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Estudos de Psicanálise

versão impressa ISSN 0100-3437

Estud. psicanal.  no.43 Belo Horizonte jul. 2015

 

EDITORIAL

 

Em 2013 e 2014 dois colegas dos Círculos Psicanalíticos de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul – Eliana Mendes e Cleo Malmann – publicaram na Estudos de Psicanálise artigos sobre Igor Caruso e sua importância na fundação do Círculo Brasileiro de Psicanálise e suas federadas. Entre os retratos de nomes destacados da psicanálise, que sempre são publicados nas páginas internas iniciais, em 2013 também foi publicada uma fotografia de página inteira sobre Caruso. Neste primeiro número de 2015 da Estudos, um novo artigo sobre Caruso, enviado pelo Círculo Psicanalítico do Rio Grande do Sul, é publicado pela convidada Marlene Gonçalves Mattes.

Menos conhecida nos demais círculos, mas muito importante no Rio de Janeiro, foi a presença de Kattrin A. Kemper (1905-1978), também conhecida como D. Catarina. Foi ela quem, ao se aproximar de Igor Caruso e Malomar Edelweiss ao final da década de 1960, levou à expansão do Círculo Brasileiro de Psicologia Profunda nas terras cariocas. Foram os analisandos, ex-analisandos e seguidores de Kattrin, que fora desligada da IPA (ou melhor, não muito disfarçadamente, expulsa), os fundadores em 1969 do Círculo Psicanalítico da Guanabara, depois do Rio de Janeiro e do qual, após uma dissidência em 1977, surgiu em 1981 o Círculo Brasileiro de Psicanálise-Seção Rio de Janeiro. O Círculo era a quarta sociedade psicanalítica a nascer em terras cariocas, depois do Instituto de Medicina Psicológica, fundado em 1953 (hoje Sociedade Psicanalítica Iracy Doyle), e das duas sociedades filiadas à IPA em 1955 e 1959.

Analista leiga, assim como Caruso, Kattrin era defensora da análise leiga numa cidade em que, ao contrário de alguns outros estados, a psicanálise era exclusividade de médicos. Personagem polêmica e que, segundo alguns ex-analisandos pessoalmente disseram, “não escondia e gostava das controvérsias a seu respeito” e “era uma alemã muito autorrritárria”. Além de propagar o Círculo no Rio, no que teve mais importância que Caruso ou Malomar, Kattrin fundou em 1973 com seus seguidores uma segunda instituição, a Clínica Social de Psicanálise, desaparecida em 1991, mas que deixou célebre memória no Rio de Janeiro. E não por menos sofreu pressões da IPA na década de 1970, para que o nome “psicanálise” fosse substituído na clínica por “psicoterapia”, assim como o próprio Círculo também sofreu pressões por seu fechamento.

A importância de Kattrin Kemper no Círculo Brasileiro de Psicanálise também pode ser medida pelo fato de ter publicado artigos na então nascente Estudos de Psicanálise números: 1, 3, 4, 5, 6 e 7. Isto é, exceto no segundo, em todos os números da revista até um ano antes de seu falecimento.

Personagens de uma Europa jogada no caos, exilados, com grandes lacunas e passagens polêmicas em suas biografias, e temperamentos bem diferentes, Caruso e Kattrin possuíam algo em comum.

Caruso, ex-conde russo de origem veneziana, doutorando da famosa universidade católica de Louvain com tese sobre Piaget, ex-existencialista cristão, do qual primeiro uma filha com pouco mais de um mês de vida e poucos anos depois a primeira esposa teriam morrido de fome durante a Segunda Guerra Mundial, nos foi descrito por alguns que o conheceram pessoalmente como ‘deprimido’, ‘melancólico’. D. Catarina, de origem simples, grafóloga (um antigo paciente seu relatou que ela lhe confidenciara ter iniciado trabalhando como manicure), ex-analista didata da IPA no Brasil, divorciada de um analista didata da IPA que durante a guerra trabalhara na Alemanha em uma instituição de nome tenebroso – Instituto Göring –, pelos textos escritos e pelos depoimentos pessoais que escutamos, parece ter sido pessoa de temperamento aparentemente oposto ao de Caruso.

Mas a história deixa bem claro que Caruso e Kattrin eram dotados de forte personalidade: leigos, ecléticos na prática e em seus escritos, inspiradores e aglutinadores das pessoas ao redor, gerando a criação de novas instituições. Ou, utilizando Platão ou Freud, muito eróticos. Uma vez que Caruso já foi homenageado com uma foto em número anterior, esta é a vez de relembrar com uma foto D. Catarina.

Anchyses Jobim Lopes
Membro do Conselho Editorial

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