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Estudos de Psicanálise

versão impressa ISSN 0100-3437

Estud. psicanal.  no.44 Belo Horizonte dez. 2015

 

 

Adolescentes e Facebook: do espaço potencial e ambiente suficientemente bom à possibilidade de brincar na rede1

 

Adolescents and Facebook: from the potential space and the sufficiently good environementn to the possibility of web playing

 

 

Andreza Gomes de Carvalho

I Círculo Brasileiro de Psicanálise - Seção Rio de Janeiro
II Centro de Estudos em Psicologia

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Partindo de fragmentos de dois casos clínicos com adolescentes e uma breve pesquisa, realizada através do Facebook, interrogamos se há uma aproximação possível entre esse espaço virtual e os conceitos de espaço potencial e influencia do ambiente desenvolvido por Winnicott. Será que nessa rede social pode-se perceber um viver/pensar criativo? Ou, inversamente, deparamo-nos com um espaço que serve à instituição de comportamentos padronizados, em consonância aos ideais de consumo, se consolidando como um campo fecundo à alienação?

Palavras-chave: Adolescência, Facebook, Espaço potencial, Ambiente, Psicanálise.


ABSTRACT

As to begin with I’ll use two clinical fragments with adolescents and a brief research, made though the Facebook. I wanted to enquire as to whether there is a connection between virtual space and the Winnicotian concepts of potential space and sufficiently good environment. Or quite the contrary, if we find ourselves opposed to a space that is used to forge standardized behaviors, according to the consumerism ideals that consolidate a fertile alienating soil.

Keywords: Adolescence; Facebook, Potential space, Environment, Psycho-analysis.


 

 

Da infância à adolescência: algumas considerações psicanalíticas

Bagunça de ideias não é coisa má. O inconsciente é uma bagunça infernal, ideias e imagens dançando o tempo todo numa orgia de desordem incontrolável... Para meu consolo, Nietzsche dizia que o segredo da criatividade é ser rico em contradições (ALVES, 2014, p. 111).

Partindo das palavras de Rubem Alves, que como numa brincadeira expõe uma característica marcante da adolescência, e seguindo pensamentos teórico-clínicos psicanalíticos, pretendemos interrogar neste trabalho os diferentes modos de uso do Facebook, através de fragmentos de atendimentos com dois pacientes adolescentes e de algumas falas extraídas de uma pesquisa realizada nessa rede social.

Parafraseando Anchyses Jobim Lopes (2011, p. 24) ao considerar que ‘para a psicanálise e para a filosofia toda grande pergunta tem múltiplas respostas, nenhuma definitiva’, nossa proposta consiste em levantar alguns questionamentos e hipóteses, com base em estudos da psicanálise, articulando as transformações culturais, advindas da inserção das redes sociais na comunicação, com aquilo que é da ordem da subjetividade, enfatizando a influência do ambiente na construção do que é singular em cada um de nós.

Antes, porém, faremos um passeio por algumas ideias referidas à adolescência desde Freud, Anna Freud, Winnicott e José Outeiral, que com dedicação e criatividade lançaram luz sobre essa importante fase do desenvolvimento psíquico.

A “bagunça” psíquica nos remete à adolescência, que se revela como um momento de tantas contradições, do corpo em transformação – nem criança, nem adulto – que causa tanta estranheza. Passagem marcada por inúmeros lutos: do corpo infantil, do corpo que está em transformação, que é o corpo do adolescente; dos pais da infância, idealizados, que tudo sabiam, na maioria das vezes heróis, que frente à adolescência estão sendo desconstruídos; da identidade infantil e da irresponsabilidade própria da infância, da bissexualidade, entre outros.

Esses conflitos acarretam ao adolescente a possibilidade de mudanças significativas na constituição de sua subjetividade, ainda que sob o alicerce dos traços adquiridos no curso das etapas anteriores, um momento potencial, psíquico e dependente de um ambiente suficientemente bom, na melhor das hipóteses, uma construção em prol do jovem adulto.

