego “que, por um lado, sabe ser inocente, é obrigado, por outro lado, a ficar cônscio de um sentimento de culpa e a arcar com uma responsabilidade pela qual não pode responder” (Idem, p.140).

Freud descreve dois mecanismos de defesa que podem substituir a repressão: a anulação retroativa (desfazer o que foi feito) e o isolamento. Para o neurótico obsessivo, a repressão não consegue alcançar a sua função de mecanismo de defesa, pois o que ocorre é uma busca de satisfação através dos sintomas. Na anulação retroativa, duas ações ocorrem, sendo que a segunda ação cancela a primeira, tentando, de forma mágica, desfazê-la. No isolamento (característico da neurose obsessiva, segundo Freud),

a experiência não é esquecida, mas em vez disso, é destituída de seu afeto, e suas conexões associativas são suprimidas ou interrompidas, de modo que permanece como isolada, não sendo reproduzida nos processos comuns do pensamento. (Idem, p.144)

Para Freud, o neurótico obsessivo apresenta um conflito entre o superego e o id, razão pela qual o ego busca afastar a inclusão de fantasias inconscientes e a manifestação de tendências ambivalentes. Quando o obsessivo usa o isolamento (através dos atos mágicos, que se desenvolvem na forma de sintomas), o que ele está buscando é impedir que ocorram associações e ligações do pensamento, seguindo uma regra fundamental da neurose obsessiva: o tabu do contato. O papel desse tabu é o de evitar o contato com o objeto, seja do investimento amoroso, seja do investimento agressivo. Segundo Freud, “o toque e o contato físico são a finalidade imediata das catexias objetais agressivas e amorosas”. Assim, enquanto Eros deseja o contato para “tornar o ego e o objeto amado um só”, a destrutividade (Tanatos) também “deve pressupor contato físico, um engalfinhamento” (Idem, p.145). O autor conclui que “a neurose obsessiva começa por perseguir o toque erótico e depois, após ter se verificado a regressão, passa a perseguir o toque erótico à guisa de agressividade”; por isso, o obsessivo utiliza o isolamento como forma de defesa, pois “isolar é remover a possibilidade de contato; é um método de evitar que uma coisa seja tocada de qualquer maneira” (Idem, p.145). Ao isolar uma determinada impressão, o neurótico obsessivo está isolando os pensamentos referentes a essa impressão dos demais pensamentos, impedindo que entre eles se faça um contato associativo.

Ainda no mesmo texto, nos Adendos, Freud escreve sobre repressão e defesa, explicando que, na neurose obsessiva, “as ocorrências patológicas não são esquecidas”; elas “permanecem conscientes, mas são ‘isoladas’” (Idem, p.188). Ele reintroduz o conceito de defesa, abarcando todos os processos cujo objetivo é a proteção do ego contra as exigências pulsionais. Considera a repressão como um desses processos e a relaciona a uma doença específica: a histeria (como vimos anteriormente, para Freud a repressão falha como mecanismo de defesa para o neurótico obsessivo).

 

Karl Abraham: melancolia e neurose obsessiva

Karl Abraham escreveu alguns trabalhos sobre psicose maníaco-depressiva, nos quais afirma que os casos de melancolia apresentam sintomas obsessivos e que os neuróticos obsessivos podem apresentar depressão.

Tanto em seu artigo “Notas sobre a Investigação e o Tratamento Psicanalíticos da Psicose Maníaco-Depressiva e Estados Afins”, de 1911, quanto no artigo “O Primeiro Estágio Pré-Genital da Libido”, de 1916, o autor afirma que a melancolia e a neurose obsessiva têm como características a ambivalência de sentimentos e o predomínio do sadismo em sua vida afetiva. No primeiro artigo, Abraham explica que, na neurose obsessiva, o amor e o ódio existem mutuamente e interferem um no outro. O obsessivo tem uma atitude hostil que enfraquece a capacidade de amar, que é “privada de energia pela depressão de seu ódio, ou, para ser mais preciso, pela depressão do componente sádico de sua libido, originalmente excessivamente forte” (ABRAHAM, 1911, p.34). No mesmo artigo, Abraham declara que “os impulsos são também reprimidos no neurótico obsessivo; uma vez que não pode atuar em conformidade com os seus instintos originais, ele inconscientemente se entrega a fantasias de ser capaz de matar através de pensamentos” (Idem, p.41). O neurótico obsessivo sente a ameaça de perder seu objeto mas, apesar de suas atitudes hostis para com o objeto, ele o mantém, já o melancólico o abandona. No artigo de 1916, Abraham explica que “em contraste com os desejos sádicos do neurótico obsessivo, o desejo inconsciente do melancólico é destruir seu objeto amoroso, comendo-o” (ABRAHAM, 1916, p.78).

