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Estudos de Psicanálise

versão impressa ISSN 0100-3437

Estud. psicanal.  no.42 Belo Horizonte dez. 2014

 

 

Sexualidade masculina1

 

Male Sexuality

 

 

Stetina Trani de Meneses Dacorso

I Círculo Brasileiro de Psicanálise - Seção Rio de Janeiro
II Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente artigo discorre sobre a clínica psicanalítica na escuta do masculino na atualidade. Tempos atrás foi o feminino que graças a Sigmund Freud saiu das sombras e ocupou o primeiro plano. Esse evento inaugural da psicanálise nos convoca a fazer o mesmo movimento na escuta do sujeito masculino, que sofreu uma mudança na dinâmica de seu lugar no mundo e principalmente no olhar para si mesmo. Para tal objetivo a autora usará de veredas clínicas.

Palavras-chave: Sexualidade masculina, Psicanálise, Clínica.


ABSTRACT

This paper discusses the clinical psychoanalytic listening of today’s men. Long ago were women that due to Sigmund Freud went out of the shadows and occupied the foreground. This inaugural event of psychoanalysis calls us to do the same movement in listening to the male subject who suffered a change in the dynamics of its place in the word and especially on the look at himself. For this purpose the author had used for clinical paths.

Keywords: Male sexuality, Psychoanalysis, Clinic.


 

Os homens não se encontram para falar de si.
Que interesse tem o homem em falar dele mesmo,
principalmente para outro homem?
2

 

Introdução

Este artigo é uma adaptação do trabalho apresentado no XX Congresso do Círculo Brasileiro de Psicanálise com o tema “O sexual e as sexualidades: da era vitoriana aos dias atuais”. Quando me deparei com um dos subitens do Congresso: “Sexualidade masculina”, surgiram várias possibilidades: o masculino da pulsão sexual, o masculino na feminilidade, mas optei pela sexualidade do “gênero” masculino. Aspas no gênero, porque penso, resvalaremos algumas vezes neste padrão cultural de definição de seres. Sobre gênero, existem nas últimas décadas inúmeros trabalhos, principalmente acadêmicos. Sexualidade no título deste trabalho é a sexualidade da psicanálise, da constituição da subjetividade do ser gênero masculino que na contemporaneidade se percebe mergulhado em representações sociais que o deixam confuso, angustiado, com raiva e sem entender seus sentimentos e seu lugar nas relações.

Não vamos retomar de forma minuciosa o complexo de Édipo no menino, com suas vicissitudes das identificações nem discorrer sobre organizações psíquicas. Vamos nos debruçar sobre a escuta da clínica masculina contemporânea, suas angústias, suas dificuldades, seus conflitos. Nas investigações e nos questionamentos da produção de colegas psicanalistas, existem variadas abordagens nesse pensar, e alguns se perguntam se é possível pensar uma sociedade sem uma leitura de gênero e que em alguns momentos haverá uma hierarquização. Continuando em seus questionamento analisam que ficamos tão sensíveis a qualquer hierarquização que estamos face ao perigo da indiferenciacão sexual.

O texto de Anne-Marie Sohn, na trilogia sobre a História do corpo (2008), a autora analisa que o corpo tomou um lugar central nos últimos tempos, deixando ás vezes num segundo plano a liberação do desejo. Mas quando os dois discursos se unem, temos uma exigência de transparência, uma recusa da sexualidade sobre pressão. A liberação de costumes beneficiou a homossexualidade, mesmo que ainda vejamos situações de recuo e progresso frente a eles. O texto é extenso e não cabe discuti-lo aqui, mas algumas de suas colocações finais nos servem muito bem: os corpos são portadores de valores, inculcados pelos gestos e pelos discursos científicos. Assim, a dinâmica dos corpos sexuados perpassa de um extremo ao outro as relações sociais de sexo.

