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Estudos de Psicanálise

versão impressa ISSN 0100-3437

Estud. psicanal.  no.37 Belo Horizonte jul. 2012

 

 

Afeto e cognição: uma leitura psicanalítica

 

Affection and cognition: A psychoanalytic reading

 

 

Maria Beatriz Jacques RamosI; Noeli Reck MaggiI, II

I Círculo Psicanalítico do Rio Grande do Sul
II Centro Universitário Ritter dos Reis

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este texto propõe uma reflexão sobre os elementos da subjetividade humana implicados nos processos de identificação e aprendizagem. Aborda o desenvolvimento emocional e intelectual nas perspectivas psicanalítica e psicogenética. Nesse sentido, aprender representa uma renúncia do sujeito à sua condição de desconhecimento e uma aventura no enfrentamento de desafios que o crescimento pessoal requer.

Palavras-chave: Aprendizagem, Desejo, Subjetividade.


ABSTRACT

This paper proposes a reflection on the elements of human subjectivity involved in identifying and learning processes. It approaches the emotional and intellectual development in psychoanalytic and psychogenic perspectives. In this sense, learning is a renunciation of the person’s condition of ignorance and an adventure in facing the challenges that personal growth requires.

Keywords: Learning, Desire, Subjectivity.


 

 

Introdução

O referencial teórico da psicanálise faz alusão à saúde mental como resultado das primeiras vivências e vínculos experimentados no contato com o outro. O ambiente facilitador para as aquisições básicas do bebê propicia uma passagem gradual da dependência, que no início é absoluta, para a independência relativa. Esse processo de desenvolvimento psíquico é também sustentado pela função materna e paterna, por meio da qual é mantida tanto a provisão das necessidades quanto as primeiras experiências de frustração.

Os cuidados adequados à criança supõem o desenvolvimento da sua independência e da realização de seus próprios desejos. Esses cuidados introduzem na criança projetos antecipados de nome, posição no grupo, realização, capacidade e autoria possibilitando-lhe assumir formas cada vez mais complexas de representação psíquica. Assim, a criança é desejada e posteriormente passa a desejar o que o outro deseja. O ser humano, para pensar e desejar precisa da função materna e paterna, do acolhimento exercido pelos pais biológicos ou por outro ser que seja desejante e pensante, de modo a construir sua vida de relação.

Geralmente, os cuidados iniciais são exercidos pela função materna envolvendo provisão e desejo antecipado sobre o filho, mas é a função paterna que, ao frustrar, impede que o desejo da mãe se complete no desejo do filho. A frustração da criança, por não se encontrar gratificada plenamente, o faz desejar e buscar possibilidades de encontrar o suposto objeto ausente. O ser humano desenvolve a capacidade de pensar ao longo da vida, de modo gradual, e na relação estabelecida no vínculo com outras pessoas.

 

A psicanálise kleiniana e os estudos psicogenéticos

Nos estudos clínicos de Melanie Klein existe, desde o nascimento, uma relação do bebê com a mãe enquanto agente de maternagem que lhe possibilita percebê-la em termos de presença, olhar, colo, odor e calor sustentados nos mecanismos de projeção e introjeção sob a ação das forças pulsionais.

Para ela, há um ego rudimentar, não coeso nos primeiros meses de vida, que sofre a ação da pulsão agressiva – angústia de aniquilamento – com uma tendência à desintegração devido às privações externas.

Enfatizei que a dinâmica da mente é o resultado do trabalho das pulsões de vida e de morte e que, juntamente com essas forças, o inconsciente consiste no ego inconsciente e, em seguida, no superego inconsciente. Faz parte desse conceito o fato de eu considerar o id como idêntico às duas pulsões (KLEIN, 1991, p. 277).

Essa concepção remete à particularidade do mundo interno formado de imagos primitivas baseadas em experiências que sofrem a ação das fantasias inconscientes. Essas fantasias constituem a primeira relação do sujeito com o mundo externo e a realidade, uma realidade irreal, na qual está fundada a gênese do superego, que tem como base os primeiros objetos parciais incorporados.

De acordo com minhas observações, a formação do superego se inicia ao mesmo tempo em que a criança realiza a primeira introjeção oral de seus objetos. Uma vez que as primeiras imagos que ela forma possuem todos os atributos do intenso sadismo associado a esse estágio do desenvolvimento, e como mais uma vez estes serão projetados para o mundo exterior, a criança pequena é dominada pelo medo de sofrer ataques de uma crueldade inimaginável, tanto por parte dos objetos reais quanto de seu próprio superego. Essa angústia servirá para aumentar seus próprios impulsos sádicos, pois instiga a criança a destruir esses objetos hostis a fim de escapar de seus ataques (KLEIN, 1996, p.289).