No artigo “Breve Estudo do Desenvolvimento da Libido, Visto à Luz das Perturbações Mentais”, de 1924, Abraham divide a fase anal em duas: uma primeira fase anal expulsiva e uma fase anal retentiva posterior. Na fase anal expulsiva, o sadismo aparece sob a forma de destruição do objeto, buscando expelir esse objeto. Na fase anal retentiva, o sadismo surge como um controle do objeto, buscando retê-lo, conservá-lo. No nível mais antigo (fase anal expulsiva), faz-se um rompimento no estabelecimento de relações com objetos. O neurótico obsessivo regride para o nível posterior da fase anal (com tendências conservadoras), onde é possível estabelecer uma forma de contato com o objeto. Abraham afirma que se pode detectar na compulsão à ordem e à limpeza “a cooperação de instintos sádicos sublimados”; por outro lado, “a ordem compulsiva é ao mesmo tempo uma expressão do desejo de dominação do paciente”, onde ele “exerce poder sobre as coisas” e “as força dentro de um sistema rígido e formal” (ABRAHAM, 1924, p.92). Assim, os neuróticos obsessivos almejam possuir o objeto, controlá-lo e não expulsá-lo.

Abraham, nos artigos “Contribuição à Teoria do Caráter Anal”, de 1921, e “A Influência do Erotismo Oral na Formação do Caráter”, de 1924, afirma que as pessoas de caráter anal apresentam as seguintes características (que se aplicam aos neuróticos obsessivos): rabugice; distância, reserva; comportamento conservador que se opõe às mudanças; perseverança, persistência; procrastinação, hesitação; teimosia; meticulosidade; as relações de vida se dão na categoria de ter e dar – posse; em relação ao dinheiro, sua atitude ora é de parcimônia, ora é de avareza; sente prazer em possuir uma massa de material armazenado que corresponde ao prazer na retenção das fezes, em fazer índices e classificações e em compilar relações e resumos estatísticos.

 

Melanie Klein: a angústia psicótica infantil

Melanie Klein, em seu livro “Psicanálise da Criança”, publicado em 1932, descreve que “a neurose obsessiva é apenas um dos métodos de cura tentado pelo ego a fim de superar esta precoce angústia psicótica infantil” (KLEIN, 1932, p.218, nota 30). Essa primeira situação de angústia decorre dos estados precoces de desenvolvimento da criança, onde o sadismo está fortemente presente (Klein chama esse período de “a fase do sadismo máximo”) e o superego é severo e aterrorizante. Essas situações surgem por volta da metade do primeiro ano de vida e consistem de “medos a objetos violentos (isto é, devoradores, dilaceradores, castradores), tanto externos como introjetados” (Idem, p.212). Durante essa fase de sadismo, a criança imagina ter feito ataques ao corpo da mãe; isso causa na criança um sentimento de culpa e o medo de ser destruído e atacado por objetos externos e introjetados. Na neurose obsessiva, o superego que se faz presente é o superego aterrorizante desse estado precoce de desenvolvimento; por isso, o superego do obsessivo é tão rigoroso.