 

Desenvolvimento

A análise das representações sociais de gêneros e relações coincide com a colocação feita acima pelo aluno de psicologia. A frase com a qual iniciamos esta apresentação reporta a um lamento repetido das mulheres: os homens não falam, ficam em silêncio, confirmado pela frase de um homem, 56 anos, professor, divorciado:

Fomos almoçar, só os homens (numa situação de Congresso). Muito melhor. Bebe-se cerveja, fala-se de futebol... nenhum assunto sério. Quando chegamos (ao curso) mais tarde, todas as mulheres perguntaram onde estávamos, para quê? Já combinamos para amanhã, almoçar junto novamente, só homem.

or outro lado, Henfil escreveu uma crônica Quero chorar, mas não tenho lagrimas, da qual não temos a data, onde entre várias colocações que nos serviriam neste momento, pinçamos uns trechos:

O homem não conta a verdade para outro homem, e lembro que ouvia dizer: pô, fui para zona, fiz aquilo, peguei uma mulher [...] tudo mentira, cascata. Eu doido para perguntar: mas, onde coloca? Quem fica em cima? Quando é? Tem que falar? Quem coloca, eu ou ela? Não perguntava para não confessar ignorância. [...] O corpo do homem não pode se revelar. E depois tem um negócio, para estar bonito tem de estar duro. Pô, eu quero um ginecologista para homem também. Para ficar sabendo para que serve isso ou aquilo. [...] Saber limpar, conhecer...

Freud (1908) analisou o poder criativo dos escritores, convidando-nos a prestar atenção em suas produções, como são capazes de provocar em nós um prazer cuja origem são profundas fontes psíquicas e capazes de prenunciar algo que ainda há de vir. Henfil faleceu em janeiro de 1988... E encontramos nas falas clínicas de nossos pacientes homens as mesmas angústias sobre si do texto de Henfil. Contudo, temos poucas produções sobre esse sujeito masculino.

A palavra “falo”, derivada do latim, designa o membro masculino em ereção, simboliza potência e está ligada a religiões pagãs e/ou orientais. O termo raramente surge em Freud. O que encontramos é o adjetivo “fálico”, ligado à diferenciação sexual e à teoria da sexualidade feminina (ROUDINESCO, 1998).

De forma geral, simboliza poder, certezas, controle, potência. Com o tempo e os vários desdobramentos da teoria psicanalítica, sua popularização e sua relação com a diferença entre os sexos e lugar do homem nas relações com a mulher provocaram muitas controvérsias e deformações da teoria psicanalítica, assim como novas abordagens do feminino.

Se retomarmos o simbolismo por trás do termo “falo” e sua relação com o homem, nos deparamos com a situação psíquica de que uma certeza falocêntrica não permite dúvidas, as verdades são inquestionáveis, não há perguntas a fazer, bem o disse Henfil. Mas o sujeito homem sabe que tais certezas só existiam/existem por não terem sido postas em cheque, ou porque havia um acordo tácito de que a verdade dali emergia. O preço sempre foi pago no discurso do, estresse ataque cardíaco, da úlcera, da morte prematura. Justificado pelo árduo trabalho de ser provedor, de saber as respostas, de dar conta e não poder fraquejar e de ter que ‘cuidar’ daqueles considerados mais fracos: crianças, mulheres, subordinadas. Quando esse equilíbrio é perdido, e aqueles ditos menos assumem atitudes características das atitudes dos sujeitos ditos fálicos, encontramos a angústia o não saber.

Penso que as relações com as mulheres está muito difícil. Assisti a um seminário neste final de semana, e a coordenadora, falando sobre as mulheres, disse que antes elas traíam por vingança e agora traem por desejo. E agora? A gente não sabe o que fazer (Aluno de psicologia, 8 p.).

O masculino visto como já pronto, estabelecido, já dado, e o feminino em construção, indomável. O paradigma moderno, no século XVIII se estabeleceu baseado em relações binárias e de oposição, que serão contestadas na década de 1970/1980. A noção de valor absoluto e inquestionável afirma o não valor de seu oposto: Deus/Diabo, homem/mulher, fala/escrita; corpo/espírito. A psicanálise vai colocar em cena o feminino através do estudo da histeria centralizando o feminino-inferior, provocando discussão de toda relação binária. Analisar um unificador central historicamente significa buscar sua origem, surgimento, causa de sua construção e articulação com os vários saberes existentes. Pensar as sexualidades é questionar os centros organizadores dos gêneros: família nuclear, filiação, provedor, direitos, violência (ARÁN, 2006).

