SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 número37Vulnerabilidade das pessoas em cumprimento da pena à luz da psicologia índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Estudos de Psicanálise

versão impressa ISSN 0100-3437

Estud. psicanal.  no.37 Belo Horizonte jul. 2012

 

 

Queixas de aprendizagem – contribuições de outras disciplinas e da psicanálise

 

Complaints about learning – contributions of other subjects and of Psychoanalysis

 

 

Vera Esther Ireland

Sociedade Psicanalítica da Paraíba
Círculo Brasileiro de Psicanálise

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este trabalho aborda a questão de queixas de aprendizagem e algumas formas de abordá-las. Três linhas de pensamento são sucintamente consideradas: a da Medicina/Psiquiatria/Neurologia, a da Psicopedagogia e a da Psicanálise. Defendendo a versão psicanalítica, quatro de seus conceitos ou dimensões são explorados: a pulsão epistemofílica, a inibição intelectual, a produção do pensamento e a produção do conhecimento.

Palavras-chave: Queixa, Aprendizagem, Psicanálise.


ABSTRACT

This paper deals with complaints about learning, as well as some forms of approaching them. Three lines of thoughts are briefly considered: that of Medicine/Psychiatry/Neurology, that of Psycho-pedagogy and that of Psychoanalysis. Defending a psychoanalytical approach, four of its concepts are explored: the epistemological instinct, the intellectual inhibition, thinking and the knowing.

Keywords: Complaints, Learning, Psychoanalysis.


 

 

Introdução

É com certa frequência que a clínica psicanalítica recebe crianças, pré-adolescentes e adolescentes, cujos pais trazem queixas relacionadas a problemas na escola. O adulto que traz o rebento raramente menciona o termo “problemas de aprendizagem” e jamais ouvi a expressão “transtorno de aprendizagem”. Este último é um termo especializado do CID-10 (2003) e do DSM-IV (1994), a que nos reportaremos mais adiante. Às vezes, já nos chegam com o diagnóstico pronto, em sigla mesmo: TDHA, embora não saibam muito bem o que seja isso. Mas geralmente a queixa é formulada com palavras simples, do cotidiano: “a criança/adolescente está mal em Matemática, ou em História, ou em Língua Portuguesa”, ou o que seja; há risco de reprovação (reforço escolar ou professor particular já foram tentados, mas o problema continua). A própria criança ou adolescente às vezes diz que “sabe a resposta, mas na hora da prova ‘dá um branco’”. Um ou outro, mais desafiador, simplesmente informa que “não gosta de ir à escola”.

É, também, com bastante frequência que o/a analista, ao recebê-los, já desconfia que é só esperar ou perguntar algo que vêm mais coisas: o/a filho/a que trazem tem medos, ou tiques, ou ainda faz xixi na cama, ou ainda dorme na cama dos pais, ou é muito preguiçoso, ou não faz tarefas, ou está a ponto de ser expulso da escola porque “apronta” muito, ou não se alimenta bem (come demais ou de menos). Em síntese: a queixa inicial é sobre o mundo escolar da criança, mas é só esperar um pouquinho para se acabar chegando à neurose – a mãe ou pai tampouco fala de “neurose infantil”, porque o termo é especializado também. Em casos mais graves, chega-se a outras pistas do que pode estar acontecendo com o/a jovem paciente – por exemplo, um quadro beirando a psicose (FREUD, 1924) ou a tendência antissocial (WINNICOTT, 1987).

Vez por outra fomos instadas a fornecer um “atestado” (ou “declaração”) para se anexar a algum processo judicial já em curso ou prestes a acontecer. E por mais que tentássemos, em situações específicas, esclarecer a inconveniência disso para o interesse da criança/adolescente, não pudemos deixar de fornecê-lo – principalmente quando a mãe e/ou pai eram médicos e acreditavam piamente no poder salvador do CID-10. Mas, nesses casos, apelamos para o manual acima referido, assinando-o como psicóloga (que sou, mas não como psicanalista, que também sou).

Neste trabalho proponho-me a explorar três campos de abordagem para esses casos – o da Medicina-Psiquiatria-Neurologia, o da Psicopedagogia e o da Psicanálise, detendo-nos um pouco mais nesta última, que, ainda, dividiremos em quatro subitens, conforme será visto mais à frente. O argumento central é o de que cada um desses campos de abordagem tem seus próprios méritos e usos, podem até ser superpostos em um mesmo tratamento, mas vão crescendo em termos de complexidade de processos com que se cuida de um paciente. Assim, defendemos que a psicanálise corresponde melhor ao também complexo funcionamento do psiquismo humano, mesmo que, em certos casos, se alie à Medicina/Psiquiatria/Neurologia e/ou à Psicopedagogia.

 

1. A visão médico-psiquiátrica-neurológica sobre a questão da aprendizagem

Remetendo o leitor ao CID-10 e ao DSM-IV para uma visão mais ampla, daremos aqui apenas alguns exemplos de classificações diagnósticas desses manuais, geralmente usados pelos que adotam a visão médico-psiquiátrica-neurológica no tratamento de crianças/adolescentes em fase de escolarização. Pelo CID-10, na categoria dos “transtornos específicos das habilidades escolares” (F81), há os transtornos de leitura, do soletrar, das habilidades aritméticas, transtornos mistos das habilidades escolares e transtorno do desenvolvimento das habilidades escolares, não especificado. Já o DSM-IV fala de transtornos da aprendizagem, que incluem: da leitura, da matemática, da expressão escrita e transtorno da aprendizagem sem outra especificação. Há profissionais da saúde que, adotando essas classificações diagnósticas, rapidamente prescrevem fármacos – como, por exemplo, a famosa Ritalina (Metilfenidato) para Transtornos de Déficit de Atenção e Hiperatividade/TDAH – e pronto! Resolvido “o problema”!