A autora associa a angústia psicótica infantil provocada por essas situações de perigo ao começo das obsessões e da neurose obsessiva. Aponta o estádio anal-secundário como o ponto de partida para a neurose obsessiva e situa entre os dois períodos do estádio anal a linha de demarcação entre a psicose e a neurose. Klein afirma que o neurótico obsessivo tem “medo de ser destruído ou atacado por seus objetos introjetados”, o que o faz ter “a necessidade compulsiva de controlar e dominar suas imagos, e como nunca pode, efetivamente, fazê-lo, procura, ao invés disso exercer sua tirania sobre os objetos-externos” (Idem, p.224).

Melanie Klein menciona, na mesma obra, um trecho do livro “Totem e Tabu” de Freud, e afirma que “os atos obsessivos são uma contramagia, um escudo contra desejos maus (isto é, desejos de morte), e ao mesmo tempo, atos sexuais” (Idem, p.229). Para embasar sua argumentação sobre esses “desejos maus-desejos de morte”, a autora cita outro trecho do mesmo artigo de Freud, onde ele diz que o sentimento de culpa está fundamentado nos desejos inconscientes de morte contra seus semelhantes. Klein declara que a culpabilidade relaciona-se aos impulsos destrutivos e não aos libidinais e incestuosos.

 

Maurice Bouvet: a “relação à distância”

Em seu artigo “O Ego na Neurose Obsessiva: Relação de Objeto e Mecanismos de Defesa”, de 1952, Maurice Bouvet descreve que a relação de objeto obsessiva é composta por relações de destruição e relações libidinais que se estabelecem através de condutas agressivas. O autor caracteriza essa relação de objeto como narcisista e ambivalente, afirmando que “o sujeito se interessa pelo objeto apenas em função do acréscimo do sentimento de si que sua posse lhe proporciona, em função do papel imediato que representa ante a ele e da necessidade inextinguível de possuí-lo” (BOUVET, 1952, p.77). O sujeito não leva em consideração os desejos e as necessidades do outro, estando o par amor-ódio no cerne desse tipo de relação.

Bouvet concorda com Melanie Klein, apontando a técnica obsessiva “como uma última tentativa para manter relações com a realidade” e afirmando que, por ter uma significação destruidora e também uma parcela de relação de objeto libidinal, “a relação obsessiva protege o sujeito contra a psicose” (Idem, p.83). Nessa relação de objeto obsessiva, o sujeito projeta no objeto um desejo agressivo, que pertence ao sujeito. O objeto é percebido pelo sujeito como um personagem perigoso, destruidor, onipotente, devorador, cruel, com um desejo de poder sem limites – essas mesmas características também são percebidas em si mesmo. O autor acredita que o obsessivo busca encontrar esse personagem mas, ao mesmo tempo, se esquiva dele, pois, sendo esse objeto o lugar de projeção de seu desejo agressivo, o sujeito teme ser “vítima da retaliação de tal desejo contra ele” (Idem, p.85).

A relação obsessiva oferece um caminho para o problema de, por um lado, ter o desejo, a necessidade de estabelecer uma relação e, por outro lado, sentir o temor pela sua intimidade ao se estabelecer a relação. Esse caminho é, segundo Bouvet, uma “relação à distância”, pois essa intimidade é tão perigosa para o sujeito como para o objeto: para o sujeito, porque pode provocar sua própria destruição; para o objeto, porque, “nesse momento em que o componente erótico da relação se transforma como consequência do estado de frustração permanente, em uma pulsão agressiva, o sujeito sente seu desejo pelo objeto como essencialmente destruidor” (Idem, p.87).

Bouvet ressalta o papel da agressividade na neurose obsessiva, pois ela dificulta que o sujeito estabeleça uma relação com o objeto. Essa dificuldade surge através da agressividade do próprio sujeito e, também, através das “qualidades agressivas que confere, por causa da projeção inconsciente de sua própria agressividade, ao objeto de seu desejo” (Idem, p.93). O autor afirma que o obsessivo vive uma angústia que está vinculada a um “medo de destruição retaliativa dos desejos de aproximação vividos como agressivos, tais como a regressão os conformou” (Idem, p.95). O verdadeiro perigo contra qual lutam os obsessivos é o perigo da agressividade “ligada ao desejo de aproximação” (Idem, p.101). Nessa agressividade, os neuróticos obsessivos expressam tanto amor como ódio; utilizando-se do mecanismo da projeção, “vivem o outro como eles são”; embora necessitem muito do outro, “têm medo desse outro” (Idem, p.122).