Utilizando de uma leitura crítica numa certa naturalidade para realizar a leitura dos gêneros e suas subjetividades, fomos investigar como o masculino se apresenta nos estudos acadêmicos. Deparamo-nos com pesquisas acadêmicas sobre acidentes, ataques de ira, violência contra a mulher, jogo, endividamento, toxicomanias. O homem analisado como supostamente pertencente a um grupo de risco. Alguns títulos de pesquisas: homens e acidentes de trabalho; homens e violência doméstica; homens e drogadicção. E segue esse caminho o campo jurídico com artigos e discussões sobre o afeto paternal: paternidade biológica e paternidade afetiva. Em 2009 o Ministério da Saúde apresentou a Politica nacional de atenção integral a saúde do homem, e e um trecho do documento nos chamou a atenção:

[...] a política traduz um longo anseio da sociedade ao reconhecer que os agravos do sexo masculino constituem verdadeiros problemas de saúde pública... uma compreensão da realidade singular masculina.

Verdadeiros problemas de saúde pública? Porque o que acontece com o sexo masculino desestabiliza um status quo de equilíbrio social das relações. Mas ao mesmo tempo introduz o novo enquanto exigência de cuidados e discussões. Nesse documento existem seis eixos: (a) acesso e acolhimento do público masculino nas unidades de saúde; (b) direitos sexuais reprodutivos; (c) paternidade e cuidados; (d) promoção de saúde e prevenção de acidentes e violência; (e) atenção integral às doenças prevalentes na população masculina; (f) prevenção do uso de drogas e álcool. Expondo de forma clara que o grupo é de risco, pela violência e drogadicção. Esse é o sujeito-homem.

Porém, há poucos trabalhos sobre a dificuldade identificatória do homem ou modelos de identificação que possam ser encontrados. Se retrocedermos nosso olhar para uma abordagem histórica, veremos homens e mulheres em posição de diferenças bem definida. O olhar investigativo que rodeava a mulher levou a cristalizações: assexuada, doente dos nervos, feita para a maternidade, frágil e precisando de um cuidador e controlador de seu descontrole, limitada na objetividade e na vida pública. Esses adjetivos foram/são comprovados pelos discursos da educação, pedagogia, medicina, politica e cotidiano das relações. Esses traços foram levantados a partir do olhar voltado para o ideal masculino e, principalmente pela ordenação homem/público e mulher/privado. Essa ordem num processo em cadeia define relações sociais, leitura de subjetividades, relações afetivas, poder, Lei.

Os Três ensaios estão mais do que nunca atualizados, uma sexualidade na normalidade não existe. Uma nota de rodapé de Freud de 1910, nos Três ensaios, se refere à diferença entre os antigos que valorizavam a pulsão independentemente do objeto e o homem moderno que valoriza o objeto e despreza a pulsão se o objeto é considerado inferior é bastante atual nos nossos estudos destas novas subjetividades. A psicanálise trabalha com a pulsão. As dualidades no pensamento da psicanálise: fálico/castrado; ativo/passivo provoca e exacerba a angústia nas discussões: faltam limites bem definidos, falta esclarecer, são sempre colocações onde se procura por uma “ordem” na suposta desordem estabelecida por aquilo que autores têm chamado de “fluidez”, perda dos limites, homens sem gravidade, subjetividades fluidas são análises conhecidas e que contribuem para acaloradas discussões, mas nem sempre nos auxiliam numa escuta clinica.

Tento conversar com ele, mas não compreendo como pode ficar no quarto lendo aqueles livros – você (para mim) deveria ver o que ele lê! Vendo filmes e dormindo, sempre foi hiperativo! (Pai – que se define como homem ativo e de ação rápida e o filho que o define como tipicamente patriarcal – angustiado com o filho de 19 anos).

A posição do filho angustia e assusta esse pai, típico exemplar patriarcal, porque o homem que espera, fica parado e sofre está feminizado. Todo homem que fala a ausência, e não saber se declara feminino (BARTHES, 1981).

A sexualidade masculina é um saber em construção, como o foi décadas atrás o saber sobre as mulheres, foi necessário alguém se despir de uma grande parte de seus apriores para “deixar falar, deixar que acontecesse a limpeza da chaminé”. É o que hoje nos demandam, nos exigem aqueles que nos procuram.

