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Estudos de Psicanálise

versão impressa ISSN 0100-3437

Estud. psicanal.  no.44 Belo Horizonte dez. 2015

 

 

Psicanálise on-line - finalmente saindo do armário?1

 

On-line psychoanalysis - finally out of the closet?

 

 

Sylvia Brandão Nóbrega

I Centro de Estudos Antônio Franco Ribeiro da Silva

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Foram consultados pesquisadores da área, alguns artigos recentes e eventos como o painel “Psicanálise.net”, no XVII Foro Internacional das Sociedades Psicanalíticas (IFPS), na Cidade do México, em 2012. Autores como R. Carlino e J. S. Scharff abordam esse tema, concluindo, de uma forma geral, que o movimento em direção à análise on-line é inevitável e tende a crescer. Já Cibele Barbieri (2005), num artigo, pergunta se num encontro virtual com um suposto analista será possível se instalar uma transferência analítica. Fica claro que o assunto é controvertido, mas a pesquisa sugere que a adoção dessa nova tecnologia é inevitável e será parte do tratamento psicanalítico, pois cada vez mais os analistas estão recorrendo a esse meio, quando não são possíveis as sessões no consultório, face a face. Faltam, no entanto, mais estudos para comprovar a eficácia desse modo de praticar a psicanálise e saber se poderíamos realmente chamar de psicanálise esse atendimento terapêutico.

Palavras-chave: Psicanálise on-line, Técnica psicanalítica, Terapia pela internet.


ABSTRACT

Some researchers, recent articles and a panel discussion at the XVII International Psychoanalytical Forum called “Psychoanalysis.net”, held in Mexico City, in 2012 were reviewed. Authors such as R. Carlino and J. S. Scharff wrote about screen relations, having concluded that, in general, the trend towards distance psychoanalysis is inevitable and will continue to expand. However, Cibele Barbieri (2005) in an article, wonders whether a virtual encounter with an alleged psychoanalyst is able to produce analytical transference. It is evident that this issue is controversial, despite the fact that my research suggests that the adoption of this new technology is inevitable and will be part of the armamentarium used by analysts for the psychoanalytical treatment. More and more the screen is been used, when face to face sessions are not possible. Not until we have more research done will we be able to verify the effectiveness of this form of practicing psychoanalysis and only then will know if we can call screen therapy - psychoanalysis.

Keywords: On-line psychoanalysis, Psychoanalytical technique, Screen therapy.


 

 

O que faz uma jovem brasileira que mora em Londres e não fala a língua da terra, quando precisa recorrer a um atendimento psicanalítico em português? Será que poderá procurar um analista em sua terra natal e ser atendida a distância? Existe psicanálise em um tratamento on-line?

Alguns autores afirmam que sim, outros são frontalmente contra, e outros ainda, como Zalusky (2003), dizem que os maiores críticos da terapia on-line nunca a utilizaram na clínica.

Este trabalho preliminar procura responder a essa pergunta através da leitura de autores que se debruçaram sobre a questão, como Sharon Zalusky, psicanalista de Los Angeles, que em 1998 publicou o artigo Análise por telefone: o que os olhos não veem, o coração sente; Ricardo Carlino (2011), da Argentina, que escreveu Psicanálise a distância, e Jill Scarff (2013), analista inglesa que escreveu A psicanálise on-line: a teleterapia, e outros.

As evidências indicam que estamos diante de uma situação em que, cada vez mais, se usa a tecnologia (web, videoconferência, Skype ou até o telefone) para atendimentos terapêuticos.

No XVII Fórum Internacional da IFPS, na Cidade do México, em 2010, a Dra. Estela Hazan, da Universidade Iberoamericana, da Cidade do México, apresentou um caso de bulimia tratada através do Skype em sua palestra A psicoterapia psicanalítica de um caso de bulimia em um espaço virtual intersubjetivo, usando o computador como um objeto transicional.