A hipótese com que trabalhamos pode ser chocante para alguns interessados na temática em discussão, pois postulamos que a psicanálise não trata de doenças ou transtornos da forma como rezam o CID e DSM. A psicanálise trata (com teoria e métodos próprios) de neurose, psicose, perversão e estados fronteiriços, que subjazem a diversos sintomas, inclusive os da área da aprendizagem (escolar ou alhures). Comunicar isso aos pais, ou convencê-los, já seria outra história. Os pais geralmente têm pressa, querem que “o problema” seja resolvido rapidamente, com o menor custo financeiro possível. E a psicanálise não pode fazer tal promessa, pois o seu modo de trabalhar é profundamente respeitoso do ritmo que o sujeito, em sua singularidade, tem a nos comunicar (BION, 1994) e, nas palavras de Freud (1914) “recordar, repetir e elaborar”.

Antes de adentrar o que consideramos ser a contribuição da Psicanálise para essa temática, apresentamos aqui, sucintamente, o que nos parece ser uma área intermediária entre a visão médico-psiquiátrica-neurológica e a visão psicanalítica: tal área seria a Psicopedagogia, em algumas de suas várias formas.

 

2. A visão da psicopedagogia

Ao invés de “transtornos”, em pedagogia, em psicologia e em psicopedagogia, geralmente se prefere o termo “dificuldades” ou “problemas” de aprendizagem. Em termos teóricos, Piaget e Vygotsky são sempre lembrados. Vejam-se, por exemplo, Weiss (1997), Pain (1985), Stefanini e Cruz (2006). Além disso, não é incomum, para a psicopedagogia, trabalhar, para dificuldades específicas, com termos comuns à medicina-psiquiatria-neurologia (para certos casos, com a fonoaudiologia), tais como: dislexia, disgrafia, disortografia, disartria e dislalia (alterações da linguagem, falada ou escrita) e discalculia (alterações na capacidade de executar operações aritméticas e matemáticas). Pain (1985) também usa esses termos ao falar sobre fatores orgânicos e específicos relacionados a problemas de aprendizagem, mas, além disso, também usa o termo oligotimia social (1985, p. 12-13) que, conforme Carvalho (2009), foi criado por Pichón Riviere para diferenciar de oligofrenia: enquanto este último termo se refere mais à deficiência mental, oligotimia

aplica-se quando a criança tem seu desenvolvimento emocional comprometido devido a carências afetivas, sem apresentar retardo mental ou qualquer outra deficiência. Trata-se de uma dificuldade de natureza médica, educacional e social (CARVALHO, 2009).

Alguns autores (declaradamente psicopedagogos ou não) são explicitamente afiliados ao método clínico de Piaget, com trabalhos importantes na área, como Carraher (1989). Há os que aplicam baterias de testes psicopedagógicos, fazem visitas à escola da criança, “orientam” os professores do paciente, etc. Outros autores exploram as várias tradições em que se funda a psicopedagia – por exemplo, Bossa (2000). Há obras que são pródigas em vinhetas clínicas de base analítica, como a de Rubinstein (1999). Outros ressaltam a conciliação do ensino piagetiano com a psicanálise, dentre os quais, considero de importância fundamental o trabalho de Pain (1985, 1987). Diga-se, de passagem, que, mesmo não se tratando de psicopedagogia, nem sequer de considerações sobre dificuldades, problemas ou transtornos de aprendizagem, o movimento contrário também pode ser encontrado: partindo-se da psicanálise para entender o funcionamento psíquico infantil, há quem busque interlocução com Piaget – ver, por exemplo, Rey (1991).

Pain nos parece ter uma visão bastante importante tanto em extensão (seu ensino é pródigo nas interlocuções entre o singular e o social) quanto em profundidade de compreensão analítica. Iniciemos uma rápida passagem pelo ensino de Pain com as citações a seguir, quando esta autora fala dos fatores que compõem o problema de aprendizagem:

[O sentido amplo] da patologia da aprendizagem (...) supõe um desvio mais ou menos acentuado do quadro normal, mas aceitável, e que responde às expectativas relativas a um sujeito que aprende. Alguns aspectos do desvio podem assinalar-se na articulação mórbida precisa que a determina, mas outros são de caráter normativo e ideológico e, na maioria dos casos, ambos os fatores contribuem, como é evidente no caso dos “erros de ortografia” (PAIN, 1985, p.27, grifos nossos).

E mais à frente:

É claro que uma análise socioeconômica das superestruturas educativas nos permite compreender por que o sujeito acaba sendo alienado da ignorância, mas precisamos ver qual estrutura possibilita a disfunção da inteligência, e como isso acontece (PAIN, 1985, p.27-28, grifos nossos).

Nessa análise, vale ressaltar um dos aspectos que Pain aborda – a diferenciação entre problemas de aprendizagem e aqueles que se produzem no âmbito da escola, isto é, os problemas escolares. Neste último caso, menciona, por exemplo, resistência às normas disciplinares, má integração no grupo de pares, desqualificação do professor, além da possibilidade de que tais manifestações sejam formações reativas diante de uma enlutada e mal-elaborada transição do grupo familiar ao grupo social (PAIN, 1985, p.13, grifos nossos). Pain defende, ainda, que a aprendizagem “é um lugar de articulação de esquemas” (1985, p.15) em que

coincidem um momento histórico, um organismo, uma etapa de inteligência e um sujeito associado a outras tantas estruturas teóricas de cuja engrenagem se ocupa e preocupa a epistemologia; referimo-nos principalmente ao materialismo histórico [Marx], à teoria piagetiana da inteligência e à teoria psicanalítica de Freud, enquanto instauram a ideologia, a operatividade e o inconsciente (PAIN, idem, colchetes e grifos nossos).

Pain busca abranger a vastidão deste lugar de coincidências, pela descrição de quatro dimensões: (1) biológica, (2) cognitiva, (3) social, e (4) egoica. Na primeira, biológica, Pain (1985, p.15-16) apoia-se em Piaget e fala em tipos de conhecimento, tais como: o das formas hereditárias programadas; o das formas lógico-matemáticas, e o das formas adquiridas pela experiência.