Ariès (1973) citado por Outeiral (2003, p. 4) refere que a adolescência é um conceito recente, desenvolvido entre o final da Primeira Guerra Mundial e o início da Segunda, entre 1918 e 1939. Até então, se passava da infância à fase adulta após breves rituais de iniciação.

Sigmund Freud, na falta de um termo apropriado, usava em sua obra o termo “puberdade” ou “juventude” para designar também aspectos referidos ao que atualmente denominamos adolescência, pois na época esse termo não existia no idioma alemão (OUTEIRAL, 2003).

Convém sublinhar a diferença entre puberdade e adolescência. Embora esses termos caminhem lado a lado, o primeiro concerne a um fenômeno biológico, que compreende uma série de transformações corporais, enquanto o segundo equivale a um fenômeno psicossocial.

Partindo de suas observações na clínica, Freud ([1905] 1996) se debruçou sobre a investigação da importância dos fatores sexuais na formação dos sintomas neuróticos, localizando na puberdade o momento determinante no que tange a modificações fundamentais na constituição da sexualidade humana, inaugurando o que definia como início bifásico do desenvolvimento sexual.

Como um dos principais acontecimentos destacava a primazia da genitalidade, ou seja, se antes as pulsões sexuais eram predominantemente autoeróticas, e seus objetos eram parciais – sexualidade perverso-polimorfa, nessa fase surge um novo alvo sexual para cuja consecução todas as pulsões parciais se conjugam, enquanto as zonas erógenas se subordinam ao primado da zona genital. Não obstante, anos depois Freud ([1923] 1996) ponderava que a vida sexual do adulto não se limitava à escolha de um objeto ou à primazia dos órgãos genitais, acrescentando a primazia do falo e seus efeitos como marcas capitais na sexualidade humana.

Anna Freud, apoiada nas ideias propostas por seu pai sobre a instauração bitemporal do desenvolvimento sexual, descreveu o período de pausa, que ocorre no início do período de latência nos enfrentamentos do ego e do id, e a irrupção de um novo conflito quando se aproxima a puberdade. As crises típicas, observadas frequentemente durante a adolescência, esboçam a “influência mútua e o sequenciamento dos perigos internos, ansiedades, defesas, formação de sintomas permanentes ou transitórios”; aqui, poderíamos pensar que as “crises” apontam uma saída encontrada pelo ego na tentativa de conciliar as forças contraditórias que emergem com tamanha intensidade neste momento (FREUD, A. 2012, p. 189-199).

Winnicott (1993, p. 117), por sua vez, corroborando a ideia freudiana de que é na experiência prévia de cada adolescente que se constituiriam os modos de lidar com os conflitos inerentes às diferentes fases do desenvolvimento emocional, questionava: Como essa organização preexistente do ego reagirá à intensidade das forças pulsionais erigidas nessa fase? O que resultará da interação das mudanças da puberdade e as marcas inscritas ao longo das etapas anteriores? Como poderão lidar com seu novo poder de destruir ou mesmo de matar, poder inexistente na infância?

Na sequência de suas interrogações, o britânico reforçava a ideia sobre a influência desempenhada pelo ambiente nesse estágio do desenvolvimento, visto que, além do imprescindível apoio familiar requerido nessa etapa, sob outras roupagens, podemos pensar o ambiente, como suporte à constituição do espaço potencial, também como as cidades, a sociedade, as escolas, entre outros representantes que influenciam na promoção de uma vida mais criativa ou, ao contrário, empobrecida.

 

Fragmentos de dois casos clínicos: modos de uso do Facebook

A seguir apresentaremos alguns fragmentos de dois casos clínicos com a finalidade de ilustrar alguns modos de uso do Facebook, bem como a importância, essencial, do setting analítico na construção de uma nova possibilidade de ser. Esse é um lugar de sustentação psíquica, do holding, base para a reedificação do ‘espaço potencial’ – área intermediária entre a realidade interna e externa; em outras palavras, lugar das experiências ligadas aos fenômenos e objetos transicionais de acordo com Winnicott (1975).

