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Estudos de Psicanálise

versão impressa ISSN 0100-3437

Estud. psicanal.  no.43 Belo Horizonte jul. 2015

 

 

Psicanálise e política: é possível distrair nossas pulsões do ato de destruir?

 

Psychoanalysis and politics: is it possible to distract our drive of the act of destroying?

 

 

Cibele Prado Barbieri

I Círculo Psicanalítico da Bahia

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O artigo é uma reflexão sobre as manifestações destrutivas na civilização e suas conexões com os campos da arte, do esporte e da política a partir da perspectiva da psicanálise.

Palavras-chave: Psicanálise, Política, Esporte, Arte, Violência, Sideração, Alienação.


ABSTRACT

The article is a reflection on the destructive manifestations of civilization and its connections with the fields of art, sports and politics from the perspective of psychoanalysis.

Keywords: Psychoanalysis, Policy, Sport, Art, Violence, Sideration, Alienation.


 

Toda ideologia totalitária y delirante
es significativa de la desestructuración
de la consciência dialéctica.

IGOR CARUSO1

 

Ao refletir sobre os fenômenos de violência que se alastraram pelas terras brasileiras no ano 2013, não pude abandonar duas referências psicanalíticas: a psicologia freudiana das massas e o desenvolvimento do conceito de sideração abordado nas conferências de Paolo Lollo, nesse mesmo ano.

A contradição entre esses fenômenos e a ideia acalentada de que neste milênio a civilização evoluiria para um laço social menos violento, causou-me espanto, certa perplexidade: fiquei siderada. Mesmo não sendo completamente mística ou informada sobre astrologia, desejei acreditar nos bons presságios de uma nova era; que a propalada “Era de Aquarius” poderia gerar efeitos positivos visíveis no presente, poderia assisti-los nesta vida, e não apenas em uma possível “reencarnação”, caso os augúrios se confirmassem.

Como Freud, me desfaço das ilusões que acalentei e faço minhas as suas palavras.

Pertenço a uma raça que na Idade Média era considerada responsável por todas as epidemias e que hoje é culpada pela desintegração do império austríaco e pela derrota alemã. Tais experiências têm um efeito moderador e não propiciam a crença em ilusões. Grande parte do trabalho da minha vida... foi [uma tentativa] de destruir as minhas ilusões e as da humanidade. Mas se essa esperança não puder pelo menos em parte ser realizada, se no curso da evolução não aprendermos a distrair nossas pulsões do ato de destruir a nossa própria espécie, se continuarmos a odiar um ao outro por pequenas disputas e matar um ao outro por um ganho mesquinho, se continuarmos a explorar, para a nossa destruição mútua, o grande progresso que se fez no controle de recursos naturais, que espécie de futuro nos aguarda? (FREUD apud FUKS, 2000, p. 91).

Judeus ou não, pertencemos todos à mesma raça: a humana. A tendência a tomar as armas para responder às faltas que o outro impõe – sejam elas (armas e faltas) reais, imaginárias ou simbólicas; sejam elas vindas do semelhante, o pequeno outro, das “forças da natureza”, do estrangeiro estranho, ou do grande Outro – está exposta e documentada desde quando é possível falar de “história” da humanidade; provavelmente, desde a pré-história, talvez antes mesmo de podermos falar; anterior e introdutora da fala, como insinua Kubrick (1968) em 2001 - Uma odisseia no espaço evocando o Fiat Lux, ou o Fiat furo, no jargão lacaniano.

Se, como postula Alain Didier-Weill (1997), há um primeiro tempo em que luz/trevas estão mescladas caoticamente, é num segundo tempo e a partir de outro ponto que será possível arrancar do “real traumático do caos” a luz, para torná-la “dia” e a treva, para torná-la “noite”: resposta possível ao dilema humano diante de um paradoxo insolúvel – e, por isso, traumático – tal como observa Jean-Pierre Winter.

[...] é traumática qualquer coisa ligando o sujeito a uma impossibilidade de responder logicamente a um acontecimento ao qual se confronta, sendo este, geralmente, da ordem da crueldade do mundo [...] (WINTER apud DIDIER-WEILL, 1997, p. 283).