Na segunda dimensão, cognitiva, Pain apoia-se primeiramente em Gréco [1956, apud Pain (1985), p.15-16] e fala, ainda, em tipos de conhecimento tais como: (a) o da aquisição de condutas novas trazidas por ensaio e erro, (b) o da aprendizagem da regulação que rege as transformações dos objetos e suas relações mútuas e (c) o da aprendizagem estrutural, vinculada ao nascimento das estruturas lógicas do pensamento. Neste último tipo de conhecimento, seu apoio mais distintivo é o de sua filiação teórica a Piaget.

Na terceira dimensão, social, Pain considera o par ensino-aprendizagem. Diz ele:

Tal processo compreende todos os comportamentos dedicados à transmissão da cultura, inclusive os objetivados como instituições que específica (escola) ou secundariamente (família) promovem a educação. Através dela o sujeito histórico exercita, assume e incorpora uma cultura particular, na medida em que fala, cumprimenta, usa utensílios, fabrica e reza segundo a modalidade própria de seu grupo de pertencimento (PAIN, 1985, p.17-18).

Na última dimensão, Pain considera o processo de aprendizagem como uma dimensão do ego. Lembrando os princípios de prazer e de realidade postulados por Freud (1911), Pain (1985) ensina, por exemplo, que

a aceitação do real perante o princípio do prazer é levada a efeito mediante a função sintética do ego, já que este é capaz de pensar e, portanto, de adiar o cumprimento de um ato e de antecipar as condições em que este ato é possível (PAIN, 1985, p.19).

Em outro momento, ainda lembrando Freud (1930[1929]), Pain postula que, no processo de aprendizagem como função egoica, “foi preciso escolher entre a pulsão e a civilização, e a civilização venceu” (PAIN, 1985, p.18-19). E mais à frente:

O pensamento associativo permite, então, resolver a pressão dos impulsos ao oferecer às demandas pulsionais vias que levam a satisfações substitutivas, permitindo, além disso, interpolar, entre a necessidade e o desejo, o adiamento que supõe o trabalho mental (idem, ibidem).

Ainda se reportando ao que se entrelaça nos problemas de aprendizagem, Pain apresenta outra formulação, em que descreve quatro fatores: orgânicos, específicos, psicógenos e ambientais. Limitando-nos aqui aos psicógenos, Pain se apoia particularmente nos textos “Inibições, sintomas e angústia” (FREUD, 1926) e “Tipos de aquisição da neurose” (FREUD, 1912).

Finalmente, lembramos que Pain [em PARENTE (2000)] alerta para a necessidade de nos comprometermos com a defesa do direito da criança à inteligência e com a necessidade de

devolver [à criança] (porque em algum momento de sua vida deve tê-lo experimentado) o interesse de aprender, o interesse por si mesma, o interesse de poder ser sujeito de uma ação inteligente. De poder dizer: eu sei, eu me apropriei deste conhecimento (PAIN apud PARENTE, 2000, p.24-25).

Como parece ter ficado evidente pelas citações utilizadas, a psicopedagogia se inspira, também, no que ensina a psicanálise. É a esse tema que nos dedicaremos a partir de agora.

 

3. A visão psicanalítica

Anteriormente mencionamos nossa hipótese de que a psicanálise não trata de dificuldades/ problemas/transtornos de aprendizagem. Trata, sim, de neurose, psicose, perversão e estados fronteiriços (borderlines), que estão se manifestando via sintomas, inclusive os que aparecem na área da aprendizagem. Acrescentamos, ainda, que há muitas psicanálises, cada qual com seu modo de trabalhar, desde que respeitados os cânones freudianos.

Vamos priorizar aqui, muito sucintamente, quatro conceitos/dimensões da psicanálise que, cremos, podem ajudar na discussão do tema relativo à aprendizagem: (a) a pulsão epistemofílica, (b) a inibição intelectual, (c) a produção do pensamento, (d) a produção do conhecimento.

 

3.1 A pulsão epistemofílica

Nos “Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade”, Freud (1905) postula uma pulsão sexual desde a infância, com a qual ele vai relacionar, especialmente no “Segundo Ensaio” (1905), a pulsão epistemofílica, isto é, uma pulsão do saber ou do conhecimento, que, embora não sendo talvez tão específica, nem se atendo apenas à sexualidade, tem nesta a sua base. Vejamos sua afirmação1:

Ao mesmo tempo em que a vida sexual da criança chega a sua primeira florescência, entre os três e os cinco anos, também se inicia nela a atividade que se inscreve na pulsão de saber ou de investigar. Essa pulsão não pode ser computada entre os componentes pulsionais elementares, nem exclusivamente subordinada à sexualidade. Sua atividade corresponde, de um lado, a uma forma sublimada de dominação e, de outro, trabalha com a energia escopofílica. (...) Não são interesses teóricos, mas práticos, que põem em marcha a atividade investigatória na criança. A ameaça trazida para suas condições existenciais pela chegada conhecida ou suspeitada de um novo bebê, assim como o medo de que esse acontecimento traga consigo a perda de cuidados e de amor, torna a criança pensativa e perspicaz. (FREUD, s/d, grifos nossos).

Freud, depois de 1905, não continua, em níveis mais profundos, a explorar o conceito da pulsão epistemofílica. Volta a ele poucas vezes, por exemplo, em 1910 e 1913. Em 1910, Freud usa termos como “instinto de pesquisa”, “instinto de investigação”, “sede de conhecimento”, “um único instinto que adquiriu uma força exagerada, como aconteceu com a ânsia de conhecimento de Leonardo...”, mas de modo algum chega a realmente se interessar pela pulsão epistemofílica de modo isolado. Na verdade, Freud trabalha mais com, digamos, “blocos pulsionais”: de conservação (ou do ego) versus sexuais; de vida versus de morte. Também fala em componentes pulsionais, em pulsões parciais, em fusão/desfusão de pulsões, mas seu interesse mesmo está em construir bases amplas para se entender/trabalhar com o conceito puro e simples de “pulsão”, importante para o seu arcabouço teórico como um todo.

