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Estudos de Psicanálise

Print version ISSN 0100-3437

Estud. psicanal.  no.45 Belo Horizonte July 2016

 

 

Caixa lúdica e novas tecnologias

 

Playful box and new technologies

 

 

Renata Franco Leite

I Círculo Psicanalítico de Sergipe

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente trabalho se propõe a pensar sobre a caixa lúdica tradicional e as novas tecnologias que, muitas vezes, parecem mais atraentes para as crianças. São levantadas questões relativas à teoria tradicional proposta por Melanie Klein para que se possa refletir sobre a utilização de novas tecnologias durante o processo analítico.

Palavras-chave: Caixa lúdica, Tecnologias, Psicanálise.


ABSTRACT

This paper aims to think about the traditional playful box and new technologies that often seem more appealing to children. Questions will be raised on the traditional theory proposed by Melanie Klein, so you can think about the use of new technologies during the analytical process.

Keywords: Playful box, Technologies, Psichoanalysis.


 

Introdução

A psicanálise com crianças sempre foi considerada um desafio. Alguns autores, há muito tempo, desenvolveram técnicas que possibilitavam às crianças se expressar e, consequentemente, se desenvolver no processo psicanalítico.

Melanie Klein foi uma das pioneiras e é considerada uma das principais referências no que diz respeito à psicanálise com crianças. Suas técnicas desafiaram as propostas feitas na sua época e, por se mostrarem eficazes, conquistaram amplo espaço no universo psicanalítico, por isso são utilizadas e estudadas até hoje.

O principal objetivo deste trabalho consiste em pensar sobre as dimensões técnicas kleinianas tradicionais e, em especial, as ferramentas utilizadas na caixa lúdica e seus objetivos, além de fazer uma reflexão acerca das novas ferramentas tecnológicas que podem, ou não, ser utilizadas com sucesso no trabalho com crianças. Questiona-se principalmente se as novas tecnologias suprem as expressões obtidas através do uso da caixa lúdica e como elas podem ser utilizadas sem que haja descaracterização do processo psicanalítico.

 

Aspectos introdutórios sobre as contribuições Kleinianas

Melanie Klein foi a responsável pela criação e pelo desenvolvimento da psicanálise com crianças. Seguindo as principais teorias e técnicas propostas por Freud, Melanie Klein adaptou a maior parte desses trabalhos direcionando-os à análise com crianças, que naquele momento surgia como novidade.

Apesar de ter tido destaque, Melanie Klein não foi a única a propor a análise com crianças. Autores como Anna Freud e Winnicott, por exemplo, trouxeram importantes inovações, porém cada um utilizou uma abordagem diferente. Deve-se destacar que todas essas teorias e técnicas continuam sendo estudadas e utilizadas até hoje tanto por psicanalistas quanto por psicólogos (ZIMERMAN, 1999).

Ao desenvolver e descrever o seu trabalho com crianças, Melanie Klein considerou que, através das brincadeiras, a criança conseguia expressar suas questões conscientes e inconscientes, pois o brincar para a criança funcionava de maneira similar à associação livre do adulto.

Para a autora, os brinquedos funcionam como ferramentas facilitadoras que permitem à criança expressar seus principais conflitos através do mecanismo de projeção descrito por Freud.

Além disso, a brincadeira auxilia no processo de comunicação da criança, que funciona de maneira tanto verbal quanto comportamental, através de gestos e atitudes, que muitas vezes são bastante sutis (BLEICHMAR; BLEICHMAR, 1992).

Alguns funcionamentos atrelados à maneira como as crianças se expressam durante o brincar, que Melanie Klein (1981) descreve teoricamente, podem ser percebidos como complementares aos descritos por Freud. A partir disso, a teoria das posições esquizoparanoide e depressiva é abordada e percebida, principalmente através da maneira como a criança se expressa ao brincar. A autora destaca que diversos fatores influenciam na vida da criança e que cada momento é fundamental para a construção de sua personalidade.

A posição esquizoparanoide estaria ligada a tudo aquilo que é individual e primário na formação da criança – traumas e angústias seriam constantes nesses momentos, fazendo com que as pulsões de morte estejam presentes, permitindo ao ego em formação ser lapidado até se tornar coeso. Ainda são destacados os aspectos de seio bom e seio mau, cisão e projeção, defesas primitivas e outras questões teóricas postuladas por Freud e adaptadas à nova teoria por Melanie Klein.