Weill considera quatro respostas possíveis ao dilema diante do qual o sujeito é colocado pela coexistência do “Há” e do “Não Há”, do “Há Um” e do “Não há Um”: a solução psicótica que descarta (foraclui) o “há”; a perversa que o desmente com o “não há”; a gnóstica que faz coexistir os dois: como clivagem do Outro, entre um Outro bom e um Outro mau, ou apenas como manifestações de apenas um Outro, dividido em bom e mau. A quarta solução se apoia na possibilidade de o sujeito sair da posição traumática fazendo os dois termos do dilema “metaforicamente copular um com o outro”, metáfora onde “o “Há Um” vai, de certa maneira, engravidar o “Não Há Um”, de sorte a dar lugar à aparição dessa terceira significação que é , ou seja, a assunção da existência da falta – que permeia toda a subjetividade humana – partindo de “um sentimento de amor que não está ao alcance de todos, que se chama amor intellectualis dei”, que Lacan ([1959-1960] 2008) liga a Spinoza e Freud no seminário da Ética da psicanálise (LACAN apud DIDIER-WEILL, 1997, p. 285).

Escapando da solução gnóstica de um mundo regido pela luz e pelas trevas, ele [o sujeito] entra num mundo regido por um ponto terceiro de onde a luz e as trevas se articulam: não se trata de um ponto de onde a luz clareia as trevas – que, desse modo, deixariam de sê-lo – mas de um ponto de onde a luz outorga um Traço unário que permite nomear o inominado, de tal modo que as trevas possam, tornando-se “noite”, ser arrancadas do real traumático do caos onde o tempo cessou de pulsar. Com a “noite” a ordem do ritmo temporal, assegurando a sucessão do dia e da noite, pode se pôr de novo a pulsar (DIDIER-WEILL, 1997, p. 287-288)

Essa solução, entretanto, não estando “ao alcance de todos”, como observa Lacan, parece estar ao alcance de muito poucos; ou, então, podemos pensar que, mesmo que esteja ao alcance de uma maioria, não reduz, tampouco extingue, os efeitos e a manifestação da crueldade e da violência da humanidade globalizada emergindo nos movimentos de rebeldia no âmbito social nacional e nos conflitos entre nações, que hoje assistimos ao vivo e em cores.

Muitas vezes, e cada vez mais, se esboça o imperativo de que o universal tanto quanto o singular encarne o “UM”, dominem o indômito, o imprevisível, o impossível que resiste e insiste nas forças externas e internas, no “em si” de cada sujeito. A cada uma das intempéries do planeta – que ocorrem desde sempre e foram atribuídas em outras épocas aos humores dos Deuses – observa-se a manifestação de uma demanda imperiosa e categórica, dirigida agora aos homens, de identificar, responsabilizar, acusar, cobrar autoria e culpa da obra.

Encontrar “o(s) culpado(s)”, os que falharam por não serem infalíveis, torna-se imperioso enquanto ameaça essencialmente paranoica, que denuncia a ilusão de existir pelo menos um sujeito infalível, insistindo no “Há UM”, que possa confirmar a possibilidade de obturar todas as lacunas próprias da imprevisibilidade, ao modo psicótico ou, então, impedi-las de se apresentarem denegando o “Não há UM”, ao estilo da perversão. A sentença vingativa supera e obstrui a solução criativa. Essa completude fantástica propalada nas mensagens do consumo capitalista evoca a existência da plenitude do objeto.