Melanie Klein, apoiando-se em Freud, mas criando seu próprio modo de trabalhar, já deu um destaque maior à pulsão epistemofílica. Pesquisando as formas com que crianças pequenas lidam com a questão do conhecimento, Zimerman (2004) nos traz, de forma resumida, o que segue:

Klein correlacionou a ‘pulsão de saber’ com a pulsão sádica de controlar e dominar, em que o conhecimento seria um meio de controlar a ansiedade. Dessa forma, ela estudou a curiosidade inata da criança, utilizada para conhecer o mistério do interior do corpo da mãe (1921), e a relacionou com as funções intelectuais (1931) (ZIMERMAN, 2004, p.156).

Gostaríamos de lembrar que, de toda a forma, a pulsão epistemofílica nos acompanha por toda a vida. Trata-se de uma incessante busca pelo conhecimento, movida pelo desejo e sujeita a percalços. Mas trazemos aqui uma afirmação de Briton (2003), que julgamos importante:

Considero a pulsão epistemofílica (Wissentrieb) como estando no mesmo nível que as outras pulsões e como sendo independente delas; em outras palavras, penso que o desejo pelo conhecimento existe lado a lado com o amor e o ódio. (...) Contrariamente a Freud e a Klein, não penso no Wissentrieb como uma pulsão componente e sim como uma pulsão com componentes. A exploração, o reconhecimento e a crença estão entre esses componentes. Podem ser pensados como a contraparte mental de funções biológicas básicas (...). Penso que acreditamos em ideias de maneira semelhante a como “investimos” os objetos. Uma crença é uma fantasia investida das qualidades de um objeto e acreditar é uma forma de relação objetal. Penso que a crença, como ato, é no domínio do conhecimento o que o vincular-se é no domínio do amor. A linguagem da crença está claramente moldada na linguagem de um relacionamento. Abraçamos crenças ou rendemo-nos a elas; sentimos às vezes que as traímos. Há momentos que estamos nas garras de uma crença, aprisionados por elas, perseguidos ou possuídos por ela. Só renunciamos às nossas crenças mais profundas, assim como renunciamos aos nossos relacionamentos mais profundos, através de um processo de luto (BRITON, 2003, p.27-28, grifos nossos).

Briton não está falando em crença no seu sentido comum, muito associado à “crença religiosa”. Ele fala de “crença em ideias”, sejam quais forem. Mas há, também, um lado diferente – quase o contrário do que foi dito até agora. É o caso de uma espécie de embotamento do desejo de conhecer – a inibição intelectual –, que trataremos a seguir.

 

3.2 A inibição intelectual

Em “Inibições, sintoma e ansiedade”, Freud (1926[1925]) faz primeiramente uma distinção entre sintoma e inibição, depois ameniza essa distinção, volta a fazê-lo, mas o resultado que particularmente nos interessa é sua afirmação de que “a inibição é a expressão de uma restrição de uma função do ego. Uma restrição dessa espécie pode ter causas muito diferentes” (FREUD, s/d, grifo nosso).

E mais à frente (FREUD, 1926):

A análise revela que quando atividades como tocar piano, escrever ou mesmo andar ficam sujeitas a inibições neuróticas, isso ocorre porque os órgãos físicos postos em ação – os dedos ou as pernas – se tornaram erotizados de forma muito acentuada (IDEM).

Como antes mencionado, desde muito cedo em seus escritos, Freud já tinha chamado a atenção para a necessidade de se considerar a existência da sexualidade infantil, em suas ora sutis, ora ruidosas formas de manifestação (1905, 1907, 1909 etc.). O que gostaríamos de destacar agora é que na citação acima (1926), Freud dá, como exemplo, a erotização de órgãos como os dedos, que, submetidos a inibições neuróticas, podem particularmente comprometer atividades escolares (como escrever), mas sabemos que “escrever” é dado apenas como ilustração – isto é, as inibições neuróticas podem comprometer a capacidade de escrever, ler, de estudar o que quer que seja, de frequentar a escola e, assim, sucessivamente.

Novamente dito, Melanie Klein vai partir de Freud e elaborar mais sobre esse tema. Em seu literalmente primeiro trabalho (1919), depois publicado como parte I do texto “O desenvolvimento de uma criança” (1921) sob o título de “A influência do esclarecimento sexual e do relaxamento da autoridade no desenvolvimento intelectual das crianças”, Klein apresenta seu primeiro caso – Fritz, que na verdade era seu filho Eric. Esse trabalho foi considerado por Klein “não como um tratamento, mas como um caso de ‘educação com feições analíticas’” (KLEIN, 1996, Nota da Comissão Editorial Inglesa, p.21). Mas nas elaborações que faz sobre “o caso Fritz”, remetemos o leitor para o que Klein escreve com o subtítulo “Perspectivas pedagógicas e psicológicas” (KLEIN, 1996, p.40-46), talvez um texto precursor da psicopedagogia.

Em outro trabalho, Klein (1923) mostra sua dedicação ao problema da inibição intelectual. Em suas palavras (KLEIN, 1996):

É fato bem conhecido pela psicanálise que no medo de fazer prova, assim como nos sonhos em que a pessoa passa por um teste, a ansiedade é deslocada de algum elemento sexual para um elemento intelectual. (...) Sadger (1920) demonstrou que o medo de fazer prova, tanto no sonho quanto na realidade, é o medo da castração. (...) Dou o nome de inibição às diferentes formas e gradação de repulsa ao aprendizado, desde a relutância explícita até aquilo que parece apenas “preguiça” e que não seria reconhecido pela criança, nem por aqueles à sua volta, como aversão à escola (KLEIN, 1996, p.82, grifo nosso).

Klein também se interessa pelo ego e seu desenvolvimento em diferentes momentos de sua obra (ver, por exemplo, Klein, 1930 e 1958). Fazemos tal afirmação porque, para explorar o tema geral deste artigo, também levamos em conta a importância do ego, pois, como sabemos, Freud (1911, 1926) postula o ego como sede do pensamento/conhecimento e como sede dos afetos – tais como prazer, sofrimento, ansiedade, angústia, que, com toda certeza, permeiam o mundo das crianças com “transtornos”, “problemas” ou “dificuldades” de aprendizagem. Em relação aos afetos, a afirmação de Freud, em sua segunda teoria da angústia é, de certo modo, cabal: “podemos legitimamente apegar-nos com firmeza à ideia de que o ego é a sede real da ansiedade” (FREUD, s/d, grifo nosso).