Nessa perspectiva, as fontes de angústia no recém-nascido decorrem da separação, da ruptura com o espaço uterino e da frustração das necessidades corporais. Portanto, a pulsão agressiva precisa ser jogada para fora, projetada (deflexão da pulsão de morte) e o primeiro objeto externo é o seio da mãe.

No artigo “Sobre o desenvolvimento do funcionamento mental”, escrito em 1958, Klein (1991) reforça a importância das experiências de gratificação para os processos de internalização. As relações do lactente são moldadas por mecanismos de introjeção e projeção entre objetos e situações internas e externas. Esses processos participam da construção do ego e do superego primitivos e preparam o complexo de Édipo no primeiro ano de vida.

A luta entre a pulsão de vida e de morte persiste ao longo da história de cada sujeito. O medo da morte existe no inconsciente (KLEIN, 1991) e desempenha um papel importante nas várias manifestações de angústia.

Com o prosseguimento do trabalho kleiniano a psicanálise expandiu os conhecimentos sobre a vida afetiva e a inibição intelectual. A cisão que pesa sobre a criança pode explicar suas falhas intelectuais. A criança luta com o princípio de realidade e com as condições do ambiente, procura prender-se num modo onipotente de laborar com a realidade com tendências compulsivas e maníacas, num esforço contra o que é imposto na relação com o outro, resistindo contra a autoridade externa.

Nesse ponto é importante verificar os paradoxos de duas teorias, balizadas em observações e experimentos sobre o desenvolvimento infantil, a psicanalítica e a psicogenética.

Piaget (1896-1980), estudioso do desenvolvimento intelectual, constatou que o conhecimento humano é adquirido na experiência com o mundo social e físico, pois não pode ser considerada uma coleção de fatos isolados, mas sim uma estrutura organizada. Um esquema de ação motora e intelectual é produto de aprendizagens. As aprendizagens são provocadas por situações e por um conjunto de relações entre o sujeito e o objeto.

A criança procura compreender o mundo num relacionamento ativo com pessoas e objetos. Ao deparar-se com fatos e acontecimentos, vai adaptando-se e construindo estruturas mentais que apresentam relações com as anteriores e garantem uma equilibração cada vez mais complexa.

A inteligência é construção do real e dos objetos pelo pensamento, é essencialmente prática, forma-se a partir dos reflexos, dos esquemas de ação motora, tornando-se representativa. Aparece antes da linguagem; possibilita a solução de um problema novo para cada pessoa.

O conhecimento ocorre na relação entre a vida afetiva e a cognição. Tanto sujeito quanto objeto se transformam na interação figurativa e operativa a partir do segundo semestre de vida no processo evolutivo.

O objeto só é completo quando a criança tem quatro ou cinco meses de vida, ou seja, podemos ainda acrescentar, no início daquilo que Piaget nomeou terceiro estágio da inteligência sensório-motora e da construção do real. Até a idade de quatro ou cinco meses, decididamente tão importantes, o lactente reconheceria os objetos não por suas propriedades intrínsecas (qualidades sensíveis ou aparência fenomenológica, no sentido filosófico), mas unicamente por suas características espaciais; repouso ou movimento, posição (PETOT, 2003, p.82).

Esse é um modo de referir-se ao objeto parcial kleiniano na imagem da mãe, já que ela está associada a uma posição, ou a um movimento determinado, que persiste enquanto portadora deste lugar.

É total e única a mãe identificada por suas características próprias, independente da posição e do movimento. Piaget, Bower e Melanie Klein concordam, concluindo que esta unificação totalizadora do objeto é efetuada por volta do quinto mês do primeiro ano de vida (PETOT, 2003, p.83).

No primeiro ano de vida, os comportamentos afetivos denotam angústia de separação, bem como mudança na conduta intelectual e motora devido ao amadurecimento neurológico e aparecimento da linguagem. No segundo ano de vida, nota-se a evolução dos movimentos amplos e finos (caminhar, pegar, atirar objetos), o controle esfincteriano, a fala e a dependência. Permanecem, de maneira acentuada, as manifestações da agressividade, visíveis nas modulações de dominação e submissão. Nesse período, também tem início a função simbólica e as noções de certo e errado, proibido e permitido.