A nossa volta, existe hoje uma espécie de evidência fantástica do consumo e da abundância, criada pela multiplicação dos objetos, dos serviços, dos bens materiais, originando como que uma categoria de mutação fundamental na ecologia da espécie humana [...] até ao espetáculo permanente da celebração do objeto na publicidade de mensagens diárias emitidas pelos mass media. [...] Os conceitos de “ambiente” e de “ambiência” só se divulgaram a partir do momento em que, no fundo, começamos a viver menos na proximidade dos outros homens, na sua presença e no seu discurso; e mais sob o olhar mudo de objetos obedientes e alucinantes que nos repetem sempre o mesmo discurso – isto é, o do nosso poder medusado, da nossa abundância virtual, da ausência mútua de uns aos outros. Como a criança-lobo se torna lobo à força de com eles viver, também nós, pouco a pouco, nos tornamos funcionais. Vivemos o tempo dos objetos: quero dizer que existimos segundo o seu ritmo e em conformidade com a sua sucessão permanente. (BAUDRILLARD, 1995, p. 13).

Esse absolutismo, que abdica de engendrar uma significação terceira pela copulação metafórica entre duas significações, aparece no cotidiano de nosso viver. Aparece na história política dos povos, nos discursos individuais, ideológicos e nos noticiários sobre as guerras; no universal e no particular. Diante da oposição entre esquerda e direita observamos a tendência ao absolutismo, ao radicalismo que só os aproxima em seus efeitos de violência, onde terminam coincidindo. A ditadura, no plano social, assim como a dominação no plano individual e subjetivo – a dominação da censura superegoica, por exemplo – é sempre violenta, olhar de medusa que petrifica a significação, impedindo a desideração do sujeito.

O sujeito siderado pelo Outro, seja pelo mandato do Supereu, seja por uma idealização ou mesmo por uma palavra, permanece imobilizado e impedido de operar a copulação dos termos em jogo, a simbolização e a instauração do desejo.

Paolo Lollo, em sua 3ª conferência,2 chama nossa atenção para esse termo que Freud usa no texto, O chiste e suas relações com o inconsciente (1905) para falar do tempo entre a enunciação da piada e o riso de quem a ouve: verblüffung. Esse termo, que Marie Bonaparte traduziu por sideração, pode também ser traduzido por surpresa, espanto, perplexidade, estupefação, dependendo do grau dos efeitos da sua incidência. Siderar tem o sentido de deixar sem ação, obnubilar, estarrecer, paralisar, fulminar; causar perturbação em; atordoar;3 pois carrega a significação que traz do latim sideratio, que significa oposição, ação funesta dos astros e, também, fulminação.

O silêncio no qual mergulha quando siderado é o tempo em que o sujeito, fulminado, tem que estabelecer novas ligações, novos sentidos para o que foi dito; caso contrário, permanece na imobilização. O surgimento da ação do riso, por exemplo, vem no “só depois”, ao sair da sideração. Nesse meio tempo o sujeito fica sem ação, perplexo, necessitando encontrar um novo sentido para além do que foi dito, para poder retomar a ação e, assim, desiderar-se. Desiderare é desejar. Essa operação nem sempre acontece para nosso prazer, como no caso do chiste, podendo prestar-se ao que está além do princípio do prazer no nosso cotidiano.

[...] o que é sideração? O que é esse poder através do qual a linguagem pode operar sua própria abolição, de tal forma que ao sentido de que é portadora se substitua esse não senso cuja ocorrência Freud situa como aparição da dimensão siderante do ininteligível, do enigmático? (DIDIER-WEILL, 1997, p. 115).

A sideração apresenta-se então como tempo subjetivo pelo qual o significante, se revelando “causa de gozo”, traduz um tal rapto do espírito, do qual o místico testemunha, como Tereza d’Ávila ao evocar sua “tolice” e sua ignorância (DIDIER-WEILL, 1997, p. 117).

Distingue-se da operação da alienação (do alemão entfremdung) como Lacan a propõe. A palavra alienação vem do latim alienare, alienus, que significa: “que pertence a um outro” (FERREIRA, 1986, p. 86). Segundo o Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa (1986) significa também transferir para outrem o domínio de; juridicamente, o termo quer dizer a perda do usufruto ou posse de um bem ou direito pela venda, hipoteca, etc.