Freud interessou-se pelo ego desde muito cedo em seus trabalhos – por exemplo, no “Projeto” (1895). Nesse e em outros textos – por exemplo, em 1911, Freud cria os conceitos de ego-prazer e ego-realidade. Conforme afirma Ireland (2011):

Em 1911, Freud afirma que tal como o ego-prazer nada pode fazer a não ser querer [desejar], trabalhar para produzir prazer [esta é uma noção interessante: o prazer não vem gratuitamente] e evitar o desprazer [este pode ser imposto ao ego, pode vir de fora ou de dentro do próprio sujeito], assim o ego-realidade nada necessita fazer a não ser lutar pelo que é útil e resguardar-se contra danos. Laplanche e Pontalis também lembram (1992, p. 141) que ego-prazer e ego-realidade não são duas formas radicalmente diferentes do ego, antes definem dois modos de funcionamento das pulsões do ego, segundo o princípio do prazer e segundo o princípio de realidade (IRELAND, 2011, p.40, grifos e colchetes nossos).

Quanto à concepção do ego como sede do conhecimento (pensamento, saber, educação), lembramos que o ego pode ser visto, primeiramente, como ligado à consciência. Pois, como diz Freud (1923): “Ora, todo o nosso conhecimento está invariavelmente ligado à consciência. Só podemos vir a conhecer, mesmo o Ics., tornando-o consciente” (FREUD, 1923, p. 32). É na primeira tópica que a aproximação entre ego e consciência se faz de modo mais presente, questionada depois na segunda tópica, em que o ego é concebido a partir de uma dimensão também inconsciente.

Para a reflexão sobre o ego enquanto responsável pelo pensamento/conhecimento, passemos aos dois próximos itens.

 

3.3 A produção do pensamento

É uma declaração de obviedade dizer que a investigação de como se processa o pensamento e o conhecimento é comum a várias ciências e às humanidades em geral, mas propomo-nos aqui a enveredar pelo que a psicanálise tem a dizer, iniciando com Anzieu (2002). E embora nos consideremos ainda dando os primeiros passos na compreensão de Bion, continuaremos com uma trajetória a partir desse autor, pois já desenvolvemos, de certa forma, uma paixão pelo estudo de sua obra, que, decerto, traz implicações para o tema principal deste artigo.

Anzieu (2002) já nos alerta que “pensar é subordinar o princípio de prazer ao princípio de realidade, daí ser penoso pensar” (ANZIEU, 2002, p.15-16, grifo nosso). Um pouco mais à frente, alerta-nos novamente:

Palavras, coisas, fantasias são três ordens de realidade: mundo exterior, regido por leis; mundo da fantasia, regido por cenários; mundo da língua, regido por regras: essas três ordens têm estatutos epistemológicos diferentes. O mundo dos pensamentos, caracterizado pela reflexidade e pela reflexão, tenta refletir esses três mundos e refletir sobre eles. Pode ocorrer que sejam diferenças que suscitem no espírito a emergência do pensar como tentativa, senão reduzi-las, ao menos de conter a tensão que o dilacera (Idem, p.17-18).

Wilfred Ruprecht Bion – médico, psiquiatra, psicanalista – tem sido considerado um dos autores mais criativos e originais (LINO DA SILVA, 1988; REZENDE, 1995; MELTZER, 1998; ZIMERMAN, 2004; FIGUEIREDO, 2009). Apoiado em Freud, filiado inicialmente à corrente kleiniana, Bion foi, aos poucos, construindo sua própria obra, em que, dentre outros aspectos, sua teoria sobre o pensamento é um dos destaques. Nesse sentido, Bion (1994), por exemplo, inverte a noção convencional até mesmo usada por Freud: não há um aparelho mental onde se criam e organizam os pensamentos, são os pensamentos que levam à criação de um aparelho... para pensar os pensamentos, os quais têm existência mesmo antes de haver um aparelho psíquico que lhes dê conta.

Colocado em outras palavras: para Bion, o pensar é uma atividade que depende de dois desenvolvimentos mentais: o primeiro – o dos pensamentos, que exigem a criação de um aparelho para com eles lidar; o segundo é o próprio desenvolvimento desse aparelho. Há, assim, uma pequena nuance em relação a Freud (1911), que tinha conceituado a necessidade de um aparelho psíquico que desse conta do excesso de estímulos mentais. É o próprio Bion (1994) quem afirma que “o pensar passa a existir para dar conta dos pensamentos” (BION, 1994, p.128) e não o contrário.

Bion é um autor difícil, mas instigante, provocativo a que o leitor pense. Já no primeiro parágrafo da Introdução ao seu livro Aprender com a Experiência (1991), alerta: Na clínica psicanalítica, principalmente com pacientes que revelam sintomas de distúrbios de pensamento, torna-se claro que a psicanálise acrescenta uma dimensão aos problemas, senão a sua solução (BION, 1991, p.11).

Bion (1994) trabalha com a noção de que os pensamentos podem ser classificados, “conforme a natureza de sua história evolutiva” (idem, p.128). Para esse autor, existem:

(a) protopensamentos (ou pré-concepções), que ficam à espera de um pensador. Em suas palavras (1991, p.125): o termo [pré-concepção] representa o estado de expectação. Equivale à variável em lógica matemática ou à incógnita em matemática. Tem o atributo que Kant atribui ao pensamento sem conteúdo, no que é pensável, mas incognoscível. Em outro momento (1994, p.128), Bion afirma que a pré-concepção pode ser entendida por analogia ao que Kant chama de pensamentos vazios. Meltzer (1998) vai dizer que alguns conceitos propostos por Bion – por exemplo, “função alfa” e “função beta” – são também conceitos vazios, aos quais Bion se dedicará a preencher com significados durante os próximos anos de sua obra.