Joel Birman (2006) descreve o tempo patriarcal, como um período com modelos bem definidos, cristalizados, que implica características culturais definindo os gêneros e subjetividades, como colocamos anteriormente. Nesse modelo cabia à mulher o espaço privado e portanto a maternidade, que era, ou é, definidora de sua essência.

Atualmente é um período que podemos nomear de pós-patriarcal e se articula a algumas questões: (a) mudança da família nuclear, (b) feminismo – mulher no mercado de trabalho e a separação da sexualidade e maternidade, possibilitada pela pílula, que produziu uma enorme pesquisa nas técnicas de reprodução. Estas, por sua vez, afetaram de forma violenta nossos conceitos, valores e representações sobre filiação; (c) movimento gay, que retira os homossexuais da clandestinidade.

Na análise dessas questões percorremos produções teóricas como a análise inaugural de Michel Foucault; os trabalhos sobre o feminismo/feminino; psicanálise e feminilidades; homoerotismo/homossexualidades; o masculino e trabalhos sobre o transexual/corpo que muda, impensável para todos nós até um tempo atrás.

É um exercício exaustivo sair do que é considerado natural; afinal, são parâmetros bem reconfortantes! Sigmund Freud analisou há décadas que não sabe o que é um masculino e um feminino em seu estado puro! A mesma dificuldade encontrada para pensar as mulheres se apresenta agora para pensar os homens. Porque cada vez que nos referirmos às diferenças, está implicada uma relação de dualidade, hierarquia e assimetria entre os sexos. A alteridade não vai deixar de existir!

O período de mutação que estamos vivendo provoca em todos um mal-estar, não existe o discurso que possa ser considerado a coluna vertebral social, isto é, um enunciador com credibilidade. Não existe “o” valor verdadeiro, todos os discursos convivem no mesmo espaço solicitando em alguns momentos o lugar de supremacia. A consequência é um estado de confusão, angústia e fragmentação. A ilusão de onipotência é uma forma de tamponar esse estado de espírito.

Sonho muito. Todos os meus sonhos são repetitivos. Tem portas que precisam ser abertas, mas eu não tenho as chaves, ou elas se perdem, ou caem em buracos que não dá para pegar. E tem sempre uma mulher comigo, diferente em cada sonho, eu não as reconheço. Devem ser corretoras de imobiliária... Mas mulheres, em todos??? Elas não são confiáveis. Mas atualmente só tem mulheres, e aí, como vai ficar???... (50 anos, viúvo, criou uma filha sozinho não quis casar novamente).

O discurso falocêntrico tem sido questionado em muitas construções teóricas (ou desconstruções) sobre o feminino – cuja condição foi ou é lida como imperfeita, passa para a cena central – os homens estão se feminizando! Essa abordagem não ameniza a confusão que o homem comum, parceiro, pai, filho vivencia em seu cotidiano. Cotidiano ainda ambíguo e que oscila como um pêndulo entre os dois modelos: patriarcalismo x pós-patriarcalismo. Devemos considerar que é muito difícil quebrar uma “naturalidade” de pensar e olhar que sempre tivemos para com o homem. A preocupação com a reformulação do discurso falocêntrico que colocou no centro as questões femininas, deixaram de lado os homens com suas angústias, cada vez maiores. E o masculino que aprioristicamente nunca precisou de definição, passou a ser pressionado, pelas mudanças ocorridas, a realizar uma revisão do ser homem.

Quer saber? No fundo eu sou machista, possessivo, mandão, hiperprotetor, controlador. Não gosto de ser assim... Não quero ser assim. Namorando uma garota muito mais nova, suportando a angústia que ela me provoca (pela insegurança), eu posso me tornar um sujeito melhor, mais light... (Administrador, 45 anos, 3 casamentos).

São colocações carregadas de angústia. O deslocamento do feminino provocou novas formas de olhar. São mudanças que recaem sobre itens estabelecidos. Ser provedor, por exemplo, sempre significou a falicidade, a capacidade de sustento de si, prole e mulheres, sinônimo de sucesso. O que existe em muitas situações é o desempregado, o que ganha menos, até a impossibilidade de manter a si mesmo.