Sendo assim, consideramos o setting como locus privilegiado, devido à construção de um ambiente confiável e não invasivo, para um recomeço psíquico e o desenvolvimento de um self livre e espontâneo.

Ressalte-se que, considerando aspectos éticos, alguns dados foram modificados com o objetivo de preservar a identidade dos pacientes.

 

Caso Aline

Aline, na ocasião com 19 anos, chegara à primeira entrevista com sua mãe através de indicação do médico que a acompanhava na época. A hipótese diagnóstica inicial, realizada pelo médico, era de uma personalidade esquizoide e fobia social.

Seguindo Anna Freud (2012), grifamos a importância de considerar o fato de que a adolescência se assemelha a vários distúrbios emocionais e desequilíbrios estruturais, residindo aí a dificuldade de discernimento entre o normal e patológico nessa fase.

O fato de um adolescente se mostrar obsessivo, fóbico, histérico, esquizoide, suicida dependerá da intensidade das forças pulsionais que perturbam o ego, além dos mecanismos de defesa que serão empregados visando a proteção do aparelho psíquico.

A queixa inicial apontada pela mãe se referia a um comportamento extremamente retraído. No entanto, no decorrer da entrevista a fala materna tomou novos rumos. A mãe se referia à filha como: “Ela é estranha assim... Estranha desde o nascimento”.

Enquanto a mãe falava, Aline se colocava numa posição, aparentemente, à parte. Sua expressão de alheamento, entretida em seu smartphone e cabisbaixa, era interrompida quando alguma pergunta era dirigida a ela. Sua face se modificava e exibia um sorriso artificial, que mais parecia o de uma boneca. Era como se Aline presentificasse com o seu sintoma a fala materna.

Recorremos a Freud (1996) e a Maud Mannoni (1999) para destacar a potência das palavras como baliza na construção do ego. Freud acenava em O ego e o id que só teríamos acesso à parte do conteúdo inconsciente através de sua vinculação, produzindo um sentido com as palavras.

Mannonni, em consonância com as contribuições de Freud, aponta que o sintoma da criança se entrelaça ao discurso e às fantasias parentais, e o sujeito é marcado pelo efeito produzido sobretudo pelas falas enunciadas ao longo de sua história, logo falas circunscritas no ambiente.

Ainda durante a entrevista preliminar, a mãe da paciente se pôs a falar, rapidamente e deixando escapar certo incômodo, sobre seus sentimentos durante e logo após a gestação, revelando o quanto para ela aquele momento foi caracterizado por uma experiência de solidão e desamparo. Para além da experiência concreta, factual descrita pela mãe, poderíamos pensar numa reativação do seu conteúdo infantil? Estaríamos frente a uma demonstração da atemporalidade do inconsciente, o novo costurado com o velho, e o sentimento revelado pela mãe um discurso em consonância com sua própria vivência infantil?

Este caso clínico nos remete à função do ambiente e sua relação com o vir a ser. Como o olhar do outro materno, impregnado por um sentimento de estranhamento diante daquela que um dia fora um bebê, foi vivenciado e interpretado por Aline no curso do seu desenvolvimento psíquico? Como crescer e confiar em seu próprio potencial se antes, numa fase tão primitiva, fora colocada num lugar bem determinado – lugar da estranha?

Winnicott (2000) destaca a importância do ambiente desde os estágios iniciais do desenvolvimento psíquico do indivíduo, que é afetado por ele continuamente em todas as etapas da vida. Contudo, realça sua força especialmente nos estágios mais precoces, onde um ambiente suficientemente bom pode promover uma experiência de ilusão positiva, resultando num traço fundamental e numa possibilidade criativa para interagir com o mundo externo. Cabe salientar aqui como a sensação de ser real encontra alicerce na maneira como se estabelece a relação entre o bebê e o ambiente (mãe ou substituto).