(b) concepções, que seriam propriamente pensamentos. Bion diz (idem, ibidem) que a concepção “advém da união da pré-concepção às impressões sensíveis pertinentes”. Diz, na sequência (p.125-126), que se vale da “frase [última mencionada] como óbvio modelo implícito”. Esse modelo é o que Bion chama de continente/conteúdo (ou contido), grafados, respectivamente, como ♀ e ♂, chamando a atenção para a sua formulação de que “a abstração do relacionamento da pré-concepção com as impressões sensíveis é ♀ com ♂”, e não o contrário (♂ com ♀). Tentando-se colocar tal formulação tão complexa em termos até simplistas, o que Bion quer descrever como continente/contido é a relação vincular que existe, por exemplo, entre analista/analisando, ou entre mãe e bebê. O continente é o lugar que acolhe, suporta, ajuda a nomear/transformar as necessidades psíquicas (objetos internos, angústias, etc,) e devolvê-las metabolizadas ao paciente/bebê (o conteúdo ou contido), que colocou, fantasisticamente no continente, tais necessidades. Há, então, por um lado, uma referência ao conceito kleiniano de identificação projetiva (reconhecido por Bion), enquanto, por outro, há um destaque para a função primordial do analista (♀ com ♂, e não o contrário), que se verá em situações em que o paciente repetirá sua relação primitiva com a própria mãe. Quanto à união da pré-concepção às impressões sensíveis, Bion está também trabalhando com o que Freud ensina desde o início de sua obra (1895, por exemplo), mas há uma sutilidade proposta: sem desprezar o que Freud ensina sobre a experiência de satisfação, Bion vai dar destaque à experiência de frustração. Em suas palavras:

Registrarei o termo “pensamento” à união de uma pré-concepção com uma frustração. O modelo que proponho é o de um bebê cuja expectativa de um seio se une a uma “realização” de um não-seio disponível para satisfação. Essa união é vivida como um não-seio, ou seio “ausente” dentro dele. O passo seguinte será o bebê tolerar frustração. Depende de que a decisão seja fugir da frustração ou modificá-la (BION, 1994, p.129).

E mais à frente: “A incapacidade de tolerar a frustração poderá obstruir o desenvolvimento dos pensamentos e da capacidade de pensar” (Idem, p.131). Por outro lado, ao estudar Bion, Rezende (1995) explica: “Ora, modificar a frustração é papel do pensamento” (REZENDE, 1995, p.47).

(c) conceitos, que seriam, por exemplo, as abstrações algébricas. Trata-se, aqui, da capacidade de correlacionar concepções, desenvolver pensamentos abstratos e assim por diante.

A obra de Bion como um todo (e mesmo uma parte dela, tal qual sua teoria do pensamento) está muito além do que nosso próprio conhecimento pessoal no momento e o escopo deste artigo poderiam elucidar. Mas trazemos, ainda, como fecho a este item, uma citação de Meltzer (1998), pedindo desculpas por ser tão longa:

Algo se esclarece quando lembramos que Bion está também expandindo o conceito de Freud de complexo de Édipo, assinalando a importância da esfinge no mito e sugerindo que sob o problema da hubris, significando o orgulho insolente determinado a descobrir a verdade a qualquer preço. Com essa expansão do conceito, Bion preenche uma brecha importante entre o pensamento de Freud e o de Melanie Klein, a saber, a importância da curiosidade infantil ou, como ela gostava de denominá-la, do “impulso para conhecer” no desenvolvimento da criança. Mas Bion está, também, modificando o conceito de Melanie Klein, que concebia a curiosidade como primeiramente dirigida para os conteúdos do corpo da mãe (...). Em nenhum momento, mais do Freud, ela reconhece que a sede de conhecimento seja em si mesma uma força propulsora que busca alimento para a mente (...). Bion aproxima-se disso ao falar do “impulso de curiosidade do qual depende todo o aprender”. (...)
Não obstante, Bion é capaz de chamar a atenção para um aspecto muito interessante do problema do aprender, a capacidade de perguntar “por quê?” algo está se passando, seja no objeto, seja na relação ou no estado mental, e não apenas pergunta “o quê?” é isso (...) (Meltzer, 1998, p.50-51).

Além de uma teoria do pensamento, Bion desenvolveu, também, uma teoria psicanalítica do conhecimento.

 

3.4 A produção do conhecimento

Admitimos nossa dificuldade de compreender a teoria do conhecimento se apelarmos apenas para a leitura do próprio Bion em que essa teoria se apresenta – como, por exemplo, seu Aprender com a Experiência (1991) – que já lemos várias vezes, sempre nos debatendo com o uso até certo ponto abusivo que Bion faz de símbolos, fórmulas e procedimentos parecidos aos das “ciências físicas, que podem ser matematizadas” (MELTZER, 1998, p.59). Assim, recorremos a seus comentadores, tais como Zimerman (2004), Meltzer (1998) e Grimberg et alli (1973). Nas palavras de Zimerman (2004):

A experiência da prática psicanalítica deixou claro para Bion que os pensamentos são indissociáveis das emoções e que, da mesma forma, é imprescindível uma função vinculadora que dê sentido e significado às experiências emocionais. Esse vínculo entre os pensamentos e as emoções – sempre presentes em qualquer relação humana – foi denominado por Bion como vínculo K (inicial de knowledge), ou seja, o vínculo do conhecimento (ZIMERMAN, 2004, p.156).

O vínculo K, coerente com o postulado bioniano referente à sua ligação com o mundo emocional, é parte de um trio, em que os afetos por ele destacados são o amor (vínculo L, de love) e o ódio (vínculo H, de hate). Nas palavras de Grimberg (1973),

[K] é utilizado para referir-se ao vínculo entre um sujeito que busca conhecer um objeto e um objeto que se presta a ser conhecido. O vínculo K representa um vínculo ativo e refere-se a uma experiência emocional com um colorido particular que difere do colorido emocional representado pelo vínculo L ou o vínculo H. Esse particular matiz emocional está expresso pelo sentimento doloroso que pode ser discernido na pergunta “como pode X (o sujeito) conhecer algo?”; pode ser formulado como a dor ou a frustração inerentes ao conhecer (GRIMBERG, 1973, p.127-128).