O objeto é doravante uma pessoa completa, um objeto real que é menos deformado pelas fantasias e cujas manifestações são associadas em virtude de um princípio objetivo, ou pelo menos pré-objetivo, fundamentado no reconhecimento de suas características percebidas e corretamente reunidas e não no seu único valor de prazer e desprazer (PETOT, 2003, p.73).

A relação objetal evolui quando a motricidade e as condições perceptuais do lactente se modificam em torno dos nove meses com a locomoção e a formação do esquema da permanência do objeto físico, bem como as condições nas quais a situação de perda da outra pessoa é experimentada. De tal modo se verifica que a transição do objeto permanente em permanência do objeto pulsional necessita de um longo período.

A partir do terceiro ano de vida, nota-se um aumento da curiosidade, perguntas, interesses sobre fatos da vida (nascimento, gravidez, propriedades dos objetos), manifestações mais acentuadas de ciúme, raiva, medos. A criança identifica os gêneros sexuais e procura aproximar-se de modelos significativos. Há um crescente aprimoramento da motricidade e das percepções, ainda que o pensamento se mostre animista e egocêntrico. Nas brincadeiras e desenhos recriam a realidade, elaboram medos, usam a imaginação e a ilusão para satisfazer as necessidades e desejos. Têm capacidade para simbolizar (pensar sobre as experiências vividas).

A formação ontogenética da inteligência comporta uma sequência de estádios ou modificações. Cada sujeito começa por uma reconstrução sobre um novo plano de estruturas elaboradas no decurso da precedente e essa reconstrução é necessária às construções posteriores. A função cognitiva é essencialmente dinâmica e a concepção kleiniana não atribui um determinismo pulsional à gênese das estruturas cognitivas e motoras. Para Petot (2003), as nuances das relações objetais são uma consequência dos estádios de evolução das funções motoras, perceptivas e cognitivas.

 

Afeto e cognição

A vida afetiva depende da qualidade dos encontros entre o adulto, mãe e pai, à medida que asseguram a existência da criança pela via da gratificação e identificação com aquele que nutre o corpo e o self, que possibilita a unificação da representação de si mesmo e do outro.

A capacidade de discernir a realidade interna da externa não é inata. A mãe oferece os parâmetros para o sistema de comunicação da criança. Percepções provindas do interior e do exterior deixam traços mnêmicos e formam uma rede de lembranças que auxiliam a suportar o adiamento do desprazer. À medida que a mãe vai nomeando as percepções à criança, ela pode ligá-las às palavras, aos símbolos. Desde uma idade precoce, aprendemos a ser nós mesmos e o significado que temos para os outros.

Ser visto, falado e nomeado é tão importante quanto tocar e ser tocado, principalmente quando se analisa a repetição e o encontro do sujeito com seus objetos e com os objetos inconscientes comuns e partilhados com os outros.

Os bebês têm sonhos, ainda que diferentes dos adultos, alicerçados nos restos diurnos e nas impressões delineadas nos relacionamentos, na rede de identificações e complexo edipiano arcaico. Sorriem, se contraem, mostram receio e alegria baseada nas trocas com o mundo externo. Projetam agressividade, oriunda do desconforto, ou indiferença contra pessoas e objetos, assim como olhares de carinho e conformação. Desde o começo os sentimentos de inclusão e exclusão são internalizados pelo recém-nascido com percepções deformadas por fatores pulsionais e pelo superego primitivo, favorecendo diferentes tipos de comportamento. Amor e o ódio são vivenciados pela mesma pessoa. Meninos e meninas se identificam com os pais ou cuidadores e observam a realidade como uma extensão narcísica de si mesmos.

A vida psíquica se organiza na nominação do outro. O que favorece o amadurecimento emocional? O que favorece o desenvolvimento intelectual? Os gestos, as palavras pronunciadas pelo outro. Os pais repetem com o filho o que seus pais repetiram com eles. Assim é constituído o ser humano. Quanto maior o desvio na ligação amorosa, mais difícil será a confiança e a manifestação de Eros na criança. Se os pais oscilam entre atender e rejeitar, a tendência é formar comportamentos infantis instáveis. As modalidades de comportamentos da mãe e do pai ficam gravadas no psiquismo infantil como um modelo de funcionamento das pessoas, bem como de expectativas quanto aos futuros vínculos consigo mesmo e os demais.

O singular corresponde ao espaço psíquico individuado que marca com sua especificidade a estrutura, a história e a subjetividade de um sujeito singular: sua organização pulsional, fantasias, mecanismos de defesa, conteúdos recalcados ou clivados, suas identificações, suas relações de objeto, em suma, o que singulariza seu desejo inconsciente (KAËS, 2010, p.54).