E outros entraves no pensar a relação com a mulher: o desejo de agradar, ser desejado e admirado pela mulher se torna mais explícito. Jovens questionam os modelos identitários de seus pais, rejeitando o masculino de suas famílias, presente através de seu pai. Porém, os processos de identificação da primeira infância não podem ser impedidos. Assim, encontramos jovens sofrendo, angustiados, com crises de ansiedade sentindo-se paralisados para estudar e/ou se envolver amorosamente com outra pessoa.

Meu pai é machista, interfere em tudo, ele tem a solução, sabe tudo. Não dá para conversar com ele. Diz que homem não pode se entregar, não pode ficar chorando sem parar, tem de levantar e fazer alguma coisa, tem de agir (19 anos largou curso superior, brigou com namorada de 5 anos, e tem um pai oriundo da pobreza que enriqueceu com o próprio trabalho).

Paralelamente à angústia que os homens sentem em relação a si mesmos, está o permanente desejo de satisfazer as mulheres sexualmente. É enorme medo que sentem em ser rejeitados ou comparados a outro homem pela mulher atual – que muitas vezes tem mais experiência do que ele. Algumas vezes a solução encontrada é transformar o objeto desejado num desprezível corroborado por escolhas que fizeram sofrer.

As mulheres não são confiáveis, elas mentem, fazem qualquer coisa para casar... estava pensando que usei o sexo no lugar do sentimento. Me consideram bom de cama. E acho que também usei a criação da minha filha para não ficar dedicado a uma mulher (Homem de 50 anos).

Até um tempo atrás ser homem dependia da manutenção de um dogma (algo considerado certo, fundamental e inquestionável) e o tornar-se mulher implicava o abandono da miragem fálica. Ser fálico é não ter dúvida nem questionamentos. Com uma certeza fálica, isto é, o melhor homem é aquele que “não quer nem saber”, tem habilidade no fazer, fazer com que a mulher acredite que ele, sem perguntar, saiba perfeitamente o que ela quer.

Essa quantidade atual de garotas gays, lindíssimas, é um desperdício... Isto tá acontecendo porque esses garotinhos não sabem transar, não têm a mínima ideia de como comer uma mulher. Se elas pegassem um homem bom de cama, não tinha garotas gays (Administrador, 45 anos, namorando uma garota de 20 anos, gay assumida).

Colegas têm desenvolvido trabalhos com adolescentes, que nos trazem um se colocar no mundo de forma bem distinta dos homens de outras gerações. Conversando com um colega sobre este tema – sexualidade masculina – e trocando veredas clínicas sobre o desânimo que acomete jovens adolescentes masculinos, esse colega me chamou a atenção:

Você já reparou que o desânimo, tédio, cansaço, um não saber o que fazer, é uma prerrogativa dos adolescentes homens? As garotas a apresentam em menor número, e estão sempre numa ação. Os garotos, por sua vez, até a tesão se transforma num peso... Algo para pensarmos sobre o masculino.

Um jovem de 23 anos terminou uma relação de “ficante constante de 6 meses” com uma garota que disse não querer se prender num namoro sério, algo que ele queria muito. Relatou-me a situação:

Não compreendo como uma pessoa pode optar por preferir ficar na noite, pegando ora um, ora outro; bebendo, dançando, quase três noites por semana!!!!! E não querer algo mais tranquilo: ver filme junto, sair com alguém que já está com você, ir jantar e não precisar ficar procurando alguém para transar...

E continuou nesse ritmo, recusando-se a reconhecer as diferenças de desejos. Posições antagônicas: a dele tranquilo, caseiro, privado e feminino, e a dela externo, ativa e masculina. Paralelo a essa fala encontramos um sofrimento masculino oriundo da perda das certezas, do saber como fazer, da segurança de não precisar se preocupar com seu objeto de desejo. Presente numa posição machista sempre tão preservada, mas que não lhe serve quando na conquista de algumas mulheres.

Me ajuda... estou sem comer, sem dormir. Vivo angustiado. Estou louco por aquela mulher Mas, se ligo demais, ela diz que estou controlando, está ocupada. Quero ver todo dia, e ela nem suporta esta ideia, está sempre com muita coisa para fazer.