E mais à frente:

É necessário distinguir a “posse de um conhecimento” como resultado da modificação da dor no vínculo K, em cujo caso o conhecimento obtido servirá para novas experiências de descobrimento, da “posse de um conhecimento” utilizado para evitar a experiência dolorosa (Idem, p.129).

Para complicar um pouco mais, ao tempo em que a genialidade de Bion também se manifesta, ainda há a possibilidade de que os vínculos K, L e H se apresentem sob a forma negativa: -K (menos K), -L (menos L) e -H (menos H). Novamente nas palavras de Grimberg (1973):

[A] esquiva à dor pode estar a serviço da atividade chamada “vínculo -K” (menos K), estado emocional em que todos os fatores sugeridos para K estão invertidos. Os fatores em -K (menos K) são, do ponto de vista emocional, a inveja e a voracidade, e em termos de continente-contido constituem uma relação mutuamente despojadora e destrutiva, na qual os significados e as emoções são ativamente despojados de vitalidade e sentido; e, portanto, não haverá descobrimento nem desenvolvimento possível (Grimberg, 1973, p.129-130).

Há vários outros aspectos na obra de Bion – como, por exemplo, os conceitos de “elementos alfa” e “elementos beta” – que ainda seriam importantes para a discussão do tema deste trabalho, mas felizmente seremos salvos pelo gongo do limite de páginas a que estamos submetidos. Todavia, vale lembrar o fato de que estas são questões que, no que tange à compreensão dos transtornos, distúrbios, problemas e dificuldades de aprendizagem, muitos de nós, que lidamos com a pedagogia, com a psicologia, com a psicopedagogia e com a psicanálise, talvez precisemos nos colocar com mais frequência.

 

Considerações finais

O título deste artigo, a propósito, tentou escapar do que entendemos como uma armadilha: a proliferação de termos que se referem ao tratamento do que consideramos um mesmo fenômeno: transtornos, problemas, dificuldades... de aprendizagem... escolar. Não nos era viável, neste momento, sequer passar pelo que a psicologia ensina sob o título de “Teorias de Aprendizagem” que, de certa forma, também embasam muito do que se produz na teoria e na prática de profissionais da área educacional e da área Psi. Tampouco pudemos sequer passar pelo que a psicanálise ensina sobre nossa dificuldade de aceitar o não saber, tão importante.

Tentamos apenas dar pistas daquilo que nos interroga em nossa prática clínica e docente mais imediata. Para tal, organizamos algumas categorias de reflexão, conforme mostram os subtítulos deste artigo, além de formularmos uma hipótese de trabalho a partir do que consideramos ser a especificidade da psicanálise. Em última instância, focamos no nosso próprio compromisso com a aprendizagem. Nesse sentido, finalizamos com um poema de Brecht intitulado Louvor do Aprender:

Aprende o mais simples! Pra aqueles/Cujo tempo chegou/Nunca é tarde demais!/Aprende o abc, não chega, mas/Aprende-o! E não te enfades!/Começa!/ Tens de saber tudo!/Tens de tomar a chefia!

Aprende, homem do asilo!/Aprende, homem na prisão!/Aprende, mulher na cozinha!/Aprende, sexagenária!/Tens de tomar a chefia! Frequenta a escola, homem sem casa!/Arranja saber, homem com frio!/Faminto, pega no livro: é uma arma./Tens de tomar a chefia. Não te acanhes de perguntar, companheiro!/Não deixes que te metam patranhas na cabeça:/Vê c'os teus próprios olhos!/O que tu mesmo não sabes/Não o sabes./Verifica a conta:/És tu que a pagas./Põe o dedo em cada parcela,: Como aparece isto aqui?/Tens de tomar a chefia.

 

Referências

ANZIEU, D. O pensar – do eu-pele ao eu-pensante. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2002.         [ Links ]

BION, W. R. Aprender com a experiência. Rio de Janeiro: Imago, 1991.         [ Links ]

BION, W. R. Uma teoria sobre o pensar. In BION, W.R. Estudos psicanalíticos revisados (second thoughts). 3. ed. revisada. Rio de Janeiro: Imago, 1994.         [ Links ]

BOSSA, N. A. A psicopedagogia no Brasil: contribuições a partir da prática. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.         [ Links ]

BRECHT, B. In “Lendas, Parábolas, Crónicas, Sátiras e outros Poemas”. Trad.Paulo Quintela. Disponível em http://www.citador.pt/poemas/a/bertolt-brecht. Acesso em 10/2/2012.         [ Links ]

BRITON, R. Crença e imaginação – explorações em psicanálise. Rio de Janeiro: Imago, 2003.         [ Links ]

CARVALHO, R. E. Dificuldades na aprendizagem: uma abordagem psicopedagógica. Disponível em: https://docs.google.com/viewer?a=v&q=cache:MclgFy97hBcJ:xa.yimg.com/kq/groups/21898749/1983945818/name/Dif%2Baprend%2Bpsico.doc+dificuldades+na+aprendizagem+uma+abordagem+psicopedag%C3%B3gica&hl=pt-BR&gl=br&pid=bl&srcid=ADGEESj-7pvkEvSTlsFX7aqIp7I67Ma_pCmGQC1cauzLfi2rDvViRetnzOlrx3J-CF6X2DEFqMi5lz_GZObJH5n_aFnZup7w4dtuUbyrl-HwtbE4mmK0Yao7FF91UIpjR-P_zNNg-r6P&sig=AHIEtbST0SAjxd2QZ4V15uUd2Q3c6HWcVw – Acesso em 16/3/09.         [ Links ]

CID-10/Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde. Organização Mundial de Saúde, 2003.         [ Links ]

CARRAHER, T. N. (Org.) Aprender pensando. Petrópolis: Vozes, 1989.         [ Links ]

CARRAHER, T. N. O método clínico: usando os exames de Piaget. São Paulo: Cortez, 1989.         [ Links ]

DSM-IV/Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. American Psychiatric Association (APA), 1994.         [ Links ]