Freud usa esse termo para falar de isolamento, distanciamento, diferentemente de Lacan, que o toma no sentido jurídico, para falar da dependência que vincula a constituição da subjetividade ao desejo do Outro. A criança, em seu desamparo, à mercê da significação engendrada pela mãe – da qual depende sua emergência como sujeito capaz de formular novas significações e um desejo próprio –, fica pendente até que possa, através de uma operação lógica de separação, desfazer-se, libertar-se de sua alienação.

Mas, se na operação de separação, o sujeito se desfaz de sua alienação ao desejo do Outro, ele não perderá sua alienação fundamental à palavra.

Não podemos, no momento, senão supor que o infans, enquanto banhado na fala dos pais, só se comunica com ela pelo medium da música que ele ouve por intermédio do ritmo que escande a melodia da voz materna (DIDIER-WEILL, 1997, p. 259).

A experiência da sideração, enquanto acontecimento súbito que causa espanto, “[...] detém o poder de introduzir, na continuidade do saber, a hiância súbita de uma descontinuidade” (DIDIER-WEILL, 1997, p. 17). Essa descontinuidade favorece a oportunidade de uma rearticulação do saber, a abertura de novas possibilidades de ação e remanejamentos do desejo: momento que chamamos desideração.

O tempo da sideração não é cronológico. Pode variar do simples espanto ao estupor paralisante, que impede o sujeito de movimentar-se psiquicamente. Temos exemplos históricos de sociedades inteiras tomadas pelo estupor operado por discursos de líderes capazes de encarnar um mandamento siderante. Auxiliados pela formulação freudiana, podemos entender o papel que a função de liderança desempenha na constituição de grupos homogêneos pela atuação de um indivíduo, de um ideal e até de uma palavra que, uma vez pronunciada, evoca o mandamento siderante que petrifica a posição subjetiva, tornando o grupo uma massa identificada na abolição da palavra, no não senso.

O documentário dirigido por Camilo Tavares O dia que durou 21 anos, lançado em 2013, revela o uso que foi feito do significante “comunismo”, para tornar possível a articulação do plano civil e militar do golpe que derrubou o presidente, eleito pelo povo, e sustentou 21 anos de ditadura no nosso país, nostalgicamente defendida ainda hoje por alguns que permanecem siderados por esse significante petrificador, que dava corpo à traumática ideia de “comer criancinhas”.

Do outro lado, o livro de Jacob Gorender Combate nas trevas. A esquerda brasileira – que revela o percurso dos grupos de esquerda “das ilusões perdidas à luta armada” durante esse mesmo período, a ditadura militar no Brasil – expõe em sua exaustiva pesquisa e análise dos fatos ocorridos, a sideração em torno do ideal marxista da luta armada como única possibilidade estratégica de mudança política. Diante das “ilusões perdidas” esses grupos foram duplamente fulminados: primeiramente fulminados na sideração pela luta que os impediu de se desiderar para relançar o desejo através de outras estratégias, de outros caminhos. Isso os levou a serem fulminados, no real, pelo poder vigente. Décadas mais tarde, a mudança política foi conquistada sem a tomada das armas, na medida em que foi possível a retomada do discurso e da democracia, pela via da força da palavra.

O trabalho do analista coloca o inconsciente em movimento, permite ao universal reencontrar o singular, transformar e construir o sujeito. Da mesma maneira, o jurista, mas também o político deveria velar para que a lei esteja em relação com o direito a fim de permitir à democracia não somente continuar viva na cidade, mas renovar-se (LOLLO, 2013).4

É preciso que a lei venha cortar em partes o continuum do gozo produzido pela palavra “siderante” para que o sujeito possa, então, desiderar-se. Entretanto, o que constatamos na vida diária é que não é possível extirpar definitivamente o gozo do ato de destruir. Konrad Lorenz, o eminente fundador da etologia, afirma que:

La agresión intraespecífica es millones de años más antigua que la amistad y el amor personales. Durante largas épocas de la historia de la tierra ha habido animales que, sin duda, serían muy agressivos y peligrosos [como] casi todos los reptiles... Hay, pues, agresión intraespecífica sin su antítesis, que es el amor. Pero en cambio no hay amor sin agresión (LORENZ apud CARUSO, 1985, p. 70).