É fala de um homem de 55 anos e divorciado há 15. Sempre se gabou de se relacionar com várias mulheres ao mesmo tempo, nenhuma delas saber que tem outras e não precisar casar porque as mulheres estão tão disponíveis que nunca precisou se ligar a uma apenas. Apesar de dizer que faz tudo com muita elegância, encontra-se em situação antes da chamada “mulherzinha apaixonada” e totalmente devastado. Tudo que antes eram certezas de ação e sucesso está sem efeito. E tem de ficar na não ação, na espera, no não saber. Ai recorre “ao analista”, analista mulher, cujo oficio é espera e escuta.

Mas como temos repetido, são muitos os discursos e em várias áreas do saber. Contudo, a escuta da psicanálise com sua postura e discurso ético, tenho a pretensão de acreditar, nos torna aptos a acolher clinicamente esse ser humano masculino no seu padecimento psíquico.

 

Algumas considerações

Teremos de problematizar determinados temas considerados já definidos. Os últimos filmes de animação baseados em histórias infantis como Frozen e Malévola, não é o príncipe que descongela ou acorda a princesa, mas alguém que tem por ela um genuíno sentimento fraterno. O homem não é mais nas histórias o príncipe encantado, que desperta para vida, que leva e conduz. Como então dar conta de si e do que sempre se acreditou ser?

Quando nos referimos às formas de pensar o sujeito masculino e sujeito feminino como fálico x castrado; forte x fraco; superior x inferior; racional x emocional, sabemos que nos referimos a formas de subjetivação, e não a gênero masculino e gênero feminino, e que são posições que circulam entre homens e mulheres.

Contudo, somos sujeitos do individual e do coletivo, e no laço social nos relacionamos com as representações sociais, econômicas, morais, educacionais e disciplinares de saberes constituídos que têm sua lógica de funcionamento e avaliação para homens e mulheres.

Tudo que até o momento nos tem possibilitado analisar relações binárias possui um centro que separa os dois lados e que após a crise que se abateu sobre esses pensares, como já colocamos ao longo do texto, deixou de existir.

Assim, a positividade da feminilidade implica um caos de identidade e uma desconstrução de tudo aquilo que se ligava ao mundo simbólico masculino (ARAN, 2006). É a oportunidade para podermos pensar o masculino e feminino de uma outra forma, e fundamentalmente esse homem que agora recorre à psicanálise como o operador/gatilho que lhe dá acesso ao seu “ser homem”.

Para nós, psicanalistas, é uma provocação e desafio porque teremos de rever o que também sempre consideramos natural na escuta e nas hipóteses teóricas.

 

Referências

ARÁN, M. O avesso do avesso. Feminilidade e novas formas de subjetivação. Rio de Janeiro: Garamond, 2006.         [ Links ]

BARTHES, R. Fragmentos de um discurso amoroso. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1981.         [ Links ]

BASTOS, R. L. Psicanálise e a escrita de emancipação: discussão entre Deleuze e Joel Birman. Psicol. USP, v. 24, n. 1. São Paulo jan./abr. 2013. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/So103-65642013000100005>. Acesso em: set. 2014.         [ Links ]

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NUNES, S. A. O corpo do diabo entre a cruz e a caldeirinha. Um estudo sobre a mulher, o masoquismo e a feminilidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.         [ Links ]

ROUDINESCO, E.; PLON, M. Dicionário de psicanalise. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Rua Rei Alberto, 108/901 - Centro
36016-000 - Juiz de Fora - MG
E-mail: stetina-dacorso@ig.com.br

Recebido: 16/10/2014
Aprovado: 21/10/2014

 

 

SOBRE A AUTORA

Psicóloga. Psicanalista.
Presidente do Círculo Brasileiro de Psicanálise no biênio 2012-2014. Vice-Presidente CBP-RJ. Professora do curso de Psicologia CES/PUC Minas. Mestre em Letras: Literatura Brasileira CES-JF.

 

 

1 Plenária do XX Congresso Brasileiro de Psicanálise do CBP-2013 e XXXI Jornada de Psicanálise do CPMG. Tema: O sexual e as sexualidades: da era vitoriana aos dias atuais.
2 Aluno dos últimos períodos da Psicologia depois de uma aula sobre sexualidade masculina.

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