Já a posição depressiva teria sua principal influência na organização do ego, proporcionando, assim, sua coesão e permitindo que a criança interaja e socialize. Nessa posição, a pulsão de vida terá mais destaque, e a criança estará mais tolerante com relação à frustração. Questões teóricas são enfatizadas nessa posição, entre elas, a presença da ansiedade depressiva (COSTA, 2010).

 

Caixa lúdica e novas tecnologias: questões relativas à finalidade e ao manejo

O trabalho tradicionalmente realizado por Melanie Klein com crianças era conduzido através das observações e interações durante o brincar, que permitiam que a criança criasse, tanto através da construção quanto pela destruição. Água, cola, papéis, tintas, tesouras, alguns bonecos e outros componentes provocavam as mais diversas reações nas crianças, permitindo-lhes criar, repetir, gerar angústia e expressar essas questões a partir da maneira como utilizavam esses itens.

O processo tem bons resultados, pois, ao perceber as reações manifestadas, é possível ao analista conduzir a brincadeira amenizando os conflitos internos que se apresentam no momento (COSTA, 2010).

Ao longo dos anos, foi sendo utilizada a caixa lúdica que continha essas ferramentas consideradas básicas. Além de propiciar a ideia do sigilo, a caixa passou a ter importância fundamental no processo terapêutico.

Outros itens como jogos, bonecos mais elaborados, tabuleiros e brinquedos de montar passaram a ser utilizados, principalmente pelos psicólogos, fazendo com que a caixa lúdica tradicional fosse, até certo ponto, perdendo suas principais características.

Alguns desses novos itens não descaracterizam os objetivos primordiais da caixa lúdica nem interferem neles. Porém, os jogos e os brinquedos que possuem finalidade específica (adivinhação e competição, por exemplo) limitam as possibilidades para a criança se expressar livremente como Melanie Klein fazia.

Arminda Aberastury (1982) traz, da mesma forma que Melanie Klein, a importância de a criança estar livre/a importância da liberdade da criança para se expressar através do brinquedo, pois só dessa maneira suas angústias poderão ser identificadas e, consequentemente, manejadas pelo analista.

Além disso, a autora considera que a caixa lúdica significaria mais do que um local em que os brinquedos são guardados: a caixa se torna um símbolo de sigilo profissional que, no caso do adulto, é acordado apenas de maneira verbal (ABERASTURY, 1982).

Os jogos eletrônicos, video games e tablets, principalmente, vêm ganhando destaque ao longo dos anos e se tornando os favoritos das crianças. Alguns profissionais da área psi iniciaram estudos relativos ao uso, ao vício e à influência dos jogos no comportamento das pessoas, independentemente de sexo e faixa etária.

Apesar de muitos estudos estarem sendo produzidos, existem poucas publicações sobre o uso desse tipo de ferramenta nos consultórios de psicólogos e psicanalistas. Sabe-se que alguns profissionais, principalmente da psicologia, utilizam essas ferramentas com os mais diversos objetivos.

Assim como os testes psicológicos, as ferramentas tecnológicas se mostram bastante eficazes no que diz respeito a perceber aspectos objetivos do comportamento dos sujeitos. Níveis intelectuais, questões relativas à atenção, capacidade de resolução de problemas, tolerância à frustração, entre outros aspectos, podem ser percebidos e, então, trabalhados com o auxílio do terapeuta responsável.

Como parte de um processo terapêutico, o uso dessas ferramentas tecnológicas apresenta aspectos positivos e negativos. A possibilidade de identificar alguns tipos de comportamentos e patologias através de uma ferramenta que atrai o sujeito, principalmente no caso das crianças, que em geral costumam ter facilidade e preferência por esses itens, pode ser de muita valia para o andamento do processo, além de servir como uma boa forma de estabelecer vínculo com o indivíduo.

Entretanto, por serem ferramentas limitadas, a percepção de questões subjetivas, que é fundamental para qualquer processo terapêutico, pode ser pouco explorada ou até despercebida caso o uso dessas ferramentas se torne abusivo. Além disso, questões relativas ao vício podem interferir negativamente no processo, podendo até descaracterizá-lo.