 

André Green: investimento destrutivo e separação

No artigo “Metapsicologia da Neurose Obsessiva”, de 1965, André Green diferencia investimento agressivo de investimento destrutivo. O investimento agressivo, “muito estreitamente ligado ao investimento erótico, manifesta-se na descarga do gozo, por um contato estreito com o objeto” (GREEN, 1965, p.222). No investimento destrutivo (também chamado pelo autor de “investimento pela pulsão de destruição”), embora a agressividade se dirija para o objeto imaginário, como no investimento agressivo, “o sujeito evita a todo custo a produção de tal circunstância e o empenho, de sua parte, de todas as possibilidades de luta” (Idem, p.222). Green afirma que esse investimento destrutivo é característico, tanto da neurose obsessiva, como da melancolia. Assim, o obsessivo “age segundo a função da pulsão de destruição no sentido da separação, disso que se opõe à união, ao entrar em contato com o objeto fantasmático ou com suas representações”; a orientação dos contra-investimentos teria por objetivo “evitar o encontro nos pensamentos de representações de palavras, de coisas e de afetos relativos ao desejo e ao seu objeto” (Idem, p.222). Segundo o autor, esse é um trabalho permanente de controle, supervisão e filtragem de tudo aquilo que é percebido e pensado pelo sujeito.

 

Caso clínico

H., de 28 anos, morava com seu pai, sua mãe e seus dois irmãos mais velhos. Seu pai era agressivo com sua mãe e gostava muito de beber. Quando ele chegava em casa à noite, bêbado, H. ficava sempre atento, ansioso por temer que seu pai agredisse sua mãe. Por temer essa agressão, H. acabou se fechando para o contato com o mundo externo. Ele é hoje uma pessoa muito reservada, que gosta de estar só e teme a intimidade pois, para ele, na intimidade pode acontecer uma invasão. H. afirma que tem medo de contato devido à agressão relacionada a esse contato, ele tem medo da agressão. Não gosta de multidão. Sente-se triste por estar só, mas gosta de ser assim.

Esse paciente ilustra bem a questão do tabu do contato como uma forma de evitar a pulsão de morte: evitar o contato é uma forma de evitar a angústia que é gerada por esse contato. A partir do material que foi fornecido por ele, podemos montar o seguinte esquema: interação --> intimidade --> invasão --> agressão por parte do outro --> ansiedade por medo dessa agressão --> medo do contato, principalmente da agressão que pode vir desse contato.

H. afirma que, para entrar em relação com alguém, é necessária uma certa distância. H. tem amigos, mas ninguém o conhece profundamente. Gosta de ter amigos, mas não gosta que eles conheçam sua casa, sua vida particular. Ele sente a necessidade de ter amigos, mas a uma certa distância. Sua fala entra em acordo com as idéias de Maurice Bouvet sobre a “relação à distância”, na qual o individuo tem a necessidade de estabelecer relações e, ao mesmo tempo, sente temor pela intimidade. A agressividade demonstrada por H. ao se relacionar com os outros dificulta que ele estabeleça uma relação com o objeto. Bouvet afirma que essa agressividade, na verdade, é a agressividade do próprio sujeito, que é projetada no objeto de sua relação.

H. não consegue gritar, fala bem baixo, aceita tudo sem reclamar de nada, coloca-se nas relações de forma passiva e, por isso, não consegue mudar algumas situações que o incomodam, passando a se sentir inferior. Sua agressividade não aparece diretamente em suas conversas; no curso da análise, surgiu apenas quando afirmou que gostaria que sua mãe morresse e o seu irmão sumisse para assim poder melhorar sua vida. Nesse momento, pela primeira vez, expressou o desejo da morte de sua mãe – foi sua primeira expressão da pulsão de morte.