Outra contribuição de Winnicott (1975), que consideramos valiosa na articulação do caso clínico em pauta, concerne ao papel de espelho da mãe e da família no desenvolvimento infantil. Para o autor, nas fases primitivas do desenvolvimento emocional, o ambiente tem uma função vital, já que inicialmente o bebê percebe a mãe (ambiente) como parte dele mesmo. Então, perguntamos: ao olhar para o rosto materno, o que o bebê vê? Ou ainda: o que Aline viu (e sentiu)?

No transcorrer das sessões, a paciente demonstrava na fala e nos desenhos suas próprias questões, e daí surgiu uma demanda própria. Ela evitava o contato com as pessoas, negava a existência da sua sexualidade, revelava uma atitude de total submissão e angústia ante a fala materna. Contudo, paradoxalmente, diante da possibilidade de se descolar da mãe, sua expressão sutilmente demonstrava alívio.

Durante o processo de tratamento psicoterapêutico, com base na psicanálise, Aline sentia o setting como um ambiente confiável e como uma oportunidade de sair do aprisionamento em que se encontrava. Sessão após sessão, eu a observava sair da ‘caixa’, com uma fala autêntica, sua, passando de uma atitude passiva a uma atitude ativa.

Parece-nos que, através do processo analítico, a paciente pôde permitir a si mesma um novo começo. A psicoterapia, mediante um processo contínuo e uniforme, constituiu-se como um espaço potencial, uma área do brincar compartilhado, segundo Winnicott. Na reconstituição, no setting, de algumas vivências primitivas, ela pôde se deparar com uma brecha que liberou um caminho para a instauração de um desejo próprio, bem como para um novo reflexo de si mesma, através de um espelho vivo e disposto a acompanhá-la em sua nova trajetória.

Julio de Melo Filho (2011, p. 48) afirma:

Para Balint, a experiência analítica deverá ser sempre um encontro de duas pessoas e o reinício de uma vida, o new beginning, como ele chamou. Para Winnicott, a análise bem-sucedida inclui também um recomeçar de vida, através da liberdade alcançada pelo verdadeiro self, uma riqueza da área da transicionalidade, e o pleno uso da criatividade no processo de viver.

A partir dos ganhos, referidos às mudanças na sua posição subjetiva, adquiridos ao longo do seu processo analítico, como Aline tinha muita dificuldade para se relacionar com as pessoas, encontrou no Facebook uma oportunidade para buscar o contato social. Percebemos que o Facebook ocupou para essa adolescente a função de um dispositivo que facilitou sua comunicação com outras pessoas. Sentia que ali, naquele espaço virtual, poderia tentar experimentar novas possibilidades de si mesma, para além do lugar outrora marcado, e ocupado por ela, pois se comunicava com pessoas diferentes do seu cotidiano, pessoas que não tiveram contato com Aline - “a estranha”.

 

Francisco, 18 anos

O primeiro contato com o paciente suscitou na terapeuta um sentimento de angústia e um pouco de medo. Uma fala de Francisco durante a sessão preliminar foi “Sinto como se eu fosse uma parede em pedaços”. Revelava em vários momentos um sentimento de desintegração e pavor.

A ênfase de sua fala recaía sobretudo na dificuldade de lidar com a figura materna que, em virtude de sua crença religiosa, não aceitava a homossexualidade do filho, chegando a ponto de ameaçar colocá-lo num “hospício”. Diante desse nó, Francisco expunha sentimentos profundamente ambivalentes: amor, ódio e desamparo. Quanto ao convívio com o pai, mostrava dificuldade em lidar com uma pessoa cujo comportamento, extremamente impulsivo e ausente, o aterrorizava.

O paciente era bastante desconfiado e manipulador, como um camaleão, o que sugeria uma repetição da sua maneira de lidar com o mundo – fora do setting. Ele sentia como se não tivesse um lugar para si mesmo, como se seu mundo interno fosse caótico e vazio. O sentimento de inutilidade era frequente.