O uso de jogos eletrônicos e ferramentas tecnológicas interfere diretamente na capacidade que o indivíduo possui de se expressar livremente, o que pode impedir ou, pelo menos, dificultar que sua subjetividade seja percebida e manejada pelo profissional psi. Sendo assim, apesar de terem sua importância, essas ferramentas muitas vezes limitam tanto o sujeito quanto a possibilidade de o profissional trabalhar determinadas questões.

Diante dessas reflexões, podemos pensar e questionar o uso de ferramentas tecnológicas durante um processo psicanalítico, algo mais específico ao tema proposto. Partindo da premissa kleiniana, foco deste trabalho, é fundamental que a criança esteja livre de qualquer obrigação e que não haja indução ou objetivo específico para o brincar.

Dessa maneira, a maioria dos jogos eletrônicos, como foi citado acima, se encontraria fora da abordagem proposta da autora, abordagem que é utilizada tanto por psicólogos quanto por psicanalistas.

É preciso que fique claro que, embora não se enquadre na proposta tradicional, o uso de novas tecnologias pode auxiliar o terapeuta, o psicólogo ou o psicanalista a entender e manejar alguns comportamentos dos pacientes, a exemplo de intolerância à frustração e dificuldade de socialização.

Entretanto, a limitação existente quanto à liberdade na condução da brincadeira impossibilita o sujeito, especialmente a criança, de trabalhar questões subjetivas muito importantes tanto para a sua formação quanto para o processo terapêutico, em especial o processo psicanalítico.

 

Conclusão

As contribuições teóricas e técnicas kleinianas se mostram muito valiosas durante o tratamento analítico infantil. Embora outros autores tenham trabalhado com esse mesmo público e novas técnicas tenham surgido, Melanie Klein se tornou uma figura de referência pela sua inovação, tanto é que sua abordagem é utilizada e estudada até os dias atuais. A técnica lúdica tem se mostrado, ainda que com algumas adaptações à forma original proposta, o melhor instrumento de trabalho dos psicanalistas no que se refere à psicanálise com crianças.

O surgimento de novas tecnologias, entretanto, a exemplo de objetos e jogos eletrônicos, tem atraído a atenção das pessoas, em especial das crianças e, diante disso, surge a necessidade de reflexão a respeito da eficácia de se introduzir essas novas ferramentas como meio de auxiliar nos processos terapêuticos.

Considerando a ideia de Melanie Klein de que a criança precisa estar livre ao brincar para que possa expressar sua subjetividade e dar ao terapeuta a oportunidade de perceber importantes questões relacionadas ao processo psicanalítico, é preciso reconhecer que essas novas ferramentas tecnológicas não atendem aos propósitos buscados quando da utilização da caixa lúdica. Isto porque, embora possam se apresentar como “brincadeiras”, são direcionadas, restritivas e limitadoras da criatividade e da liberdade de expressão da criança.

Portanto, ainda que se mostrem úteis em alguns processos terapêuticos, essas novas tecnologias não suprem o “brincar livre”, que é a premissa básica da técnica kleiniana e podem ser utilizadas, caso sejam visados objetivos diferenciados aos propostos por Melanie Klein, porém a caixa lúdica e seus materiais podem atingir os fins que eram propostos por ela.

 

Referências

ABERASTURY, A. Psicanálise da criança: teoria e técnica. Tradução de Ana Lúcia Leite de Campos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1982.         [ Links ]

BLEICHMAR, N. M.; BLEICHMAR, C. L. A psicanálise depois de Freud: teoria e clínica. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992.         [ Links ]

COSTA, T. Psicanálise com crianças. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2010. (Col. Passo a Passo, 75).         [ Links ]

ZIMERMAN, D. E. Fundamentos psicanalíticos: teoria e clínica - uma abordagem didática. Porto Alegre: Artmed, 1999.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
E-mail: renatafrancoleite@hotmail.com

Recebido em: 06/05/2016
Aprovado em: 03/05/2016

 

 

SOBRE A AUTORA

Renata Franco Leite
Psicóloga graduada pela Universidade Tiradentes (UNIT), Aracaju (SE).
Candidata à formação em psicanálise pelo Círculo Psicanalítico de Sergipe (CPS).

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