H. afirma que todas as pessoas que ele conhece avançam na vida, só ele que não avança; por isso, julga-se inferior. Todo mundo é sociável, só ele não é. Segundo Melanie Klein, os impulsos destrutivos (como o desejo de morte da mãe, sentido por H.) provocam no sujeito o surgimento do sentimento de culpa. No caso de H., essa culpa o faz sentir-se inferior aos outros. Os impulsos destrutivos não são colocados para fora, nos objetos[,] e, então, o sujeito não agride aos outros, agride a si mesmo, desvalorizando-se através de auto-acusações, através do sentimento de menos valia.

H. quer mostrar aos outros que é feliz, sorrindo enquanto tenta esconder sua tristeza, sua raiva. Entrando em contato com os outros, vai acabar mostrando tanto sua tristeza como sua raiva e isso ele não quer.

 

Observações finais

Este artigo buscou fazer uma conexão entre o tabu de contato e a pulsão de morte. Descrevemos o percurso das idéias de Sigmund Freud sobre a neurose obsessiva, desde o artigo de 1894, o primeiro em que trata do tema, até o livro publicado em 1926.

Podemos traçar uma divisão das fases de Freud:

- 1894-1905: experiência sexual prazerosa ativa e retorno do recalcado;

- 1905-1913: erotismo e sadismo anal;

- 1913 em diante: enfatiza o superego, tornado mais cruel e severo pelo sadismo e pelo erotismo anal.

A grande questão do neurótico obsessivo é a de como lidar com a agressão, sua dificuldade é de vivenciar uma relação onde ele mesmo é o agressor. Podemos, nesse momento, falar de pulsão de morte, a qual, por ter se desfusionado, dificulta o contato e o interagir com o outro. O tabu de contato do obsessivo é, na verdade, o tabu de entrar em contato com os seus próprios impulsos agressivos. Esses impulsos surgem na forma de autodestruição ou na forma de destruição do outro. O obsessivo evita, ao mesmo tempo, o contato com impulsos amorosos (pulsão de vida) e com impulsos agressivos (pulsão de morte) pois, através do contato com os investimentos amorosos, podem surgir os investimentos agressivos. Cria-se um sistema de proibições, no qual aparece o tabu de contato.

O neurótico obsessivo usa o mecanismo de defesa do isolamento, onde há uma separação entre a representação ideativa e a representação afetiva da pulsão, produzindo uma dissociação entre o discurso e o afeto. As conexões associativas entre idéia e afeto são suprimidas ou interrompidas, de modo que idéia e afeto permanecem isolados um do outro, sua ligação se mantendo inconsciente. Isolar é uma forma de evitar o contato. O ego do obsessivo tenta manter afastadas as fantasias inconscientes e as tendências ambivalentes. Se o obsessivo tentasse refazer as conexões associativas entre idéia e afeto, entraria em contato com o que não quer ver – seus impulsos agressivos, sua pulsão de morte. Então, ele suprime essas conexões e, através da formação reativa, torna-se o “mais limpo” ou o “mais ordeiro”, buscando o desejo impossível de perfeição.

Para Freud, o obsessivo apresenta três características: parcimônia, ordem e obstinação. Quando a pessoa declara “eu sou o mais limpo”, está buscando uma satisfação narcísica, uma forma de evitar o contato com o pensamento de ser uma pessoa suja e bagunceira, evitar o contato com sua pulsão de morte, pois a agressividade que sente gera uma angústia que pode tirá-lo da realidade. Esse discurso é marcado pela ambivalência: “eu sou o mais limpo” quer dizer, na verdade, “eu sou o mais sujo”; ou então, “eu o amo” significa “eu o odeio”.

