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Estudos de Psicanálise

versão impressa ISSN 0100-3437

Estud. psicanal.  no.47 Belo Horizonte jul. 2017

 

EDITORIAL

 

Após mais de uma década, tendo a honra de ser eleito uma segunda vez para administrar o Círculo Brasileiro de Psicanálise, é com muita gratidão a todos que sucederam após o primeiro mandato – Cibele Prado Barbieri, Deborah Pimentel, Stetina Trani de Meneses e Dacorso, Ricardo Azevedo Barreto – que herdo a continuidade de seu esforço e sua dedicação. Considero o CBP uma sociedade virtual. Isto é, não possui sede fixa nem normas que regem as filiadas. O CBP existe enquanto se presentifica reunindo-se em sua Ágora, que se congrega principalmente ao redor de uma mesma história, na participação das reuniões em defesa do saber freudiano face a tentativas espúrias de monopolização, dos congressos e da Estudos de Psicanálise, que já recebeu alguns artigos para seu próximo número, o 48º.

Segundo as avaliações do SciELO ( Scientific Electronic Library Online) a Estudos de Psicanálise , com mais de 500.000 acessos desde o início de sua versão digital, é uma das duas revistas psicanalíticas brasileiras mais acessadas da PEPSIC ( Periódicos Eletrônicos em Psicologia ), uma das fontes da Biblioteca Virtual em Saúde Psicologia da União Latino-Americana de Entidades de Psicologia (BVS-Psi ULAPSI). A Estudos também alcançou, segundo a Plataforma Sucupira da CAPES, a avaliação em psicologia e em interdisciplinaridade de B2, e em letras/linguística de A2. Agradeço a todos os autores, editores, coeditores e funcionários que participaram desde o primeiro número em 1969.

Supomos que esse excelente resultado não seja apenas a questão qualidade dos autores e a dedicação dos editores, mas da forma como as sociedades psicanalíticas são formadas e mantidas. Comparado ao número de participantes das instituições universitárias, mesmo que se tenha em conta candidatos e alunos, o número de membros do Círculo Brasileiro de Psicanálise parece ser insignificante: poucas centenas em oposição a dezenas ou centenas de milhar. Tanto quanto saibamos jamais a Estudos contou com alguma verba pública. Tudo que temos advém das sofridas mensalidades dos membros e alunos. Para justificar a importância das sociedades psicanalíticas, que em sua união conseguem uma proeza admirável que é o sucesso da Estudos , repetiremos o que foi aqui escrito há doze anos, no que era ainda o segundo número digital. Em breve serão vinte e um.

Apesar de todos os narcisismos e querelas históricas, ficou claro o quanto as sociedades psicanalíticas são, ou tentam ser, entidades democráticas nas quais os próprios membros são os donos. Autogestão, propriedade dos meios de produção, participação direta nas assembleias: termos que os arúspices da globalização vaticinam como ultrapassados, antieconômicos e impeditivos para a competição. Ainda bem que no mundo das cadeias do ‘fast – fast-food', ‘fast-religion' e ‘fast-university' – a psicanálise está onde sempre esteve: na contramão.

O Círculo Brasileiro de Psicanálise lealmente segue o mesmo trajeto: na contramão. Sentido radical que surgiu na obra Freud, desde que se opôs às hipóteses de degeneração cerebral e incompreensibilidade para os sintomas histéricos. Hipóteses que hoje se mantém ainda mais forte sobre a suposta égide da neurociência, que, apesar de muitos pesquisadores e correntes honestas, serve de ideologia para o organicismo e a medicalização maciça pela indústria farmacêutica, uma das mais lucrativas do planeta.

A radicalidade descoberta do inconsciente a partir da histeria, foi seguida por outra: a importância da primeira infância e sua sexualidade. Até hoje a psicanálise constituí a única prática teórico-clínica que enfatiza o valor da sexualidade infantil tanto para a criança como para a compreensão do adulto. É o reencontro com a criança dentro nós que exige para a transmissão da psicanálise, ao contrário da universidade, além de cursos teóricos e supervisões clínicas, a análise pessoal.

A obra freudiana se coloca na contramão dos processos de desumanização e violentação, que dogmatizam informações técnicas como saberes absolutos e verdades acabadas. Informações que servem para ocultar o deslizamento do sofrimento social em individual, com a finalidade de dopá-lo, tendo hoje as crianças como vítimas principais da medicalização.

O objetivo da instituição psicanalítica deve, dentro do possível, aprofundar os saberes sempre provisórios do desejo, do inconsciente, da sexualidade infantil e da subjetividade. Nada mais coerente a uma sociedade virtual que, para tal fim, use o mundo virtual e o serviço os instrumentos digitais mais avançados. Questão já muito debatida e controversa quanto à prática clínica, mas essencial para a difusão do saber e o diálogo entre psicanalistas. e para a difusão do saber freudiano a todas pessoas interessadas.

É com vaidade não muito sutil que novamente tenho o prazer de citar um trecho da Carta de Princípios do Círculo Brasileiro de Psicanálise, documento redigido há mais de vinte e cinco anos:

A Psicanálise é a ciência do Inconsciente, entendido no sentido do texto freudiano, que se marca por sua radicalidade e onde se desenvolve uma metodologia à investigação deste objeto. Isto nos coloca no espaço do inacabamento. [...] Na Instituição Psicanalítica a produção científica se faz sobre os restos inanalisáveis, fazendo destes traços secretos uma condição de formação permanente. Este processo desenvolve-se com os pares e pela criação de um espaço de palavra sobre o que permanece não dito. Nesta Instituição Psicanalítica não propicia a fixação de identificações imaginárias. A Instituição Psicanalítica testemunha a permanente passagem para o tornar-se, que dá lugar para o inacabamento, através da produção teórica, da prática clínica e institucional.

 

Anchyses Jobim Lopes
Presidente
Biênio 2017-2019

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