Carlino (2011, p. 74, 78 e 101), psicanalista da IPA, que defende a análise on-line e é pesquisador do assunto, adverte que há a necessidade de termos alguns cuidados antes de iniciar um tratamento de psicanálise através de ferramentas digitais:

• Não se deve começar o tratamento remotamente, sem antes ter entrevistado o analisando, em entrevista geralmente conduzida no consultório do analista. Isso permite que se tenha uma orientação quanto aos sintomas e o diagnóstico situacional e psicopatológico do paciente em potencial, para se decidir se o analista pode e está disposto a trabalhar analiticamente com o paciente através da internet. Também pode-se observar, durante o primeiro contato, o desempenho e o impacto que a transferência e a contratransferência da experiência produzem para se saber se a psicanálise remota é adequada para o caso em questão;

• O analisando precisa ter um local onde possa ter privacidade, uma sessão ininterrupta, além da possibilidade de ver o terapeuta numa tela;

• Deverá haver a possibilidade de uma boa conexão;

• O tratamento beneficiaria pacientes adultos neuróticos e alguns adolescentes;

• As crianças devem ser excluídas, e os pacientes psicóticos precisariam ser avaliados, caso a caso.

O que muda numa sessão on-line em comparação com o setting tradicional? O tratamento passa a ocorrer em uma “presença comunicativa” – ou seja, o tempo e o espaço são transformados em uma conexão simbólica que surge no atendimento através do telefone ou da internet (CARLINO, 2011).

Analista e analisando podem estar em fusos horários diferentes, no entanto estarão conectados, mesmo fisicamente distantes um do outro. O paciente não vai mais ao consultório, onde encontraria um ambiente aconchegante e íntimo. Ele precisa encontrar seu próprio ambiente de intimidade em casa e ver o analista através de uma tela. Se o paciente não tem essa possibilidade, não poderá ter a psicanálise remota.

O que muda para o analista? Ele e o seu analisando se verão mutuamente através de uma tela. Segundo uma das apresentadoras do painel sobre análise on-line do VXII Congresso da IFPS na Cidade do México, o analista deverá se acostumar aos poucos a não ter contato visual com o cliente, para manter a atenção flutuante. Como vemos há desvantagens nesse tipo de tratamento.

Mas, se alternativa é não oferecer terapia alguma a um paciente em sofrimento, não há duvida de que a videoconferência é um recurso maravilhoso (CASARIEGO, 2012).

Os autores Carlino (2011), Hanly (2011 e 2009) e Casariego (2012) concordam que a transferência e a contratransferência continuam a ocorrer. E esse é um dado importante.

Scharff (2013) em seu livro Psychoanalysis on-line cita Hanly, presidente da IPA de 2009-2013, que diz que

[...] o processo essencial de livre associação, a transferência, a compreensão sobre a maturação da pulsão, não precisam ficar comprometidos com o uso do telefone. A interpretação básica, o holding e a função de testemunha para o paciente pode ser sustentada pelo analista, sem modificação (SCHAFF, 2013, p. 65).

No livro Robinson Cruzoé ya tiene celular Winocur (2009) diz que o celular/computador estando sempre perto do corpo de um jovem, atende todos os requisitos de um objeto transicional, pois permite a separação de um primeiro elemento simbólico: a família, mediante a introdução de um outro elemento: o celular.

Desse ponto de vista, o analista, com sua presença virtual através do computador/Skype (objeto transicional virtual) está conectado ao paciente, criando um espaço transicional – uma área intermediária de experiência que é virtual.

Assim, por meio da terapia a distância oferecemos ao paciente um espaço intersubjetivo, onde é possível ‘lentamente’ construir uma experiência compartilhada que tem continuidade, como no fenômeno transicional mencionado por Winnicott (1971).

Em termos analíticos, por estarmos presentes, no telefone ou no Skype, há a criação de um espaço de experiência compartilhada. Carlino (2011) denomina esse espaço de “presença comunicativa”. Essa presença é criada e ocorre durante a comunicação virtual, mas não no setting do consultório.

A ideia de presença nesse contexto não é apenas um sentimento subjetivo: os envolvidos estão realmente presentes nesse espaço virtual. Carlino (2011) considera que “[...] este fenômeno ocorre quando começa a comunicação”.

Cada participante sente a presença do outro; embora não haja presença física quando este ambiente de encontro e contato é alcançado, não se percebe a ausência do outro, nem se tem a impressão de que o outro está longe durante este contato (CARLINO, 2011, p. 104).