A esse respeito, Caruso sublinha na hipótese de Lorenz o fato de que

[...] a agressividade homicida, opressiva, no seio da espécie humana, está em relação direta com as condições não naturais, culturais de sua existência [...] e, por conseguinte, ipso facto com a civilização (CARUSO, 1985, p. 71).

A lei simbólica, ao mesmo tempo que instaura a civilização, dela advém na medida em que humaniza ao cortar os gozos instaurando a divisão subjetiva, mesmo que não de um só golpe.

Por que a lei que humaniza o homem só intervém por golpes descontínuos e não por uma única intervenção que agiria de uma vez por todas? Porque ela não é soberana em relação ao real: este real, para se “deixar ser”, impõe-lhe a existência de certos tempos lógicos específicos, pelos quais ela tem uma eficácia específica (DIDIER-WEILL, 1997, p. 269).

Voltando agora sobre os episódios violentos de 2013, podemos dizer que, para além das interferências de alguns partidos políticos no sentido de insuflar ações destrutivas – interferências essas que foram reveladas publicamente nos noticiários após os eventos, revelando a oportunista influência manipuladora das massas na origem dos atos violentos – não podemos deixar de refletir sobre a manifestação de um grupo que se denomina “Black Bloc”, como fenômeno que denuncia, sob as insígnias de um protesto ideológico anticapitalista e anarquista, todo o seu manancial destrutivo.

Segundo a Wikipedia, Black bloc (do inglês black, preto; bloc, agrupamento de pessoas para uma ação conjunta ou propósito comum, diferentemente de block, bloco sólido de matéria inerte) é o nome dado a uma tática de ação direta, de corte anarquista, empreendida por grupos de afinidade.5

Esse agrupamento – constituído de pessoas sem rosto, sem identidade, já que atuam mascarados, abrigados pelo anonimato, que as formações de grupo, aliás, favorecem – sustenta um laço social peculiar: a possibilidade de realizar e satisfazer o desejo pela via da ação direta, catártica, poderíamos dizer, do ato de destruir. Atingido esse objetivo, o agrupamento se desfaz. Essa atuação é repetitiva, compulsória, sem palavras. Non-sense, continuum, uníssono. Resto inassimilável que podemos reencontrar em algumas das vertentes da civilização para além dos mecanismos por ela criados.

Vemos isso nos esportes, quando as torcidas matam ou os próprios jogadores ferem, como se estivessem numa verdadeira guerra; assistimos em ato à crueldade que o esporte deveria substituir, sublimar, encenar simbolicamente. Na política, quando países ou partidos políticos rivais se lançam à destruição moral ou real de seus oponentes de forma ardilosa e fraudulenta, usando as técnicas da espionagem e as estratégias da guerra, prometendo a destruição do oponente, em pleno século XXI.

E até na música quando, incapazes de criar uma dissonância singular, uma bossa nova, por exemplo, cria-se um estilo que é uníssono, um continuum, como o tecno, por exemplo, em suas versões repetitivas. O Gabber e o Hardcore são exemplos; privilegiam o timbre e “utilizam os timbres mais incômodos, como os ruídos industriais parasitas, no limite da dor. Em vez de uma melodia composta de unidades discretas, a tecno propõe um continuum sonoro”, como explica Jean-Michel Vivès.6 É interessante pensar as relações entre o discurso e a música, duas formas de comunicação que mostram aproximações e paralelos significativos como expressão das tendências, dos afetos humanos.

Muito mais poderíamos argumentar, para poder elaborar o estranhamento diante do real que permanece refratário a “se deixar ser” e apresenta-se a nós sob as mais diversas modalidades traumáticas cotidianamente. Finalmente, acho que já basta de argumentos.

Como Freud, temos que enfrentar nossas impossibilidades e limites, já que no curso da evolução o ser humano ainda não aprendeu como distrair suas pulsões destrutivas e, menos ainda como golpeá-las de uma vez por todas, se é que isso seria possível.