Uma vez relatou que, ao retornar para casa após uma festa, se deparou com “seu quarto” repleto de entulho e logo descobriu que o pai havia reservado outra finalidade para aquele espaço da casa. Desde então, quando dormia naquela residência, ficava no meio da sala, pois já não existia um lugar para ‘chamar de seu’. Em seu ambiente familiar, só consiga ser ele mesmo durante a noite, enquanto todos dormiam.

Quando os pais estavam presentes, sentia-se exausto diante da pressão interna e do ambiente, que o compeliam a atuar como um personagem. Debatia-se entre o ‘ser’ e o ‘ter que ser’ de acordo com a expectativa da mãe e daquilo que sentia como uma imposição do ambiente. A desconfiança, o caráter manipulador e sinuoso, que compareciam na transferência com a terapeuta, pareciam concernir a uma defesa.

Winnicott (2000) – privilegiando em sua obra o ambiente facilitador como aspecto essencial para o desenvolvimento psíquico saudável, embora não diminuísse a importância da realidade interna e das fantasias – postulava que nenhum bebê pode vir a ser, salvo sob certas condições, que implicam necessariamente um ambiente que agencie o amadurecimento. Nos estágios precoces do desenvolvimento, o bebê poderá descobrir o ambiente sem perder a sensação de ser quando há uma adaptação ativa da mãe às necessidades dele, promovendo, se tudo der certo, um verdadeiro self, ou seja, um self espontâneo e criativo. No entanto, quando o ambiente é invasivo, poderá levar a uma reação negativa do bebê, causando a perda da sensação de ser e, nesse caso, poderá resultar num falso self, construído artificialmente através de uma postura de submissão e adaptação exagerada ao meio.

Freud ([1905] 1996), em seus três ensaios, postulava sobre a instauração bitemporal do desenvolvimento sexual, considerando que durante a adolescência as angústias derivadas de fantasias primitivas retornavam com intensidade.

Winnicott (2000) nos informava que, durante os estágios iniciais, o bebê é essencialmente isolado, tal qual o adolescente, que tenderá a repetir os padrões estabelecidos nas etapas anteriores. Podemos pensar, através do relato deste caso clínico, numa repetição de um padrão de comportamento primitivo, instituído para se defender de um ambiente invasivo? Ou ainda, diante de uma “repetição” de um padrão ambiental, sufocante, a cristalização de uma defesa há muito tempo atuante – mesmo que inconsciente?

De acordo com a fala de Francisco durante as sessões, o Facebook era sentido como um lugar seguro para poder falar sobre o que defendia e para se integrar a um grupo. Nesse espaço virtual buscava se inserir em grupos LGBT, procurava manifestar suas opiniões e, via de regra, demonstrava uma atitude ativa e combativa, bem diferente da sua passividade frente ao ambiente familiar ou o comportamento expresso em sua comunidade, cujo medo de não ser aceito e, mais ainda, de ser atacado, prevalecia como mote que incitava sua ‘cena’ e possivelmente um dos fatores que atualizavam angústias arcaicas.

 

A palavra é dos adolescentes

Após a síntese dos dois casos clínicos, apresentamos algumas frases colhidas durante uma pesquisa no Facebook, cuja realização contou com o apoio de dois adolescentes: Beatriz de Carvalho (15 anos) e João Victor Garcia (16 anos). Elaboramos um questionário e iniciamos as entrevistas na rede social (Facebook) com adolescentes residentes na cidade do Rio de Janeiro, no interior do estado do RJ e no interior do Paraná.

Por meio de questionário, buscamos investigar alguns pontos objetivos, como idade, sexo, local, escola pública ou particular, tempo médio de conexão, modo de acesso ao Facebook (celular, escola, residência) e outros, subjetivos, por exemplo: (a) sentimentos e pensamentos relacionados à maneira, singular de utilizar essa rede social; (b) diferenças entre os amigos feitos através da rede e os de fora; (c) ganhos e perdas; (d) modo de se comunicar nesse espaço virtual.