O neurótico obsessivo sente amor e ódio; é por isso que a dúvida é um traço do obsessivo, é a dúvida do seu próprio amor. O amor fica inibido pelo ódio, fazendo-o duvidar do seu amor. Existem, concomitantemente, um amor intenso e um ódio também intenso; este último fica reprimido no inconsciente, desenvolvendo, também de modo intenso, componentes sádicos que persistem no inconsciente sob a forma de ódio. Esse amor e esse ódio intenso, inconsciente e reprimido provocam uma paralisia parcial da vontade e uma falta de capacidade de se tomar uma decisão sobre quaisquer ações, seja das ações relacionadas ao amor, seja das relacionadas ao ódio. Devido a essa dúvida sobre o amor, o obsessivo tem dificuldade em relação ao toque, vivenciando uma relação à distância. Ao travar contato com o objeto, acredita realmente que, através da onipotência do seu pensamento, pode destruí-lo. Inconscientemente, cria uma fantasia de ser capaz de matar com o poder do pensamento. O pensamento, para o obsessivo, substitui o agir. Ele pensa em se relacionar, mas não o faz; não age, porque qualquer ação pode provocar o que ele mais teme e mais deseja: o contato.

No caso clínico descrito anteriormente, H. gosta de estar só, mas gostaria de ser lembrado pelos amigos, ou seja, quer a companhia de seus amigos. Quer contato, mas teme esse contato, estabelecendo uma relação à distância. O que o faz temer esse contato é a agressão que está relacionada ao contato. Tem medo da agressão que ele julga que viria do outro, mas o que realmente teme é sua própria agressividade. Outro aspecto do contato que H. teme é a intimidade e a invasão que provém dessa intimidade. De novo, surge a questão da agressividade: essa invasão é um receio de que ele seja tomado pelo que é do outro, receio de que o outro, ao entrar em contato com ele, o agrida. Podemos dizer que H. apresenta o tabu de contato tal como descrito neste artigo, como uma forma de evitar a pulsão de morte que, para ele, está presente em qualquer forma de relação.

H. comenta que pensa em se matar, sente-se deprimido, por vezes de forma cíclica e por períodos. Quando está deprimido, quer ficar só, sem ver ninguém. Não procura os amigos e, quando é procurado por eles, não aceita o convite por diversas vezes, até chegar o ponto em que os amigos desistem de chamá-lo. Tudo para ele dá trabalho – está cansado. O comportamento de H. pode exemplificar a afirmação de Karl Abraham de que os melancólicos apresentam sintomas obsessivos e os obsessivos apresentam depressão. Abraham também afirma que a ambivalência é pertinente tanto à neurose obsessiva quanto à melancolia. H. gosta e cuida da mãe mas, por vezes, pensa que sua mãe podia morrer para ele poder cuidar de sua própria vida. Outra característica do obsessivo é o sadismo, que pode aparecer através do pensamento de matar alguém. H. pensa em matar a mãe, mas não age para fazê-lo.

Abraham afirma que os obsessivos regridem para o nível posterior da fase anal, de tendências conservadoras, onde buscam possuir e controlar o objeto. H. sabe que sua mãe poderia viver sem ele, mas viveria mal, porque ele se colocou no lugar da pessoa que toma conta do dinheiro dela, da sua casa, no lugar da pessoa responsável por ela. Ela, de certa forma, precisa dele; isso lhe permite controlar a vida de sua mãe. Abraham declara que os obsessivos conseguem estabelecer uma forma de contato com o objeto – H., por vezes, consegue estabelecer esse contato.

Melanie Klein situa entre os dois períodos do estádio anal a linha de demarcação entre a psicose e a neurose. Isso também já fora dito por Abraham, quando afirmou que, no período mais antigo da fase anal, faz-se um rompimento no estabelecimento da relação de objeto e, no período posterior, é possível estabelecer um contato com o objeto. Klein declara que, durante a fase máxima do sadismo, a criança imagina ter feito ataques ao corpo da mãe, o que lhe causa medo de ser atacada e destruída por objetos internos e externos, como se estes estivessem retaliando os ataques que sofreram. Isso provoca na criança uma vivência de situação de perigo e uma angústia que a autora chamou de “psicótica”. Klein afirma, categoricamente, que o obsessivo tem medo de ser destruído ou atacado por seus objetos introjetados. É o que acontece com H., que tem medo de ser atacado ou destruído quando entra em relação com o outro. Ainda segundo Klein, o obsessivo sente uma necessidade de controlar suas imagos; não conseguindo, resolve dominar os objetos externos. H. tem dificuldade em se controlar e passa a exercer o controle sobre a família, que depende de H. para tudo. Ele está cansado por causa disso; mas, no fundo, gosta muito de estar no controle.