 

Referências

BAUDRILLARD, J. A sociedade de consumo. Rio de Janeiro: Elfos, 1995.         [ Links ]

CARUSO, I. Psicanálise, marxismo y utopia. 4. ed. México: Siglo Veintiuno, 1985. p. 57.         [ Links ]

DICIONÁRIO PRIBERAM DA LÍNGUA PORTUGUESA [em linha], 2008- 2013. Disponível em: http://www.priberam.pt/DLPO/sidera%C3%A7%C3%A3o. Acesso em: 04 abr. 2014.         [ Links ]

DIDIER-WEILL, A. Os três tempos da lei: o mandamento siderante, a injunção do supereu e a invocação musical. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.         [ Links ]

FERREIRA, A. B. de H. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.         [ Links ]

FREUD, S. Os chistes e sua relação com o inconsciente (1905). Direção-geral da tradução de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1989. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 8).         [ Links ]

FUKS, B. B. Carta a Romain Rolland, de 4/3/1923. In: ______. Freud e a judeidade. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.         [ Links ]

GORENDER, J. Combate nas trevas. A esquerda brasileira: das ilusões perdidas à luta armada. São Paulo: Ática, 1987. Disponível em: http://minhateca.com.br/niltonvarela/Documentos/Ebooks/Hist*c3*b3ria+-+Teoria+e+Historiografia/GORENDER*2c+Jacob.+Combate+nas+trevas,1333093.pdf. Acesso em: 15/06/2013.         [ Links ]

HANNS, L. Dicionário comentado do alemão de Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996.         [ Links ]

KUBRICK, S.; CLARKE, A. C. 2001- uma odisseia no espaço. Estados Unidos: Metro Goldwyn Mayer, 1968.         [ Links ]

TAVARES, C. O dia que durou 21 anos. Brasil: Pequi Filmes, 2013.         [ Links ]

VIVÈS, J. M. Por que os adolescentes preferem escutar música Tecno a escutar seus pais. In: MAURANO, D.; NERI, H.; JORGE, M.A. (Org.). Dimensões do despertar na psicanálise e na cultura. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2011. p. 32. Corpo Freudiano - Seção Rio de Janeiro.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Rua João das Botas, 185/310 - Canela
C. M. João das Botas
41110-160 - Salvador - BA
E-mail: barbieri.cibele@gmail.com

Recebido em: 06/04/2015
Aprovado em: 10/05/2015

 

 

SOBRE A AUTORA

Cibele Prado Barbieri
Psicanalista. Membro do Círculo Psicanalítico da Bahia.

 

 

1 CARUSO, I. Psicanálise, marxismo y utopia. 4 ed. México: Siglo Veintiuno editores, 1985. p. 57.
2 Conferência inédita proferida por Paolo Lollo no Seminário Direito, Psicanálise e sexualidade. Universal e diversidade, promovido pelo Círculo Psicanalítico da Bahia nos dias 12 e 13 dez. 2013, em Salvador.
3 http://pt.bab.la/dicionario/alemao-portugues/verblueffung http://pt.pons.com/tradu%C3%A7%C3%A3o/alem%C3%A3o-portugu%C3%AAs/Verbl%C3%BCffung.
https://www.google.com.br/#q=siderar+significado. Acesso em: 27 jul. 2014.
4http://pt.bab.la/dicionario/alemao-portugues/verblueffung http://pt.pons.com/tradu%C3%A7%C3%A3o/alem%C3%A3o-portugu%C3%AAs/Verbl%C3%BCffung.
https://www.google.com.br/#q=siderar+significado. Acesso em: 27 jul. 2014.
5 Criado em 1980 na Alemanha, encontrou adeptos em vários outros países. Para saber mais visitar: http://pt.wikipedia.org/wiki/Black_bloc. Acesso em: 21 ago. 2014.
6 VIVÈS, J. M. Porque os adolescentes preferem escutar música Tecno a escutar seus pais. In: Dimensões do despertar na psicanálise e na cultura. Maurano, D.; Neri, H.; Jorge, M. A. (Org.). Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria/Corpo freudiano - Seção Rio de Janeiro, 2011. p. 32.

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