FIGUEIREDO, Luís Claudio. As diversas faces do cuidar: novos ensaios de psicanálise. São Paulo: Escuta, 2009.         [ Links ]

FREUD, S. Edição Standard Brasileira das obras psicológicas completas (ESB). Edição eletrônica CD-Rom. Rio de Janeiro: Imago, s/d.         [ Links ]

FREUD, S. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905). ESB, v.VII. Rio de Janeiro: Imago, 1974.         [ Links ]

FREUD, S. O esclarecimento sexual das crianças (1907). ESB, v.IX. Rio de Janeiro: Imago, 1974.         [ Links ]

FREUD, S. Sobre as teorias sexuais das crianças (1908). ESB, v.IX. Rio de Janeiro: Imago, 1974        [ Links ]

FREUD, S. Análise de uma fobia em um menino de cinco anos (1909). ESB, v.X. Rio de Janeiro: Imago, 1974.         [ Links ]

FREUD, S. Leonardo da Vinci e uma lembrança da sua infância (1910). ESB, v.XI. Rio de Janeiro: Imago, 1974.         [ Links ]

FREUD, S. Formulações sobre os dois princípios do funcionamento mental (1911). ESB, v.XII. Rio de Janeiro: Imago, 1974.         [ Links ]

FREUD, S. Tipos de desencadeamento da neurose (1912). ESB, v.XII. Rio de Janeiro: Imago, 1974.         [ Links ]

FREUD, S. A disposição à neurose obsessiva (1913). ESB, v.XII. Rio de Janeiro: Imago, 1974.         [ Links ]

FREUD, S. O ego e o Id (1923). ESB, v.XIX. Rio de Janeiro: Imago, 1974.         [ Links ]

FREUD, S. Inibições, sintoma e ansiedade (1926[1925]). ESB, v.XX. Rio de Janeiro: Imago, 1974.         [ Links ]

FREUD, S. O mal-estar na civilização (1930[1929]). ESB, v.XXI. Rio de Janeiro: Imago, 1974.         [ Links ]

GRIMBERG, L; SOR, D; BIANCHEDI, E.T. Introdução às ideias de Bion. Rio de Janeiro: Imago, 1973.         [ Links ]

IRELAND, V. Vida universitária: prazeres e sofrimentos. Brasília: Liber Livro, 2011.         [ Links ]

KLEIN, M. O desenvolvimento de uma criança (1921[1919]). In Klein, M. Amor, culpa e reparação e outros trabalhos (1021-1945). Rio de Janeiro: Imago, 1996.         [ Links ]

KLEIN, M. O papel da escola no desenvolvimento libidinal da criança (1923). In Klein, M. Amor, culpa e reparação e outros trabalhos (1021-1945). Rio de Janeiro: Imago, 1996.         [ Links ]

KLEIN, M. A importância da formação de símbolos no desenvolvimento do ego (1930). In Klein, M. Amor, culpa e reparação e outros trabalhos (1021-1945). Rio de Janeiro: Imago, 1996.         [ Links ]

KLEIN, M. Sobre o desenvolvimento do funcionamento mental (1958). In KLEIN, M. Inveja e gratidão e outros trabalhos (1946-1963). Rio de Janeiro: Imago, 1991.         [ Links ]

KUPFER, M.C. Problemas de aprendizagem ou estilos cognitivos? Um ponto de vista da psicanálise. In RUBISTEIN, E. (org.). Psicopedagogia – uma prática, diferentes estilos. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1999.         [ Links ]

LINO DA SILVA, Maria Emília. Pensando o pensar com W.R. Bion. São Paulo: M.G. Editores, 1988.         [ Links ]

MELTZER, D. O desenvolvimento kleiniano III: o significado clínico da obra de Bion. São Paulo: Escuta, 1998.         [ Links ]

PAIN, S. Diagnóstico e tratamento dos problemas de aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985 (4. ed. pela Artmed, 1992).         [ Links ]

PAIN, S. A função da ignorância. Porto Alegre: Artes Médicas, 1987, dois volumes.         [ Links ]

PARENTE, S. M. B. A. (Org). Encontros com Sara Paín. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2000.         [ Links ]

REZENDE, Antonio Muniz de. Wilfred R. Bion: uma psicanálise do pensamento. Campinas, SP: Papirus, 1995.         [ Links ]

REY, J.H. Fenômenos esquizoides no paciente fronteiriço (borderline). In SPILLIUS, E. B. (ed.) Melanie Klein Hoje: desenvolvimentos da teoria e da técnica. Rio de Janeiro: Imago, 1991, v.1, p.208-233.         [ Links ]

RUBISTEIN, E. (org.). Psicopedagogia – uma prática, diferentes estilos. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1999.         [ Links ]

STEFANINI, M.C.B.; CRUZ, S.A.B. Dificuldades de aprendizagem em suas causas: o olhar do professor de 1ª a 4ª séries do Ensino Fundamental. Educação, janeiro-abril, ano/vol. XIX, n.058, PUC-RS, Porto Alegre, 2006.         [ Links ]

WEISS, M.L. Psicopedagogia clínica – uma visão diagnóstica dos problemas de aprendizagem escolar. Rio de Janeiro: DP&A, 1997.         [ Links ]

WINNICOTT, D.W. A tendência antissocial (1956). In WINNICOTT, D.W. Privação e delinquência. São Paulo: Martins Fontes, 1987.         [ Links ]

ZIMERMAN, David E. Bion: da teoria à prática – uma leitura didática. 2.ed. Porto Alegre: Artmed, 2004.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Av. Umbuzeiro, 480 – Manaíra
58038-180 – João Pessoa/PB
Tel.: (83)3247-1235
E-mail: veraireland@yahoo.com.br

RECEBIDO EM: 15/02/2012
APROVADO EM: 16/04/2012

 

 

Sobre a Autora

Vera Esther Ireland
Psicanalista da SPP-Sociedade Psicanalítica da Paraíba/Círculo Brasileiro de Psicanálise. Psicóloga. Mestrado, Doutorado e Pós-Doutorado em Educação. Professora aposentada (atualmente colaboradora) da Universidade Federal da Paraíba.