Esse é o ambiente em que o fenômeno de espaço transicional ocorre na análise. Carlino faz uma comparação entre o atendimento no divã, através do videochat e do telefone. Conclui que nesses três tipos de setting psicanalítico, não há diferenças merecedoras de comentário. Ou seja, em termos de componente verbal dos diálogos, dos componentes paraverbais (entonação) e extraverbais (gestos, expressões, comportamento, risos, lágrimas e qualquer outra manifestação corporal que acompanha a fala), além das características do contato dadas pela situação analítica, o sinal da transferência e da contratransferência, o grau de resistência e o trabalho interpretativo, não há grandes diferenças. E caso haja dificuldades elas poderão ser mitigadas, ou até eventualmente desaparecer, depois que os interlocutores se acostumarem com a nova forma de comunicação.

Carlino (2011) ainda declara que é necessário incluir na teoria psicanalítica uma nova conceitualização do uso tradicional dado aos termos real e virtual. Já que a linguagem é transmitida através de uma tecnologia de comunicação virtual, poderíamos debater ad nauseum, se o diálogo em questão é virtual ou real. Ele argumenta que o diálogo que ocorre é real, e não virtual.

Apesar de ser a favor da análise on-line, e achar que no futuro a análise on-line será uma prática predominante, Carlino (2011) adverte sobre a questão ética, dizendo que o analista deve informar o paciente sobre a natureza ainda experimental do tratamento a distância, a menos que haja razões específicas para não fazê-lo. E mais, o analista precisa estar bem orientado na sua indicação, e necessita pesquisar periodicamente os últimos usos e aplicações.

Embora haja autores entusiasmados com o atendimento on-line, há alguns que pedem cautela no uso da tela para o atendimento terapêutico.

Em Screen Relations, Gillian Russell (2015) pede aos analistas que façam uma pausa e reconsiderem mais profundamente as limitações do tratamento mediado pela tecnologia. Pesquisadora do uso do Skype para o tratamento psicanalítico e tendo entrevistado analistas e pacientes sobre suas experiências de analise on-line, defende o ideal da copresença como condição fundamental para a psicanálise. Adverte que a tecnologia não pode substituir as interações espontâneas de duas pessoas na mesma sala explorando pensamentos, desejos e sentimentos. Considera que, já que o ego é um ego corporal, quando o corpo do paciente e o do analista se encontram no mesmo ambiente, será mais fácil para o paciente sentir confiança, e para o analista manter um estado de devaneio, sonhando juntamente com o analisando num ambiente de acolhimento seguro. Em comparação, o analista na internet pode ter sua atenção reduzida, vivenciando falhas técnicas que criam interrupções e frustram o paciente (RUSSELL, 2015 p. xi).

Há, no entanto, os que se posicionam frontalmente contra a psicanálise on-line. Cibele Barbieri (2005), do Circulo Psicanalítico da Bahia, no artigo A desregulação da psicanálise comenta um anúncio de serviços de psicanálise on-line, na internet:

Na era do instantâneo, do industrializado e dos transgênicos, era da profissionalização, da globalização e da informatização, a Psicanálise online é o extremo de um processo de encaixotamento do saber e do fazer para “pronta entrega” (BARBIERI, 2005, p. 101).

A autora menciona Quinet, que afirma no livro A descoberta do inconsciente que

O sujeito em associação livre é um sujeito dirigindo-se ao analista cuja presença nas sessões é condição sine qua non para fazer o inconsciente existir (QUINET apud BARBIERI, 2005, p. 109).

Por outro lado, Carlino (2011) afirma que na psicanálise a distância a ideia da presença é diferente da necessidade de estar na frente da outra pessoa. A presença adquire um conceito abstrato e simbólico. A presença, quando a separamos da necessidade de um encontro físico direto, está ligada à ideia de contato e encontro entre o analisando e analista, e a qualidade alcançada terá um resultado paralelo à profundidade e penetração, que pode ser obtida na troca normal que ocorre em uma sessão tradicional.

Lemma e Caparotta (2014) asseguram que a questão não é saber se analista e analisando devem se encontrar no espaço virtual da internet, na impossibilidade de haver um encontro no consultório. A questão é que, com ou sem a nossa aprovação, a psicanálise on-line já está acontecendo em larga escala, mesmo se os analistas raramente mencionam o fato com os seus colegas – talvez haja aí uma culpa não analisada, em razão da transgressão às normas da psicanálise tradicional (ZALUSKY, 2003).

Há poucas pesquisas no momento, mas elas sugerem que pelo menos um terço dos analistas já experimentou a psicanálise a distância. A questão é saber se de fato a díade psicanalista/analisando, no espaço físico, é condição sine qua non para que o processo psicanalítico ocorra.