Responderam ao questionário 39 adolescentes, com idade entre 13 e 18 anos, abrangendo, portanto, diferentes etapas dessa importante fase do desenvolvimento – conforme nos informava José Outeiral (2003, p. 5).

Esse autor considerava a adolescência a partir de três etapas, a saber:

• “adolescência inicial (10 a 14 anos)”, caracterizada pelas transformações corporais e as mudanças psíquicas advindas destas;

• “adolescência média” (14 aos 17 anos) qualificada notadamente por questões referidas à sexualidade principalmente a passagem da bissexualidade à heterossexualidade;

• “adolescência final” (17 aos 20 anos) marcada pela busca da independência dos pais, estabelecimento da identidade sexual e escolha profissional.

Vale notar que, ao avesso da construção de certezas, pensamos que esse momento promove questionamentos e nos adverte quanto ao cuidado que devemos ter na análise do que se desvela a nossa frente, afinal as mudanças são muito recentes. Sendo assim, tenhamos em mente que esta pesquisa configura-se essencialmente como uma oportunidade de escuta fora do ambiente psicoterapêutico.

Freud ([1908] 1996) indicava como as novas tecnologias que modificaram as formas de comunicação – naquela ocasião a rede telegráfica e telefônica – colaboraram com a instituição de novos processos de subjetivação, acarretando, entre outros aspectos, um aumento das doenças “nervosas”. Há mais de cem anos, Freud salientava: “tudo é pressa e agitação”.

Atualmente nos deparamos com as significativas mudanças na comunicação advindas da internet, sobretudo quando pensamos na velocidade das informações propagadas e na ‘aparente’ facilidade para acessar as pessoas. Digo aparente, pois nem sempre essa premissa soa como verdadeira. Muitas vezes, a excessiva conectividade encobre um profundo sentimento de desamparo e medo da intimidade, configurando-se como uma defesa a uma verdadeira aproximação e ilusoriamente tamponando o vazio da própria solidão e, nesses casos, apontando para uma solidão permeada pela escassez de recursos psíquicos que promovam um viver criativo.

Preferimos o virtual em detrimento do real? Os ‘vínculos’ formados nas redes sociais seriam uma forma de minimizar as frustrações inerentes às relações presenciais – dada a incompletude do humano? Solitários porém imaginariamente acompanhados, poderíamos deduzir algo relativo a uma falha ambiental durante o início da vida, que impossibilitou a experiência de estar só pacificamente na presença do outro?

Para Winnicott (1983) a capacidade de estar só é um fenômeno sofisticado, relacionado com o desenvolvimento da maturidade emocional, e sua base consiste num paradoxo: o lactente ou a criança pequena depende da experiência de ficar só na presença da mãe (ou substituto). Essa experiência equivale ao produto da relação estabelecida entre o bebê e sua mãe, que nessa etapa exerce a função de um ego auxiliar, fortalecendo o ego imaturo do bebê, propiciando a introjeção desse ambiente confiável e protetor.

Para pensarmos sobre os diferentes comportamentos expressos no Facebook tanto durante a pesquisa quanto nos casos clínicos que ilustram este artigo, com o objetivo de refletirmos sobre os diferentes lugares que essa rede social pode ocupar, consideramos importante articular os vértices apontados por Outeiral (2003, p. 24) ao citar Mauricio Knobel e relacionados à busca de si mesmo e da identidade, tarefa importantíssima da adolescência e construída a partir das relações estabelecidas ao longo de sua trajetória; à tendência grupal, o grupo como espaço muito valorizado e intimamente ligado à busca por modelos de identificação; e à importância do ambiente, sinalizada por Winnicott.

Quanto aos três pontos levantados acima, nos interessa saber:

• Qual é o papel do Facebook no que tange à busca por modelos fora da família?