Para que o sujeito se expresse simbolicamente precisa fazer uso da identificação, alicerçada no prazer e no interesse, pois o fundamento do simbolismo é a sublimação e por meio dela se produzem atividades criativas nas leituras e escritas que apontam às fantasias inconscientes e à capacidade de tolerar a realidade e as ansiedades.

A infância representa um grande cenário no qual se misturam personagens, afetos e processos maturacionais discrepantes. Cada criança apresenta uma estrutura singular atrelada à linguagem, à história pessoal, à filiação. Do mesmo modo, o grupo familiar representa um padrão para as relações com os demais grupos humanos. Nele se estabelecem conhecimentos, afetos, hierarquias, identificações, funções, valores, predições e proibições. Na intersubjetividade se inscreve o inconsciente manifestando-se em diversas nuances e linguagens grupais.

 

Ser e aprender: sobre desejo e pensamento

Aprender significa incorporar conhecimentos, normas sociais e competências culturais. Leva à mudança de ação, de relacionamento com os outros e com os objetos, evoca a relação inicial com o cuidador, com a mãe, crucial nas diversas fases do ciclo vital. Também vitaliza o complexo de Édipo, essa passagem do ser humano pelo desejo, pelas proibições, perdas, descobertas sobre a identidade sexual e amorosa; estruturante do ponto de vista psíquico.

Na infância os pais são percebidos com seus defeitos, forças e fraquezas, por meio de relações regidas, em parte, por fantasias inconscientes, medos, idealizações e ressentimentos.

Hoje, as crianças vivem um tempo caracterizado pela vulnerabilidade oriunda do meio social. Organizam-se em grupos nos quais podem ocorrer mecanismos regressivos que levam à perda da identidade individual. Nesses grupos os ideais narcísicos ligados à onipotência, negação da realidade e cisão predominam, com a consequente perda ou diminuição do senso crítico e da autonomia individual.

As dificuldades para existir, ser e aprender decorrem das falhas existentes nas primeiras relações com os pais. Sabemos que os sentimentos de ter e pertencer são componentes necessários no desenrolar da identidade da criança. A destrutividade dirigida a si mesmo ou aos outros pode representar uma identificação, uma reação a um sentimento de ameaça ou de falência da capacidade psíquica de suportar as pressões internas e externas as quais foi submetida. É importante frisar que a demanda de identificação tem início no nascimento, a partir dos anseios, projeções, idealizações conscientes e inconscientes no imaginário dos pais. Um processo pelo qual o sujeito se constitui e se transforma, introjetando e se apropriando das características e traços culturais da família e da sociedade.

Nesse sentido, a cultura moderna favorece a liberação dos impulsos agressivos e sexuais de maneira direta e nem sempre sublimada, fazendo com que meninos e meninas sofram as consequências ativas impostas pela sociedade em termos de consumo, distorção afetiva, violência.

O termo violência vem do latim, violentia, ato de violentar, constrangimento físico ou moral, ao qual se pode acrescentar a coação psicológica. Por outro lado, a família, que é a primeira e a mais importante norteadora dos limites humanos e provisões necessárias para o crescimento e amadurecimento psíquico, exibe laços esmaecidos e ambivalentes. Muitos pais mostram-se confusos quanto aos papéis e limites a serem transmitidos, bem como em relação à sustentação das ligações afetivas.

É momento de pensar sobre o que acontece na sociedade e na família, pois na contemporaneidade tudo ocorre em nome de uma pseudoliberdade e uma busca de prazer incontida. Um prazer que provoca frustração e sofrimento, que leva ao vazio, que revela a crueldade do superego erigido no sadismo, na desconstituição do sujeito e do outro, na destrutividade voltada contra si mesmo, contra o conhecimento escolar e a comunicação com os demais.