E a disseminação cada vez maior dessa prática equivale ao maior do número de nativos digitais entre analistas e pacientes. Podemos argumentar que os aspectos emocionais das relações humanas só podem ocorrer e encontrar expressão em um contexto tradicional.

No entanto, podemos ao mesmo tempo afirmar que os dispositivos de videolink de fato oferecem as principais características perceptivas, como a visual e a auditiva para que haja uma comunicação significativa. O que fazer diante dessa questão, em que aos poucos mais e mais analistas estão recorrendo ao videolink para realizar suas sessões?

A resposta reside na questão de quão rígida será a nossa definição do trabalho psicanalítico, segundo Argentieri & Mahler (apud LEMMA; CAPAROTTA, 2014). Se seguirmos certos princípios teóricos básicos, como a crença no poder do inconsciente, princípios técnicos, como a oferta de um setting consistente, e o ético, como o respeito à confidencialidade, acredito que, nessas condições, qualquer definição de trabalho psicanalítico deve permitir um tom de flexibilidade.

O que constitui uma análise verdadeira precisa ser considerada no contexto de um ambiente em rápida evolução, onde as novas tecnologias e a cultura e seus valores não podem ser ignoradas.

Lemma & Caparotta (2014, p. 32), declaram que:

A psicanálise em sua forma tradicional pode se tornar uma curiosidade do passado, se nós, os poucos imigrantes digitais que ainda restam, não colaborarmos com os nativos digitais, reagindo proativamente à revolução eletrônica, aí então, a nossa tão querida e impossível profissão terá uma boa chance de florescer.

Os “imigrantes” digitais são os nascidos antes de 1980 e os considerados “nativos” digitais, após 1980.

Concluindo, respondo à pergunta inicial: existe psicanálise em um tratamento on-line? Acredito que a controvérsia será resolvida quando mais analistas pesquisadores tiverem publicado seus resultados sobre a eficácia clínica do atendimento on-line.

Carlino (2001) prevê o dia em que será a preferência de jovens conectados à internet, mesmo aqueles que moram perto de um atendimento psicanalítico. Muitos analistas estão acumulando experiência para um estudo posterior (SCHARFF, 2013).

A psicanálise remota tem implicações para a expansão de oportunidades de treinamento para candidatos que moram em locais remotos e para a disseminação da psicanálise.

Resta saber se ela é equivalente a uma análise no divã. A minha pesquisa sugere que haverá um momento no futuro, não muito longínquo, em que cada analista terá que se confrontar com essa nova realidade. Além disso, terá que decidir se irá se abrir para essa forma singular de trabalhar, que é certamente diferente, mas não menos válida, segundo os autores pesquisados.

 

Referências

BARBIERI, C. A desregulação da psicanálise. In: TEIXEIRA, A. Especificidades da ética da psicanálise: conferência ética e real, ética e... Salvador: Associação Científica Campo Psicanalítico, 2005. p. 101-111.         [ Links ]

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LEMMA & CAPAROTTA. Psychoanalysis in the techno-culture era. Londres: Routledge, 2014.         [ Links ]

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WINOCUR, R. Robinson Crusoe ya tiene celular. México: Siglo XXI, 2009.         [ Links ]

ZALUSKY, S. Telephone analysis: out of sight, but not out of mind. Disponível em: http://www.pep-web.org. Acesso em: 30 out. 2012.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
E-mail: sylnobre@gmail.com

Recebido em: 28/09/2015
Aprovado em: 09/11/2015

 

 

SOBRE A AUTORA

Sylvia Brandão Nóbrega
Bacharel em letras e licenciada em inglês-português pela PUC-RJ.
Tradutora e intérprete de conferências com curso de Especialização para Intérpretes de Conferências pela Universidade de Georgetown EUA).
Candidata em formação no Centro de Estudos Antonio Franco Ribeiro da Silva (CEAFRS), pertencente ao Círculo Brasileiro de Psicanálise - Seção Rio de Janeiro (CBP-RJ).

 

 

1 Trabalho apresentado no XXI Congresso do Círculo Brasileiro de Psicanálise e I Congresso Internacional de Psicanálise – Conexões Virtuais: Diálogos com a Psicanálise, realizado pelo Círculo Psicanalítico do Rio Grande do Sul, nos dias 23, 24 e 25 jul. 2015, em Porto Alegre.

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