• Com o que os adolescentes de hoje se identificam?

• Como preservar a subjetividade do adolescente num espaço em que alguns padrões ‘globalizados’ de comportamento são maciçamente imputados?

Acreditamos que as diferentes falas apresentadas durante a pesquisa apontam algumas direções, principalmente ante a força das palavras daqueles que generosamente colaboraram com este trabalho. Outeiral, prefaciando Jan Abram (2000), sugeria que a leitura de Winnicott deveria ser feita como num jogo de rabiscos, “[...] com o leitor e o autor criando juntos uma leitura pessoal”. As palavras dos entrevistados estão aqui, para serem ‘usadas’.

Destacamos algumas falas:

Costumo usar esta rede social para estar em contato com as tribos urbanas que faço parte – geeks, indies e hipsters – para estar em contato com movimentos minoritários e para conversar (A., sexo feminino, 16 anos, capital/RJ).

Me sinto mais confiante, tenho nervoso de falar em público, mas pelo Face eu consigo falar o que penso com mais facilidade e clareza. Mas é um pouco complicado, porque, apesar de me sentir mais confortável, também sinto falta dos diálogos que acontecem pessoalmente (A.2, sexo feminino, 16 anos, capital/ RJ).

Normalmente falo mais virtualmente, porque pessoalmente tenho vergonha (B., sexo masculino, 14 anos, interior/RJ).

Uso o Face para transmitir minhas ideias e pensamentos, como se fosse um diário on-line. Como um livro onde você guarda recordações, fotos e acontecimentos sobre sua vida. Às vezes o reconhecimento sobe à cabeça, e você passa a viver à mercê disso, não liga mais pra vida fora da internet e fica dependente da atenção virtual (C., sexo masculino, 16 anos, interior/RJ).

Uma forma das pessoas mostrarem o que têm e o que não têm, como são e, às vezes, criam uma fantasia sobre si mesmo. Também é uma forma de “conhecer” novos amigos (D., sexo feminino, 13 anos, interior/RJ).

O ganho seria você se sentir mais confiante, pois, ao ver que você tem mais curtidas, passa a ideia de que você é bem bonita ou legal! (E., sexo feminino, 14 anos, interior/RJ).

A maioria dos amigos virtuais estão mais presentes em sua vida, sempre quando você precisa é só mandar uma mensagem. São poucos os amigos de fora da internet que te ajudam (F., 15 anos, sexo masculino, interior/RJ).

 

Considerações finais

Parece-nos pertinente trazer a fala de Winnicott sobre os objetos e fenômenos transicionais, tema intrínseco à ideia de espaço potencial e ambiente facilitador, objetivando dar início às considerações finais.

[...] introduzi os termos ‘objetos transicionais’ e ‘fenômenos transicionais’ para designar a área intermediária de experiência, entre o polegar e o ursinho, entre o erotismo oral e a verdadeira relação de objeto, entre a atividade primária e a projeção do que já foi introjetado, entre o desconhecimento primário da dívida e o reconhecimento desta (“Diga bigado”) (WINNICOTT, 1975, p. 14).

A propósito do espaço potencial, tecemos alguns comentários. Nas primeiras fases do desenvolvimento emocional, o bebê é absolutamente dependente de um ambiente (mãe/substituto) suficientemente bom, que promova seu vir a ser – humano.

A passagem da dependência absoluta para a dependência relativa acontece a partir da construção do espaço potencial promovido através da adaptação ativa da mãe às necessidades do bebê, e, com o passar do tempo, uma adaptação ‘menos completa’ – respeitando a crescente capacidade do bebê em lidar com a separação.

O caminho entre o que é subjetivamente concebido para uma percepção objetiva ocorre a partir do que Winnicott (1975) denominou como área de ilusão e espaço transicional – que se constitui como uma área intermediária entre a realidade interna e a externa.