Para compreender as inibições intelectuais é necessário:
– analisar para onde apontam de modo inconsciente os processos cognitivos, criativos e afetivos;

– ponderar sobre as relações entre sexualidade e aprendizagem, as manifestações de prazer, repetições, fixações e modalidades de apreensão da realidade;

– considerar aspectos da representação de si mesmo, as manifestações do narcisismo e da cognição presentes na dimensão corporal;

– avaliar as dificuldades nas estratégias pessoais para aprender, as possíveis falhas na aquisição, armazenamento e utilização dos conhecimentos; verificar os níveis de exigência, as qualificações/desqualificações, expectativas dos outros – família e escola;

– incluir as determinações culturais, históricas, os papéis sociais, estereotipias, os mitos familiares e os comportamentos reativos; mapear a história de aprendizagem, qualidade de vida (segurança, atividades, rotinas, cuidado);

– observar a forma como as pessoas toleram a ansiedade, a realidade e como lidam com a capacidade de postergar, contornar, controlar os impulsos, utilizar as experiências;

– verificar a flexibilidade do ego para enfrentar novas situações, produzir ideias linguagens de forma discriminada, com antecipação e coordenação das ações mentais na execução de tarefas, bem como a capacidade de associação e de realização das novas aprendizagens.

Para acessar os processos de aprendizagem, é necessário voltar ao princípio, voltar aos primeiros meses de vida, aos primeiros olhares, às primeiras palavras. Voltar para o bebê para encontrar a criança, o adolescente e o adulto. Voltar para compreender as vicissitudes da vida imaginativa, da capacidade de criar e recriar a realidade com base nas emoções que impulsionam o crescimento e a representação integrada de si mesmo.

Com esse propósito deve-se trabalhar a reconstrução da história individual, buscar o passado para retomar o presente; procurar o olhar da criança, seus brinquedos – bonecas e carrinhos – para entender as inibições intelectuais, os esquecimentos, os atos falhos, os sintomas que afetam o corpo, a inteligência e o desejo.

Afeto e cognição são temas relacionados a fatores pouco visíveis, que concorrem para a determinação e ocorrência de dificuldades no desenvolvimento e aprendizagem. Nesse sentido, o tratamento dessas questões requer prudência na análise de aspectos circundantes ao problema e que são apontados como responsáveis por um determinado conflito. A prudência para se encontrar o que há de original no sujeito e no seu desejo ocorre na escuta detalhada e na observação das expressões gestual, verbal e até mesmo no seu silêncio.

Pais e professores trazem, de modo inconsciente, expectativas e experiências pessoais que influenciam as respostas da criança. Neste sentido, as primeiras inscrições do sujeito são traduzidas em desejos pessoais e também dirigidas ao outro. A constituição psíquica do ser humano se revela no cotidiano das relações, nos espaços familiar e social. Espaços e tempos que, na maioria das vezes, não adotam uma lógica, mas apresentam o desejo presente tanto em experiências prazerosas quanto em situações que não podem ser suportadas.

Os sintomas que se manifestam como inibições intelectuais indicam o imperativo de deciframento desde a origem até seus desdobramentos na vida de relação do sujeito. A subjetividade de cada criança ou adulto se constitui no discurso do outro que traduz o lugar que o personagem representa no mito familiar. Ou seja, antes da concepção a criança como objeto de desejo, tem um lugar no inconsciente materno e paterno.

Quando a criança possui uma razoável capacidade para tolerar frustração, pode suportar a experiência de esforço, conflito, busca de alternativa para atender a uma demanda. Por outro lado, a criança que não suporta as frustrações causadas pelo desafio e pelo desconforto da incerteza terá dificuldade para pensar e se distanciar da realidade que lhe convoca a assumir a sua autoria.

 

Referências

LEVISKY, D. Adolescência e violência. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2000.         [ Links ]

KAËS, R. Um singular plural. São Paulo: Loyola, 2010.         [ Links ]

KLEIN, M. Sobre o desenvolvimento do funcionamento mental. In: KLEIN, M. Inveja e gratidão. Rio de Janeiro: Imago, 1991.         [ Links ]

KLEIN, M. O desenvolvimento inicial da consciência da criança. In: KLEIN, M. Amor, culpa e reparação. Rio de Janeiro: Imago, 1996.         [ Links ]

PETOT, J. M. Melanie Klein II. São Paulo: Perspectiva, 2003.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Av. Protásio Alves, 1981/Conj.309
90410-002 – Porto Alegre/RS
E-mail: nrmaggi@portoweb.com.br e mbjramos@terra.com.br

RECEBIDO EM: 21/03/2012
APROVADO EM: 16/04/2012

 

 

Sobre as Autoras

Maria Beatriz Jacques Ramos
Psicanalista. Doutora em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Presidente do Círculo Psicanalítico do Rio Grande do Sul.

Noeli Reck Maggi
Psicanalista. Professora do Centro Universitário Ritter dos Reis (UniRitter). Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Coordenadora do Instituto de Psicanálise do Círculo Psicanalítico do Rio Grande do Sul.