Maurice Bouvet destaca o papel da agressividade na neurose obsessiva e confirma o que já fora dito por Melanie Klein: que o obsessivo vive uma angústia relacionada a um medo de destruição retaliativa dos desejos de aproximação, vividos como agressivos. Segundo esse autor, o obsessivo sente o perigo da agressividade ligada ao desejo de aproximação. O obsessivo teme o contato porque, quando tenta a aproximação, pode demonstrar agressividade ao sentir nessa relação um estado de frustração permanente. O que era componente erótico torna-se pulsão agressiva. Ao entrar em relação, em contato com o outro, e se sentir frustrado, portanto, agressivo, teme que o outro resolva retaliar o suposto ataque sofrido. Por isso, não tenta mais entrar em contato, criando um tabu de contato para não mais sentir a agressividade que é parte inerente de qualquer relação. O obsessivo, ao temer a agressividade do outro, está temendo a própria agressividade.

Para André Green, a pulsão de destruição quer evitar que o sujeito encontre o objeto, enquanto o investimento agressivo, vinculado ao investimento erótico, quer encontrar o objeto. Para conseguir fazer a separação entre o sujeito e seu objeto de desejo, exige-se um controle do que é percebido e pensado pelo sujeito. Qualquer forma de contato, do mais superficial ao mais profundo, passa pelo crivo do controle. Isso é exatamente o que faz o obsessivo: procura ter controle sobre o que pensa, fala e, principalmente, sente; não permite espaço para o imprevisto, o inesperado. Se o obsessivo usa o controle como uma forma de filtrar, é para evitar que, no acontecimento de uma situação inesperada, surja um afeto – seja de amor, seja de ódio – com o qual ele tenha que lidar, não estando preparado para isso. O neurótico obsessivo tenta controlar as situações, na busca de evitar o contato com o amor ou com o ódio.

 

Conclusão

Verificamos, portanto, que os diversos autores citados fazem uma conexão entre o tabu de contato e a pulsão de morte. Green afirma que, tanto na neurose obsessiva como na melancolia, aparece um investimento pela pulsão de destruição. Bouvet define a relação de objeto obsessiva como composta por relações de destruição e relações libidinais, que se estabelecem através de condutas agressivas. Klein afirma que o obsessivo tem “desejos maus”, desejos de morte, que provocam sentimento de culpa. Abraham fala de uma atitude hostil que enfraquece a capacidade de amar. Freud, em 1913, já falava de uma ambivalência, de um amor intenso, de um ódio intenso, inconsciente e reprimido e de uma hostilidade inconsciente; em 1926, quando já tinha escrito sobre a pulsão de vida e a pulsão de morte, afirma que, no obsessivo, o impulso agressivo está inconsciente para o ego, que só o percebe como pensamento, não despertando qualquer sentimento, porque, devido ao isolamento, a idéia se separou do afeto. A fim de evitar que essa conexão associativa fosse refeita, surge o tabu de contato, que evita o contato do objeto com os investimentos amorosos (pulsão de vida) e os agressivos (pulsão de morte).

 

Referências

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Endereço para correspondência
Praia do Flamengo, 194/1002 – Flamengo
22210-030 – Rio de Janeiro/RJ
Tel.: (21)2225-6701
E-mail: sedeu@yahoo.com

Recebido: 01/08/2011
Aprovado: 12/09/2011

 

 

Sobre a Autora

Natalia Gonçalves Galucio Sedeu
Psicóloga. Psicanalista. Especialista em Psicoterapia Infanto-Juvenil pelo IFF/FIOCRUZ. Membro Efetivo do Círculo Brasileiro de Psicanálise – Seção RJ (CBP-RJ).

 

 

1 Por 'tentação', o autor se refere à influência do instinto reprimido que tenta romper a repressão.