Inicialmente o bebê percebe a mãe como parte dele mesmo e, em virtude das pequenas faltas, passará de uma fase de onipotência/ilusão (em que acredita que pode criar os objetos) para uma fase de desilusão (o objeto – seio – não surge sempre que quer), nesse ínterim, como uma maneira de elaborar as falhas graduais que decorrem do ambiente e que são necessárias para que aconteça o processo de diferenciação entre o eu e o não eu, através dos fenômenos transicionais o bebê poderá encontrar maneiras criativas para elaborar a angústia de separação.

Versando sobre a criatividade e suas origens, Winnicott (1975) discorre sobre as diferentes maneiras de lidarmos com a realidade externa, uma através da apercepção criativa, que é própria do mundo subjetivo, cuja origem, pensamos, se articula com um ambiente suficientemente bom, uma experiência de ilusão e aos fenômenos transicionais.

Em contraste, o autor pondera sobre os casos nos quais há uma relação de submissão com a realidade externa, havendo apenas uma atitude passiva e adaptativa, tal qual uma máquina.

Aqui cabe analisar como o Facebook poderá mobilizar psiquicamente aqueles que o utilizam?

Acreditamos que, se não existir um ambiente interno, que propicie um olhar criativo sobre a vida, os adolescentes tenderão a uma posição de subordinação frente às ideias massificadas de forma imperativa através dessa rede social, produzindo, nos casos em que há o apagamento do pensamento, uma subjetividade uniforme (globalizada?), sem possibilidade de abarcar as diferentes nuances, potenciais, do ser.

Luís Cláudio Figueiredo (2007, p. 78) reitera a importância da construção do espaço potencial nas múltiplas fases do desenvolvimento, desde a relação entre o bebê e a mãe até o indivíduo e a sociedade, enfatizando que a instalação desse espaço, ‘um espaço vazio, mas acolhedor e estimulante’, dependerá de uma experiência de confiança primária, suporte indispensável para tornar possível o processo de diferenciação, inaugurando o campo da transicionalidade e abrindo o caminho para o reconhecimento da alteridade, alicerces essenciais à capacidade de desfrutar os diversos produtos da cultura.

Considerando os dois casos clínicos que ilustram este trabalho e as diferentes falas dos adolescentes entrevistados, percebemos que o Facebook pode se configurar como um meio, um espaço virtual, avaliado aqui como um artefato tecnológico inserido na cultura e produzindo novas formas de comunicação, e por que não, um dispositivo facilitador, que caberá a cada sujeito um modo de uso, singular, modo que encontra como condição prévia uma experiência de ilusão, experiência viva, forjada num espaço potencial – espaço do vir a ser um sujeito, quem sabe, criativo.

 

Referências

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Endereço para correspondência
E-mail: acarvalho1998@yahoo.com.br

Recebido em: 28/09/2015
Aprovado em: 13/10/2015

 

 

SOBRE A AUTORA

Andreza Gomes de Carvalho
Psicóloga.
Candidata a psicanalista e membro efetivo pelo Centro de Estudos Antônio Franco Ribeiro da Silva (CEAFRS).
Participante do Grupo de Estudos do Núcleo de Estudos Psicanalíticos da Infância (NEPsi), ambos do Círculo Brasileiro de Psicanálise - Seção RJ (CBP-RJ).
Psicoterapeuta infantil - Centro de Estudos em Psicologia (CEPSI).
Cursou Gestão de Pessoas e Equipes (Ibmec).
Tem experiência clínica com crianças, adolescentes e adultos.

 

 

1 Trabalho apresentado no XXI Congresso do Círculo Brasileiro de Psicanálise e I Congresso Internacional de Psicanálise - Conexões Virtuais: Diálogos com a Psicanálise, realizado pelo Círculo Psicanalítico do Rio Grande do Sul em Porto Alegre, nos dias 23, 24 e 25 jul. 2015. Agradeço o apoio e as sugestões dos psicanalistas do CBP-RJ Nadia Gonçalves, Maria Leda Jucá e Anchyses Jobim Lopes.

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